1 – Obscurantismo, alienação e... otimismo
As políticas do governo não criam só opositores entre as
vítimas. Apesar das tragédias individuais e sociais da
austeridade, da insegurança e da dependência, número
significativo de eleitores desiste de assumir opções
políticas abstendo-se e muitos outros mantêm a
intenção de votar nos partidos responsáveis por estas
políticas.
Se há crime social que a direita comete – tal como o fascismo
– é o obscurantismo e a perda de "qualidade social"
(Marx) dos indivíduos. Nos locais de trabalho a tensão
psicológica provocada pela precariedade, perda de direitos laborais,
dificuldades materiais, gera também o divisionismo, promove a
competição entre trabalhadores. As frustrações
são transferidas não para o sistema de exploração,
mas para os colegas e para os que lutam contra este estado de coisas. Tudo isto
pode ser favorável à manutenção do poder da
direita, mas não gera produtividade e muito menos progresso.
O governo e a propaganda procuram que os reformados sejam levados a crer que a
degradação da sua situação é causada pelos
outros trabalhadores; a dos desempregados pelos sindicatos que lutam pelos
direitos laborais; a precariedade entre os jovens, pelos trabalhadores mais
antigos, acusados de terem "privilégios".
O obscurantismo e a alienação
[2]
promovem a criação do "lúmpen proletariado, esse
produto passivo da putrefação das camadas mais baixas da velha
sociedade (…) em virtude das suas condições de vida
está bem mais disponível a vender-se à
reação, para servir as suas manobras". (Marx e Engels
"Manifesto") Mas dá também origem ao que os fundadores
do marxismo qualificaram como "aristocracia proletária",
aqueles que em troca de uma situação relativamente mais
favorável se associam às teses do capital, servindo os
propósitos de uma sociedade baseada na exploração e na
desigualdade.
O sistema baseado na lei da maximização do lucro gera mecanismos
de alienação para se perpetuar, são ignorados os aspetos
sociais que condicionam os comportamentos humanos mostrando-os como meras
opções individuais – a "liberdade de escolha" -
diluídas numa democracia abstrata.
O que passa com a Grécia mostra a que nível desceu a democracia
na UE: podem fazer as eleições que quiserem, mas ao pretender
agir-se de acordo com as propostas eleitorais, a resposta é: "Para
trás escravos da dívida".
Para fugir às suas contradições, o sistema procura gerar a
apatia social e criar massas populares moldáveis. Ethan Smith
qualificava os EUA como os "Estados Unidos da Apatia": Nunca antes
tantas pessoas estiveram tão apáticas à
exploração que acontece seu ao redor, nem o mal perpetrado contra
a humanidade foi tão extenso.
[3]
Ano após ano, repetem-nos, sem pestanejar, para ter esperança e
que o pior já passou. O governo PSD-CDS é um caso exemplar,
verdadeiro "case study" para um manual político de
deformação da realidade, falsas promessas ao nível da
impostura, milhões de cidadãos levados ao cativeiro da
austeridade por títeres políticos agindo em nome dos interesses
oligárquicos.
A política de direita é apresentada com a máscara do
otimismo. Trata-se de um otimismo acrítico, acéfalo, para fazer
passar as teses da oligarquia. Porém, quando se está preocupado
com algo e nos dizem que vai correr tudo bem o objetivo é que se ignore
e não se aja sobre a realidade.
2 – O país a "andar para a frente" com a direita:
subdesenvolvimento
Numa entrevista recente, com o jornalista a fazer de coadjuvante do
responsório neoliberal, o secretário de Estado Paulo
Núncio,
[4]
apresentou de forma muito clara os critérios ideológicos da
direita/extrema-direita no governo.
"Nenhum governo cortou tanto na despesa como este". Para o governo
PSD-CDS a redução da despesa do Estado em 10 000 M€ é
um êxito, tal como o PIB a reduzir-se em 6%, outros 10 000 M€; por
cada euro tirado à despesa do Estado a dívida aumentou 5,6
€; os juros passaram de 2,8% do PIB em 2010 para 5% em 2015.
Simultaneamente, nenhum outro governo fez crescer tanto a pobreza e aumentar o
número de multimilionários, que a ministra das finanças
acha serem poucos.
"Este trabalho tem de continuar". Mas não diz até
quando nem em quanto, não se baseia em nenhum estudo justificativo e que
avalie as consequências destas decisões desastrosas totalmente
contra a realidade dos factos. A "redução da despesa do
Estado" toma assim aspetos de vigarice ao nível das
histórias do "vigésimo premiado". Como única
justificação papagueia-se o dogma que o Estado tem de ser pequeno
e "consumir menos recursos, pesar menos na economia e na sociedade".
A clique neoliberal decidiu que despesas do Estado são consumo de
recursos. Falso. Despesas do Estado traduzem-se em consumo e investimento,
fatores de dinamização económica. E se porventura
não o forem as razões têm de ser encontradas na má
gestão, nas opções politicas e na corrupção.
As despesas públicas ou privadas que pesam na sociedade são as
das rendas económicas da especulação através dos
juros, das PPP, dos monopólios resultantes das
privatizações, de se malbaratarem dinheiros públicos pela
desorganização dos serviços, tal como as MPME referem
insistentemente, sujeitas quer como consumidores quer como fornecedores,
às dificuldades de acesso ao crédito, discriminação
quanto a benefícios fiscais, etc.
Falar na "redução do peso do Estado" como
"condição para o país andar para a frente"
é mera verborreia: o país andou para trás em todos os
campos: a natalidade caiu 25% desde 2001
[5]
, 350 mil portugueses emigraram, o trabalho parcial e precário mascara o
desemprego, a desindustrialização prossegue, o desinvestimento na
ciência e na educação tornou-se mais um escândalo, as
exportações de alto e médio alto nível
tecnológico reduziram-se aumentando as do polo oposto, as
privatizações mostram ser autênticos crimes
económicos. O país vai "em frente" mas para o
subdesenvolvimento.
Trata-se então, dizem, de "ter capacidade de ser competitivo"?
Com que níveis salariais? Mas produzir o quê e como, se o
investimento (FBCF) menos as amortizações se tornou negativo? A
impostura revela-se dado que a legislação antilaboral e as
facilidades fiscais ao capital foram propagandeadas como fazendo crescer o
investimento.
Os critérios do governo são negados quer pela teoria quer pela
prática, diz-se pretender "uma sociedade dinâmica e que para
o ser o Estado tem de emagrecer". Absurdo, são raciocínios
feitos de silogismos, em que verdades parciais ou conceitos errados são
assumidos como verdades absolutas.
Em países com atrasos e distorções estruturais, como
Portugal, os mecanismos de mercado não são suficientes nem sequer
adequados para resolver estes problemas. A intervenção do Estado,
o planeamento económico, são necessários para a
dinamização económica. Mas isto, nem sequer é
socialismo é algo que até o Banco Mundial reconhecia antes do
advento da ditadura neoliberal.
Em resultado "da redução do peso do Estado", cria-se um
Estado sem sequer dispor de capacidade negocial: consultores privados preparam
legislação, dão pareceres na ótica dos interesses
privados; estabelecem contratos públicos com cláusulas leoninas,
como as PPP, privatizações com condições que
não são cumpridas. Quem se lembra dos argumentos do PSD e do CDS
contra as "golden share" nas empresas públicas? Veja-se o que
aconteceu na PT e se prepara na TAP.
3 – Os contorcionismos da propaganda e suas contradições
Não é fácil o cidadão comum acompanhar os debates
na AR. A razão é simples se tivermos presente um livrinho de
Schopenhauer: "A Arte de Ter Razão" ou "Como vencer um
debate sem precisar ter razão".
O objetivo da propaganda da direita é que os cidadãos se tornem
um produto passivo das posições do poder oligárquico.
Aplica-se entre nós e na UE o que Paul C. Roberts escreveu: "os
americanos precisam entender que a única coisa excecional sobre os
Estados Unidos é a ignorância da população e a
estupidez do governo."
[6]
Os dogmas sobrevivem à custa da manipulação e da mentira.
A ideologia ao serviço dos oligarcas esmera-se em obscurecer e deformar
a realidade. Criam-se neologismos e eufemismos, como a
"flexisegurança" ou a "requalificação"
para mascarar as políticas antilaborais da troika interna. As
"reformas estruturais", são outro eufemismo da política
de direita, que para a troika nunca são suficientes. Assim, para a
direita "o Estado não continuará a desempenhar
funções sociais muito importantes", quando em 2014 a
população em risco de pobreza ou exclusão social atingiu
27,5%, mas sem qualquer transferência social atingiria 47,8%.
A direita ao mesmo tempo que corta as prestações sociais procura
substituí-las pela caridade privada, subsidiada com dinheiros
públicos (outro negócio em perspetiva). Degradou a
educação, crianças vão para a escola com fome,
doentes morrem nos hospitais por falta de atendimento ou medicamentos, provocou
dezenas de milhar de falências de empresas e famílias, uma
sociedade abafada pela especulação internacional, os
monopólios e as transnacionais.
Um governo que mantém no secretismo negociações que
comprometem gravemente o país, como o "regime de
proteção aos investimentos", em que os interesses das
transnacionais se sobrepõem à própria democracia; que diz
querer um Estado "mais pequeno" para "ter capacidade de
enfrentar os desafios futuros", mas procede ao desmantelamento das suas
funções económicas e sociais e da própria soberania.
O caso BES serviu para os propagandistas criticarem as relações
entre a banca e o Estado, argumentando que para estas situações
não ocorrerem o Estado deve sair da economia! Os discursos sobre a
corrupção seriam risíveis se não fossem
tragicamente hipócritas, pois a corrupção resulta de uma
economia privatizada e de um Estado duplamente fraco: sem apoio popular e sem
capacidade ou vontade de intervenção.
Para fugir às questões a direita refugia-se na chamada
deflexão: discutir o acessório para fugir ao essencial. Todos os
meios parecem ser válidos para justificar o inconcebível estado a
que o país chegou. Vimos como a política de direita se
propôs facilitar os despedimentos para ter mais emprego. Vimos no debate
sobre a saúde a maioria falar da "despesa" que faz no SNS,
omitindo todos os cortes feitos anteriormente.
A cavernícola propaganda fascizante não tem pejo em incutir que
não há empregos e não se ganha mais, porque os menos
capazes (os sindicalizados!) é que têm bons lugares e não
os deixam para os outros. Repete que não se podem baixar impostos porque
o Estado gasta muito nas escolas, na saúde, nos apoios "a gente que
não precisa", e que é preciso privatizar – e criar
rendas monopolistas! – para reduzir a despesa do Estado.
4 – A sobrevivência como estratégia
A política de direita com as suas "reformas estruturais" para
eliminar direitos laborais e sociais, assume a insegurança como forma de
dinamização económica. Procura que as pessoas não
pensem, nem esperem outra realidade. Uma realidade perversa, iníqua,
baseada em absurdos teóricos, mas que seja vista como normal, até
desejável, por não lhes ser dado supor outra. O que não
passa de descalabro económico e social é assim apresentado como
"sucesso".
A direita incute a lógica da sobrevivência como estratégia
pessoal. É fácil manipular alguém cujas necessidades
atingem o limite da sobrevivência com um mínimo de dignidade.
É pura hipocrisia falar, com estas políticas, de liberdade de
escolha e "livre negociação" entre trabalhadores e
patronato.
A política de direita assemelha-se ao agressor que procura induzir na
vítima uma imagem benévola para a seduzir, culpabilizando-a
depois. Se a vítima assume ou se conforma com essa imagem, perdeu a
autonomia, está nas mãos dos que violam os seus direitos, a sua
personalidade, a sua condição proletária, assumindo a
ideologia da exploração, tendendo a tornar-se um elemento de
divisão dos interesses e da autonomia da classe trabalhadora. O
oportunismo e o individualismo são elogiados e fomentados como modo de
sobrevivência
A propaganda da política de direita tem como objetivo que o conjunto do
povo aceite ter mais a temer da resistência que da opressão.
Propaga-se a submissão e a apatia cívica, a dependência da
caridade em vez de direitos sociais. As camadas populares são mantidas
na ignorância dos processos económicos, difunde-se que a
desigualdade é necessária para haver "crescimento e
emprego"!
O prosseguimento da política de direita resultará num país
completamente desprovido de capacidade de defender os interesses nacionais,
vendido ao desbarato, entregue como colónia ou "república
das bananas" ao capital estrangeiro. Um país amordaçado pela
chantagem, em que face a qualquer medida socialmente necessária se diz
ser impossível, pois está dependente dos "mercados".
O resultado da política de direita, a tal "sociedade
dinâmica" do sr. Núncio, seria um país de zombies ao
sabor dos "mercados". É contra este desiderato que as
forças progressistas e todos os patriotas apesar das diferenças,
têm de se unir e lutar.