terça-feira, 29 de março de 2016

A última criação de Langley: A revolução do pato amarelo no Brasil


por Wayne Madsen [*]
 
A mais recente revolução cozinhada pelos agentes "soft power" da Central Intelligence Agency que actuam nos legislativos federal e estaduais brasileiros, nos media corporativos, nos tribunais e nos gabinetes de promotores – todos eles incitados pela ajuda financeira de organizações não governamentais de George Soros – é a "Revolução do pato amarelo".

Enormes patos amarelos infláveis – que dizem representar a "fraude" económica da presidente Dilma Rousseff e do seu governo do Partido dos Trabalhadores – surgiram nas manifestações de rua financiadas pelos EUA em Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo. Os principais coordenadores destes protestos são encontráveis nas maiores federações corporativas e nos conglomerados de media possuídos por corporações e todos eles têm ligações a organizações internas não lucrativas como o Vem Pra Rua – uma típica denominação em estilo Soros – e o Movimento Brasil Livre , que por sua vez é financiado pelos suspeitos habituais:   o National Endowment for Democracy ( NED ),   a US Agency for International Development (USAID) e o Open Society Institute de Soros.

Depois de tentar armar uma derrota eleitoral da presidente progressista e de esquerda [1] do Brasil, Dilma Rousseff, através de uma combinação de assassínio de um candidato presidencial (o assassinato aéreo de Eduardo Campo em 2014 para abrir o caminho à presidência à candidata verde ao serviço da Wall Street, Marina Silva, companheira de lista de Campos), de "contratar uma multidão" para manifestações de rua e de propaganda nos media corporativos, os diabos de Langley agora estão a tentar correr Rousseff do cargo através de um processo de impeachment "Made in America". Consciente de que o antecessor e mentor progressista de Rousseff [1] , Luís Inácio Lula da Silva , fora visado por promotores brasileiros na folha de pagamentos da CIA para prisão e processo por suborno, ela nomeou-o para o seu governo com nível ministerial e imunidade a processo [em baixa instância, NR]. Lula só se tornou um alvo porque manifestou o seu desejo de concorrer à presidência após o término do mandato de Rousseff em 2016.

O Partido dos Trabalhadores destaca correctamente que as manobras de impeachment legislativo contra Rousseff e as operações judiciais contra ambos, Rousseff e Lula, emanam de Washington. As mesmas "regras da lei" foram avançadas pela CIA nas operações contra os presidente Cristina Fernandez de Kirchner na Argentina, Rafael Correa no Equador, Evo Morales na Bolívia, Nicolas Maduro na Venezuela, Fernando Lugo no Paraguai e Manuel Zelaya em Honduras. Nos casos de Lugo e Zelaya, as operações tiveram êxito e ambos os líderes foram removidos do poder por forças direitistas apoiadas pela CIA.

Protestos de rua contra Rousseff, desde que começaram em 2014, assumiram a típica concepção de Soros de uma revolução. Tal como os desastrosos protestos da Primavera Árabe, inspirados por Soros e alimentados pela CIA, no Egipto, Líbia, Síria e Tunísia, assim como o protesto do Euromaidan na Ucrânia, o movimento Vem Pra Rua e o seu associado Movimento Brasil Livre são basicamente campanhas capitalistas politicamente motivadas apoiadas no Facebook, Twitter, redes de rádio, televisão, jornais e sítios web pró insurreição.

Além dos patos amarelos insufláveis, os protestos de rua foram assinalados por bonecos fabricados rapidamente com Lula em uniforme de prisão [2] e um cartaz em que se retratava Rousseff com um sinal de "Não" em diagonal vermelha. Os dispositivos para os protestos de rua, os quais incluem também bandeiras e vestuário verde e amarelo, são sinais reveladores dos montantes de dinheiro significativos que apoiam estes truques de guerra psicológica.

Promotores brasileiros na folha de pagamento de Langley prenderam Lula depois de encenarem uma maciça investida policial à sua casa. A polícia também prendeu a antiga Primeira-Dama do Brasil, a esposa de Lula, Marisa Letícia. Lula disse sentir que fora sequestrado pela polícia. Em 2009, tropas hondurenhas realmente sequestraram o presidente Manuel Zelaya no meio da noite e detiveram-no numa cela militar antes de o expulsarem do país. Aquela operação, tal como esta contra Lula e Rousseff, foi apoiada não só pela CIA e NSA como também pelo US Southern Command com sede em Miami. O golpe hondurenho também foi corroborado pelo Supremo Tribunal de Honduras. Para impedir uma nova prisão política do seu antecessor, Rousseff nomeou Lula seu chefe da Casa Civil, uma posição ministerial que lhe permite alguma protecção à contínua fustigação judicial e processos legais pelo Supremo Tribunal.

Em 16 de Março, o juiz Sérgio Moro, o qual está encarregado da Operação " Lava-jato ", a investigação da Petrobrás que perdura há dois anos e o alegado suborno envolvendo Rousseff e Lula, divulgou duas intercepções de chamadas telefónicas entre a presidente e o antigo presidente. A conversação telefónica "grampeada" envolvia planos de Rousseff para nomear Lula como seu chefe da Casa Civil, um cargo ministerial, como meio de lhe dar alguma protecção em relação à operação em andamento de golpe judicial apoiada pela CIA. Rousseff anteriormente trabalhara como chefe da Casa Civil de Lula. Documentos classificados da National Security Agency – revelados pelo denunciante Ed Snowden – ilustram como a NSA espionou o gabinete de Rousseff e seus telemóveis. O presidente Obama afirmou ter ordenado acabar com a espionagem a líderes mundiais amistosos para com os Estados Unidos. A declaração de Obama era falsa.

O nome do juiz Sérgio Moro aparece em um dos telegramas vazados do Departamento de Estado. Em 30 de Outubro de 2009, a embaixada dos EUA em Brasília relatou que Moro compareceu a uma conferência patrocinada pela embaixada no Rio de Janeiro efectuada de 4 a 9 de Outubro. Intitulada "Illicit Financial Crimes", a conferência parece ter sido uma avenida para a CIA e outras agências de inteligência dos EUA treinarem-se quanto à imposição das leis federal e estaduais do Brasil – bem como de outros responsáveis de polícias da Argentina, Paraguai, Panamá e Uruguai – em procedimentos para montar falsos processos criminais de líderes latino-americanos considerados inamistosos para com os Estados Unidos. O telegrama do Departamento de Estado, datado de Brasília, declara: "Moro... discutiu as 15 questões mais comuns que ele considera em casos de lavagem de dinheiro nos tribunais brasileiros".

Um ítem que não constava na agenda do seminário da embaixada dos EUA era a espionagem da NSA das comunicações de Rousseff, Lula e da companhia petrolífera estatal brasileira Petrobrás. Numa técnica conhecida como "construção paralela" processual, promotores estado-unidenses aos quais fora dado acesso a comunicações interceptadas ilegalmente, iniciaram processos contra cidadãos americanos com base na utilização selectiva de intercepções sem permissão. Se tais tácticas podem ser utilizadas nos Estados Unidos, certamente também podem ser utilizadas contra líderes como Rousseff, Lula e outros. As intercepções da operação Lava Jato às conversações telefónicas de Rousseff-Lula divulgadas para os media pelo juiz Moro podem ter tido origem na NSA e sua base de dados XKEYSCORE de intercepções do governo brasileiro e de comunicações efectuadas através de operações de escuta com os nomes de código KATEEL, POCOMOKE e SILVERZEPHYR .

No que poderia ser denominado a "Doutrina Obama", a CIA mudou o seu plano de jogo para derrube de governos legítimos pela utilização ostensiva de meios "legais". Ao invés de confiar em juntas de generais e em tanques nas ruas a fim de impor a sua vontade, a CIA, ao contrário, tem empregue promotores, juízes, líderes de partidos da oposição, editores de jornais e administradores de sítios web, bem como truques utilizando multidões [3] – tudo, desde patos amarelos insufláveis, fantoches de papier-mâché, t-shirts recém-pintadas com serigrafia, bandeiras e faixas de pano – como instrumentos facilitadores de revoluções coloridas.

Como mostram os telegramas vazados do Departamento de Estado, a CIA identificou um certo número de agentes de influência nos quais pode confiar para proporcionar inteligência tanto sobre Rousseff como sobre Lula. Estas fontes incluíram a liderança sénior do Partido dos Trabalhadores; responsáveis da Petrobrás ansiosos por ver a sua companhia vendida a saldo aos abutres financeiros que melhor pagassem; executivos do Banco Central do Brasil e oficiais da inteligência militar brasileira que originalmente haviam sido treinados pelas agências de inteligência e militares dos EUA.

Além do Brasil, outros países membros dos BRICS também tem assistido ao aumento dos esforços dos EUA para organizar revoluções coloridas. A África do Sul está na lista alvo, tal como a Rússia e a China.
24/Março/2016
 
NR
[1] A classificação é do autor, a publicação do seu artigo não significa o endosso de resistir.info a tudo o que diz.
[2] Há notícia de que cada boneco insuflável de Lula em uniforme de presidiário custa 137 mil reais (cerca de 34 mil euros).
[3] A utilização de multidões por parte da CIA está bem documentada no derrube do governo democrático Mossadegh, no Irão, que impôs o regime do Xá. V. por exemplo "Os homens do Xá: O golpe no Irão e as origens do terrorismo no Médio Oriente", de Stephen Kinzer, ed. Tinta da China, Lisboa, 2007, 352 p., ISBN 978-972-8955-23-6


Ver também:
  • Brazil, like Russia, under attack by Hybrid War , de Pepe Escobar

  • Ilusões progressistas devoradas pela crise , de Jorge Beinstein

    [*] Jornalista de investigação, escritor, membro da Society of Professional Journalists (SPJ) dos EUA e do National Press Club.

    O original encontra-se em www.strategic-culture.org/...


    Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
  • segunda-feira, 28 de março de 2016

    As hipócritas preleções dos EUA a Cuba


    por Marjorie Cohn [*]
     
    Cartoon de Lacoste. Antes da visita histórica do Presidente Barack Obama a Cuba, em 20 de março, especulou-se sobre se ele podia pressionar Cuba a melhorar os respetivos direitos humanos. Porém, uma comparação entre os direitos humanos em Cuba e nos Estados Unidos mostra que são os EUA que devem aprender com Cuba.

    A Declaração Universal dos Direitos do Homem contém duas categorias diferentes de direitos humanos – direitos civis e políticos, por um lado; e direitos econômicos, sociais e culturais por outro. Direitos civis e políticos incluem os direitos à vida, liberdade de expressão, liberdade de religião, julgamento justo, autodeterminação, ser livre de tortura, tratamento cruel e detenções arbitrárias.

    Direitos econômicos, sociais e culturais compreendem os direitos à educação, saúde, segurança social, seguro de desemprego, licença de maternidade paga, salário igual para trabalho igual, redução da mortalidade infantil; prevenção, tratamento e controlo de doenças; liberdade de formar e aderir a sindicatos e fazer greve.

    Estes direitos estão consagrados em dois tratados: o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Direitos Políticos (PIDCP) e o Pacto Internacional sobre Direitos Económicos, Sociais e Culturais (PIDESC). Os Estados Unidos ratificaram o PIDCP, mas EUA recusam-se a ratificar o PIDESC.

    Desde a administração Reagan, tem sido política dos EUA definir direitos humanos apenas como direitos civis e políticos. Direitos econômicos, sociais e culturais não são considerados, bem como os relativos ao bem-estar social ou o socialismo.

    O governo dos EUA critica os direitos civis e políticos em Cuba enquanto ignora o acesso universal dos cubanos á habitação, a cuidados de saúde, à educação, à garantia da licença de maternidade paga e à igualdade de salários.

    Enquanto isso, o governo dos EUA tem cometido violações graves dos direitos humanos em solo cubano, incluindo tortura, tratamento cruel e detenções arbitrárias em Guantanamo. Desde 1960, os Estados Unidos expressamente interferiram nos direitos econômicos de Cuba e no seu direito à autodeterminação, através da política de embargo econômico.

    O embargo dos Estados Unidos a Cuba, agora um bloqueio, foi iniciado pelo presidente Dwight Eisenhower durante a guerra fria em resposta a um memorando de 1960, escrito por um alto funcionário do Departamento de Estado. O memorando propunha "uma linha de ação que produzirá os maiores danos, negando financiamentos e fornecimentos a Cuba, obrigando a diminuir os salários reais, para conduzir à fome, ao desespero e ao derrube do governo.” [de Fidel Castro].

    Esse objetivo falhou, mas o bloqueio punitivo tornou a vida em Cuba difícil. No entanto, com um esforço mais que humano, Cuba garantiu ao seu povo um notável conjunto de direitos humanos.

    Cuidados de saúde

    Ao contrário nos Estados Unidos, os cuidados de saúde são considerados um direito em Cuba. O sistema de saúde é universal e livre para todos. Cuba tem o rácio mais elevado de médicos por doentes em todo mundo: 6,7 por 1.000 habitantes. A taxa de mortalidade infantil em 2014 foi de 4,2 por 1.000 nascidos vivos – uma das mais baixas do mundo.

    Os cuidados de saúde em Cuba privilegiam a prevenção, em vez de fazer depender a saúde apenas de medicamentos, isto em parte devido ao acesso limitado a determinados medicamentos ocasionado pelo bloqueio dos EUA. Em 2014, a revista Lancet disse: "se as realizações de Cuba pudessem ser reproduzidas num amplo conjunto de países pobres e de rendimento médio, a saúde da população mundial poderia ser transformada”.

    Cuba tem um desenvolvimento pioneiro em medicamentos para tratar e prevenir o cancro de pulmão e evitar amputações diabéticas. Devido ao bloqueio, no entanto, nos Estados Unidos não é possível usufruir deles.

    Educação

    A educação gratuita é um direito universal incluindo o ensino superior. Cuba gasta uma proporção mais elevada do seu PIB em educação do que qualquer outro país no mundo. "Professores móveis" são implantados nas habitações de crianças incapacitadas de estarem presentes na escola. Muitas escolas providenciam cuidados durante manhãs livres e após o horário escolar para pais trabalhadores que não dispõem de alternativas familiares. É gratuito estudar para ser um médico em Cuba. Há 22 escolas de medicina em Cuba, apenas três em 1959 antes da revolução cubana.

    Eleições

    As eleições para o parlamento nacional cubano (Assembleia Nacional) têm lugar de cinco em cinco anos e as eleições para as Assembleias Municipais Regionais a cada 2,5 anos. Os delegados para a Assembleia Nacional, elegem o Conselho de Estado, que por sua vez, nomeia o Conselho de Ministros, do qual o Presidente é eleito.

    A partir de 2018 (data da próxima eleição geral em Cuba), haverá um limite de não mais de dois mandatos de cinco anos para todos os lugares eleitos mais importantes, incluindo o de Presidente.

    Qualquer um pode ser indicado para candidato. Não é necessário que seja um membro do partido comunista (PCC). Nenhum dinheiro pode ser gasto promovendo candidatos e não é permitido a partidos políticos (incluindo o PCC) campanha durante as eleições. Pessoal militar não está de serviço às mesas de voto; as urnas são guardadas por crianças em idade escolar.

    Direitos laborais

    A legislação cubana de direitos do trabalho garante o direito de livremente formar e se filiar em sindicatos. Os sindicatos são juridicamente independentes e financeiramente autónomos; independentes do PCC e do Estado, financiados por cotizações dos seus membros. Os direitos dos trabalhadores, protegidos pelos sindicatos incluem um contrato escrito, uma semana de 40 a 44 horas e 30 dias anuais de férias remuneradas no sector estatal.

    Os sindicatos têm o direito de parar trabalhos que considerem perigosos. Têm o direito de participar na gestão das empresas, receber informações da gestão, dispondo de gabinete próprio, materiais de escritório e tempo livre para os seus representantes nas empresas. Um acordo sindical é exigido para demissões, mudanças nos padrões de horário de trabalho, horas extras e o relatório anual de segurança. Os sindicatos têm um papel político em Cuba e o direito constitucional de serem consultados sobre leis do trabalho. Têm também o direito de propor novas leis à Assembleia Nacional.

    Mulheres

    As mulheres constituem a maioria dos cubanos juízes, procuradores, advogados, cientistas, trabalhadores técnicos, profissionais da saúde pública. Cuba é classificada em primeiro lugar no "Save the Children's 'Lesser Developed Countries' Mother's Index". Com mais de 48% de deputados mulheres, Cuba tem a terceira mais alta percentagem de mulheres parlamentares do mundo. As mulheres recebem nove meses de salário completo durante o período de maternidade, seguido por três meses a 75% do salário completo. O governo subsidia a interrupção voluntária da gravidez e o planeamento familiar, atribui um alto valor aos cuidados de saúde pré-natais e oferece às mulheres "acolhimento de maternidade" antes do nascimento.

    Esperança de vida

    Em 2013, segundo a Organização Mundial de Saúde a esperança de vida das mulheres em Cuba era de 80 anos e 77 para os homens. A probabilidade de morte entre os 15 e os 60 anos por 1.000 pessoas foi de 115 para homens e 73 para as mulheres em Cuba. Durante o mesmo período, a esperança de vida para as mulheres nos Estados Unidos foi de 81 anos e de 76 para os homens. A probabilidade de morrer entre os 15 e os 60 anos por 1.000 pessoas era 128 para homens e 76 para mulheres nos Estados Unidos.

    Pena de Morte

    Um estudo da Faculdade de Direito de Cornell não encontrou ninguém condenado a pena de morte em Cuba e ninguém no corredor da morte em outubro de 2015. Em 28 de dezembro de 2010, o Supremo Tribunal Federal de Cuba comutou a sentença de morte do último remanescente condenado à morte em Cuba, um cubano-americano condenado por assassinato perpetrado durante uma invasão terrorista da ilha em 1994. Nenhumas novas condenações à morte são conhecidas desde aquela época.

    Em contraste, nos EUA em 1 de janeiro de 2016 estavam 2.949 pessoas no corredor da morte em instalações estaduais; 62 no corredor da morte em instalações federais em 16 de março de 2016, de acordo com "Death Penalty Information".

    Desenvolvimento sustentável

    Em 2006, o World Wildlife Fund (WWF), uma organização ambiental líder, reconhecia Cuba como o único país no mundo a ter alcançado desenvolvimento sustentável. Jonathan Loh, um dos autores do relatório do WWF, disse, "Cuba atingiu um bom nível de desenvolvimento, de acordo com os critérios da ONU, graças ao seu alto nível de alfabetização e a uma expectativa de vida muito alta, com uma pegada ecológica que não é grande, já que é um país com baixo consumo de energia."

    Parem de dar lições de Cuba e levantem o bloqueio

    Quando Cuba e os Estados Unidos realizaram conferências sobre direitos humanos há um ano, Pedro Luís Pedroso, chefe da delegação cubana, disse, "Expressámos as nossas preocupações em relação a padrões de racismo e discriminação na sociedade dos Estados Unidos, ao agravamento da brutalidade policial, a atos de tortura e execuções extrajudiciais no combate ao terror e ao limbo jurídico dos prisioneiros no campo de detenção dos EUA em Guantanamo".

    A hipocrisia do governo dos EUA com preleções sobre os direitos humanos em Cuba, negando muitos direitos humanos básicos ao povo americano é gritante. Os Estados Unidos devem levantar o bloqueio. Obama deve fechar Guantanamo e devolvê-lo à Cuba. 

    [*] Professora na Faculdade de Direito Thomas Jefferson desde 1991.

    Original encontra-se em marjoriecohn.com/human-rights-hypocrisy-us-criticizes-cuba/
    e www.informationclearinghouse.info/article44480.htm . Tradução de DVC.


    Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

    Uma guerra mundial começou – rompa o silêncio


    por John Pilger [*]
     
    Tenho estado a filmar nas Ilhas Marshall, as quais ficam a Norte da Austrália, no meio do Oceano Pacífico. Sempre que conto a alguém onde estive ela pergunta: "Onde é isso?". Se lhe dou uma pista mencionando "Biquini", ela diz: "Você quer dizer fato de banho".

    Poucos têm consciência de que o fato de banho biquíni foi assim chamado para celebrar as explosões nucleares que destruíram a Ilha Biquíni. Sessenta e seis dispositivos nucleares foram explodidos pelos Estados Unidos nas Ilhas Marshall entre 1946 e 1958 – o equivalente a 1,6 bombas de Hiroshima por dia durante doze anos.

    Biquíni está silenciosa hoje, mutada e contaminada. Palmeiras crescem numa estranha formação em grelha. Nada se move. Não há pássaros. As lápides no antigo cemitério estão activas com radiação. Meus sapatos registaram "não seguro" num contador Geiger.

    Estendido na praia, observei o verde-esmeralda do Pacífico desaparecer gradualmente num vasto buraco negro. Era a cratera deixada pela bomba de hidrogénio a que eles chamaram "Bravo". A explosão envenenou pessoas e seu ambiente por centenas de quilómetros, talvez para sempre.

    Na minha jornada de retorno parei no aeroporto de Honolulu e note uma revista americana chamada Women's Health. Na capa havia uma mulher sorridente num biquíni e o título: "Você também pode ter um corpo de biquíni". Poucos dias antes, nas Ilhas Marshall, eu havia entrevistado mulheres que tinha "corpos de biquíni" muito diferentes, cada uma delas havia sofrido da tiróide e outros cancros ameaçadores.

    Ao contrário da mulher sorridente na revista, todas elas foram empobrecidas: as vítimas e cobaias de uma super-potência predadora que hoje é mais perigosa do que nunca.

    Conto esta experiência como uma advertência e para interromper um diversionismo que consumiu muitos de nós. O fundador da propaganda moderna, Edward Bernays, descreveu o fenómeno como "a manipulação consciente e inteligente dos hábitos e opiniões" de sociedades democráticas. Chamou a isto "governo invisível".

    Quantas pessoas estão conscientes de começou uma guerra mundial? No momento, é uma guerra de propaganda, de mentiras e de diversionismo, mas isto pode mudar instantaneamente com a primeira ordem errada, o primeiro míssil.

    Em 2009 o presidente Obama estava de pé diante de uma multidão adorável no centro de Praga, no coração da Europa. Ele comprometeu-se a tornar "o mundo livre de armas nucleares". O povo aplaudia e alguns choraram. Uma torrente de platitudes inundou os media. A seguir foi concedido a Obama o Prémio Nobel da Paz.

    Era tudo falso. Ele estava a mentir.

    A administração Obama construiu mais armas nucleares, mais ogivas nucleares, mais sistemas de entrega de cargas nucleares, mais fábricas nucleares. Só os gastos com ogivas nucleares sob Obama ultrapassam os de qualquer presidente americano. O custo ao longo de trinta anos é de mais de US$1 milhão de milhões (trillion).

    É planeada uma mini bomba nuclear. É conhecida como a B61 Modelo 12. Nunca houve qualquer coisa como isto. O general James Cartwright, um antigo vice-presidente da Joint Chiefs of Staff, declarou: "Tornar a arma nuclear mais pequena [faz a sua utilização] mais pensável.

    Nos últimos dezoito meses, a maior acumulação de forças militares desde a Segunda Guerra Mundial – liderada pelos Estados Unidos – está a verificar-se ao longo da fronteira ocidental da Rússia. Nunca desde que Hitler invadiu a União Soviética tropas estrangeiras apresentaram uma ameaça tão demonstrável à Rússia.

    A Ucrânia – outrora parte da União Soviética – tornou-se um parque de diversões da CIA. Tendo orquestrado um golpe em Kiev, Washington efectivamente controla um regime que é vizinho e hostil à Rússia: um regime apodrecido por nazis, literalmente. Eminentes figuras parlamentares na Ucrânia são os descendentes políticos dos notórios OUN e UPA fascistas. Eles louvam Hitler abertamente e clamam pela perseguição e expulsão da minoria que fala russo.

    Isto raramente é noticiado no ocidente, ou é invertido para suprimir a verdade.

    Em Latvia, Lituânia e Estónia – vizinhas da Rússia – os militares estado-unidenses estão a instalar tropas de combate, tanques, armas pesadas. Esta provocação extrema da segunda potência nuclear do mundo é recebida com silêncio no ocidente.

    O que torna a perspectiva da guerra nuclear ainda mais perigosa é uma campanha paralela contra a China.

    É raro o dia em que a China não seja elevada ao status de "ameaça". Segundo o almirante Harry Harris, o comandante estado-unidense do Pacífico, a China está "a construir uma grande muralha de areia no Mar do Sul da China".

    Ele está a referir-se às pistas de aterragem que a China está a construir nas Ilhas Spratly, as quais são objecto de disputa com as Filipinas – uma disputa sem prioridade até que Washington pressionou e subornou o governo em Manilha e o Pentágono lançou uma campanha de propaganda chamada "liberdade de navegação".

    O que significa realmente isso? Significa liberdade para navios de guerra americanos patrulharem e dominarem as águas costeiras da China. Tente imaginar a reacção americana se navios de guerra chineses fizessem o mesmo ao largo da costa da Califórnia.

    Fiz um filme chamado "A guerra que você não vê" ("The War You Don't See"), no qual entrevistei notáveis jornalistas na América e Grã-Bretanha: repórteres tais como Dan Rather da CBS, Rageh Omar da BBC, David Rose do Observer.

    Todos eles disseram que se jornalistas tivessem feito sua tarefa e questionado a propaganda de que Saddam Hussein possuía armas de destruição em massa; que se as mentiras de George W. Bush e Tony Blair não tivessem sido ampliadas e reflectidas por jornalistas, a invasão de 2003 do Iraque poderia não ter acontecido e centenas de milhares de homens, mulheres e crianças hoje estariam vivos.

    A propaganda que prepara o terreno para uma guerra contra a Rússia e/ou a China em princípio não é diferente. Que eu saiba, nenhum jornalista nos media de referência do ocidente – um equivalente de Dan Rather, digamos – pergunta porque a China está a construir pistas de aterragem no Mar do Sul da China.

    A resposta deve ser claramente óbvia. Os Estados Unidos estão a cercar a China com uma rede de bases, com mísseis balísticos, grupos de batalha, bombardeiros armados com ogivas nucleares.

    O arco letal estende-se desde a Austrália até as ilhas do Pacífico, as Mariana e as Marshalls e Guam, até as Filipinas, Tailândia, Okinawa, Coreia e através da Eurásia para o Afeganistão e a Índia. A América tem um nó corrediço em torno do pescoço da China. Isto não é notícia. Silêncio dos media; guerra dos media.

    Em 2015, em alto segredo, os EUA e a Austrália encenaram o maior exercício militar aéreo e marítimo da história recente, conhecido como Talisman Sabre. Seu objectivo era ensaiar o Plano de Batalha Ar-Mar, bloqueando rotas marítimas – tais como os Estreitos de Malaca e os Estreitos Lombok – que tolhem o acesso da China a petróleo, gás e outras matérias-primas vitais do Médio Oriente e África.

    No circo conhecido como campanha presidencial americana, Donald Trump está a ser apresentado como um lunático, um fascista. Ele certamente é odioso; mas também é uma figura odiada pelos media. Isto só por si deveria despertar nosso cepticismo.

    As visões de Trump sobre migração são grotescas, mas não mais grotescas do que aquelas de David Cameron. Não é Trump quem é o Grande Deportador dos Estados Unidos, mas o vencedor do Prémio Nobel da Paz, Barack Obama.

    Segundo um assombroso comentador liberal, Trump está "desencadeando as negras forças da violência" nos Estados Unidos. Desencadeando-as?

    Este é o país onde crianças pequenas alvejam suas mães e a polícia trava uma guerra assassina contra americanos brancos. Este é o país que atacou e procurou derrubar mais de 50 governos, muitos deles democracias, e bombardeou desde a Ásia até o Médio Oriente, causando a morte e privações a milhões de pessoas.

    Nenhum país pode igualar este registo sistémico de violência. A maior parte das guerras da América (quase todas elas contra países indefesos) foram lançadas não por presidentes republicanos mais sim por democratas liberais: Truman, Kennedy, Johnson, Carter, Clinton, Obama.

    Em 1947, uma série de directivas do National Security Council descreveu o objectivo supremo da política externa americana como "um mundo feito substancialmente sobre a própria imagem [da América]". Esta ideologia era o americanismo messiânico. Éramos todos americanos. Se não, heréticos seriam convertidos, subvertidos, subornados, enlameados ou esmagados.

    Donald Trump é um sintoma disto, mas também é independente. Ele diz que a invasão do Iraque foi um crime; ele não quer ir à guerra com a Rússia e a China. O perigo para os restantes de nós não é Trump, mas sim Hillary Clinton. Ela não é independente. Ela corporifica a resiliência e violência de um sistema cujo louvado "excepcionalismo" é totalitário com uma ocasional cara liberal.

    Quando o dia da eleição presidencial estiver mais próximo, Clinton será louvada como a primeira mulher presidente, pouco importando os seus crimes e mentiras – assim como Barack foi louvado como o primeiro presidente negro e liberais engoliram suas tolices acerca da "esperança". E a verborreia prossegue.

    Descrito pelo colunista do Guardian, Owen Jones, como "divertido, encantador, com uma serenidade que engana praticamente todos os outros políticos", Obama a seguir enviava drones para massacrar 150 pessoas na Somália. Ele mata pessoas habitualmente às terça-feiras, segundo o New York Times, quando lhe é entregue uma lista de candidatos à morte por drone. Tão sereno.

    Na campanha presidencial de 2008 Hillary Clinton ameaçou "destruir totalmente" as armas nucleares do Irão. Como secretária de Estado de Obama, ela participou no derrube o governo democrático de Honduras. A sua contribuição para a destruição da Líbia em 2011 foi quase jubilosa. Quando o líder líbio, coronel Gaddafi, foi publicamente sodomizado com uma faca – um assassínio tornado possível pela logística americana – Clinton exultou com a sua morte: "Nós viemos, nós vimos, ele morreu".

    Uma das mais próximas aliadas de Clinton é Madeleine Albright, a antiga secretária de Estado, a qual atacou as jovens por não apoiarem "Hillary". Esta é a mesma Madeleine Albright que de modo infame celebrou na TV a morte de meio milhão de crianças iraquianas como tendo "valido a pena".

    Entre os maiores apoiantes de Clinton estão o lobby de Israel e as companhias de armas que alimentam a violência no Médio Oriente. Ela e seu marido receberam uma fortuna da Wall Street. E ainda assim elas está prestes a ser consagrada como a candidata das mulheres, para despedir o malvado Trump, o demónio oficial. Seus apoiantes incluem destacadas feministas: as comadres de Gloria Steinem nos EUA e de Anne Summers na Austrália.

    Uma geração atrás, um culto pós moderno agora conhecido como "política da identidade" impediu muitas pessoas inteligentes, de orientação liberal, de examinarem as causas e indivíduos que apoiavam, tais como a falsidade de Obama e Clinton; tais como falsos movimentos progressistas como o Syriza na Grécia, que traiu o povo daquele país e aliou-se aos seus inimigos.

    A auto-absorção, uma espécie de "eu-ismo", tornou-se o novo espírito da época entre privilegiados de sociedades ocidentais e assinalou a morte de grandes movimentos colectivos contra a guerra, a injustiça social, a desigualdade, o racismo e o sexismo.

    Hoje, o longo sono pode estar a acabar. Os jovens estão a empolgar-se outra vez. Gradualmente. Os milhares na Grã-Bretanha que apoiam Jeremy Corbyn como líder trabalhista fazem parte deste despertar – como aqueles que se alinham para apoiar o senador Bernie Sanders.

    Na semana passada na Grã-Bretanha, o mais próximo aliado de Jeremy Corby, seu tesoureiro sombra John McDonnell, comprometeu um governo trabalhista a liquidar as dívidas de bancos piratas e, com efeito, a continuar a chamada austeridade.

    Nos EUA, Bernie Sanders prometeu apoiar Clinton se ou quando elas fosse nomeada. Também ele tem votado pela utilização da violência da América contra países quando pensa que isso é "correcto". Ele diz que Obama fez "um grande trabalho".

    Na Austrália, há uma espécie de política mortuário, na qual tediosos jogos parlamentares são jogados nos media enquanto refugiados e indígenas são perseguidos e a desigualdade aumenta, juntamente com o perigo de guerra. O governo de Malcolm Turnbull acaba de anunciar um assim chamado orçamento de defesa de $195 mil milhões que é um impulso para a guerra. Não houve debate. Silêncio.

    O que aconteceu à grande tradição de acção popular directa, não tolhida por partidos? Onde está a coragem, imaginação e compromisso exigidos para começar a longa jornalista rumo a um mundo melhor, justo e pacífico? Onde estão os dissidentes na arte, nos filmes, no teatro, na literatura?

    Onde estão aqueles que estilhaçarão o silêncio? Ou aguardaremos até que o primeiro míssil nuclear seja disparado?
     
    22/Março/2016 
     
    Ver também:

  • David v Goliath: Marshall Islands take on nuclear powers at UN court

    Versão editada de um discurso de John Pilger na Universidade de Sydney, intitulado "Uma guerra mundial começou". O original encontra-se em https://www.rt.com/op-edge/336785-world-war-break-silence/

    Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
  • terça-feira, 22 de março de 2016

    O suicídio Europeu face à Turquia

    por Thierry Meyssan

     Ao assinar um acordo —diga-se de passagem, ilegal no Direito Internacional— com a Turquia para abrandar o afluxo de migrantes, os dirigentes da União Europeia envolveram-se um pouco mais num pacto com o diabo. Uma grande parte dos 3 mil milhões (bilhões-br) alocados a Ancara servirá para financiar o apoio aos jiadistas e, por conseguinte, a aumentar o número de migrantes que fogem à guerra. Acima de tudo, revogando, nos próximos meses, os vistos com a Turquia, os Europeus instituem a livre circulação entre os campos da Al-Qaida, na Turquia, e Bruxelas. Esmagando assim os povos iraquiano e sírio sob a opressão dos jiadistas, que eles financiam indirectamente, e abandonando o povo turco à ditadura do Presidente Erdoğan, preparam as bases de um vasto enfrentamento do qual virão a ser as vítimas.

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    Aquando da conferência de imprensa de 18 Março de 2016, o presidente da União Europeia, Donald Tusk (um Polaco que defende os interesses da Alemanha), parecia tentar acalmar a fúria do presidente da Comissão, Jean-Claude Juncker (um Luxemburguês que defende os interesses dos E.U.A.). Para enorme satisfação de um Primeiro-ministro Turco, tranquilamente irónico, Ahmet Davutoğlu.
    «A democracia é como um tramway, subimos para ir aonde queremos e aí chegados descemos»
    Recep Tayyip Erdoğan (1996)
    O Conselho Europeu de 17 e 18 de Março de 2016 adoptou um plano visando resolver o problema colocado pelo afluxo maciço de migrantes provindo da Turquia [1]. Os 28 chefes de Estado e de governo submeteram-se a todas as exigências de Ancara.

    Nós havíamos já analisado a maneira pela qual os Estados Unidos entendiam utilizar os acontecimentos do Próximo-Oriente para enfraquecer a União Europeia [2]. No início da actual crise dos «refugiados», fomos os primeiros a observar simultaneamente que este evento tinha sido deliberadamente provocado, e os problemas insolúveis que ele ia colocar [3]. Infelizmente, todas as nossas análises acabaram provadas, e as nossas posições foram, depois, amplamente adoptadas pelos nossos detractores de então.

    Indo mais longe, interessa-nos avaliar a maneira como a Turquia tomou conta do jogo e a cegueira da União Europeia, que persiste em estar um passo atrás.

    O jogo de Recep Tayyip Erdoğan


    O presidente Erdoğan não é um homem político como os outros. E, não parece que os Europeus, nem os povos, nem os seus dirigentes, tenham tomado plena consciência disso.

    • Primeiro, ele veio da Millî Görüş, um movimento islâmico pan-turquista ligado aos Irmãos Muçulmanos do Egipto e defensor do restabelecimento do Califado [4]. Segundo ele —como, aliás, segundo os seus aliados do Milliyetçi Hareket Partisi (MHP)— os Turcos são os descendentes dos Hunos de Átila, eles próprios filhos do lobo das estepes da Ásia Central, do qual herdariam a resistência e a crueza. Formam uma raça superior chamada a governar o mundo. A sua alma é o Islão.

    O presidente Erdoğan é o único chefe de Estado do mundo a reivindicar-se de uma ideologia supremacista étnica, perfeitamente comparável ao arianismo nazista. É, igualmente, o único chefe de Estado no mundo a negar os crimes da sua história, nomeadamente os massacres de não-muçulmanos pelo Sultão Abdulhamid II (os massacres hamidianos de 1894-1895: pelo menos 80. 000 Cristãos mortos e 100.000 Cristãs incorporadas à força nos haréns), depois pelos Jovens Turcos (genocídio dos Arménios, dos Assírios, dos Caldeus, dos Siríacos, dos Gregos pônticos e dos Yazidis de 1915 a 1923: pelo menos 1,2 milhões de mortos); um genocídio que foi executado com a ajuda de oficiais alemães, entre os quais Rudolf Höss, futuro director do campo de Auschwitz [5].

    Ao celebrar o 70º aniversário da libertação do pesadelo nazista, o presidente Vladimir Putin sublinhou que «as ideias de supremacia racial e de exclusivismo provocaram a guerra mais sangrenta da História» [6]. Depois, aquando de uma marcha —e sem nomear a Turquia—, ele apelou a todos os Russos para estarem prontos a renovar o sacrifício dos seus avós, se necessário, afim de salvar o princípio da própria igualdade entre os homens.

    • Em segundo lugar, o presidente Erdogan, que apenas tem o apoio de um terço da sua população, governa sozinho o país pela força. É impossível saber com precisão o que pensa o povo turco, uma vez que a publicação de qualquer informação pondo em causa a legitimidade do presidente Erdoğan é agora considerada como uma violação da segurança do Estado, e conduz imediatamente à prisão. No entanto, se nos referirmos aos mais recentes estudos publicados, em outubro de 2015, menos de um terço do eleitorado o apoia. O que é nitidamente menos que os nazistas em 1933, que dispunham, então, de 43% dos votos. Esta foi a razão pela qual o presidente Erdoğan só pode ganhar as eleições legislativas após uma grosseira falsificação.

    Entre outras:
    - Os média (mídia-br) da oposição foram amordaçados: os grandes jornais quotidianos Hürriyet e Sabah assim como a televisão ATV foram atacadas por homens de mão do partido no poder; foram lançadas investigações visando jornalistas e órgãos de imprensa acusados de apoiar o «terrorismo» ou de ter feito comentários difamatórios contra o Presidente Erdoğan; “sites” web foram bloqueados; prestadores de serviços digitais suprimiram do seu cartaz os canais de televisão da oposição; três dos cinco canais de televisão nacionais, entre os quais a emissora pública, foram nos seus programas claramente partidários do partido no poder; outros canais de televisão nacional, o Bugün TV e Kanalturk, foram fechadas pela polícia.
    - Um estado estrangeiro, a Arábia Saudita, derramou £ 7 mil milhões (bilhões-br) de «donativos» para «convencer» os eleitores a apoiar o presidente Erdoğan (ou seja cerca de 2 mil milhões de euros).
    - 128 sedes políticas do Partido de esquerda (HDP) foram atacadas por sicários do partido do presidente Erdoğan. Inúmeros candidatos e suas equipes foram espancados. Mais de 300 lojas curdas foram saqueadas. Dezenas de candidatos HDP foram presos e colocados em prisão preventiva durante a campanha.
    - Mais de 2. 000 opositores foram mortos durante a campanha eleitoral, quer pelos ataques, quer por causa da repressão governamental visando o PKK. Várias aldeias do sudeste do país foram parcialmente destruídas por tanques do exército.

    Desde a sua «eleição», uma cortina de chumbo desceu sobre o país. Tornou-se impossível alguém poder informar-se sobre o estado da Turquia através da sua imprensa nacional. O principal diário da oposição, Zaman, foi colocado sob tutela e limita-se agora a louvar a grandeza do «sultão» Erdoğan. A guerra civil, que lavra já no Leste do país, estende-se, com atentados em Ancara e até Istambul, perante a total indiferença dos Europeus [7].

    Erdoğan governa quase só, rodeado por um grupo restrito, no qual se inclui o Primeiro-ministro Ahmet Davutoglu. Ele declarou publicamente, durante a campanha eleitoral, que não respeitava mais a Constituição e que, agora, todos os poderes lhe estavam entregues.

    A 14 de março de 2016, o presidente Erdogan declarou que face aos Curdos: «A democracia, a liberdade e o estado de direito não têm mais o menor valor». Ele anunciou sua intenção de alargar a definição legal de «terroristas» para incluir todos os que são «inimigos dos Turcos» —quer dizer os Turcos e não-Turcos que se opõem ao seu supremacismo—.


     Por metade de mil milhões de euros, Recep Tayyip Erdoğan, fez construir para si próprio, o maior palácio jamais ocupado por um chefe de Estado na história mundial. O «palácio branco», em referência à cor do seu partido, o AKP. Ele estende-se por 200. 000 metros quadrados e compreende todo o tipo de serviços, entre os quais “bunkers” de segurança ultra-modernos ligados a satélites.

    • Terceiro, o presidente Erdoğan utiliza os poderes que anti-constitucionalmente se atribuiu para transformar o Estado turco em padrinho do jiadismo internacional. Em Dezembro de 2015, a polícia e a Justiça turcas conseguiram estabelecer os laços pessoais de Erdoğan e do seu filho Bilal com Yasin al-Qadi, o banqueiro global da Al-Qaida. Ele despediu, pois, os policias e os magistrados que tinham ousado «pôr em causa os superiores interesses da Turquia» (sic), enquanto Yasin al-Qadi e o Estado colocavam um processo judicial ao quotidiano de esquerda BirGün por ter reproduzido o meu editorial, «Al-Qaida, eterna reserva da Otan».

    Em Fevereiro último, a Federação da Rússia entregava um relatório de Inteligência ao Conselho de Segurança da ONU atestando o apoio do Estado turco ao jiadismo internacional, em violação de inúmeras resoluções [8]. Eu publiquei um estudo aprofundado sobre estas acusações, imediatamente censurado na Turquia [9].

    A resposta da União Europeia


    A União Europeia tinha enviado uma delegação para vigiar as eleições legislativas em novembro de 2015. Ela adiou longamente a publicação do seu relatório, depois resolveu-se a publicar sobre isso uma curta versão, adocicada.

    Em pânico pelas respostas das suas populações reagindo duramente à entrada maciça de migrantes —e, para os Alemães, à abolição do salário mínimo que daí resultou—, os 28 Chefes de Estado e de Governo da União finalizaram com a Turquia um procedimento para que ela resolva os seus problemas. O Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, Filippo Grandi, declarou, de imediato, que a solução escolhida viola o direito internacional, mas, mesmo supondo, a propósito, que as coisas possam ser melhoradas, nem é este o principal problema.

    A União comprometeu-se a
    - pagar 3 mil milhões de Euros anuais à Turquia para a ajudar a fazer face às suas obrigações, mas sem qualquer mecanismo de verificação da utilização destes fundos;
    - pôr fim aos vistos exigidos aos Turcos para entrar na União [10] —o deve ser feito em alguns meses, ou até semanas— ;
    - acelerar as negociações de adesão da Turquia à União —o que, pelo contrário, será muito mais demorado e aleatório—.

    Por outras palavras, cegos pela recente derrota eleitoral de Angela Merkel [11], os dirigentes Europeus contentaram-se em encontrar uma solução provisória para abrandar o fluxo dos migrantes, sem procurar resolver a origem do problema e sem ter em conta a infiltração de jiadistas neste fluxo.
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    Que fizemos?
    © União europeia

    O precedente de Munique


    Nos anos 30, as elites europeias e norte-americanas consideravam que a URSS, devido ao seu modelo, ameaçava os seus interesses de classe. Eles apoiavam pois, colectivamente, o projecto nazi de colonização da Europa Oriental e de destruição dos povos eslavos. Apesar dos repetidos apelos de Moscovo para a criação de uma vasta aliança contra o nazismo, os dirigentes europeus aceitaram todas as reivindicações do chanceler Hitler, incluindo a anexação das regiões povoadas pelos Sudetas. Foi o Acordo de Munique (1938), conduzindo a URSS a adoptar o salve-se quem puder e a concluir o Pacto germano-soviético—1939—(Molotov-Ribbentrop- ndT). Só muito tardiamente é que certos dirigentes europeus, depois norte-americanos, perceberam o erro e decidiram aliar-se com Moscovo contra os nazis.

    Diante de nossos olhos repetem-se os mesmos erros. As elites europeias consideram a República da Síria como um inimigo, seja porque defendem o ponto de vista colonial de Israel, seja porque esperam recolonizar, eles mesmos, o Levante apropriar-se das suas gigantescas reservas de gás ainda inexplorado. Elas apoiaram, pois, a operação secreta norte-americana de «mudança do regime» e fingiram acreditar na fábula da «Primavera Árabe». Após cinco anos de guerra por procuração, constatando que o presidente Bashar el-Assad ainda está lá, embora tivessem mil vezes anunciado a sua demissão, os Europeus decidiram financiar pelo montante de 3 mil milhões de euros anuais o apoio turco anual aos jiadistas. O que, segundo a sua lógica, deveria permitir a sua vitória e, portanto pôr um fim às migrações. Eles não tardarão a perceber [12], mas já muito tarde, que ao abolirem os vistos para os cidadãos turcos, autorizaram a livre-circulação entre os campos da Al-Qaida na Turquia e Bruxelas [13].

    A comparação com o final dos anos 30 é tanto mais parecida quando na altura do Acordo de Munique o Reich nazista já havia anexado a Áustria, sem provocar reação notável de outros Estados europeus. Ora, hoje em dia, a Turquia ocupa já o Nordeste de um Estado-Membro da União Europeia, Chipre, e uma faixa de alguns quilómetros de profundidade na Síria, que administra através de um walli (prefeito) nomeado para este efeito. Não apenas a U.E. aceita isso, como pela sua atitude, ela encoraja Ancara a prosseguir as suas anexações com total desprezo pelo Direito internacional. A lógica comum ao chanceler Hitler e ao presidente Erdoğan é baseada na unificação da «raça» e na purificação da população. O primeiro queria unir as populações de «raça alemã» e purificá-las de elementos «estrangeiros» (Judeus e Roma), o segundo quer unir as populações de «raça turca» e purificá-las de elementos «estrangeiros» (os Curdos e Cristãos).

    Em 1938, acreditavam na boa fé do chanceler Hitler, hoje em dia na do presidente Erdoğan.

    Tradução
    Alva



    [1] “Next operational steps in EU-Turkey cooperation in the field of migration”, Voltaire Network, 16 March 2016.
    [2] “A cegueira da União Europeia face à estratégia militar dos Estados Unidos”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 27 de Abril de 2015.
    [3] “A falsa «crise dos refugiados»”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 7 de Setembro de 2015.
    [4] “Em direção ao fim do sistema Erdoğan”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 17 de Junho de 2015.
    [5] « La Turquie d’aujourd’hui poursuit le génocide arménien », par Thierry Meyssan, Réseau Voltaire, 26 avril 2015.
    [6] « Выступление Президента России на параде, посвящённом 70-летию Победы в Великой Отечественной войне », Владимир В. Путин, Сеть Вольтер, 9 мая 2015.
    [7] « L’Union européenne a abandonné ceux qui se battent pour défendre les libertés en Turquie », par Can Dündar, Le Monde (France) , Réseau Voltaire, 18 mars 2016.
    [8] “Relatório da inteligência russa sobre a atual assistência da Turquia ao Daesh”, Tradução Marisa Choguill, Rede Voltaire, 19 de Fevereiro de 2016.
    [9] “Como a Turquia apoia os jiadistas”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 22 de Fevereiro de 2016.
    [10] “Roadmap towards a visa-free regime with Turkey”, Voltaire Network, 16 March 2016.
    [11] „Alternative für Deutschland nimmt kein Blatt vor den Mund“, von Ian Blohm, Übersetzung Horst Frohlich, Strategic Culture Foundation (Russland) , Voltaire Netzwerk, 12. März 2016.
    [12] « Lettre ouverte aux Européens coincés derrière le rideau de fer israélo-US », par Hassan Hamadé, Réseau Voltaire, 21 mai 2014.
    [13] “Israeli general says al Qaeda’s Syria fighters set up in Turkey”, Dan Williams, Reuters, January 29, 2014.

    aqui:http://www.voltairenet.org/article190880.html

    sexta-feira, 11 de março de 2016

    O novo patrão da Casa Branca será tal como o anterior, seja quem for


    por John W. Whitehead [*]

     
    "O principal problema em qualquer democracia é que os demagogos são normalmente uns suínos desmiolados que sobem a um palco e lançam os seus apoiantes numa orgia frenética – depois voltam para o escritório e vendem todos os pobres idiotas por um cêntimo cada".
    — Hunter S. Thompson 
     
    A política hoje não é sobre Republicanos e Democratas.

    Nem é sobre cuidados de saúde, aborto, impostos mais altos, ensino gratuito nem qualquer dos outros chavões que se tornaram os slogans de campanha para indivíduos que dominam a arte de dizer aos americanos exatamente aquilo que eles querem ouvir.

    A política hoje é apenas sobre uma coisa: manter o status quo entre os Controladores (os políticos, os burocratas e a elite empresarial) e os Controlados (os contribuintes).

    Hillary não vai salvar a nação. Nem Bernie, Trump, Rubio ou Cruz.

    Os únicos que podem salvar a nação somos "nós, o povo", mas o povo americano faz questão em deixar-se convencer de que um novo presidente na Casa Branca pode resolver os problemas que nos atormentam.

    Seja quem for que ganhe as próximas eleições presidenciais, podemos ter a certeza de que o novo patrão será o mesmo que anterior e nós – os eternos destituídos da América – continuaremos a ser forçados a andar a toque de caixa com o estado policial em todas as questões, públicas e privadas.

    Claro, como assinalo no meu livro Battlefield America: The War on the American People , chamem-lhes o que quiserem – os 1%, a elite, os controladores, os arquitetos, o governo sombra, o estado policial, o estado de vigilância, o complexo militar-industrial – desde que percebam que qualquer que seja o partido que ocupe a Casa Branca em 2017, a burocracia não eleita que controla continuará a controlar.

    Considerem o que se segue como um banho de realidade, um antídoto se quiserem, contra uma overdose de anúncios de campanha, grandiosas promessas eleitorais e sentimentos patrióticos sem qualquer sentido, que nos encerram diretamente na mesma cela da prisão.

    FACTO: Segundo um estudo científico de investigadores de Princeton, os Estados Unidos da América não são a democracia que pretende ser, mas uma oligarquia , em que "elites económicas e grupos organizados, que representam interesses económicos, têm impactos independentes na política do governo dos EUA.

    FACTO: Apesar de o número de crimes violentos no país ter baixado substancialmente , para a taxa mais baixa em 40 anos, aumentou exponencialmente o número de americanos presos por crimes não violentos, como guiar com a carta suspensa .

    FACTO: Graças à superabundância de mais de 4500 crimes federais e mais de 400 mil regulamentos , calcula-se que, em média, um americano pratica três delitos graves por dia sem o saber. Com efeito, segundo o professor de direito John Baker, " Não há ninguém nos EUA com mais de 18 anos que não possa ser acusado de qualquer crime federal . Isto não é exagero".

    FACTO: Apesar de termos 46 milhões de americanos a viver na linha de pobreza ou abaixo dela , 16 milhões de crianças a viver em lares sem acesso adequado a alimentos , e pelo menos 900 mil veteranos que subsistem graças a senhas de alimentos , continuam a atribuir-se enormes quantias de dinheiro dos contribuintes para férias presidenciais ( 16 milhões de dólares para viagens a África e ao Havai), para a fraude de horas extra no Departamento de Segurança Nacional (perto de 9 milhões de dólares em inexistentes horas extra, isto apenas em seis dos muitos gabinetes do Departamento de Segurança Nacional), e produções cinematográficas de Hollywood ( 10 milhões de dólares em dinheiro dos contribuintes gastos pelo Exército da Guarda Nacional no filme Superman para um conhecimento acrescido sobre a mesma).

    FACTO: Desde 2001 que os americanos gastaram 10,5 milhões de dólares por hora em inúmeras ocupações militares no estrangeiro, incluindo no Iraque e no Afeganistão. Também há as despesas de 2,2 milhões de dólares por hora para manter o arsenal nuclear dos Estados Unidos, e os 35 mil dólares gastos por hora para produzir e manter a nossa coleção de mísseis Tomahawk. E há o dinheiro que o governo exporta para outros países para sustentar os arsenais deles, com um custo de 1,61 milhão de dólares por hora para os contribuintes americanos .

    FACTO: Calcula-se que 2,7 milhões de crianças nos Estados Unidos têm pelo menos um dos pais na prisão , quer seja uma cadeia local ou uma penitenciária estatal ou federal, devido a uma ampla série de fatores que vão desde a alta criminalidade e assaltos a casas até a auto-stops.

    FACTO: Segundo uma sondagem Gallup, os americanos têm mais fé nas forças armadas e na polícia do que em qualquer dos três ramos do governo.

    FACTO: "Hoje, 17 mil forças policiais locais estão equipadas com equipamento militar, como helicópteros Blackhawk, metralhadoras, lança-granadas, aríetes, explosivos, sprays químicos, armaduras, visão noturna, rapel automático e veículos blindados ", informa Paul Craig Roberts, antigo secretário-adjunto do Tesouro. "Algumas têm tanques".

    FACTO: Morrem às mãos da polícia, pelo menos, 400 a 500 pessoas inocentes por ano. Com efeito, os americanos têm oito vezes mais probabilidades de morrer num confronto com a polícia do que serem mortos por um terrorista. Os americanos têm 110 vezes mais probabilidades de morrerem duma doença por falta de comida do que num ataque terrorista.

    FACTO: Os polícias têm mais probabilidades de serem atingidos por um raio do que de serem responsabilizados financeiramente pelos seus atos errados .

    FACTO: Num dia normal na América, mais de 100 americanos veem as suas casas invadidas por equipas policiais SWAT . A maior parte desses assaltos baseia-se em mandados. Tem havido um assinalável aumento nos últimos anos de equipas SWAT fortemente armadas nas organizações federais sem ligação à segurança , como o Departamento da Agricultura, o Conselho de Reformas dos Caminhos-de-ferro, a Autoridade do Vale do Tennessee, o Gabinete de Gestão de Pessoal, a Comissão de Segurança de Produtos de Consumo, os Serviços de Pescas e Vida Animal dos EUA, e o Departamento de Ensino.

    FACTO: O sistema de reconhecimento facial Next Generation Identification (NGI), do FBI, que vai deter dados sobre milhões de americanos , incluirá uma série de dados biométricos, incluindo as impressões da palma das mãos, a varredura da íris, e dados de reconhecimento do rosto. O ING poderá carregar 55 mil imagens por dia , e efetuar dezenas de milhares de pesquisas de fotos por dia.

    FACTO: Integrando uma indústria de 82 mil milhões de dólares , espera-se que haja pelo menos 30 mil "drones" a ocupar o espaço aéreo dos EUA em 2020.

    FACTO: Tudo aquilo que fizermos acabará por estar ligado à Internet. Calcula-se que, em 2030, haverá 100 milhões de milhões trillion de dispositivos sensores ligando dispositivos eletrónicos humanos (telemóveis, computadores portáteis, etc.) à Internet. Grande parte dos nossos dispositivos eletrónicos, senão todos, estarão ligados ao Google, que funciona abertamente com agências de inteligência governamentais. Praticamente tudo o que fazemos hoje – por mais inocente que seja – está a ser recolhido pela espionagem do estado policial americano.

    FACTO: Os americanos não sabem praticamente nada da sua história nem como funciona o seu governo. Com efeito, segundo um estudo do Centro da Constituição Nacional, 41% dos americanos "não sabem que há três ramos de governo e 62% não conseguiram nomeá-los; 33% nem sequer conseguiram mencionar um deles".

    FACTO: Só seis em cada cem americanos sabem que têm o direito constitucional de responsabilizar o governo por ações erradas, conforme garantido pela cláusula do direito à petição da Primeira Emenda.

    O facto mais perturbador talvez seja o seguinte:   entregámos o controlo do nosso governo e da nossa vida a burocratas sem rosto que nos consideram pouco mais do que gado, que têm que alimentar, marcar a ferro, matar e vender para ter lucro.

    Se é que ainda há qualquer esperança de restaurar a nossa liberdade e reclamar o controlo do nosso governo, não é com os políticos mas com o próprio povo.

    Depois de tudo dito e feito, cada americano terá que decidir por si mesmo se prefere uma perigosa liberdade a uma escravidão pacífica. Uma coisa é certa: o ritual tranquilizador de votar não vai alterar uma vírgula no caminho para a liberdade.

    29/fevereiro/2016 
     
    Acerca das presidenciais nos EUA ver também:

  • The next Presidential election: a meaningful choice for the first time?

    [*] Presidente de The Rutheford Institute.

    O original encontra-se em www.rutherford.org/... . Tradução de Margarida Ferreira.


    Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
  • sexta-feira, 4 de março de 2016

    Por que se teme ao comunismo?

    por Elaine Tavares


    A Comuna de Paris mostrou a Marx que não basta tomar o estado, há que destruí-lo rompendo a máquina burocrática e militar

    Observando o avanço desenfreado das pautas da direita em todo o planeta, com a também crescente fascistização da vida, via as epidêmicas redes sociais, me assalta uma certeza: o comunismo, mais do que uma necessidade política, é uma necessidade biológica. E, diante da realidade, essa forma de organizar a vida aparece-me como a única alternativa possível para os seres humanos. Alguém pode dizer que sou uma louca, quando tudo parece apontar para um retorno inexorável dos tempos mais sombrios, mas, posso mostrar que não. 

    Imaginem-se na baixa idade média, quando a violência contra os pobres recrudesceu, uma vez que os senhores feudais viram que as mudanças causadas pelo nascimento dos burgos eram profundas. Naquelas horas noas, de angústia e violência, quem arriscaria dizer que estava em processo de consolidação uma nova forma de viver que daria fim ao feudalismo? Os loucos? Não! Os que faziam boas análises da realidade.

    O mundo atual, capitalista, imperialista e monopólico tem como base uma equação simples: para que um viva, outro tem de morrer. Isso significa que é, por natureza, destruidor e violento. Se no mundo antigo, a escravidão era garantida pela força de uns poucos e no mundo feudal a servidão se mantinha pelo terror dos senhores da terra, no capitalismo os escravos modernos – assalariados – são mantidos também pela força da repressão policial e burocrática. E é comum, a história nos mostra, quando um sistema está ruindo, a repressão a violência contra os de baixo aumentar consideravelmente. É a tentativa desesperada da classe dominante para manter o poder.

    E o que vemos hoje no mundo? Uma violência exacerbada contra tudo aquilo que possa representar uma ameaça ao sistema capitalista de reprodução da vida. Qualquer gritinho de protesto já é considerado terrorismo e a força do braço armado do poder cai sobre as gentes com precisão. É um tempo de extermínio. Até no Brasil, onde o tal do “terrorismo” raramente deu as caras, os deputados aprovaram no dia 24 de fevereiro uma lei anti-terrorismo. E com base no quê? Numa suposta possibilidade de aparecer algum “deles” nas Olimpíadas. Piada? Não! Medo.

    A classe dominante mundial está com medo. E isso é bom. Se, por um lado, esse medo recrudesce a violência oficial, por outro, mostra que há um pequeno buraco na represa, como no antigo conto holandês. E o sistema tenta conter a avalanche, matando, desaparecendo, trucidando, fazendo guerra.
    Diante desse quadro, só nos resta o comunismo. E uma das coisas que mais me impressiona é ver alguém chamando outro alguém de comunista como se fosse uma coisa ruim. Ou ainda, falar do comunismo como se fosse o pior que pudesse acontecer na terra. Como isso poder ser possível? Quem em sã consciência pode achar que o comunismo é ruim? Pois para responder essa questão, proponho o debate de alguns elementos que compõem o comunismo, para que, sem preconceito, possamos definir o que de bem e bom pode ter num regime como esse.

    A ideia de um mundo justo, no qual todos possam ter vida digna não é coisa do alemão Karl Marx, tão demonizado. Ela aparece bem antes dele em escritos de tantos filósofos, inclusive no mundo oriental. Mas, claro, é Marx quem aponta o comunismo como um sistema de organização da vida que só pode acontecer depois que sejam desvendados e superados os terrores do mundo capitalista, que ele tão bem visualizou. A partir do estudo sobre como se expressam e se concretizam no mundo real as relações de produção do sistema capitalista, Marx concluiu que não podia ser possível ao humano viver nessas condições. Ele não descobre a luta de classe, ele a põe em foco.

    Assim, segundo ele, uma vez que os trabalhadores desvelassem o véu da alienação que os mantêm presos a um sistema que oprime e mata, a única possibilidade seria a construção de uma forma autônoma e livre de viver, na qual sequer o estado seria necessário. Isso é o comunismo.

    Nessa forma de organizar a vida não haverá uma classe dominando a outra. Todos serão livres e administrarão a produção das coisas para o bem-viver. Cada um trabalhará conforme sua condição e receberá conforme sua necessidade. Não haverá divisão entre trabalho braçal e intelectual e todo o trabalho será considerado digno. Se a pessoa for trabalhar como lixeiro e tiver oito filhos para sustentar, ele receberá o suficiente para isso. Ninguém precisará mendigar, migrar, fugir, se prostituir, se destruir. O estado não será necessário, porque ele existe apenas como expressão de dominação de uma classe sobre a outra. Se não houver classes, para que estado? “Poderíamos empregar em vez de estado, a palavra comunidade”, diz Engels. 

    Aí se pode dizer: isso é uma bobagem. Tem que ter organização, tem que ter direção, tem que ter ordem. Mas, quem diz que não haverá? Haverá tudo isso, mas sem que alguém oprima o outro. Se cada um receber conforme a necessidade não será necessária a hierarquia entre os trabalhadores. O que hoje está numa posição de organizador da produção e do trabalho, amanhã pode não estar. E se está, vai receber o que precisa para viver. Nem mais, nem menos. O cargo que ocupa não lhe dará poderes sobre o outro. Não haverá patrão, uma vez que os bens produzidos serão coletivos, assim como a terra. E se tudo for assim, tão bom, haverá festa e haverá beleza, essas coisas doces, necessárias ao espírito. Essa é a ideia do comunismo evocada por Marx, que, é óbvio, irá se construindo e aprimorando pela ação das gentes.

    Alguém dirá: isso é um sonho. O ser humano não consegue ter maturidade suficiente para viver assim, livre, sem patrão. Ora, no tempo da escravidão, dizia-se que os escravos morreriam sem o dono. No tempo da servidão, dizia-se que os servos não existiriam sem os senhores feudais. E, se foram os donos de gente, e, se foram os senhores feudais. Que passou com a humanidade? Avançou. Por que raios, então, a humanidade não iria dar esse salto de qualidade? Todas as retrospectivas histórias mostram que sim.

    Agora, é fato que o comunismo não se fará em um passe de mágica, muito menos por decreto. Marx, Engels e Lenin escreveram muito sobre isso. Será necessário um tempo de transição, que é o socialismo. Esse tempo de transição preparará o caminho para o comunismo, a hora em que tudo será comum, comu-nitário. No socialismo ainda existem as classes, mas aí quem domina é a classe trabalhadora. E também será necessária a força, a burocracia, o estado. 

    Por isso não faz sentido a gritaria dos capitalistas contra propostas como as de Cuba, por exemplo. É um governo forte, um estado forte, no qual quem domina são os trabalhadores. Na luta de classes cubana, pela revolução, venceram os trabalhadores. Eles comandam agora, e não a burguesia. Ah, mas eles são truculentos, violentos, tem presos políticos. Sim, são violentos, como eram violentas as forças que submetiam os trabalhadores antes. Quem não se lembra da ditadura de Batista? Ah, mas então é o dente por dente? Não. É porque ainda não é o comunismo, não há ainda a maturidade necessária para esse modo de organizar. Precisa ter Estado, precisa ter a organização hierárquica. E se o estado é o instrumento de dominação de uma classe sobre a outra, essa dominação é a dos trabalhadores sobre a burguesia. Até que todos estejam prontos para o salto, a nova ordem, o novo mundo, o mundo necessário. O socialismo é um período em que vão se depurar os projetos.

    Assim que o comunismo, volto a dizer, é uma necessidade biológica. Porque nós, os humanos, temos esse desejo pelo que é bom, pela festa, pela beleza. Esse é o nosso propósito. Não é possível que a gente aceite, como raça, viver como estamos vivendo agora: oprimidos, violentados, massacrados, consumindo o planeta. Como os escravos e os servos nós também avançaremos para um tempo melhor. É infalível. 

    Por isso vamos caminhando, pavimentando essa estrada de maravilhas. Talvez nós mesmos não venhamos a viver nesse mundo sonhado. Mas, não importa. Para ele estamos indo, inexoravelmente, e ele já existe dentro de todos os que o acreditamos possível. Como o casulo se transforma em borboleta. Assim será!
     
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