sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Os «desequilíbrios que vêm de trás» e os trambolhões que o «sucesso do ajustamento» causou

por

A Comissão Europeia (CE) decidiu lançar um balde de água gelada na campanha de propaganda em curso sobre o sucesso do «ajustamento» português. No quadro das análises do semestre económico, a CE decidiu colocar Portugal sob vigilância apertada por «desequilíbrios excessivos», salientando os riscos ligados aos «níveis elevados de dívida, tanto internamente como externamente, e elevado desemprego», não deixando igualmente de sublinhar que o sistema de protecção social português foi incapaz de lidar com o aumento da pobreza nos últimos anos, em virtude de os cortes nos apoios sociais terem afectado «desproporcionalmente» os mais pobres. E como se não bastasse, a Comissão Europeia vem ainda reclamar pelo abrandamento nas reformas estruturais depois da «saída limpa» e assinalar o óbvio: que o «crescimento potencial de longo prazo não chega para pagar a dívida pública». Como retrato do aclamado «sucesso do ajustamento» e como exercício de enjeitar responsabilidades, estamos conversados. O médico acaba de culpar o paciente pelos efeitos da terapia que prescreveu e que pretende reforçar.

A reacção do governo tardou mas lá acabou por chegar, pela voz de Luís Marques Guedes. De acordo com o ministro da Presidência e dos Assuntos Parlamentares, os desequilíbrios económicos apontados pela Comissão Europeia «são chagas que vêm de trás» e que registaram, segundo o governo, uma evolução positiva nos últimos anos. Como retrato do estado de pânico e de negação em que a maioria de direita se encontra, estamos conversados. Em vez de questionar o médico pelos efeitos causados pela terapia prescrita (e apesar do entusiasmo com que a aceitou), o paciente prefere passar adiante e dizer que, sendo maleitas que já vêm de longe, até se estão a resolver.

Olhemos para o que se passou nos últimos anos, em alguns dos domínios que a CE identifica como «desequilíbrios excessivos», considerando três momentos distintos. A situação em 2007 (antes do impacto da crise financeira), no final de 2010 (antes da assinatura do Memorando de Entendimento com a troika) e a situação em 2014, depois de três anos de «glorioso ajustamento» e de paradigmática «mudança estrutural» da economia e da sociedade portuguesa.


Em resultado da sangria migratória e da quebra acentuada no saldo natural nos últimos três anos, Portugal atingiu em 2014 um saldo demográfico negativo (-60 mil) que é absolutamente inédito na nossa história recente e longínqua. A destruição de emprego, por sua vez, atingiu entre 2010 e 2014 níveis colossais (com uma quebra de cerca de 8%, o dobro da registada entre 2007 e 2010) e o desemprego dispara no mesmo período de 11 para 14% (sendo que sem as operações de camuflagem estatística de desempregados esta subida seria muito mais significativa). A dívida pública em percentagem do PIB não cessou de aumentar e a percentagem de população em risco de pobreza conhece novos patamares, em linha com a hipocrisia que subjaz à garantia de «ética social na austeridade».

Tudo isto, atente-se bem, em consequência de um programa de «ajustamento» que prometia «resgatar o país», proceder a um «equilíbrio sustentável das finanças públicas» e corrigir os tais «desequilíbrios estruturais». O que comprova que os sacrifícios valeram mesmo a pena, só é preciso continuar a insistir.

aqui:http://ladroesdebicicletas.blogspot.pt/2015/02/os-desequilibrios-que-vem-de-tras-e-os.html

Publicação em destaque

Marionetas russas

por Serge Halimi A 9 de Fevereiro de 1950, no auge da Guerra Fria, um senador republicano ainda desconhecido exclama o seguinte: «Tenh...