terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

O presidente “bom” e o presidente “mau”

 por Manlio Dinucci

Com as manifestações realizadas a 21 de Janeiro, muitos cidadãos de diversos países aceitaram comportar-se como seguidores e instrumentos de uma das facções em confronto nos EUA. Entre o beatificado Obama e o demonizado Trump, a escolha a fazer não é entre nenhum deles. É a escolha pela soberania nacional, pela paz, pelo direito de cada povo decidir do seu próprio destino, liberto da ingerência e da pressão dos EUA, da NATO, do imperialismo em geral.


Quebrando lanças pelos seus amos estado-unidenses, os europeus – em vez de lutar pela sua própria soberania – unem-se em coro ao concerto de críticas – nem sempre justificadas – sob a batuta das elites da margem ocidental do Atlântico. Invocando a «democracia», desfilam inclusivamente contra o resultado das eleições. Barack Obama foi designado «santo subito», ou seja “santo de imediato”: quando entrou na Casa Branca, em 2009, foi-lhe entregue a título preventivo o Premio Nobel da Paz pelos «seus extraordinários esforços para fortalecer a diplomacia internacional e a cooperação entre os povos».

Isso sucedeu enquanto a sua administração preparava já em segredo, através da secretaria de Estado Hillary Clinton, a guerra que 2 anos mais tarde destruiria o Estado líbio, guerra que se estenderia depois a Síria e Iraque através dos grupos terroristas, instrumentos da estratégia dos Estados Unidos e da NATO. Donald Trump, pelo contrário, foi demonizado de imediato, inclusivamente antes de entrar na Casa Branca. Acusam-no de usurpar o posto destinado a Hillary Clinton, graças a uma operação maléfica ordenada pelo presidente russo Vladimir Putin.

As “provas” vêm da CIA, inquestionavelmente perita em matéria de infiltrações e golpes de Estado. Basta recordar as suas operações destinadas a provocar guerras contra Vietnam, Camboja, Líbano, Somália, Iraque, Jugoslávia, Afeganistão, Líbia y Síria; ou os seus golpes de Estado em Indonésia, Salvador, Brasil, Chile, Argentina e Grécia. E as suas consequências: milhões de personas encarceradas, torturadas e assassinadas; milhões de pessoas deslocadas das suas terras, convertidas em refugiados, vítimas de uma verdadeira conversão em escravos.

E sobretudo as mulheres, adolescentes e meninas submetidas a escravatura, violadas, obrigadas a exercer a prostituição. Haveria que recordar tudo isso a quem, nos Estados Unidos e na Europa, organizaram em 21 de Janeiro a Marcha das Mulheres para defender precisamente essa paridade de género conquistada em duras lutas e constantemente questionada por posições sexistas, como as que Trump expressa. Mas não é por essa razão que se aponta o dedo a Trump numa campanha sem precedente no processo de transmissão do poder na Casa Branca.

O facto é que, nesta ocasião, os perdedores se negam a reconhecer a legitimidade do presidente eleito e estão a implementar um impeachment preventivo. Donald Trump está a ser presentado como uma espécie de Manchurian Candidate que, infiltrado na Casa Branca, estaria sob o controlo de Putin, inimigo dos Estados Unidos. Os estrategas neoconservadores, artífices desta campanha, tratam desse modo de impedir uma mudança de rumo na relação dos Estados Unidos com a Rússia, que a administração Obama fez retroceder aos tempos da guerra fria.

Trump é um «trader» que, embora continue a assentar a política estado-unidense na força militar, tem intenção de abrir uma negociação com a Rússia, provavelmente para debilitar a aliança entre Moscovo e Pequim. Na Europa, os que temem que se produza uma diminuição da tensão com a Rússia são antes de mais os dirigentes da NATO, que ganharam importância graças à escalada militar da nova guerra fria, e os grupos que detêm o poder nos países do leste – principalmente na Ucrânia, na Polonia e nos países bálticos – que apostam na hostilidade anti-russa para obter maior apoio militar e económico de parte da NATO e da União Europeia.

Nesse contexto, não é possível deixar de mencionar, nas manifestações de 21 de Janeiro, as responsabilidades dos que transformaram a Europa na primeira línea de enfrentamento, inclusivamente nuclear, com a Rússia. Teríamos que sair à rua, certamente, mas não como súbditos estado-unidenses que rechaçam um presidente “mau” mas exigindo um “bom”, para nos libertarmos do que nos amarra aos Estados Unidos, país que – não importa quem seja o seu presidente – exerce a sua influência sobre a Europa através da NATO.

Teríamos que manifestar-nos, mas para sair dessa aliança belicista, para exigir a retirada do armamento nuclear que os Estados Unidos têm armazenado nos nossos países. Teríamos que manifestar-nos para ter o direito a opinar, como cidadãs e cidadãos, sobre as opções em matéria de política externa que, indissoluvelmente ligadas às opções económicas e políticas internas, determinam as nossas condições de vida e o nosso futuro.

Fonte: Il Manifesto, http://www.investigaction.net/es/el-presidente-bueno-y-el-presidente-malo/#sthash.rGRUnNBL.dpuf

aqui:http://www.odiario.info/o-presidente-bom-e-o-presidente/

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

Quatro milhões de salários mínimos

por José Goulão

Atribui-se a Adolph Hitler a expressão «quando ouço falar em cultura puxo logo da pistola». Verdade ou lenda, o que sabemos, sem rasto de dúvida, é que o conceito condiz com a pessoa e sua prática.



Créditos / Agência Lusa

Os governos dos países da NATO não dirão, palavra por palavra, que quando se fala em verbas para a aliança guerreira espezinham logo a cultura, sem dó nem piedade. Porém, nesta sociedade em que os números valem tantas vezes mais que as palavras, a crueza rigorosa das aritméticas desnuda o que os pudores de eufemismos patetas tentam encobrir.

Segundo números oficiais da Aliança Atlântica e os dados do Orçamento de Estado para 2017, as «despesas com a defesa» em Portugal, isto é, os gastos exigidos pela presença na NATO, elevam-se a cerca de 2550 milhões de euros no ano em curso. Alvejados, sem defesa, pela permanente guerra de números e estatísticas com que se pretende fazer a política moderna, os portugueses ficam sem saber, assim a seco, o que significa tal valor, se é muito ou pouco, justificado ou injustificado.

Trocados por miúdos, os 2550 milhões que os portugueses tiram dos seus bolsos para que a aliança continue a sangrar o Afeganistão, o Iraque e a Síria, apanhe os cacos da destruição que semeou na Líbia e sustente as estruturas nazis que implantou na Ucrânia representam um contributo individual forçado de 230 euros anuais. Significam ainda que o país deita fora sete milhões de euros por dia por pertencer à NATO, mesmo não cumprindo as recomendações dos chefes de Washington, os quais exigem dois por cento do PIB de cada Estado membro.

Portugal fica-se por 1,4 por cento do PIB, mas antes de choverem elogios a tamanha coragem perante os estrelados generais diga-se que há outros, muitos outros, aliás, bastante mais desafiadores: a começar pelo exemplo do governo direitista espanhol, mesmo aqui ao lado, que não vai além dos 0,9 por cento do PIB. Ou pela Bélgica, onde está a sede da NATO, com 0,85%. Ou a Hungria (um por cento), a Eslováquia e a República Checa (0,94 e 1,04%, respectivamente), o Luxemburgo (0,44%), a Holanda (1,17%), a Itália (1,11%). E que dizer do gigante alemão, sempre tão exigente com os outros, com os seus recatados 1,15%?

Olhando tais números e percentagens deduz-se elementarmente que haveria por aqui umas dezenas de milhões de euros a poupar para criar emprego, alimentar o crescimento económico e até apressar a subida do salário mínimo para 600 euros, mesmo que isso incomodasse mais a UGT do que a própria NATO.

Porque, em boa verdade e seguindo a certeira frieza dos números, os tais 2550 milhões de euros com que pagamos as guerras e as ameaças que conduzem o mundo no caminho do abismo, equivalem a bastante mais de quatro milhões de salários mínimos de 600 euros.

Muitos dirão que uma coisa não tem a ver com outra, os dinheiros pertencem a sacos diferentes, blá, blá, blá… Pois, mas dinheiro é dinheiro, a questão é geri-lo e estabelecer uma maneira justa, equitativa e pacífica de o fazer circular. Dinheiro para a NATO não circula, enterra-se em sangue e engenhos de morte.

Além disso, os militares portugueses não precisaram da NATO para nada quando fizeram o libertador 25 de Abril. Pelo contrário, concretizaram-no para incómodo da dita cuja NATO, que não se poupou em conspirações enquanto as coisas não voltaram ao seu redil. Podem ter a certeza de que as Forças Armadas Portuguesas, mesmo fora da NATO, continuariam a cumprir as suas missões para com o país.

Caso se fizessem umas poupanças relativas nas tais «despesas de defesa» – que não dos portugueses – bastaria uma insignificância de um por cento do bolo, apenas 25 milhões de euros, para fazer subir o salário mínimo de 557 para 600 euros ainda este ano. Uma questão de vontade política, não é?

Porque é a esta encruzilhada que chegamos quando se encaram de frente os monstruosos 2550 milhões de euros esbanjados com a NATO. Esse valor representa, lembrando a tal frase atribuída a Hitler, quase seis vezes mais do que o dinheiro atribuído este ano à cultura; e significa uma despesa duas vezes e meia superior ao investimento do Estado Português, imaginem, na agricultura, nas florestas (as que restam dos incêndios), no desenvolvimento rural e no mar precioso.

Saiba ainda o leitor que o Estado Português deita ao lixo com a NATO uma verba que excede em 200 milhões de euros os investimentos em sectores de ponta como a ciência, a tecnologia e o ensino superior. A dotação atlantista supera em 400 milhões a verba atribuída ao Ministério da Economia; e eleva-se a mais de mil milhões de euros (1516 contra os tais 2550 milhões) o desnível do tratamento entre a defesa do ambiente em Portugal e o financiamento das guerras além-fronteiras.

Sendo que as despesas com a NATO não cobrem os gastos em «missões» especiais, no fundo sempre ao serviço dos mesmos, como esse estranhíssimo regresso de tropas portuguesas a África, no caso à República Centro Africana; nem terá sido desse bolo que saíram os inusitados 200 mil euros com que o ministro da Defesa de um país sugado, fiscalizado, perseguido a partir de Bruxelas e a lutar contra a crise e a austeridade, Portugal, decidiu auxiliar o aparelho militar nazi que manda e desmanda na Ucrânia.

Tudo isto para testemunhar que, apesar dos inegáveis esforços já efectuados para aliviar um pouco os portugueses do garrote da austeridade, ainda existem montantes importantes que são de todos nós e podem ser geridos de modo bem diferente e muito mais útil – e pacífico – à comunidade.

Que tal transformar boa parte dos 2550 milhões desperdiçados com a NATO em investimento ao serviço da melhoria de vida dos portugueses?

aqui:http://www.abrilabril.pt/quatro-milhoes-de-salarios-minimos

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