quinta-feira, 30 de março de 2017

Aleixey Navalny, o democrata russo made in USA

por Manlio Dinucci


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Um policial arromba a porta de uma casa com um um porrete, outro entra com a pistola apontada e criva de balas um homem que, ao despertar sobressaltado, agarra um taco de basebol, enquanto outros policiais apontam armas para um menino que já está com as mãos para o alto: trata-se de uma cena de habitual violência “legal” nos Estados Unidos, documentada há uma semana com imagens de vídeo pelo New York Times, que fala do “rastro de sangue” dessa “perseguição” efetuada por um ex-militar recrutado pela polícia, com as mesmas técnicas de ataque aplicadas no Afeganistão e no Iraque.

Isto a nossa grande mídia não mostra, a mesma que publica nas primeiras páginas notícias sobre a polícia russa prendendo Aliexey Navalni em Moscou por realizar manifestações não autorizadas.
Uma “afronta aos valores democráticos fundamentais”, define o Departamento de Estado dos EUA, que exige firmemente sua imediata soltura e a de outros que foram presos. Também Federica Mogherini, alta representante da política externa da União Europeia, condena o governo russo porque “impede o exercício das liberdades fundamentais de expressão, associação e reunião pacífica”.

Todos unidos, portanto, na nova campanha lançada contra a Rússia com os tons típicos da guerra fria, apoiando o novo paladino dos “valores democráticos».

Quem é Aleixey Navalny? Como se lê em seu perfil oficial, foi formado na universdade estadunidense de Yale como “fellow” (membro selecionado) do “Greenberg World Fellows Program”, um programa criado em 2002 para o qual são selecionados todo ano em escala mundial apenas 16 pessoas com características para se tornar “líderes globais”. Estes fazem parte de uma rede de “líderes empenhados globalmente para tornar o mundo um lugar melhor”, composta atualmente de 291 “fellows” de 87 países, todos em contato entre si e conectados com o centro estadunidense de Yale.

Navalny é ao mesmo tempo co-fundador do movimento “Alternativa democrática”, um dos beneficiários da National Endowment for Democracy (NED), poderosa “fundação privada sem fins lucrativos” estadunidense que com fundos fornecidos também pelo Congresso, financia, abertamente ou por debaixo do pano, milhares de organizações não governamentais em mais de 90 países para “fazer avançar a democracia” [1]

A NED, uma das sucursais da CIA para as operações clandestinas, foi e continua particularmente ativa na Ucrânia. Esta fundação apoiou (segundo os seus própriios escritos) “a Revolução de Maidan que abateu um governo corrupto que impedia a democracia”. O resultado foi a instalação em Kíev, com o golpe da Praça Maidan, de um governo ainda mais corrupto, cujo caráter democrático é representado pelos neonazistas que nele ocupam posições chave.

Na Rússia, onde são proibidas as atividades das “organizações não governamentais indesejáveis”, a NED, contudo, não cessou a sua campanha contra o governo, acusado de conduzir uma política externa agressiva para submeter à sua esfera de influência todos os Estados que outrora faziam parte da União Soviética. Acusação que serve de base à estratégia dos EUA e da Otan contra a Rússia.

A técnica, já consolidada, é a mesma das “revoluções laranjas”: amplifica casos reais ou inventados de corrupção e outras causas de descontentamento para fomentar uma rebelião contra o governo, de modo a debilitar por dentro o Estado, enquanto externamente cresce sobre este a pressão militar, política e econômica.

É nesse quadro que se insere a atividade de Alexey Navalny, especializado em Yale como advogado defensor dos fracos contra os abusos dos poderosos.

Tradução
José Reinaldo Carvalho
Editor do site Resistência
Fonte
Il Manifesto (Itália)

 [1] “A NED, vitrina legal da CIA”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Odnako (Rússia) , Rede Voltaire, 16 de Agosto de 2016.

aqui:http://www.voltairenet.org/article195819.html

terça-feira, 28 de março de 2017

CIA: Matérias escuríssimas


por WikiLeaks 
 
Cartoon de Latuff. Hoje, 23 de Março de 2017, a WikiLeaks divulga a Caixa Forte 7 "Matéria escura" (Vault 7 "Dark Matter"), a qual contem documentação de vários projectos da CIA que infectam o firmware [1] do Apple Mac (o que significa que a infecção persiste mesmo que o sistema operacional seja reinstalado) desenvolvido pelo Embedded Development Branch (EDB) da CIA. Estes documentos explicam as técnicas utilizadas pela CIA para ganhar "persistência" no dispositivos Apple Mac, incluindo Macs e iPhones e demonstram a sua utilização de EFI/UEFI [2, 3] e malware [4] firmware.

Estes documentos revelam, entre outros, o projecto "Chave de parafusos sónica" ("Sonic Screwdriver) o qual, como explica a CIA, é um "mecanismo para executar código sobre dispositivos periféricos enquanto o computador portátil ou de mesa da Mac está a arrancar" o que permite a um atacante lançar seu software de ataque, através por exemplo de um stick USB "mesmo quando uma password na firmware está activada". O contagiador (infector) "Sonic Screwdriver" da CIA é armazenado no firmware modificado de um adaptador Apple Thunderbolt-to-Ethernet.

"Céus e mares escuros" ("DarkSeaSkies") é "um implante que persiste no EFI de um comptador Apple MacBook Air" e consiste de "DarkMatter", "SeaPea" e "NightSkies", respectivamente EFI, espaço kernel e implantes no espaço do utilizador.

Documentos sobre o malware "Triton" MacOSX, seu infeccionador "Dark Mallet" e sua versão com EFI persistente "DerStarke" são também incluídos nesta divulgação. Enquanto o manual do DerStarke 1.4 divulgado hoje data de 2013, outros documentos Vault 7 mostram que a partir de 2016 a CIA continua a confiar e a actualizar estes sistemas, estando a trabalhar na produção do DerStarke2.0 .

Também incluído nesta divulgação está o manual para o "NightSkies 1.2" da CIA, uma "ferramenta de localização/carregamento/implantação" ("beacon/loader/implant tool") para o Apple iPhone. Vale a pena notar que NightSkies alcançou [a versão] 1.2 em 2008 e é concebido expressamente para ser instalado fisicamente em fábrica nos novos iPhones, ou seja, a CIA tem estado a infectar a cadeia de oferta do iPhone dos seus alvos pelo menos desde 2008.

Se bem que activos da CIA por vezes seja utilizados para infectar fisicamente sistemas na posse de um alvo visado é provável que muitos ataques de acesso físicos da CIA tenham infectado a cadeia de fornecimento da organização visada, inclusive interditando encomendas postais e outros despachos (abrindo, infectado e reenviando) que deixam os Estados Unidos ou outros países.
23/Março/2017 
 
Os novos documentos ciáticos:
  • Sonic Screwdriver
  • DerStarke v1.4
  • DerStarke v1.4 RC1 - IVVRR Checklist
  • Triton v1.3
  • DarkSeaSkies v1.0 - URD

    Ver também:

  • Vault 7: CIA Hacking Tools Revealed

    [1] Firmware:  Programa que é armazenado permanentemente nas placas do circuito electrónico de um computador ou na sua ROM e que não pode ser alterado pelo seu utilizador.
    [2] EFI:  Extensible Firmware Interface, uma especificação de firmware de interface, antecessora do UEFI
    [3] UEFI:  Unified Extensible Firmware Interface, uma especificação que define um software de interface entre um sistema operacional e uma plataforma firmware. O UEFI substitui o BIOS (Basic Input/Output System) que originalmente era o firmware de interface presente em todos os PCs IBM compatíveis. O UEFI permite diagnósticos remotos, mesmo sem haver qualquer sistema operacional instalado.
    [4] Malware:  Malicious-logic, software que actua sobre ficheiros de computador sem o conhecimento do utilizador, um nome geral para vírus de computador.
    [5] Sonic screwdriver:  o nome vem de uma ferramenta fictícia mostrada num programa de ficção científica britânico, Doctor Who.


    O original encontra-se em https://www.wikileaks.org/vault7/darkmatter/

    Esta notícia encontra-se em http://resistir.info/ .
  • sábado, 25 de março de 2017

    NATO e União Europeia: a óbvia e velha geminação

    por José Goulão

    Durante toda a segunda metade do século passado, a partir do Tratado de Roma de 1957, a Comunidade Económica Europeia sempre foi olhada como um «pilar europeu» da NATO, submetendo a política de defesa dos Estados membros às normas, práticas e estratégias da aliança militar transatlântica.

    Ilustração de Irene Sá
    Ilustração de Irene Sá 

    A criação da NATO, em 1949, antecedeu em oito anos o Tratado de Roma, que deu origem à Comunidade Económica Europeia (CEE). E todos os seis Estados fundadores desta tinham participado na formação da Aliança Atlântica, sob o controlo militar norte-americano da Europa Ocidental e sobre os escombros de uma vasta região carente do traiçoeiro e caríssimo Plano Marshall. Nos prosaicos termos da teoria dos conjuntos, a CEE (hoje União Europeia) integra a NATO desde os tempos em que nem sequer nascera.

    É inevitável que a chamada «construção europeia» – na sua vertente real, não a mitológica para efeitos de propaganda – seja inseparável da estratégia e dos comportamentos da NATO, uma vez que uma e outra cuidam dos mesmos interesses. A versão oficial assegura que são a democracia e os direitos humanos; os cidadãos sentem e sabem, por experiência própria, que a «Europa» e a autoproclamada «aliança defensiva» cuidam sobretudo da impunidade do mercado, do casino da finança, da austeridade, da desregulação de capital e trabalho, das guerras expansionistas e de rapina sempre que esses interesses as reclamem.

    Não foi apenas na origem que a união militar antecedeu a união política; a história das décadas mais recentes demonstra que a NATO chegou sempre antes da «Europa» quando e onde houve matéria-prima – territórios, países e povos – a capturar.

    Nos Balcãs, na esteira da destruição artificial e sangrenta da Jugoslávia, a aliança militar apropriou-se – formal ou informalmente – da Croácia, Eslovénia, Bósnia-Herzegovina, Kosovo e Montenegro; a União Europeia, enquanto tal, chegou depois e submetendo-se aos esboços traçados pelo aparelho militar transatlântico, para então cuidar da formatação política nesses territórios, entre chantagens e promessas miríficas.

    Mais flagrante ainda foi a corrida aos despojos dos antigos Tratado de Varsóvia e União Soviética. A NATO fez de lebre na anexação dos países desde a RDA, Roménia e Bulgária aos Estados do Báltico, fazendo a União Europeia de tartaruga, isto é, impondo a componente política invasiva depois de estabelecidos os parâmetros militares, os quais, em boa verdade, presidiram à transição sem rede da economia planificada para a anarquia mercantilista. Ao conjunto das operações chamaram «democratização».

    Ainda hoje – hoje em realidade temporal e não figura de retórica – os Estados Unidos acabaram de colocar mais mil soldados com capacidades letais na Polónia, ameaçando «defensivamente» a Rússia, ignorando olimpicamente os desencontros, apenas narcísicos, entre o regime pré-fascista de Varsóvia e Donald Tusk, o agente polaco do liberal-conservadorismo instalado à cabeça do Conselho Europeu.

    Não passam, pois, de mitos engendrados nos centros de propaganda que alimentam a gesta da chamada «integração europeia» as lendas em torno dos «pais fundadores» e seus impulsos visionários. Enquanto o banqueiro Jean Monnet criava o seu Comité de Acção para os Estados Unidos da Europa, na primeira metade dos anos cinquenta, depois de ter assessorado o presidente Roosevelt no impulso armamentista norte-americano, já os Estados Unidos tinham assegurado o controlo militar e «democrático» da Europa através da NATO, integrando até a ditadura fascista que vigorava em Portugal; ainda Robert Schuman, o «pai da Europa» a quem o papa Wojtyla abriu as portas da canonização no ano da queda do Muro de Berlim, pregava sobre a indispensável aliança política entre a França e a Alemanha, já os dois países se tinham irmanado dentro da NATO, sob a tutela do Pentágono; ainda o direitista chanceler alemão Konrad Adenauer procurava salvar os restos das bases industriais do país do assédio punitivo da França e de Jean Monnet – depois diluído com a criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço – e já a Alemanha Ocidental fazia parte da NATO, o que aconteceu antes de ser reconhecida verdadeiramente como um novo Estado soberano.

    Durante toda a segunda metade do século passado, a partir do Tratado de Roma de 1957, a Comunidade Económica Europeia sempre foi olhada como um «pilar europeu» da NATO, submetendo a política de defesa dos Estados membros às normas, práticas e estratégias da aliança militar transatlântica. A integração política desenvolveu-se sempre no âmbito de uma confraria militar operada a partir dos Estados Unidos e envolvendo um núcleo dos países mais poderosos tanto na «Europa» como na NATO: Alemanha, França, Reino Unido e Itália. O Brexit não altera os dados da situação porque se processa apenas na União Europeia – o elo mais fraco destas ligações.

    A transferência de tarefas operacionais da NATO para a CEE/CE/UE, tendência que se vem reforçando no século em curso, no âmbito da formação de um chamado «exército europeu», não é redundante do ponto de vista militar porque traduz, sobretudo, uma partilha de missões e uma repartição de encargos, naturalmente em prejuízo dos países e povos europeus.

    Porque a questão de fundo, a permanente pressão militar atlantista sobre as decisões políticas, no âmbito da integração europeia e da vida nos Estados participantes, sempre foi salvaguardada.

    Os exemplos dessa realidade foram abundantes durante a guerra fria, período em que a «integração europeia» serviu de pretexto para a definição de baias políticas que não poderiam ser ultrapassadas pelos Estados membros, mesmo que a vontade dos povos, expressa em eleições, e até o realismo de alguns políticos o justificasse. Uma linha absolutamente inultrapassável imposta pela NATO, e cumprida pelas instituições europeias, era a do acesso de Partidos Comunistas à área governamental.

    Os casos mais flagrantes foram o de Itália nos anos setenta, culminando com o assassínio do dirigente democrata Aldo Moro; e os da Grécia – onde o PASOK sempre rejeitou acordos com os comunistas; e, sobretudo, de Portugal, onde a adesão à CEE, sem qualquer consulta popular e informação objectiva da população sobre as consequências, foi uma operação que serviu principalmente para tentar liquidar, através de imposições externas militares, económicas e políticas, as vias transformadoras harmonizadas com o espírito da Revolução de 25 de Abril.

    Os partidos sociais-democratas e socialistas europeus, peças estratégicas da «integração europeia» sob gestão da NATO, respeitaram as exigências atlantistas – parte de uma obscura política de bastidores – e sempre que surgiam suspeitas de desvios o mal era extirpado liminarmente. Assim desapareceu o primeiro ministro sueco Olof Palme do número dos vivos. Para manter as aparências «democráticas», as decisões emanadas do submundo político-militar eram executadas por organismos terroristas clandestinos apensos à própria NATO – a Gladio, por exemplo – como está cabal e documentalmente comprovado.

    Assim se foi solidificando, dentro da NATO e da União Europeia, a convergência das políticas militares e económicas dos socialistas/sociais-democratas e das direitas liberais-conservadoras em formato de partido único, no exterior do qual não havia prática política com acesso à verdadeira tomada de decisões.

    Com a queda do Muro de Berlim a NATO tomou o freio nos dentes e nem sequer pôs a hipótese de se extinguir, uma vez que o mesmo acontecera com o Tratado de Varsóvia, muitas vezes identificado – com todo o desplante – como a razão da sua existência.

    A confluência dos avanços neoliberais durante os anos oitenta, a vertigem do progresso tecnológico e a extinção do inimigo ideológico proporcionou a veloz e frenética anexação dos ex-membros do Tratado de Varsóvia pela NATO, ainda antes de o serem pela «Europa».

    O Tratado de Maastricht, fruto deste cenário, remeteu, de facto, o Tratado de Roma para a arqueologia da «integração europeia». Surgiu uma outra «Europa», sem se sentir amarrada a quaisquer peias de capitalismo «social» ou «de rosto humano».

    As instituições europeias e os Estados membros, de Lisboa a Tallinn, abraçaram o neoliberalismo puro e duro; os socialistas/sociais-democratas, antes de começarem a emergir excepções, embriagaram-se com a terceira via – o liberalismo thatcheriano à moda de Blair; tudo isto sempre a reboque da estratégia da NATO e das suas guerras sem leis, ao serviço da globalização entendida como regime neoliberal global.

    Até à crise que explodiu há quase dez anos, tão teimosa que parece inconvertível ao determinismo capitalista da sucessão de ciclos de crescimento e estagnação/recessão.

    Para a NATO, tal facto não parece ser problema. Os militares, por definição, não têm que se preocupar com a democracia, os direitos dos cidadãos e até as convulsões no mundo das economias. Isso, em tese, cabe aos políticos.

    O elo mais fraco do sistema, porém, está agora ainda mais fraco. O normativo político da NATO já começou a ser desrespeitado aqui e ali; a União Europeia tornou-se uma caricatura de um gigante mal amanhado e com os pés de barro; e o capitalismo selvagem é sacudido por contradições que ainda há poucos anos eram inimagináveis.

    Não é apenas o Brexit e outras insolvências; nem sequer o aparecimento de Trump; nem a fuga para a frente do que resta da União Europeia, a diferentes velocidades e para um federalismo sem qualquer tipo de sustentação; nem as setas envenenadas disparadas entre Washington e Berlim, entre Varsóvia e Bruxelas, entre Paris e Moscovo, entre uns e outros, entre outros e uns.

    Assistimos apenas a sinais; detectamos sintomas. A instabilidade tomou conta das estruturas transnacionais neoliberais que se afirmavam sólidas, inamovíveis, capazes de decretar o fim da História. Há um potencial e um espaço para a mudança, porém ante uma barreira que procura travar o desmoronamento do sistema – a NATO. Esse potencial de mudança arranca muito atrás de fenómenos nos quais o capitalismo, temendo a desagregação, foi delegando atribuições para sobreviver: o fascismo, o nacionalismo, os estados de excepção.

    Geminada com a NATO desde o nascimento, a União Europeia é sempre uma putativa entidade paramilitar. Com o extremar das crises, o poder autoritário das armas abafa a razão das palavras.

    Cabe aos cidadãos evitar que a guerra seja, mais uma vez, a «solução».

    aqui:http://www.abrilabril.pt/nato-e-uniao-europeia-obvia-e-velha-geminacao

    As raças não existem

    quinta-feira, 23 de março de 2017

    O Tratado de Roma e o método Jean Monnet

    por Carlos Carvalhas

    Os profissionais do europeísmo podem continuar a falar numa União entre iguais, podem continuar a contar a «sua» história da construção europeia e a repetir o catecismo dos seus mitos que não alteram a realidade de uma Europa cada vez mais comandada por uma só potência e cada vez mais desigual.



    Chefes de governo de Espanha, Alemanha, França e Itália no Palácio de Versalhes. 6 de Março de 2017
    Chefes de governo de Espanha, Alemanha, França e Itália no Palácio de Versalhes. 6 de Março de 2017Créditos / EPA


    Em 1970, Henry Kissinger interrogava-se em tom de ironia: «A Europa, que número de telefone?».

    Hoje, já não podia repetir a ironia, bastava telefonar para a Senhora Merkel ou para o seu intratável ministro das Finanças, de tal modo a «Europa» se tornou alemã. E para saber os números dos telefones podia dirigir-se à CIA, que os tem registados e vigiados.

    Os profissionais do europeísmo podem continuar a falar numa União entre iguais, podem continuar a contar a «sua» história da construção europeia e a repetir o catecismo dos seus mitos que não alteram a realidade de uma Europa cada vez mais comandada por uma só potência e cada vez mais desigual.

    Hoje é-lhes mais difícil, sem hipocrisia ou cinismo, repetir as fórmulas vazias: «a Europa é a coesão económica e social; a solidariedade; o nivelamento por cima; a paz; o nosso futuro!»

    Os refugiados que ficam no Mediterrâneo, o comportamento da União Europeia em relação à Grécia e aos países do Sul, o dumping social e fiscal, os níveis de desemprego e a pobreza mostram-nos uma Europa do capital financeiro cada vez mais distante dos legítimos anseios e aspirações dos povos.

    Vendem a ideia de uma construção europeia democrática, num método original de pequenos passos, quando do que se trata é do bom e velho método Jean Monnet, que sempre quis uma Europa federal, consultando o menos possível os povos. A dissimulação, a opacidade e a imposição têm sido os grandes vectores da construção europeia.

    A história dos diversos referendos e a incrível história do Tratado Constitucional rejeitado pelo povo francês e holandês e que dois anos depois foi instituído, sem consulta, no Tratado de Lisboa, o do «conseguimos, pá!», dão-nos o verdadeiro retrato de uma construção antidemocrática feita longe dos povos.

    Giscard d'Estaing, que tinha presidido aos trabalhos do projecto de Constituição para a Europa, declarou então: «As propostas institucionais do Tratado Constitucional encontram-se integralmente no Tratado de Lisboa, mas numa ordem diferente. A razão é que o texto não deve lembrar muito o Tratado Constitucional»1.

    Alguns meses mais tarde, Nicolas Sarkozy diria a um grupo parlamentar europeu: «Há uma divergência entre os povos e os governos, um referendo neste momento colocaria a Europa em perigo, não teríamos tratado se tivéssemos um referendo em França»2.

    O mesmo método é aplicado na negociação secreta dos tratados internacionais – veja-se o Acordo de Comércio com o Canadá, CETA, no funcionamento do Eurogrupo ou do todo poderoso Banco Central Europeu – órgão não eleito.

    Os burocratas de Bruxelas ao serviço dos grandes interesses e do capital financeiro decidem o futuro dos povos, concedendo que existe não na construção, mas no funcionamento da União Europeia aquilo a que chamam candidamente e eufemisticamente «défice democrático».

    Do alto da sua arrogância, consideram que o aumento da indignação, da revolta, da rejeição desta Europa e do euro se deve à falta de conhecimento dos cidadãos, que não compreendem o papel dos especialistas, a globalização, a necessidade das reformas. Os burocratas de Bruxelas não querem reconhecer que os povos rejeitam as suas políticas por muitas e boas razões.

    Quando as consultas populares não correm bem, como no caso do Brexit, não hesitam em afirmar em tom classista que foram os menos instruídos os que mais votaram negativamente, como se não fossem estes os que mais sofrem na pele as humilhações e as consequências das políticas de concentração da riqueza.

    Espantam-se depois pelo crescimento daquilo a que chamam de populismo, como se este não fosse o resultado das promessas não cumpridas, das políticas neoliberais, do aumento das desigualdades, da liquidação de direitos e do Estado Social, das negociatas e corrupção, da falta de credibilidade dos partidos e políticos que em rotativismo têm estado no poder.

    Insistem nos mitos de uma Europa que foi concebida para fazer frente aos EUA, quando se sabe o papel desempenhado pelos serviços secretos americanos e a sua ligação a Jean Monnet, o mito dos pais fundadores! Insiste-se na Europa de paz como se fosse a construção europeia que a tem conseguido e como se o vergonhoso bombardeamento e guerra na Jugoslávia tivesse sido no continente africano.

    Insistiram (já não insistem) nos mitos e nos dogmas de que a União Europeia e o euro nos protegiam das crises, do endividamento, questão que deixava de se colocar, como afirmavam Guterres, Constâncio e Barroso, e de que a desindustrialização era mais que compensada pelos serviços e financeirização do país, o mito da «nova economia» que durou até ao início da crise de 1997.

    Os promotores e defensores da adesão de Portugal ao Mercado Comum viram nesta (um seguro de vida) a consolidação da contra-revolução que permitiu o regresso de possidentes, de privilégios e a concentração e centralização de capitais, no quadro de uma democracia cada vez mais limitada e empobrecida.

    A adesão à CEE deu-se quando já se preparava a substituição do Mercado Comum pelo Mercado Único.

    Para que tal fosse aceite pelos Estados duplicaram-se os fundos estruturais (a ameaça comunista), o que permitiu um importante surto de obras públicas e melhoramentos, criando a ilusão de que a coesão económica e social seria uma realidade.

    Com a liberdade de circulação de capitais, com as subvenções e fundos para liquidar o excesso de produções – o que não era o nosso caso –, pescas, agricultura..., com o acabar da preferência comunitária e praticamente a liquidação da pauta exterior comum, o embate entre a panela de ferro com a panela de barro começou a produzir os seus estilhaços, o que foi ainda ampliado com a introdução do euro e com os sucessivos alargamentos, sem reforço do orçamento comunitário3.

    Os resultados estão à vista e, então, tal como agora, também nos foi dito que só tínhamos a ganhar em estar no «pelotão da frente», mas, na realidade, no «carro vassoura» e no papel de «sobrinho pobre em casa de tios ricos».

    Com o euro, perdemos a soberania monetária e ficámos dependentes dos «mercados», mesmo para os pagamentos internos. Regressámos ao século XIX com as crises financeiras e as falências de bancos, como relata entre outros, Oliveira Martins.

    Perdemos a soberania monetária, cambial e na prática orçamental, desindustrializámos o país, liquidaram-se direitos duramente conquistados, enfraqueceu-se o incipiente «estado social» e ficámos com uma moeda sobrevalorizada em relação ao nosso aparelho produtivo e perfil de exportações.

    Desde que entrámos no euro até hoje, o nosso crescimento médio está praticamente estagnado. Aumentou, sim, a dívida privada e pública, e as mais importantes empresas básicas e estratégicas, tal como os bancos, ficaram no domínio estrangeiro. O euro/marco serve a Alemanha mas não serve Portugal nem a maioria dos países da UE. Ele foi «vendido» aos trabalhadores e aos povos na base de mentirolas repetidas, embrulhado num pseudo discurso científico e com modelos econométricos manipulados.

    A crise da UE é hoje uma evidência reconhecida. As propostas que são agora apresentadas, para «relançar a Europa», com um euro sobrevalorizado para a maioria dos países e subvalorizado para a Alemanha, desde o federalismo à Europa a várias velocidades, como não vão à raiz dos problemas, nem a uma das principais prioridades – o funcionamento da UE em bases democráticas –, mesmo que venham a ter algum reforço de Orçamento Comunitário e aligeiramento da dívida, podem alimentar ilusões, mas só prolongarão a nossa agonia4.

    Por isso, a grande tarefa nacional, o grande desafio com que nos confrontamos não é estarmos formalmente com os da frente e em bicos dos pés, mas, sim, o da recuperação da nossa soberania o mais urgentemente possível.

    • 1. Audição perante a Comissão de Negócios Constitucionais do Parlamento Europeu em 17 de Julho de 2007.
    • 2. The Telegraph, 14 de Novembro de 2007.
    • 3. São cada vez mais economistas, sindicalistas, empresários, partidos e população em geral que, em vários países da UE, põem em causa o euro. O Parlamento holandês decidiu, em fins de Fevereiro, por unanimidade, elaborar um relatório sobre se o país deve ou não sair do euro, o que revela a extensão das dúvidas.
    • 4. O orçamento comunitário para compensar satisfatoriamente os quatro países do Sul da dinâmica do euro (Portugal, Espanha, Itália e Grécia) implicava 8% a 9% do PIB da Alemanha, o que este país não aceitará. A Europa a várias velocidades foi decidida por Merkel, que o afirmou em Malta, e depois foi reafirmado em Versalhes pelos quatro chefes de governo (grande união de iguais!), Hollande, Merkel, Gentiloni e Rajoy. E, como bons democratas, afirmaram que «não excluíram ninguém, mas também não obrigaram ninguém a participar!»
    aqui:http://www.abrilabril.pt/o-tratado-de-roma-e-o-metodo-jean-monnet

    quinta-feira, 2 de março de 2017

    O dispositivo Clinton para desacreditar Donald Trump

    por Thierry Meyssan

     Este artigo é uma advertência : em Novembro de 2016, um vasto sistema de agitação e de propaganda foi montado para destruir a reputação e a autoridade do Presidente Donald Trump desde o momento em que chegasse à Casa Branca. É a primeira vez que uma tal campanha é cientificamente organizada contra um presidente dos Estados Unidos e com tais meios. Sim, nós entramos numa era de post-verdade, mas os papeis dos protagonistas não são os que vocês pensam.

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    David Brock é considerado como um dos mestres da agit-prop (agitação & propaganda) do século 21. Personalidade sem escrúpulos, tanto pode defender uma causa como destruí-la, segundo as necessidades do seu empregador. Ele está à cabeça de um império da manipulação de massas.

    A campanha conduzida pelos padrinhos de Barack Obama, de Hillary Clinton e da destruição do Médio-Oriente Alargado, contra o novo Presidente norte-americano prossegue. Após a marcha das mulheres de 22 de Janeiro, uma marcha pela ciência deverá ter lugar não apenas nos Estados Unidos, mas também no conjunto do mundo Ocidental, a 22 de Abril. Trata-se de mostrar que Donald Trump não é somente misógino, mas, também obscurantista.

    Que ele seja o antigo organizador do concurso Miss Universo e que seja casado com uma modelo em terceiras núpcias prova que ele despreza as mulheres. Que o Presidente conteste o papel de Barack Obama na criação da Chicago Climate Exchange-Bolsa Climática de Chicago (muito antes da sua presidência), e rejeite a ideia segundo a qual as perturbações climáticas são causadas pela libertação(liberação-br) de carbono na atmosfera, atestam que ele não sabe nada de ciência.

    Para convencer a opinião pública norte-americana da insanidade do Presidente, o qual disse desejar a paz com os seus inimigos e colaborar com eles para a prosperidade económica internacional, um dos maiores especialistas da agit-prop (agitação e propaganda), David Brock, colocou em acção um impressionante dispositivo, antes mesmo da investidura.

    Na altura em que ele trabalhava por conta dos Republicanos, Brock lançou contra o Presidente Bill Clinton aquilo que viria a ser o Troopergate, o caso Whitewater e o caso Lewinsky. Tendo virado a casaca, ele está agora ao serviço de Hillary Clinton, para a qual já organizou tanto a demolição da candidatura de Mitt Romney como a defesa dela no caso do assassinato do embaixador dos E.U. em Bengazi(morto pela Al-Caida na Líbia- ndT). Durante as últimas primárias, foi ele que dirigiu os ataques contra Bernie Sanders. A The National Review qualificou Brock «de assassino de direita tornado assassino de esquerda».

    Importa lembrar que os dois procedimentos de destituição («impeachment»-ndT) de um presidente em exercício, lançadas após a Segunda Guerra Mundial, foram a favor do Estado Profundo e não, de modo nenhum, da Democracia. Assim, o Watergate foi totalmente dirigido por um certo «garganta funda», que se revelou 33 anos mais tarde ser Mark Felt, o adjunto de J. Edgar Hoover, o Director do FBI. Quanto ao caso Lewinsky, não foi senão um meio para forçar Bill Clinton a aceitar a guerra contra a Jugoslávia.

    A campanha actual é organizada nos bastidores por quatro associações :
    - Media Matters («Os Média são Importantes») está encarregue de desencantar os erros de Donald Trump. Vocês irão ler, diariamente, o boletim deles nos vossos jornais : o Presidente não é fiável, ele enganou-se em tal e tal assunto.
    - American Bridge 21st Century («A Ponte Americana do Século 21») reuniu mais de 2. 000 horas de vídeo mostrando Donald Trump durante vários anos e mais de 18. 000 outras horas de vídeo sobre membros do seu gabinete. Ela dispõe de meios tecnológicos sofisticados concebidos para o Departamento de Defesa –-e, em princípio, não existentes no mercado –-permitindo-lhe pesquisar contradições entre as suas declarações precedentes e as suas posições actuais. Ela deverá estender os seus trabalhos a 1.200 colaboradores do novo Presidente.
    - Citizens for Responsibility and Ethics in Washington — CREW («Cidadãos pela Responsabilidade e Ética em Washington») é um gabinete de juristas de alto nível encarregue de rastrear tudo o que poderia causar escândalo à Administração Trump. A maior parte dos advogados desta associação trabalham gratuitamente pela causa. Foram eles que prepararam a queixa de Bob Ferguson, o Procurador-Geral do Estado de Washington, contra o decreto sobre a imigração.
    - Shareblue («A Partilha Azul») é um exército electrónico que envolve já 162 milhões de internautas nos Estado Unidos. Está encarregado de propagar temas fixados de antemão, entre os quais:
    • Trump é autoritário e ladrão.
    • Trump está sob a influência de Vladimir Putin.
    • Trump tem uma personalidade instável e colérica, é um maníaco-depressivo.
    • Trump não foi eleito pela maioria dos Norte-americanos, ele é pois ilegítimo.
    • O seu Vice-presidente, Mike Pence, é um fascista.
    • Trump é um bilionário que não parará de ter conflitos de interesse entre os seus negócios pessoais e os de Estado.
    • Trump é uma marioneta dos irmãos Koch, os celebres financeiros da extrema-direita.
    • Trump é um supremacista branco que ameaça as minorias.
    • A oposição anti-Trump não cessa de crescer para lá de Washington.
    • Para salvar a democracia, apoiemos os parlamentares democratas que atacam Trump, arrasemos aqueles que cooperam com ele.
    • Há que fazer a mesma coisa com os jornalistas.
    • Derrubar Trump vai exigir tempo, não abrandemos o combate. 
    Esta associação produzirá newsletters e vídeos de 30 segundos. Ela irá apoiar-se em dois outros grupos : uma empresa de documentários de vídeo, The American Independent (O Americano Independente), e uma unidade de estatísticas Benchmark Politics (Política Comparativa).

    O conjunto deste dispositivo —montado durante o período de transição, quer dizer, antes da chegada de Donald Trump à Casa Branca— emprega já mais de 300 especialistas, aos quais se devem juntar inúmeros voluntários. O seu orçamento anual, inicialmente previsto em 35 milhões, foi aumentado para atingir os cerca de US $ 100 milhões de dólares.

    Destruir assim a imagem —e portanto a autoridade— do Presidente dos Estados Unidos, antes que ele tenha tempo de fazer seja o que for, pode ter consequências muito graves. Ao eliminar Saddam Hussein e Muammar Kaddafi, a CIA mergulhou os respectivos países num longo caos, e o «país da Liberdade», ele próprio, poderia ser gravemente atingido por uma tal operação. Jamais, este tipo de técnicas de manipulação de massas tinha sido usado contra o chefe de fila do campo ocidental.

    De momento, este plano funciona : nenhum líder político a nível mundial ousou congratular-se pela eleição de Donald Trump, à excepção de Vladimir Putin e Mahmoud Ahmadinejad.

    Tradução
    Alva
    Fonte
    Al-Watan (Síria)
    aqui: http://www.voltairenet.org/article195475.html

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