domingo, 10 de outubro de 2010

Da servidão moderna - Jean-François Brient

Cada parcela deste mundo é propriedade de um Estado ou de um particular. Este roubo social que é a apropriação exclusiva do solo, se encontra materializada na onipresença de muros, barreiras, e fronteiras... São as marcas visíveis desta separação que invade tudo. Mas ao mesmo tempo, a unificação do espaço, de acordo com os interesses da cultura mercante, é o grande objetivo da nossa triste época. O mundo deve transformar-se em uma imensa autopista, racionalizada ao extremo, para facilitar o transporte das mercadorias. Todo obstáculo, natural ou humano, deve ser destruído. O ambiente onde se aglomera esta massa servil é o fiel reflexo de sua vida: se assemelha a jaulas, a prisões, a cavernas. Porém contrariamente aos escravos e aos prisioneiros, o explorado dos tempos modernos deve pagar por sua jaula. “

No sistema econômico dominante, já não é mais a demanda que condiciona a oferta, mas a oferta que determina a demanda. Então é assim que de maneira periódica, surgem novas necessidades que são rapidamente consideradas como vitais para a maioria da população: primeiro foi o radio, depois o carro, a televisão, o computador e agora o telefone celular. Todas estas mercadorias, distribuídas massivamente em um curto lapso de tempo, modificam profundamente as relações humanas: servem por um lado para isolar os homens um pouco mais de seu semelhante e por outro a difundir as mensagens dominantes do sistema. As coisas que se possuem acabam por possuir-nos.

A abundância dos produtos alimentícios apenas dissimula sua degradação e sua falsificação. Não são mais que organismos geneticamente modificados, uma mistura de colorantes e conservantes, de pesticidas, de hormônios e de outras tantas invenções da modernidade. O prazer imediato é a regra do modo de alimentação dominante, também é a regra de todas as formas de consumo. E as conseqüências que ilustram esta forma de alimentação se vêem em todas as partes. Mas é frente a indigência da maioria que o homem ocidental goza de sua posição e de seu consumismo frenético. Em vista disso, a miséria está em todos os lados onde reina a sociedade totalitária mercante. A escassez é o reverso da moeda da falsa abundância. E num sistema que promove a desigualdade como critério de progresso, mesmo se a produção agro-química é suficiente para alimentar a totalidade da população mundial, a fome nunca deverá desaparecer.

E são os mesmo poluidores que se apresentam hoje como salvadores potenciais do planeta. Estes imbecis da indústria do espetáculo patrocinados pelas empresas multinacionais tentam convencer-nos de que uma simples mudança em nossos hábitos seria suficiente para salvar o planeta de um desastre. E enquanto nos culpam, continuam poluindo sem cessar, nosso meio ambiente e nosso espírito.


A medicina ocidental só conhece um remédio contra os males dos quais sofrem os escravos modernos: a mutilação. É à base de cirurgias, de antibiótico ou de quimioterapia que se trata os pacientes da medicina mercantil. Nunca se ataca a origem do mal, senão as suas consequências, pelo motivo de que esta busca da origem do mal nos conduziria inevitavelmente à condenação fatal da organização social em toda sua totalidade. Assim como ele transformou todos os detalhes de nosso mundo em simples mercadoria, o sistema atual fez de nosso corpo uma mercadoria, um objeto de estudo e de experiências para os pseudo-aprendizes de medicina mercantil e para a biologia molecular. Os donos do mundo já estão prontos para patentear os seres vivos. A seqüencial completa do ADN do genoma humano é o ponto de partida de uma nova estratégia posta em ação pelo poder. A descodificação genética não tem outro objetivo que o de amplificar consideravelmente as formas de dominação e de controle.
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A aparência e a futilidade dominam profundamente o afronto e as idéias. Tudo isto não se parece nem de perto nem de longe a uma democracia. A democracia real se define primeiro e antes de tudo pela participação massiva dos cidadãos na gestão dos interesses da cidade. Ela é direta e participativa e encontra sua maior expressão na assembléia popular e no diálogo permanente sobre a organização da vida comum. A forma representativa e parlamentar que usurpa o nome da democracia limitam o poder dos cidadãos pelo simples direito ao voto, ou seja, a nada, tão real, que não existe diferença entre o cinza claro e o cinza escuro. As cadeiras do Parlamento estão ocupadas pela imensa maioria da classe econômica dominante, seja ela de direita ou da pretendida esquerda social-democrática. O poder não é para ser conquistado, ele tem que ser destruído. O poder é tirano por natureza, seja ele exercido por um rei, por um ditador ou um presidente eleito. A única diferença no caso da democracia parlamentar é que os escravos têm a ilusão de que podem escolher eles mesmos o mestre que eles deverão servir. O direito ao voto fez dos mesmos cúmplices da tirania esmagadora. Eles não são escravos porque existem amos, senão que existem amos porque decidiram permanecerem escravos.

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