domingo, 29 de dezembro de 2013

No quinto aniversário da operação "chumbo fundido"

por MPPM [*]


Cidade de Gaza, 27 de Dezembro de 2008. É um sábado e pouco falta para o meio-dia. As crianças regressam da escola e as ruas estão repletas de pessoas. Poucos minutos mais tarde, mais de 200 estarão mortas e cerca de sete centenas estarão feridas. Israel acaba de desencadear o seu covarde ataque que baptiza de "Operação Chumbo Fundido". Dezenas de caças F-16, helicópteros Apache e veículos aéreos não tripulados bombardeiam, em simultâneo, mais de uma centena de locais em toda a Faixa de Gaza. Nos dias seguintes, continuam os bombardeamentos, culminando numa invasão terrestre em 3 de Janeiro de 2009. Quando termina a operação, em 18 de Janeiro, debaixo de forte pressão internacional e dois dias antes da tomada de posse de Barack Obama, deixa mais de 1400 mortos palestinos – entre os quais 138 crianças – e um enorme rasto de destruição que paralisa a vida de Gaza.

A operação foi cuidadosamente planeada ao longo de meses e as vítimas civis não são "danos colaterais". São uma consequência da política de terror (doutrina Dahiya) que Israel tinha testado no Líbano em 2006 e que visa provocar o grau máximo de destruição e de sofrimento nas populações para as levar a revoltar-se contra os seus governantes. A população de Gaza estava ser punida por, em eleições internacionalmente reconhecidas como livres e democráticas, ter dado ao seu voto aos candidatos errados, na óptica de Israel e seus aliados.

Inquéritos conduzidos por investigadores internacionais isentos reunirem evidência de que Israel tinha cometido inúmeros crimes de guerra durante a "Operação Chumbo Fundido". Estão documentados, nomeadamente, os massacres das famílias Samouni e Al-Daya, o assassinato de portadores de bandeiras brancas, a utilização de bombas incendiárias de fósforo branco em áreas populacionais, a interdição de prestação de socorro a vítimas.

A "Operação Chumbo Fundido" chocou o mundo civilizado pela sua dimensão e brutalidade. Mas não podemos esquecer que, no prosseguimento da sua política de limpeza étnica da população palestina, que vem pondo em prática desde a sua fundação em 1948, o Estado de Israel, todos os dias, em maior ou menor escala, leva a cabo agressões contra palestinos, cerceando-lhes direitos humanos fundamentais, inviabilizando a constituição do Estado Palestino com total desrespeito pelo direito internacional e humanitário.

Ainda na semana passada, as forças armadas israelenses mataram um habitante de Gaza que procurava sucata dentro da "zona tampão de segurança" (esta "zona" estende-se entre 500 e 1500 metros dentro da Faixa de Gaza, ocupando cerca de 17% do território e 35% da terra arável, afectando a vida de mais de 100.000 habitantes de Gaza). Já esta semana, em Gaza, na terça-feira, uma criança de três anos foi morta e a sua mãe e irmão foram feridos num ataque retaliatório conduzido pela força aérea de Israel, e, na quinta-feira, novos ataques punitivos com mísseis feriram mais dois palestinos. Enquanto isto, Israel anuncia planos para construção de mais 1.400 casas de colonos, em Ramat Shlomo (Jerusalém Leste) e na Margem Ocidental, em claro desafio aos apelos dos Estados Unidos e da União Europeia para viabilizar o frágil processo de paz que John Kerry tenta pôr de pé.

Neste quinto aniversário da bárbara agressão contra a população indefesa de Gaza, evoquemos a memória das vítimas mas, conscientes de que só a solidariedade internacional pode reverter este estado de coisas, unamo-nos para exigir que, ao povo palestino, seja reconhecido o seu direito a viver em paz e liberdade no seu Estado soberano e independente, nos territórios que Israel ocupa desde 1967, com Jerusalém Leste como capital, e com uma solução justa para os direitos dos refugiados.

Lisboa, 27 de Dezembro de 2013

A Direcção Nacional do MPPM
[*] Movimento pelos Direitos do Povo Palestino e pela Paz no Oriente Médio

O original encontra-se em


Este comunicado encontra-se em http://resistir.info/


aqui:http://resistir.info/palestina/chumbo_fundido_27dez13.html 

Obama e o secretismo dos ataques com aviões não tripulados

por Amy Goodman*


Há duas semanas muitas pessoas morreram num novo ataque violento. Desta vez não se tratou da acção de um homem armado nem de um estudante que levou a cabo um tiroteio numa escola. As vítimas foram um grupo de famílias que se dirigiam a um casamento na localidade de Radda. Radda não se situa no Colorado nem em Connecticut, mas no Iémen. A arma utilizada não foi uma pistola semiautomática de fácil obtenção, mas mísseis lançados por um avião não tripulado dos Estados Unidos. Dezassete pessoas, na sua maioria civis, morreram no ataque, perpetrado na quinta-feira 12 de Dezembro. O Serviço de Jornalismo de Investigação (BIJ, na sua sigla em inglês), uma organização com sede em Londres que monitoriza os ataques estado-unidenses com aviões não tripulados, publicou recentemente um relatório sobre os seis meses posteriores ao mais importante discurso do Presidente Obama acerca da guerra com aviões não tripulados, pronunciado na Universidade Nacional de Defesa (NDU, na sua sigla en inglês) no mês de Maio. Nesse discurso Obama prometeu que “antes de realizar um ataque, haverá quase absoluta certeza de que nenhum civil morrerá nem resultará ferido, o parâmetro máximo que podemos fixar”. O Serviço de Jornalismo de Investigação resumiu no seu relatório: “Seis meses passados sobre esta fixação dos parâmetros estado-unidenses para a utilização de aviões não tripulados armados pelo Presidente Obama, uma análise do nosso Escritório demonstra que morreram mais pessoas em ataques encobertos com aviões não tripulados no Iémen e Paquistão nesse período do que nos seis meses anteriores ao discurso de Obama”. Custa compreender que num país que rejeita e condena os assassínios massivos que ocorrem com demasiada frequência no seio das suas próprias comunidades o Governo mate sistematicamente tantas pessoas inocentes no estrangeiro.

Uma das maiores dificuldades para se poder fazer uma avaliação do programa de ataques com aviões não tripulados dos Estados Unidos é o secretismo que o rodeia. Os funcionários estado-unidenses não falam do programa, e muito menos de ataques específicos, especialmente quando morrem civis. Como reconheceu Obama no seu discurso: “A maioria das críticas aos ataques com aviões não tripulados, tanto aqui como no estrangeiro, centram-se, naturalmente, nas denúncias acerca das mortes civis. Há uma grande margem entre a estimativa das mortes realizada pelo Governo dos Estados Unidos e a dos relatórios não-governamentais. Entretanto, é um facto indiscutível que os ataques estado-unidenses provocaram mortes civis”. A BIJ calcula que nos últimos doze anos o número de mortos em ataques estado-unidenses com aviões não tripulados no Paquistão, Iémen e Somália supera os 4.000.

Enquanto os media estado-unidenses centram toda a atenção na possibilidade de que nos próximos anos a Amazon.com utilize pequenos aviões não tripulados para enviar as encomendas de Natal, é importante reflectir seriamente acerca do que estes robots aéreos estão fazendo atualmente. O correspondente de DemocracyNow! Jeremy Scahill vem há anos denunciando as guerras encobertas dos Estados Unidos. Fê-lo recentemente no seu livro e documentário denominado “Dirty Wars” (Guerras sujas). O filme acaba de ser nomeado para um prémio Óscar ao melhor documentário do ano. Após a nomeação, Scahill disse-nos: “Esperamos que, através do documentário, as pessoas prestem atenção a estas histórias, que os estado-unidenses conheçam, por exemplo, o que sucedeu aos residentes de uma localidade beduína em al-Majalah, Iémen, onde mais de trinta mulheres e crianças morreram num ataque com um míssil de cruzeiro estado-unidense que a Casa Branca tentou encobrir. Ou que fiquem a saber das pessoas que morrem em ataques nocturnos no Afeganistão ou em ataques com aviões não tripulados no Iémen e Paquistão”.
No seu discurso perante a Universidade Nacional de Defesa, o Presidente Obama afirmou: “Os Estados Unidos não realizam ataques para castigar as pessoas. Actuamos contra os terroristas que representam uma ameaça constante e iminente para o povo estado-unidense, e quando outros governos não são capazes de enfrentar essa ameaça de forma eficaz”. Nem Obama nem os seus colaboradores explicaram que tipo de ameaça representava para o povo estado-unidense um grupo de veículos que se dirigia a um casamento. O Governo do Iémen cumpriu a tradição local e indemnizou as famílias que foram vítimas do ataque mediante a entrega de 101 espingardas Kalashnikov e pouco mais de 100.000 dólares.

Os aglomerados rurais do Iémen encontram-se bloqueados no meio de um violento conflito, segundo refere Human Rights Watch num relatório publicado em Outubro intitulado “Between a Drone and Al-Qaeda” (“Entre os aviões não tripulados e a al-Qaeda”). Um mês apenas antes de Obama pronunciar o discurso perante a Universidade Nacional de Defesa, Farea al-Muslimi, um eloquente jovem iemenita que frequentou durante um ano a escola secundaria nos Estados Unidos, apresentou o seu testemunho numa audiência do Congresso. Seis dias antes desse testemunho, um ataque com avião não tripulado tinha atingido a sua aldeia, Wessab. Farea declarou: “O que os moradores de Wessab sabiam sobre os Estados Unidos baseava-se nas minhas narrativas acerca das minhas maravilhosas experiencias aqui. Agora, em contrapartida, quando pensam nos Estados Unidos, pensam no terror que sentem pelos aviões não tripulados que os sobrevoam, prontos para disparar mísseis a qualquer momento. Um avião não tripulado conseguiu num instante o que militantes violentos nunca antes tinham conseguido. Agora existe uma profunda ira contra os Estados Unidos em Wessab”. Finalizou o seu testemunho com a esperança de que “quando os estado-unidenses souberem realmente quanta dor e sofrimento têm causado os ataques com aviões não tripulados estado-unidenses (…) rechaçarão este devastador programa de assassínios selectivos”.

Os acontecimentos de violência sem sentido nos Estados Unidos configuram uma extensa lista de nomes associados a dor e a perda: Columbine, Tucson, Aurora, Newtown, Littleton. Graças ao constante trabalho de activistas comprometidos, jornalistas valentes e funcionários responsáveis, talvez os estado-unidenses venham também a recordar os nomes de Gardez, Radda, al-Majalah, Mogadíscio e de tantos outros lugares onde os ataques com aviões não tripulados continuam a ocorrer, sob um manto de secretismo.

Denis Moynihan colaborou na produção jornalística desta coluna.
© 2013 Amy Goodman

*Amy Goodman dirige Democracy Now!, um noticiário internacional que é diariamente emitido em inglês em mais de 750 emissoras de radio e televisão e em espanhol em mais de 400. É coautora do livro “Os que lutam contra o sistema: Heróis comuns em tempos extraordinários nos Estados Unidos”, editado por Le Monde Diplomatique Cone Sul.

aqui:http://www.odiario.info/?p=3132

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

A mentira pela omissão e o papel da desinformação

por Jorge Figueiredo


Nada do que é importante no mundo é hoje reflectido pela comunicação dita "social", os media empresariais que arrogantemente se auto-intitulam como padrão de "referência".

Para quem pretende uma transformação do mundo num sentido progressista isto é um problema, e problema grave. Significa um brutal atraso na tomada de consciência dos povos, cuja atenção é desviada para balelas, entretenimentos idiotas, falsos problemas e outros diversionismos.

Omissão não é a mesma coisa que desinformação. Vejamos exemplos de uma e outra, a começar pela primeira.

A mais actual é a ameaça da instalação de mísseis Iskander junto às fronteiras ocidentais da Europa. Isso é praticamente ignorado pelos media ocidentais, assim como é ignorada a razão porque eles estão a ser agora instalados: o cerco da Rússia pela NATO, que instalou novos sistemas de mísseis numa série de países junto às suas fronteiras. É indispensável reiterar que tanto os da NATO como o da Rússia são dotados de ogivas nucleares.

Outro exemplo de omissão é o apagamento total de informação quanto ao terrífico acidente nuclear de Fukushima, que tem consequências pavorosas e a longuíssimo prazo para toda a humanidade. Continua o despejo diário de 400 toneladas de água com componentes radioactivos no Oceano Pacífico, o equivalente a uma disseminação igual à de todos os mais de 2500 ensaios de bombas nucleares já efectuados pela espécie humana. Caminha-se assim para o extermínio de uma gama imensa de espécies vivas – da humana inclusive – pois tal poluição entra no ecossistema que lhes dá suporte.

Outro exemplo ainda é o silenciamento deliberado quanto às consequências do desastre com a plataforma de pesquisa da British Petroleum (BP) no Golfo do México. Tudo indica que a gigantesca fuga de petróleo ali verificada ao longo de meses (100 mil barris/dia?) não está totalmente sanada, pois este continua a vazar embora em quantidades menores. A política activa de silenciamento conta com o apoio não só da BP como do próprio governo americano. Este, aliás, já autorizou o reinício da exploração de petróleo em águas profundas ao longo das costas norte-americanas.

Este silenciamento verifica-se com o pano de fundo do Pico Petrolífero (Peak Oil) , que também é deliberadamente escondido da opinião pública pelos media corporativos. Pouquíssima gente hoje no mundo sabe que a humanidade já atingiu o pico máximo da produção possível de petróleo convencional , que esta está estagnada há vários anos. Trata-se do fim de uma era, com consequências irreversíveis, cumulativas, definitivas e a longo prazo. Mas este facto é ocultado da opinião pública.

A maioria dos governos de hoje abandonou há muito a pretensão de ser o gestor do bem comum: passou descaradamente a promover os interesses de curto prazo do capital – em detrimento das condições de sobrevivência a longo prazo da espécie humana. Trata-se, pode-se dizer, de uma política tendente ao extermínio. Veja-se o caso, por exemplo, do fracking, ou exploração do petróleo e metano de xisto (shale) através de explosões subterrâneas e injecção de produtos químicos no subsolo – o que tem graves consequências sísmicas e polui lençóis freáticos de água potável. O governo Obama estimula activamente o fracking, na esperança – vã – de dotar os EUA de autonomia energética.

Mas há assuntos que para os media corporativos dominantes são não apenas omitidos como rigorosamente proibidos – são tabu. É o caso da disseminação do urânio empobrecido (depleted uranium, DU) que o imperialismo faz por todo o mundo com as suas guerras de agressão. Países como o Iraque, a antiga Jugoslávia, o Afeganistão e outros estão pesadamente contaminados pelas munições de urânio empobrecido. Trata-se do envenenamento de populações inteiras por um agente que actua no plano químico, físico e radiológico, com consequências genéticas teratológicas e sobre todo o ecossistema. A Organização Mundial de Saúde é conivente com este crime contra a humanidade pois esconde deliberadamente relatórios de cientistas que examinaram as consequências da invasão estado-unidense do Iraque. Absolutamente nada disto é reflectido nos media empresariais.

Um caso mais complicado é aquela categoria especial de mentiras em que é difícil separar a omissão da desinformação. Omitir pura e simplesmente a crise capitalista – como os media corporativos faziam até um passado recente – já não é possível: hoje ela é gritante. Portanto entram em acção as armas da desinformação, as quais vão desde o diagnóstico até as terapias recomendadas. Os economistas vulgares têm aqui um papel importante: cabe-lhes dar algum verniz teórico, uma aparência de cientificidade, às medidas regressivas que estão a ser tomadas pela nova classe dominante – o capital financeiro parasitário. As opções de classe subjacentes a tais medidas são assim disfarçadas com o carimbo do "não há alternativa". E a depressão económica que agora se inicia é apresentada como coisa passageira, meramente conjuntural. Os media passaram assim da omissão para a desinformação.

Desde o iluminismo, a partir do século XVIII, a difusão da imprensa foi considerada um factor de progresso, de ascensão progressiva das massas ao conhecimento e entendimento do mundo. Hoje, em termos de saldo, isso é discutível. A enxurrada de lixo que actualmente se difunde no mundo superou há muito as publicações sérias. Basta olhar a quantidade de revistecas exibidas numa banca de jornais ou a sub-literatura exposta nos super-mercados. Tal como na Lei de Greshan, a proliferação do mau expulsa o bom da circulação. E esta proliferação quantitativa não pode deixar de ter consequências qualitativas. Ela faz parte integrante da política de desinformação.

Os grandes media corporativos esmeram-se neste trabalho de desinformação. Além de omitirem os assuntos realmente cruciais para os destinos humanos eles ainda promovem activamente campanhas de desinformação. Um caso exemplar foi a maneira como apresentavam e apresentam a agressão à Síria. Assim, bandos sinistros de terroristas e mercenários pagos pelo imperialismo — alguns até praticaram o canibalismo como se viu num vídeo famoso difundido no YouTube — são sistematicamente tratados como "Exército de Libertação". E daí passaram à mentira pura e simples, afirmando que o governo legítimo da Síria teria utilizado armas químicas contra o seu próprio povo. Denúncias públicas de que os crimes com gases venenosos foram cometidos pelos bandos terroristas (com materiais fornecidos pelos serviços secretos sauditas) , não tiveram qualquer reflexo nos media corporativos – foram simplesmente ignoradas. Verifica-se neste caso um padrão misto de omissão deliberada e desinformação/mentira. Tudo orquestrado pelos centros de guerra psicológica do império, que os colonizados media portugueses reproduzem entusiasticamente. A submissão é tamanha que até publicações conservadoras e burguesas dos centros do império, como a Der Spiegel ou o Financial Times, dão uma informação mais objectiva do que os media lusos.

A par da omissão & desinformação, os media corporativos esmeram-se em campanhas para instilar terrores fictícios. É o caso da impostura do aquecimento global, em que gastam rios de tinta. Nesta campanha orquestrada pelo IPCC e pela UE procura-se instilar o medo com aquilo que poderia, dizem eles, acontecer daqui a 100 anos – mas escondem cuidadosamente o que já está acontecer agora. Os terrores actuais e bem reais devem ser escondidos e, em sua substituição, inventam-se terrores para o futuro, com a diabolização do CO2 erigido em arqui-vilão. Carradas de políticos e jornalistas ignorantes embarcam nessas balelas. Os mais espertos conseguem sinecuras à conta do dito aquecimento global (agora rebaptizado como "alterações climáticas"). Passam assim a sugar no orçamento do Estado português e dos fundos comunitários.

Este mostruário de exemplos de omissão & desinformação poderia prolongar-se indefinidamente. Ele é o pão nosso de cada dia para milhões de pessoas, em Portugal e no mundo todo. Mas a omissão & desinformação dificulta extraordinariamente a transformação das classes em si em classes para si. A situação é hoje o inverso da que existia no princípio do século XX, quando a consciência de classe dos oprimidos era mais aguda (ainda que o nível de literacia fosse muito menor). Hoje, quem tem maior consciência de classe é a burguesia e a da massa dos despojados é mais ténue. Por isso mesmo a primeira impõe uma lavagem cerebral colectiva e permanente às classes subalternas. Mas a realidade tem muita força e, apesar de tudo, acabará finalmente por se impor. Os povos do mundo já começaram a acordar. Não se pode enganar toda a gente eternamente.
 
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/

aqui:http://resistir.info/jf/omissao_desinformacao.html 

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Um ecossistema político-empresarial

 Uma aplicação interactiva permite examinar o ecossistema político-empresarial português. Foi criada por investigadores da Universidade de Coimbra e mostra o transito frenético entre os políticos da burguesia e o tecido empresarial, desde 1975 até 2013. Pode-se apreciá-la aqui:

aqui:http://pmcruz.com/eco/

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

O Poder da Comunidade: Como Cuba Sobreviveu ao Pico do Petróleo / The Power Of Community: How Cuba Survived Peak Oil (2006) LEGENDADO

A forma e a coisa

por JOSÉ MANUEL PUREZA

O pós-memorando de entendimento com a troika será o memorando com a troika sem ela. A forma muda para que o conteúdo se mantenha. E esse conteúdo é uma austeridade sem fim à vista, um continuado abate de serviços públicos essenciais e de direitos de dignidade social elementar.Nem era preciso que Mario Draghi tivesse desmentido Paulo Portas a este respeito, como o fez sem pestanejar esta semana. O que Draghi disse - durante o "período transitório, haverá um programa adaptado à situação durante esse período de tempo. Teremos de ver que tipo de forma é que esse programa terá" - não deixa margem para dúvidas: a coisa está decidida, só falta decidir a forma. O nome da coisa - programa cautelar, seguro, linha de crédito do Mecanismo de Estabilidade Europeu, segundo resgate - é o menos. É a substância que conta. E essa é clara há muito.Bem pode Paulo Portas encenar o resgate da soberania ofendida apregoando que em junho nos veremos livres de troika. Que está quase, que só falta uns meses, que agora é só aguentar estoicamente mais umas semanas porque o pesadelo está no fim. Não está. Passado junho, não passará "a obrigação de cumprir os nossos compromissos internacionais" nem passará o "estado de exceção". Não passarão as "condicionalidades" (leia-se as imposições de metas de esfacelamento da democracia social), nem passarão as "avaliações" de perfil humilhantemente colonial sobre o desempenho do País. Ouviremos então o mesmo Paulo Portas que nos encoraja agora a mais uns meses de estoicismo para sermos de novo independentes a avisar-nos que "temos de ser responsáveis" e que "os sacrifícios imensos que o povo português fez não podem ser em vão" e que "temos de manter o rumo" (onde é que eu já ouvi isto?). Traduzido para português: a austeridade de agora impõe austeridade depois, a humilhação colonial de agora impõe mais humilhação colonial depois. E sempre. Porque a austeridade não é um instrumento mas um fim: empobrecer quem tem menos para transferir essa diferença para quem sempre teve mais.Foi importante, porque clarificador, que Draghi tivesse dito o que disse antes de qualquer decisão do Tribunal Constitucional sobre o Orçamento para 2014. Porque assim fica cristalino aos olhos de todos que o álibi preparado pelo Governo para justificar aos olhos dos cidadãos a impossibilidade de um efetivo resgate da independência não é senão uma encenação que pretende legitimar mais golpes na democracia social e na dignidade das pessoas e a desresponsabilização do Governo pela perpetuação e o afundamento da crise económica do País no próximo ano.O que se impõe não é pois aguentar, mas sim interromper a trajetória de endividamento crescente e de debilitamento da capacidade produtiva nacional. Três anos de austeridade trouxeram-nos a este casamento perverso entre uma crescente incapacidade de o País fazer face à sua fragilidade e ao seu atraso e uma indisponibilidade de instrumentos de política económica para o tentar. Tudo agravado por uma Europa que em vez de usar o poder que tem para ajudar a resolver estes problemas o faz apenas para impor nas suas periferias internas um modelo de sociedade que não foi a votos e que a democracia derrotaria inexoravelmente. Para um país assim, o regresso aos mercados não é um projeto, é uma ilusão. O Governo obriga o País a morrer à sede mobilizando-o para caminhar em direção àquilo que sabe ser uma miragem mas que diz ser um oásis. Quando lá chegarmos só haverá mais areia e mais calor sufocante. O caminho do País tem que ser sair deste caminho.

aqui:http://www.dn.pt/inicio/opiniao/interior.aspx?content_id=3597736&seccao=Jos%E9%20Manuel%20Pureza&tag=Opini%E3o%20-%20Em%20Foco 

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

O tratado de comércio livre EUA-UE: a grande golpada

por Daniel Vaz de Carvalho [*]

O proletariado liberta-se suprimindo a concorrência. F. Engels [1]

Chama-se liberdade de imprensa o direito exclusivo de certos potentados ou certos malfeitores, graças à sua fortuna ou às suas chantagens, de influir na opinião do país.
Chama-se liberdade económica à liberdade que têm alguns indivíduos de se oporem em nome dos interesses criados à liberdade de todos os outros.
Chamo-lhe os sofismas liberais aos quais acrescentava a chamada liberdade de ensino.
Cada dia se imporá com mais clareza que o liberalismo económico é uma das formas mais revoltantes do privilégio e do despotismo. Raul Proença [2]

1 – O QUE SE PREPARA

No segredo dos cidadãos, em junho deste ano, a CE recebeu mandato dos ministros do Comércio Externo da UE para negociar com os EUA um tratado de comércio livre, também designado por «Transatlantic Trade and Investment Partnership» (TTIP) para entrar em vigor em 2015. Desde julho que as negociações decorrem.

Este secretismo mostra bem o nível a que os políticos ao serviço das oligarquias desceram. Trechos do tratado vieram a público no sítio da internet do L'Humanité. O ministro francês do Comércio Externo indignou-se com "as fugas". [3]

Aqueles que imaginam a UE como um espaço de progresso e democracia, "abandonem toda a esperança", como, na Divina Comédia, Dante viu escrito "em letreiro escuro" à entrada do Inferno e, já agora, tapem o nariz: para publicar o documento foi necessário decifra-lo, pois estava encriptado! [3] Eis por onde anda a "glasnot" na UE…

"As negociações são secretas para impedir os povos de descobrirem o que verdadeiramente está em jogo. Por outro lado, 600 "conselheiros" oficiais das grandes empresas dispõem de um acesso privilegiado a estas negociações para forjar o seu ponto de vista" [4]

O acordo visa não apenas o livre comércio de bens e serviços mas também a "proteção", leia-se: a desregulamentação, dos investimentos. O objetivo é "ir além dos compromissos atuais da OMC". Pretende assim, conforme expresso, "ligar ao mais alto nível de liberalização os acordos de comércio livre existentes." "A eliminação de todos os obstáculos inúteis ao comércio (…) e à abertura dos mercados e uma melhoria das regras". [5]

É fácil entender o que esta gente entende por "obstáculos inúteis "e "melhoria das regras": trata-se de eliminar ou tornar insignificantes salário mínimo, indemnizações por despedimento, subsídios de desemprego, enfim direitos sociais e laborais, que no fanatismo neoliberal são obstáculos "à criação de riqueza". Para quem? É a questão.

Diz-se que os "serviços fornecidos no exercício da atividade governamental devem estar excluídos das negociações". Porém esclarece-se que por "serviço no exercício do poder governamental entende-se todo o serviço que não é fornecido nem sob uma base comercial nem em concorrência com um ou vários fornecedores de serviços". [5] Note-se a subtileza do "um fornecedor". No reino do neoliberalismo, vivam pois os monopólios!

Saúde pública, escola pública, segurança social pública tudo isto ou acaba ou fica residual, decadente, apenas em termos de assistencialismo. É voltar aquilo a que em linguagem anglo-saxónica se designa pelas "dark ages" – os anos negros.

O resto é sujeito à gula das multinacionais. Quem quiser educação paga-a, quem quiser saúde paga-a, quem quiser pensão de reforma privatiza-a, ou seja, pague os lucros e sujeite-se à economia de casino. Toda a orientação política do atual governo e da UE é já neste sentido.

Normas, regulamentos sanitários, sociais e laborais serão "uniformizados, aplanados, harmonizados". Isto significa que as restrições a aditivos, pesticidas, carne com hormonas, sementes transgénicas (OGM) serão cada vez mais ténues ou mesmo inexistentes, para o que contribuirá a propaganda ao serviço destes interesses e os especialistas subvencionados, sem o que nem as universidades nem eles próprios subsistem. Assim está desenhado este "admirável mundo novo", construído no mito da eficiência privada.

Em função da concorrência "as normas mundiais procuradas serão as mais baixas e as menos protetoras, exceto para os investidores e acionistas." [6] Se assim não fosse as grandes marcas multinacionais de confeções não procuravam trabalho semi-escravo em países como o Bangladesh.

As informações das embalagens tornar-se-ão mais opacas ou enganadoras, sob pena também de caso contrário prejudicarem o comércio. A saúde pública fica à conta do "mercado".

Claro que haverá alimentos baratos mas de baixa qualidade nutricional para os pobres e saudáveis mas caros para quem puder pagar. Eis o que os sicofantas do neoliberalismo vão propagandear como liberdade de escolha.

2 – TODO O PODER ÀS MULTINACIONAIS

O tratado representa o culminar do processo neoliberal imposto aos povos, ficando a sua soberania à mercê dos interesses grande capital. Este, se achar que um Estado limita por regulamentações, taxas, leis, as suas vendas ou investimentos pode processar esse Estado que será obrigado a pagar uma indemnização e sujeitar-se.

É fácil imaginar o que isto representa para países endividados, a braços com elevado desemprego, deficitários devido à fuga de capitais e sem crescimento económico. São de facto Estados párias, no que esta expressão significa de sem direitos e exclusão.

Um Estado pode ser acusado e processado por pôr entraves ao "livre comércio" ou a investimentos, designadamente por normas de controlo sanitário, de qualidade, de biodiversidade, ecológicas. A resolução de qualquer litígio não é entregue a Tribunais soberanos nacionais, mas fica a cargo de um organismo dito regulador ou regulamentar.

"O mais escandaloso é que um tribunal dominado por uma pequena clique de advogados de negócios poderá lançar o anátema sobre Estados ou instâncias que infrinjam as disposições do acordo. O grande capital passa a dispor de uma "supremacia do tipo imperial que lhe permite fazer passar os seus direitos antes de todos os outros" [4]

Há aliás casos de processos em curso com pedidos de indemnizações de milhares de milhões de dólares, reclamados por megaempresas a Estados, ou seja, ao povo. Por exemplo, Philip Morris (tabaco) contra o Uruguai e Austrália; Vattenfall (nuclear) contra a Alemanha; Lone Pine (extração de gás de xisto) contra o Canadá por recusas ambientais do Quebec. [6]

Refira-se que "a jurisprudência do tribunal de justiça da UE já dá prioridade ao direito de concorrência sobre as legislações sociais dos Estados membros" (decisão Viking, decisão Ruffert, decisão da Comissão contra o Luxemburgo) [5]

O fabricante de um aditivo cancerígeno contido na gasolina exigiu do Canadá 250 milhões de dólares por "perda de vendas e entraves ao comércio. O Canadá temendo perder o processo autorizou o aditivo e pagou uma indemnização de 10 milhões de dólares ao fabricante" [4]

A cláusula de lucros cessantes que qualquer contrato de boa-fé rejeita por leonina, pode ser agora aplicada sob a forma de lucros potenciais cessantes.

O tratado é aliás bastante claro no seu objetivo de impor um totalitarismo supranacional, ao prescrever que todas as restrições que não estejam justificadas por exceções no tratado serão suprimidas. Neste contexto, os Estados ficam ameaçados de ser penalizados com sanções, multas ou aumento das taxas de juro.

Se um país recusar produtos alimentares dos EUA com aditivos, hormonas, originários de OGM poderá ser penalizado: estará a pôr entraves ao "comércio livre". Democracia, critérios de saúde e regulamentação alimentar que cada Estado deveria poder definir segundo critérios próprios conforme a decisão dos seus cidadãos – assim se construiu e constrói o progresso – serão não apenas considerados nulos, mas poderão obrigar a pagar indemnizações como lucros que determinadas empresas alegarão ter deixado de receber.

Trata-se como afirma Susanne Suchuster de "um ataque frontal contra a nossa democracia ou, pelo menos, do que ainda resta". [4]

3 – "AS BOAS INTENÇÕES"

Os argumentos vão ser os mesmos com que se propagandearam os tratados da UE e do euro, a diretiva do mercado comum dos contratos públicos, etc. Tudo isto iria trazer mais emprego, mais crescimento, mais economias para o Estado. Chegaram mesmo a quantificar os aumentos. Que se verificou? Mais desemprego, mais pobreza, mais endividamento, numa UE que recua perante a economia mundial, até mesmo perante os EUA.

O ponto 8 do tratado afirma: "O acordo deveria reconhecer que as partes não encorajarão o comércio ou o investimento direto estrangeiro pelo abaixamento da legislação e das normas em matéria de ambiente, trabalho ou saúde e segurança no trabalho, ou pela flexibilização das normas fundamentais do trabalho ou das políticas e legislações visando proteger e promover e a diversidade cultural" [5]

Trata-se enfim da "poeira para os olhos" necessária à propaganda e alibis para as cedências da social-democracia e seus sindicatos (como a UGT em Portugal). A flexibilização e o abaixamento de legislação e normas não precisam ser "encorajadas" elas são já a base das políticas da concorrência "livre e não falseada" da UE, que se agravarão com os desequilíbrios que o tratado irá provocar em países já de si afetados por intermináveis crises.

Tudo isto não passa de letra morta, fraseologia ridícula e hipócrita face às imposições de "captar investimento" e de "cumprir os compromissos com os nossos credores". O problema reside em que textos declarativos não têm precedência sobre o que é normativo e estas "boas intenções" quanto a direitos humanos e saúde pública contradizem tudo o que tem sido promovido pela OMC, FMI e CE.

Como acreditar que "serão mantidos os serviços de interesse geral" se para o neoliberalismo o "interesse geral" é garantido de forma mais "eficiente" pelos privados como é constantemente propagandeado, como justificação para desmantelar serviços públicos. O problema é em que condições, por quem e como.

Com todo o cinismo afirma-se: "A regulamentação nacional pode continuar a aplicar-se desde que não comprometa as vantagens decorrentes do acordo." [5]

Esta frase assemelha-se a uma graçola de mau gosto, uma verdadeira boçalidade, mais valia acrescentar: poderão aplicar-se mas com todas as consequências decorrentes do tratado.

O significado de direitos sociais e laborais para os neoliberais foi evidenciado pelo ministro Aguiar Branco ao dizer que o Estado Social existente se assemelha a um totalitarismo.

Claro que é este "totalitarismo" que impede os procedimentos de controlo, opressão e perseguição das multinacionais sobre os trabalhadores, que os proprietários da Wall-Mart, a família mais rica do planeta, praticam. Procedimentos que incluem sistemas de vigilância, espionagem e repressão sobre atividades políticas ou sindicais, contratando para o efeito gente especializada nessas funções.

A quem interessa afinal este tratado? Em primeiro lugar, à grande indústria alemã e às megaempresas do agroalimentar dos EUA. O tratado vai ao encontro dos desejos e necessidade de expansão do grande capital obtido a custo real zero na especulação e nos bancos centrais ao seu serviço. As oligarquias anseiam por algo como este tratado, que as ponha ao abrigo das incertezas e constrangimentos que a democracia lhes pode trazer. Não se consideram cidadãos como os outros. São o equivalente à nobreza do feudalismo.

Mas então com a teoria da "vantagem comparativa" não ganham todos? Talvez, mas nunca quando são as multinacionais a definirem o que se entende por "vantagem".

Há muito que a vida demonstrou que em termos de comércio livre "a vantagem comparativa entre um país rico e bem equipado e um país pobre e sem equipamento moderno conduz a uma especialização desastrosa, pois o segundo perde toda a possibilidade de se desenvolver ou mesmo manter a sua indústria" . (História do Pensamento Económico, Henri Denis, Livros Horizonte, p. 583)

Mesmo o agro-alimentar francês fica em risco; indústrias como a francesa ou italiana ficarão severamente constrangidas ao desaparecimento ou a tornarem-se subsidiárias de megaempresas dos EUA.

O que acontecerá aos países mais vulneráveis da UE pode ser avaliado pelo ocorrido na Colômbia e no México, respetivamente com os tratados ALENA e NAFTA. Na Colômbia "Houve um aumento desenfreado de importações e uma redução dos investimentos e das produções nacionais. Levando à ruína de camponeses, mineiros, camionistas e pequenos empresários". Vastas extensões de terras foram entregues às grandes empresas norte-americanas da agro-indústria sendo os camponeses expulsos. A revolta, que a comunicação social controlada ignorou, estendeu-se a 25 departamentos do país a incluindo a capital. [7]

Os EUA praticam o dumping através das subvenções à sua produção (o que é proibido direta ou indiretamente aos outros países), conduzindo a enormes aumentos das exportações do Norte em detrimento da produção nacional. [7]

No México existem hoje estufas ultramodernas de tomateiros, uma grande exportação para os EUA. Este "êxito" da "eficiência" neoliberal traduziu-se em 2,3 milhões de camponeses sem trabalho, obrigados a emigrar – 500 a 600 mil por ano até 2008, ano em que foram levantadas barreiras a esta situação. De qualquer forma, em 2011 existiam 11 milhões de emigrantes não legalizados nos EUA [7] em condições de trabalho de semi-escravatura. Acrescente-se que o homem mais rico do mundo é um mexicano…

4 – O GOLPE DE ESTADO NEOLIBERAL

Os agentes do neoliberalismo preparam o seu do golpe de Estado neofascista. O que os prossecutores desta verdadeira golpada pretendem é deitar abaixo o que resta de democracia real, direitos dos trabalhadores, funções sociais do Estado, tudo em nome, obviamente, da "eficiência" das "vantagens comparativas". Se assim não fosse nada estaria a ser feito longe e em segredo para os cidadãos.

O grande mercado transatlântico é "uma NATO económica", dizia a sra. Clinton, e como tal será colocado sob tutela dos EUA. [5]

Pelo tratado, no futuro acabarão por poder ser cultivadas apenas "sementes certificadas", isto é, das multinacionais dos OGM como a Monsanto ou a Sygenta. Todo o agricultor que guarde uma parte da sua colheita para semear nos seus campos poderá então vir a ser multado e em caso de reincidência objeto de processo judicial. A CE antecipa esta situação com a proposta da "Lei das Sementes", que obriga à certificação e registo das sementes, forma expedita de liquidar pequenos agricultores. Uma proposta de rejeição já foi apresentada pelos deputados do PCP no Parlamento Europeu.

Os vândalos estão, pois de volta! Se os povos abrandarem a sua resistência, um diretório de Estados dominantes irá gerir os demais como protetorados, no interesse das suas multinacionais e oligarquias. Como não poderá haver um tratamento mais favorável para as empresas nacionais, um país não mais poderá desenvolver a sua própria política económica, ficando sujeito às pretensões das mais poderosas multinacionais.

Segundo o tratado, as obrigações comprometem todos os níveis de governo, incluindo autarquias e regiões. Nada escapa! É o totalitarismo neoliberal. A realidade será afinal o pacto da troika a tempo inteiro sobre a UE. A representação democrática totalmente subvertida.

Milhões de trabalhadores já empobrecidos por uma crise económica crónica. Vão ser colocados em concorrência atroz. "Trabalhadores expostos ao dumping social, às deslocalizações, à precariedade, à chantagem ou ao desemprego sem que nenhum destes cidadãos possa usar o seu poder eleitoral para influenciar as escolhas politicas, económicas, sociais." [6]

Face aos desastres económicos, sociais e ambientais os mesmos que vão fazer a sua defesa e propaganda hão de mais tarde fazer-se de vitimas e, como no caso do pacto da troika, dizer que foi "mal desenhado", que "o problema é a Constituição", etc.

Os critérios de repressão sobre os trabalhadores aplicados pela Wall Mart podem ser o ideal para os srs. Soares dos Santos e outros oligarcas que fogem com a riqueza criada em Portugal para paraísos fiscais. Porém, não podem mudar a realidade, as suas contradições, a sua dialética.

Não contam com isso. Não entendem que o fascismo, qualquer que seja a máscara, os alibis, os colaboracionistas que encontre, será derrotado, porque não pode, como se provou através da História desde os tempos mais antigos, escapar à luta de classes e travar o progresso.

O proletariado liberta-se suprimindo a concorrência, escreveu Engels. Por isso da direita à social-democracia se vê uma tão grande obstinação na competição económica (em lugar de cooperação) à custa da exploração da força de trabalho. Bem dizia Raul Proença que "o liberalismo económico é uma das formas mais revoltantes do privilégio e do despotismo". Mas o que esperar de uma ideologia que faz de ganância a sua força motriz?
 
Notas
1- Obras Escojidas de C. Marx e F. Engels, Ed. Progresso, Moscovo, p. 85.
2- Para uma ação idealista no mundo real, em Seara Nova, dezembro de 1971.
3- Le pacte transatlantique, le coup d'État néolibéral, Marc Delepouve, sindicalista e universitário,
www.humanite.fr/tribunes/le-coup-d-etat-neoliberal-546985 ; também em www.legrandsoir.info/le-pacte-transatlantique-le-coup-d-etat-neoliberal.html
4- TTIP-TAFTA – der Ausverkauf unserer Demokratie, Susanne Suchuster, tradutora, pensadora ativista, também em www.legrandsoir.info/...
5- Le mandat UE de négociation du grand marché transatlantique UE-USA, Raoul Marc Jennar
www.legrandsoir.info/... oir.info/le-mandat-ue-de-negociation-du-grand-marche-transatlantique-ue-usa.html
6- Peut-on "inverser la courbe du chômage" en vendant la France à l'OMC?, Samuel Moleaud,
www.legrandsoir.info/...
7- Colombie: Coup de gueule, Marie Monique Robin, www.legrandsoir.info/colombie-coup-de-gueule.html

NOTA
Para além das referências que indicamos, não queremos deixar de mencionar o texto "Tratado Transatlântico: Um tufão que ameaça os europeus", inserido no Le Monde Diplomatique, ed. portuguesa, novembro/2013, de Lori Wallach, diretora da Public Citizen's Global Trade Watch


[*] Engenheiro.

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/

 

sábado, 14 de dezembro de 2013

Paulo Morais na Assembleia da República

O vice-presidente da TIAC, Paulo Morais, intervém na Sala do Senado da Assembleia da República no dia 29 de novembro de 2013, denunciando os conflitos de interesses de muitos deputados no Parlamento português. A intervenção foi feita durante o XV Encontro Público da PASC - Plataforma Ativa da Sociedade Civil, sob o tema "Regime de Incompatibilidades dos Deputados da Assembleia da República".

Mandela e Israel

por Thierry Meyssan

 Os Ocidentais choram a morte de Nelson Mandela, com mais tristeza que a manifestada a propósito pelos Africanos. Este luto é uma maneira de saldar a ideologia colonial e os crimes que foram cometidos em seu nome. Mais é incompreensível que esta torrente de homenagens mantenha o impasse sobre a persistência de um Estado racista, historicamente fundado como a África do Sul, segundo a visão do mundo de Cecil Rhodes, o teórico do «imperialismo germânico». Resta seguir o exemplo de Mandela.


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A 11 de Abril de 1975, em Jerusalém na residência do Primeiro-ministro. Da esquerda à direita: Eschel Rhoodie (director sul-africano da Propaganda), Yitzhak Rabin (Primeiro-ministro israelita), Henrik van den Bergh (director dos serviços secretos sul-africanos) e Shimon Peres (ministro israelita da Defesa).
A obra de Nelson Mandela é celebrada, por todo o lado no mundo, por ocasião da sua morte. Mas de que serve o seu exemplo se aceitamos que perdure num Estado — Israel— a ideologia racial que ele venceu na África do Sul?

O sionismo não é um fruto do judaísmo, que lhe foi longa e ferozmente oposto. É um projeto imperialista nascido da ideologia puritana britânica. No século XVII, Lorde Cromwell derrubou a monarquia inglesa e proclamou a República. Ele instaurou uma sociedade igualitária, e entendeu estender tanto quanto possível o poder do seu país. Para isso, ele esperava estabelecer uma aliança com a diáspora judia que se tornaria a guarda avançada do imperialismo britânico. Ele autorizou pois o retorno dos judeus à Inglaterra, donde tinham sido expulsos quatrocentos anos antes, e anunciou que criaria um Estado judeu, Israel. No entanto ele morreu sem ter conseguido convencer os judeus a juntarem-se ao seu projeto.

O império britânico não cessou, após isso, de solicitar a diáspora judia e de propor a criação de um Estado judeu, como fez Benjamin Disraeli, Primeiro-ministro da rainha Victoria na conferência de Berlim (1884). As coisas mudaram com o teórico do imperialismo britânico, o «muito honorável» Cecil Rhodes —o fundador da diamantífera De Beers e da Rodésia—, que encontrou em Theodor Herzl o lobista que lhe convinha. Os dois homens trocaram uma extensa correspondência, cuja reprodução foi interdita pela Coroa aquando do centenário da morte de Rhodes. O mundo deveria ser dominado pela «raça germânica» (quer dizer, segundo eles, além de os alemães, pelos Britânicos, Irlandeses incluídos, os Norte-Americanos e Canadianos (Canadenses-Br), os Australianos e Neo-Zelandeses, e os Sul-Africanos), que deveriam estender o seu império conquistando, para isso, novos territórios com a ajuda dos judeus.

Theodor Hertzl foi, não sómente, capaz de convencer a diáspora(judaica-ndT) a aliar- se a este projeto, como virou a opinião da sua comunidade, usando para tal os seus mitos bíblicos. O Estado judaico não seria estabelecido sobre uma terra virgem, no Uganda ou na Argentina, mas sim na Palestina com Jerusalém como capital. De tal modo que o actual Estado de Israel é, ao mesmo tempo, o filho do imperialismo e do judaísmo.

Israel, desde a sua proclamação unilateral, virou-se para a África do Sul e Rodésia, únicos Estados, juntamente consigo, a arvorar o colonialismo de Rhodes. Pouco importa desde este ponto de vista que os Afrikaners tenham apoiado o nazismo, eles alimentavam-se da mesma visão do mundo. Embora só em 1976 o Primeiro-ministro John Vorster tenha visitado oficialmente a Palestina ocupada, desde 1953 que a Assembleia geral das Nações Unidas condenava «a aliança entre o racismo sul- africano e o sionismo». Os dois Estados trabalharam, em estreita colaboração, tanto em matéria de manipulação dos média(mídia-Br) ocidentais, como de transportes para contornar os embargos, como ainda para desenvolver a bomba atómica.

O exemplo de Nelson Mandela mostra que é possível a ultrapassagem desta ideologia e de atingir a paz civil. Hoje em dia o único herdeiro, no mundo, do imperialismo segundo a cartilha de Cecil Rhodes é Israel. A paz civil supõe que Israelitas(Israelenses-Br) e Palestinos encontrem quer o seu De Klerk quer o seu Mandela.

domingo, 8 de dezembro de 2013

Carlos Carvalhas, Secretário-geral do PCP — «Interpelação do PCP sobre a Moeda Única», 1997

 Esta interpelação do PCP ao Governo, centrada na moeda única, realiza-se num momento em que grandes movimentações de trabalhadores se intensificam na generalidade dos países da União Europeia com o apoio e a compreensão das populações confirmando que a política de austeridade levada a cabo em toda a Europa comunitária, em nome da moeda única, se confronta com uma crescente oposição social. Na Alemanha, na França, na Bélgica, na Grécia, em Espanha ou em Itália, como também em Portugal.

O que fundamenta a oportunidade desta interpelação é que é num momento em que a opinião pública menos crê, mais questiona e mais duvida das alegadas virtudes de uma moeda única fundada nos critérios e orientações de Maastricht, que o Governo português mais quer acelerar a marcha silenciosa e forçada, na prática habitual dos factos consumados, de modo a submeter o País às decisões monetaristas e neoliberais e a aprisioná-lo no quadro da "gangrena" da moeda única, a partir de 1 de Janeiro de 1999.

Por isso nós acusamos o Primeiro-Ministro e o Governo de, em nome dos critérios de Maastricht e da participação no núcleo duro da moeda única, prosseguirem e aprofundarem uma política que trava e funciona contra o crescimento económico, o investimento e o emprego no nosso País.

Acusamos o Primeiro-Ministro e o Governo de conduzirem uma política económica subjugada pela prioridade absoluta da moeda única que se traduz numa política de regressão social, de aumento do desemprego e na eliminação de direitos duramente conquistados pelos trabalhadores ao longo de muitas dezenas de anos.

Acusamos o Primeiro-Ministro e o Governo de com a sua fé cega nos dogmas de Maastricht e da participação na moeda única espoliarem o País do poder soberano de utilizar os instrumentos monetário e orçamental para enfrentar situações de crise, impondo assim que todos os custos recaiam inevitavelmente sobre os trabalhadores, através do aumento do desemprego e do congelamento ou reduções salariais; sobre os reformados e sobre muitos e muitos pequenos e médios empresários.

Acusamos o Primeiro-Ministro e o Governo de, através da moeda única, pretenderem amarrar Portugal a uma evolução federalista da União Europeia, sem que para tal tenham mandato dos portugueses.

E acusamos o Primeiro-Ministro e o Governo de, pela recusa de um referendo sobre a moeda única e sobre o Tratado da União Europeia, se concertarem com a direcção do PSD para deliberadamente manterem os cidadãos à margem de uma decisão que, indisfarçavelmente, afectará profundamente o futuro dos portugueses e do País. Aliás não constando sequer do Tratado da União Europeia o Governo aceitou há poucos meses o chamado "Pacto de estabilidade" que prevê sanções que poderão ser muito lesivas para o nosso país que tem uma economia frágil, sem qualquer debate prévio e sem qualquer mandato do povo português. Um "Pacto" imposto pela Alemanha que subserviente e levianamente o Governo assinou em nome dos portugueses e de Portugal.

E quando se questiona o Governo sobre as consequências para o nosso aparelho produtivo, para as pequenas e médias empresas não exportadoras, ou sobre quem vai pagar os custos operativos da introdução do "Euro", cada Banco, ou mesmo no pequeno comércio a resposta é inevitavelmente a mesma: não há outro caminho, não há outra solução.

Depois quando o desemprego explodir e ele já é bem superior ao que as manobras estatísticas revelam, então lá teremos as desculpas dos constrangimentos externos...

Estas acusações senhores Deputados, consubstanciam os motivos fulcrais desta interpelação do PCP ao Governo do eng. António Guterres e do Partido Socialista.

Importa, e exige-se, que durante este debate o Primeiro-Ministro e o Governo interpelados respondam às nossas acusações e às nossas interrogações e propostas com a mesma seriedade e sentido de responsabilidade com que as formulamos nesta interpelação.

A perspectiva de passagem à moeda única não é nem pode ser, uma questão exclusivamente para especialistas, como pretende o Governo português.

Pelo seu significado e implicações, ela tem de ser colocada à apreciação e submetida ao juízo da opinião pública.

Esta é uma questão democraticamente incontornável.

A política para a moeda única tornou-se uma fonte de interrogações, de inquietações para um número crescente de portugueses que cada vez mais, e bem, estabelecem uma relação directa entre tal opção com a sua vida quotidiana e reivindicam o direito democrático de serem informados em debate contraditório e de serem consultados.

Relevando do estrito respeito da democracia, não é possível fazer desaparecer a moeda nacional, com todas as suas consequências políticas, económicas e sociais, sem que sobre isso previamente seja consultado o Povo português.

Continuando a recusar a possibilidade de um referendo sobre a questão central da União Europeia, sobre a Moeda Única, a posição do Governo, do PS e do PSD abrindo as portas à possibilidade de um referendo sobre matérias vagas e laterais decorrentes da revisão do Tratado não passa de uma desajeitada manobra de diversão, de um autêntico "referendo-ficção".

A verdade é que o Governo do eng. Guterres e o PS, irmanados com o PSD, decidiram desde o princípio que o País tem de querer a moeda única e o Tratado de Maastricht. E é a esse querer unilateral e autoritário que o eng. Guterres e o Governo apelidam de "desígnio nacional".

O que está justamente por apurar é a existência e a dimensão de um consenso dos portugueses sobre esse dito "desígnio".

Porque se há alguma coisa evidente nesta matéria é que a moeda única e o Tratado da União Europeia não são consensuais na sociedade portuguesa, e é crescente a angústia, a indignação e a preocupação dos que têm um vínculo precário, dos desempregados, dos trabalhadores e de muitos empresários que querem ser cabalmente esclarecidos e que querem pronunciarem-se sobre a matéria.

Porque é um facto que, para além daqueles que, como o PCP, se opõem clara e frontalmente aos critérios de Maastricht, à Moeda Única e a esta "União Europeia", há igualmente muitos portugueses que colocam justificadas reservas ao voluntarismo e ao artificial impulso federalista que mora em Maastricht e assenta as suas bases na moeda única.

O referendo é uma condição do esclarecimento popular e de ponderação nacional sobre o significado e as consequências de tal escolha.

Só a campanha do referendo poderá proporcionar o debate contraditório, generalizado e esclarecedor que é indispensável. E o interesse em participar na decisão levará a generalidade dos cidadãos a interessar-se pelo assunto e a decidir em consciência sobre uma opção tão decisiva para o futuro de Portugal.

As grandes decisões que, como esta, afectam profundamente o curso histórico do nosso País, carecem indubitavelmente de uma legitimação democrática qualificada.

Mas para matéria tão decisiva o tão celebrado «diálogo» já não faz parte dos atributos do Governo. Temos sim o diktat do "Pensamento Único" e dos compromissos do governo PS. É caso para perguntar: de que tem medo o PS? Que razões existem para tão grande falta de autoconfiança nas virtudes desse paraíso anunciado que vos leva a proibir, nos termos constitucionais, que o povo português seja chamado, por referendo - como o PCP propõe - a pronunciar-se sobre a moeda única? Se só temos vantagens com o "euro", se tudo é "cor de rosa", e "oásis" porquê ter medo que seja o povo a decidir?

Argumenta o Sr. Primeiro-Ministro com os mercados que fustigariam o escudo! Bela desculpa. Os mercados, Sr. Primeiro-Ministro, não são entidades abstractas, têm rosto, são os Bancos, é o capital financeiro. Têm rosto mas não têm certidão de eleitor. Ou será que o governo PS entende que os mercados devem decidir pelo povo português? Pela nossa parte rejeitamos a teologia economicista que confia aos "mercados" o Governo de Portugal.

Nenhum governo tem legitimidade ou está mandatado para suprimir a moeda nacional e substituí-la por uma moeda única da União Europeia imposta pelos interesses do eixo franco-alemão.

O Governo e o PS (tal como o PSD) não querem o referendo porque não querem o debate, e não querem o debate porque têm receio de que a sua propaganda seja contestada, porque sabem que aquilo que apregoam a favor do euro é uma mistificação, porque o seu diálogo, é um diálogo de sentido único, só para falarem mas não para ouvirem, e muito menos para considerarem o que ouvem.

Porque o PS (e o PSD) sabe que a moeda única e o caminho seguido põe em causa e subalterniza o princípio da "coesão económica e social", tem pés de barro e os ditos critérios não têm qualquer fundamento económico ou científico.

É um caminho para mais desemprego e sub-emprego, que fragiliza e põe em causa o aparelho produtivo nacional e o futuro soberano e democrático de Portugal.

A moeda única fragiliza e põe em causa o aparelho produtivo nacional.

É ou não verdade que a moeda única, um euro feito, como é inevitável, à imagem e semelhança do marco, super valorizado em relação ao curso normal do escudo, vai tornar ainda mais difícil a competitividade dos produtos portugueses nos mercados europeu e mundial quando confrontados com os nossos principais concorrentes, os países fora da zona do euro, os países asiáticos, os países do continente americano, com as suas moedas e taxas de câmbio próprias?

No mercado comunitário, incluindo no mercado nacional, face à menor eficiência da nossa economia, os produtos portugueses ou aparecerão mais caros e as empresas terão dificuldades acrescidas na venda, ou terão preços semelhantes aos de outros países comunitários e as empresas portuguesas venderão com margens cada vez menores ou mais certamente pela redução relativa dos salários.

A moeda única é um instrumento de aprofundamento do mercado único e de desregulamentação das fronteiras. Muitas e muitas empresas, bem como os agricultores portugueses, que vendem para o mercado nacional, vão confrontar-se também com a aceleração das importações feitas com mais baixos custos cambiais e portanto com uma ainda maior substituição da produção nacional por produção estrangeira. O encerramento de empresas e a crise em muitos sectores serão a consequência lógica de tal processo. Seria por isso de grande interesse que o governo nos dissesse aqui como é que a economia portuguesa vai aguentar o duplo choque a que vai estar submetida: o choque da moeda única e o choque da crescente abertura ditada pela O.M.C.

A moeda única e os critérios de Maastricht são um factor de aumento do desemprego.

A livre circulação de capitais - facilitada e dinamizada pela moeda única - em condições de relativa aproximação média das taxas de juro, vai impulsionar a deslocalização do dinheiro, dos investimentos, das empresas, para as regiões da Comunidade Europeia com maiores produtividades e dinamismo económico.
A vantagem «comparativa» que o Governo do PS se prepara para oferecer é uma força de trabalho mais barata, com menos garantias sociais.

Aí virão os apelos e as chantagens sobre os trabalhadores para políticas ditas de moderação salarial, de aumento da desregulamentação das relações de trabalho, de mais precariedade, de maior facilidade de despedimento, de mobilidade dos trabalhadores, de menor protecção social. E isto num país onde os lucros das grandes empresas estão em alta e o investimento em baixa, onde cerca de 50% da mão de obra tem vínculos precários e onde se mantêm as artimanhas governamentais para que as 40 horas não sejam cumpridas!

Os casos Renault multiplicar-se-ão debaixo das lágrimas de crocodilo do eng. Guterres e do Sr. Santer, escondendo que as Renault são uma consequência inevitável e inerente à política de austeridade da moeda única. Como afirma o Relatório final pedido pelo Parlamento Europeu a várias Universidades europeias, sobre as «Consequências Sociais da UEM», as «piores consequências da convergência para a UEM far-se-ão sentir nas regiões menos favorecidas da União Europeia. A probabilidade de da UEM resultarem consequências sociais nefastas é maior na Grécia, Itália, Espanha e Portugal...». É uma evidência que com a liquidação de empresas e sectores o aumento do desemprego será uma realidade.

Não fomos nós que afirmámos ao J.N. (15.2.97) que «Empresas vão fechar e existe um risco de um aumento de desemprego», Victor Constâncio.

A moeda única não vai dar mais voz a Portugal

Bem pelo contrário. A moeda única vai entregar a condução da política monetária e cambial, da política fiscal e da política económica ao Banco Central Europeu, omnipotente e intocável, em cujas decisões executivas dominadas pelo eixo franco-alemão, Portugal não participa.

Por isso o estarmos no "pelotão da frente" como diz o PSD ou no centro das decisões como diz o PS - diferenças semânticas - não passa de milongas e de frases propagandísticas sem conteúdo concreto.

Como afirma recentemente um relatório do Conselho da Europa, o «défice democrático que existe no seio da União Europeia agravar-se-á de maneira intolerável».

Portugal perde um elemento constitutivo da sua soberania nacional. Como parente pobre e subalterno a voz do país não terá qualquer peso ou relevo significativo e andará a reboque dos interesses das grandes potências.

É sabido também que os níveis económicos e monetários tendem a aumentar o fosso entre as zonas mais desenvolvidas e as de menor desenvolvimento. A história mostra-nos que para compensar tal tendência os governos foram obrigados a reforçar através dos respectivos orçamentos as compensações a essas regiões.

Mas no caso da União Europeia como é sabido, os países ricos recusam-se a reforçar o Orçamento comunitário e com o alargamento as pressões negativas ainda vão ser maiores. Chegou a falar-se de um Fundo para o efeito, mas tal foi abandonado.

É conhecido também a "blague" de que em qualquer deserto os critérios de Maastricht são rigorosamente cumpridos pela simples razão de que aí não há pessoas...

O PS sabe bem que tais critérios assim como a decisão de entrada no Euro são escolhas políticas que vão ser tomadas por maioria que é com quem diz pelos grandes!

Veja-se a contabilidade criativa do Eurostat sobre a dívida pública e a não inclusão dos juros para se abrirem as portas do "Clube do Euro" a certos países em dificuldades (Bélgica, Itália..).

Por isso não se pode deixar de ouvir com um sorriso a declaração enfática do Sr. Primeiro-Ministro, de que Portugal deixaria entrar a Alemanha no Euro mesmo que este país não viesse a cumprir os ditos critérios... e desde que tal não fosse estrutural... Consta que o Chanceler Khool que já não dormia há três dias por não saber qual seria a decisão do Eng. Guterres - teve ontem à noite um sono descansado e repousado!

Portugal deixa a Alemanha entrar no Euro e não quer qualquer adiamento! O ridículo tem limites! Ou será que algum membro deste ditoso Governo está convencido que havia moeda única se o senhor Khool mudasse de opinião?

Para o PS do Eng. Guterres - ao contrário de outros partidos socialistas - não há reservas, nem em relação ao «nó duro» do Euro, nem a uma «zona alargada» do marco, nem há preocupações com o "Pacto de estabilidade", nem com a submissão a um Banco Central feito à medida do Bundesbank!

Ao contrário do que se quer fazer crer há outros caminhos. É possível uma outra construção europeia de paz e cooperação, de co-desenvolvimento, que faça do princípio da coesão económica e social o seu primeiro objectivo, que ponha em primeiro lugar o emprego e a convergência real das economias e não a convergência nominal. Uma Europa plural que ataque um dos seus mais graves problemas; o desemprego, o que passa por uma verdadeira cooperação monetária, pelo reforço do Orçamento Comunitário, pelo financiamento de projectos comuns, pelo aproveitamento dos recursos de cada país e pela solidariedade recíproca. Uma Europa social, harmonizando por cima em vez de nivelar por baixo ou pelo nível dos países do Terceiro Mundo as conquistas sociais.

A moeda única não é um projecto de cooperação Europeia, não é um projecto para o desenvolvimento das economias mais periféricas, e da economia portuguesa em particular.

A moeda única não é um projecto para mais e melhor emprego.

A moeda única é um projecto ao serviço de um directório de grande potências e de consolidação do poder de grandes transnacionais na guerra com as transnacionais e as economias americanas e asiáticas, por uma nova divisão internacional do trabalho e pela partilha dos mercados mundiais.

A moeda única é um projecto político que conduzirá a choques e a pressões a favor da construção de uma Europa federal, ao congelamento de salários, à liquidação de direitos, ao desmantelamento da segurança social e à desresponsabilização crescente das funções sociais do Estado...

O Primeiro-Ministro vai procurando enfeitar o seu febril fundamentalismo pela Moeda Única, pela Europa política, económica e monetária, com a referência vaga a uma dita Europa social.

Mas a Europa social que os trabalhadores e o povo português reclamam não pode resumir-se a meras frases vazias de conteúdo, nem à concepção de uma Europa social "complementar" e de disfarce da Europa comandada pelo capital financeiro em que o "social" apenas visa favorecer uma certa resignação dos trabalhadores à pretensa inevitabilidade da baixa dos custos do trabalho.

Essa concepção instrumental, subordinada e propagandística do "social" na Europa da moeda única é, aliás, perfeitamente comprovada com o facto de a menção do emprego como princípio de valor equivalente à estabilidade monetária ter sido rejeitada pelos governos dos quinze na Conferência Inter- Governamental.

Ou como, mais cruamente, a pôs a nú o presidente do Bundesbank ao afirmar que "com a moeda única, o airbag social será suprimido".

"A coesão económica e social" deve ser o objectivo central de qualquer integração europeia e não uma vulgar opção que se junta em último lugar para tornar o todo publicamente apresentável. De nada representaria amanhã uma gota de "social" no oceano do desemprego, da pobreza, da desregulamentação, da flexibilidade, da liquidação de direitos e do tudo à economia de casino que é o que representa a Europa da moeda única.

É a própria lógica da actual construção europeia que está em questão.

Esperamos que neste debate o bom senso, a reflexão e a ponderação, triunfem sobre a propaganda, os dogmas do neoliberalismo e a arrogância do "Pensamento Único".

Esperamos que a arrogância e a política dos factos consumados cedam perante a exigência popular da realização de um referendo sobre a opção de aderir à moeda única. Portugal precisa de uma mudança, de rumo na sua política económica e social.

aqui:http://www.pcp.pt/actpol/temas/moeda/munica1.html

sábado, 7 de dezembro de 2013

CTT, ENVC Propriedade pública

por Sandra Monteiro

Neste fim de ano, o governo acelerou o programa de reconfiguração do Estado, uma vez mais com intuitos puramente ideológicos e excedendo as próprias metas definidas pela ultraliberal Troika. É obra. Com a privatização dos CTT – Correios de Portugal e com o processo para liquidar a empresa pública Estaleiros Navais de Viana do Castelo (ENVC), seguida da subconcessão ao grupo privado Martifer, prosseguem as engenharias neoliberais que usam o Estado para transferir para o privado negócios muito lucrativos (ou que passarão a sê-lo), a golpes de reduções salariais, despedimentos, precariedade, falta de segurança, degradação da qualidade de serviços prestados e bens produzidos.

Estes dois processos têm vários aspectos em comum. Um dos mais abordados, e bem, é o nebuloso ambiente de secretismo e insuficiente transparência que nenhuma «urgência» pode justificar e que exige investigações isentas sobre eventuais situações de favorecimento ou ilegalidade. Mas os conluios que desprezam ou lesam o interesse público devem também ser analisados de um ponto de vista propriamente político, avaliando as escolhas de sociedade que estão a ser feitas «em nosso nome».

A montante destes processos está um poder político apostado em desembaraçar-se, formalmente ou na prática, de propriedade pública, que a todos nós pertence. O ataque ao público é diverso. Corrói o Estado social (educação, saúde, segurança social), deteriora condições laborais, recusa investimento público contracíclico e martela na comunicação social as pretensas vantagens da gestão privada. Mas não menos importante do que o ataque aos direitos e serviços públicos é efectivamente a questão da propriedade pública. Porque, como bem se vê, ainda que ela não garanta por si só a prossecução de finalidades do interesse público, pelo menos nasce ancorada a elas e é o melhor garante da possibilidade de se adoptarem estratégias adequadas à sustentabilidade económica e social das comunidades.

Este governo e a resposta austeritária à crise financeira vão, contudo, no sentido contrário. Para eles, o mil vezes anunciado «pós-Troika» é o de um país a retroceder nos níveis de educação, saúde e protecção social; a empobrecer; a alimentar o capital financeiro; a ter baixíssimos salários e altíssima precariedade; e a braços com uma tragédia demográfica que explode com o desemprego e a emigração. É também o de um país que se desenvencilha da propriedade pública para poder desobrigar-se da produção, dos serviços e dos trabalhadores, oferecendo a preço de saldo bons negócios aos privados. Pelo meio, os cidadãos perdem serviços que dão lucro e criam vínculos sociais, bem como infra-estruturas produtivas capazes de animar o desenvolvimento económico. E perde-se a ocasião para debater a estrutura produtiva da economia nacional, assente num perfil de especialização há mais de uma década associado ao elevado endividamento externo do país (não à dívida pública, essa causada pela crise).

Nisto, os casos da privatização dos CTT e da anunciada subconcessão dos ENVC não podiam ser mais eloquentes. O negócio dos CTT, empresa que desde 2005 apresentava lucros acumulados de 438,7 milhões de euros, lesa significativa e duradouramente os cofres do Estado. Mas não se trata apenas de um negócio contra o erário público, que os privados agradecem. À alienação de lucros futuros junta-se a desistência criminosa de um dos maiores empregadores nacionais e de um dos instrumentos políticos, os serviços postais, que mais asseguram a coesão social e territorial. Aliás, os CTT associam esses serviços aos de uma pequena entidade financeira onde os cidadãos têm acesso às suas pensões e reformas, com todas as vantagens da proximidade.

Foi também por causa desta proximidade que a carta que o presidente do Conselho de Administração dos CTT dirigiu aos cidadãos foi acolhida com tanta indignação. Longe de ser uma carta de Boas Festas, a missiva suscitou uma estranheza dorida entre quem leu o convite para «transmitir a sua ordem de compra de acções» misturado com as facturas (água, luz e gás) já difíceis de pagar. E veio marcar um corte que nenhum endereçamento «Para si» pode disfarçar: entre um novo «nós» (a empresa resultante da privatização) e um novo «vocês» (o leitor convidado a «juntar-se a nós na privatização dos CTT»), destruindo a relação previamente existente com os «nossos» CTT. Tudo isto rematado com a ficção liberal assente na ideia de que os seres humanos se movem por permanentes cálculos dos lucros que podem ter: «Privatização dos CTT – Esta oportunidade é dirigida a si». Privatizando a propriedade, o Estado cauciona a redução da complexidade das motivações e lógicas de actuação humanas ao interesse privado. Terão de ser os cidadãos a mostrar o valor que dão à cooperação, ao público e ao comum, até em defesa da sua liberdade individual.

Eloquente exemplo desta capacidade é a luta dos trabalhadores dos ENVC. É nela que encontramos a noção do interesse colectivo que devia estar a ser protegido pelos poderes públicos. A sua acção empenhada na defesa dos postos de trabalho e de uma empresa estratégica para a economia da cidade e do país, merece a admiração e a solidariedade activa de todos os cidadãos e é fonte de esperança na travagem do processo de subconcessão. Eles têm posto a nu as contradições e a actuação ruinosa dos poderes públicos, primeiro arrastando uma gestão danosa da empresa pública e agora avançando para o encerramento, o despedimento dos 609 trabalhadores e a subconcessão de terras e infra-estruturas a um grupo industrial cujo passivo beneficiará do ajustamento das necessidades da empresa ao lucro, mas de que sairá muito prejudicado um trabalho internacionalmente reconhecido pela sua competência e qualidade. Em vez de apostar na viabilização de uma empresa a que não faltam encomendas nem mão-de-obra qualificada, o Estado opta por desbaratar capacidade instalada. Assim abdica de mais um pedaço do frágil tecido produtivo e absorve os gastos económicos e sociais de atirar mais trabalhadores e famílias e para o desemprego.

A propriedade única é, de facto, outro dos sonhos anti-democráticos do neoliberalismo, sistema que odeia o pluralismo na economia. Tal como acontece com o pensamento único, dispositivo destinado a enquadrar as fronteiras do que é possível (pensar e acontecer), os fautores da propriedade única querem que prevaleça na economia uma única lógica, com pretensão universal apesar de apenas espelhar os interesses particulares de algumas forças económicas, a começar pelo capital financeiro. A lógica da propriedade única, como se vê pela diversidade de engenharias que vão das privatizações às concessões e subconcessões, pode até manter formalmente alguma dimensão pública, mas o que a caracteriza é isto: ela quer-se finalmente livre dessas maçadoras forças de bloqueio ao lucro que são as finalidades sociais, os interesses colectivos. É por isso que o verdadeiro debate sobre o Estado e as políticas públicas que queremos tem de passar por aqui, pelo papel da propriedade na democratização da economia e da sociedade.

sexta-feira 6 de Dezembro de 2013

aqui:http://pt.mondediplo.com/spip.php?article962

50 verdades sobre Nelson Mandela

por Salim Lamrani [*]


As grandes potências ocidentais opuseram-se até ao último instante à sua luta e apoiaram sempre o governo racista de Pretória
Mas o herói da luta contra o apartheid marcou para sempre a história da África.
No crepúsculo da sua existência, Nelson Mandela passou a ser louvado por aqueles que sempre o combateram ou o ignoraram – como por exemplo Cavaco Silva.
Eles agora choram lágrimas de crocodilo.

1. Nascido no dia 18 de julho de 1918, Nelson Rolihlahla Mandela, apelidado de Madiba, é o símbolo por excelência da resistência à opressão e ao racismo na luta pela justiça e pela emancipação humana.

2. Procedente de uma família de treze filhos, Mandela foi o primeiro a estudar em uma escola metodista e a cursar direito na Universidade de Fort Hare, a única que aceitava, então, pessoas de cor no governo segregacionista do apartheid.

3. Em 1944, aderiu ao Congresso Nacional Africano (ANC) e, particularmente, à sua Liga da Juventude, de inclinação radical.

4. O apartheid, elaborado em 1948 depois da vitória do Partido Nacional Purificado, instaurava a doutrina da superioridade da raça branca e dividia a população sul-africana em quatro grupos distintos: os brancos (20%), os indianos (3%), os mestiços (10%) e os negros (67%). Esse sistema segregacionista discriminava 4/5 da população do país.

5. Foram criados "bantustões", reservas territoriais destinadas às pessoas de cor, para amontoar as pessoas não brancas. Assim, 80% da população tinha de viver em 13% do território nacional, muitas vezes sem recursos naturais ou industriais, na total indigência.

6. Em 1951, Mandela transformou-se no primeiro advogado negro de Johanesburgo e assumiu a direção do ANC na província de Transvaal um ano depois. Também foi nomeado vice-presidente nacional.

7. À frente do ANC, lançou a campanha de desafio (defiance campaign), contra o governo racista do apartheid, e utilizou a desobediência civil contra as leis segregacionistas. Durante a manifestação do dia 6 de abril de 1952, data do terceiro centenário da colonização da África do Sul pelos brancos, Mandela foi condenado a um ano de prisão. Da sua prisão domiciliar em Johanesburgo, criou células clandestinas do ANC.

8. Em nome da luta contra o apartheid, Mandela preconizou a aliança entre o ANC e o Partido Comunista Sul-Africano. Segundo ele, "o ANC não é um partido comunista, mas um amplo movimento de libertação que, entre seus membros inclui comunistas e outros que não o são. Qualquer pessoa que seja membro leal do ANC, e que respeite a disciplina e os princípios da organização, tem o direito de pertencer às suas fileiras. Nossa relação com o Partido Comunista Sul-Africano como organização é baseada no respeito mútuo. Unimo-nos ao Partido Comunista Sul-Africano em torno daqueles objetivos que nos são comuns, mas respeitamos a independência de cada um e a sua identidade. Não houve tentativa alguma por parte do Partido Comunista Sul-Africano de subverter o ANC. Pelo contrário, essa aliança nos deu força política".

9. Em dezembro de 1956, Mandela foi preso e acusado de traição com mais de uma centena de militantes antiapartheid. Depois de um processo de quatro anos, os tribunais o absolveram.

10. Em março de 1960, depois do massacre de Sharperville, perpetrado pela polícia contra manifestantes antisegregação, que custou a vida de 69 pessoas, o governo do apartheid proibiu o ANC.

11. Mandela fundou então o Umkhonto we Sizwe (MK) e preconizou a luta armada contra o governo racista sul-africano. Antes de optar pela doutrina da violência legítima e necessária, Mandela inspirava-se na filosofia da não violência de Gandhi: "Embora tenhamos pegado em armas, não era nossa opção preferida. Foi o governo do apartheid que nos obrigou a pegar em armas. Nossa opção preferida sempre foi a de encontrar uma solução pacífica para o conflito do apartheid."

12. O MK multiplicou, então, os atos de sabotagem contra os símbolos e as instituições do apartheid, preservando ao mesmo tempo as vidas humanas, lançou com êxito uma greve geral e preparou o terreno para a luta armada com o treinamento militar de seus membros.

13. Durante sua estada na Argélia, em 1962, depois da intervenção do presidente Ahmed Ben Bella, Mandela aproveitou para aperfeiçoar seus conhecimentos sobre guerra de guerrilhas. A Argélia colocou à disposição do ANC campos de treinamento e deu apoio financeiro aos residentes antiapartheid. Mandela recebeu ali uma formação militar. Inspirou-se profundamente na guerra da Frente de Libertação Nacional do povo argelino contra o colonialismo francês. Quando libertado, Mandela dedicou sua primeira viagem ao exterior à Argélia, em maio de 1990, e rendeu tributo ao povo argelino: "Foi a Argélia que fez de mim um homem. Sou argelino, sou árabe, sou muçulmano! Quando fui ao meu país para enfrentar o apartheid, senti-me mais forte". Recordou ter sido "o primeiro sul-africano treinado militarmente na Argélia."

14. Mandela estudou minuciosamente os escritos de Mao e de Che Guevara. Transformou-se em um grande admirador do guerrilheiro cubano-argentino. Depois de ser libertado, declarou: As "façanhas revolucionárias [de Che Guevara] — inclusive no nosso continente — foram de tal magnitude que nenhum encarregado de censura na prisão pôde escondê-las. A vida do Che é uma inspiração para todo ser humano que ame a liberdade. Sempre honraremos sua memória".

15. Cuba foi um dos primeirps paí:ses a dar ajuda ao ANC. A esse respeito, Nelson Mandela destacou: "Que país solicitou a ajuda de Cuba e lhe foi negada? Quantos países ameaçados pelo imperialismo ou que lutam pela sua libertação nacional puderam contar com o apoio de Cuba? Devo dizer que quando quisemos pegar em armas nos aproximamos de diversos governos ocidentais em busca de ajuda e somente obtivemos audiências com ministros de baixíssimo escalão. Quando visitamos Cuba fomos recebidos pelos mais altos funcionários, os quais, de imediato, nos ofereceram tudo o que queríamos e necessitávamos. Essa foi nossa primeira experiência com o internacionalismo de Cuba."

16. No dia 5 de agosto de 1962, depois de 17 meses de vida clandestina, Mandela foi levado à prisão em Johanesburgo, graças à colaboração dos serviços secretos dos Estados Unidos com o governo de Pretoria. A CIA deu às forças repressivas do apartheid a informação necessária para a captura do líder da resistência sul-africana.

17. Acusado de ser o organizador da greve geral de 1961 e de sair ilegalmente do território nacional, foi condenado a cinco anos de prisão.

18. Em julho de 1963, o governo prendeu 11 dirigentes do ANC em Rivonia, perto de Johanesburgo, sede da direção do MK. Todos foram acusados de traição, sabotagem, conspiração com o Partido Comunista e complô destinado a derrubar o governo. Já na prisão, Mandela foi acusado das mesmas coisas.

19. No dia 9 de outubro de 1963, começou o famoso julgamento de Rivonia na Corte Suprema de Pretoria. No dia 20 de abril de 1964, frente ao juiz africâner Quartus de Wet, Mandela desenvolveu sua alegação brilhante e destacou que, frente ao fracasso da desobediência civil como método de combate para conseguir a liberdade, a igualdade ou a justiça, frente aos massacres de Sharperville e à proibição de sua organização, o ANC não teve outro remédio senão recorrer à luta armada para resistir à opressão.

20. No dia 12 de junho de 1964, Mandela e seus companheiros foram declarados culpados de motim e condenados à prisão perpétua.

21. O Conselho de Segurança das Nações Unidas denunciou o julgamento de Rivonia. Em agosto de 1963, condenou o governo do apartheid e pediu às nações do mundo que suspendessem o fornecimento de armas à África do Sul.

22. As grandes nações ocidentais, como Estados Unidos, Grã-Bretanha e França, longe de respeitarem a resolução do Conselho de Segurança, apoiaram o governo racista sul-africano e multiplicaram o fornecimento de armas.

23. De Charles de Gaulle, presidente da França de 1959 a 1969, até o governo de Valéry Giscard d'Estaing, presidente da França de 1974 a 1981, a França foi um fiel aliado do poder racista de Pretoria e negou-se sistematicamente a dar apoio ao ANC em sua luta pela igualdade e pela justiça.

24. Paris nunca deixou de fornecer material militar a Pretoria, provendo até mesmo a primeira central nuclear da África do Sul, em 1976. Sob os governos de De Gaulle e de Georges Pompidou, presidente entre 1969 e 1974, a África do Sul foi o terceiro maior cliente da França em matéria de armamento.

25. Em 1975, o Centro Francês de Comércio Exterior (CFCE) disse que "a França é considerada o único verdadeiro apoio da África do Sul entre os grandes países ocidentais. Não apenas fornece ao país o essencial em matéria de armamentos necessários para sua defesa, mas também se tem mostrado benevolente, ou, mais ainda, um aliado nos debates e nas votações dos organismo internacionais."

26. Preso em Robben Island, com o número 466/64, Mandela viveu 18 anos de sua existência em condições extremamente duras. Não podia receber mais de duas cartas e duas visitas por ano e esteve separado de sua esposa Winnie — que não tinha permissão para visitá-lo — durante 15 anos. Foi condenado a realizar trabalhos forçados, o que afetou seriamente a sua saúde, sem conseguir jamais quebrar sua força moral. Dava cursos de política, literatura e poesia aos seus camaradas de destino e clamava pela resistência. Mandela gostava de recitar o poema Invictus de William Ernest Henley:
It matters not how strait the gate
How charged with punishments the scroll.
I am the master of my fate:
I am the captain of my soul.
Não importa quão estreito é o portão
E quantas são as punições listadas
Sou o mestre do meu destino
Sou o capitão da minha alma.
27. No dia 6 de dezembro de 1971, a Assembleia Geral das Nações Unidas qualificou o apartheid como crime contra a humanidade e exigiu a libertação de Nelson Mandela.

28. Em 1976, o governo sul-africano propôs a Mandela sua libertação em troca da sua renúncia à luta. Madiba negou firmemente a proposta do governo segregacionista.

29. Em novembro de 1976, depois das revoltas de Soweto e da sangrenta repressão que o governo do apartheid desencadeou, o Conselho de Segurança das Nações Unidos impôs um embargo sobre as armas destinadas à África do Sul.

30. Em 1982, Mandela foi transferido para a prisão de Pollsmoor, perto de Cape Town.

31. Em 1985, Pieter Willen Botha, presidente de fato da nação, propôs libertar Mandela se ele se comprometesse, em troca, a renunciar à luta armada. O líder da luta antiapartheid recusou a proposta e exigiu a democracia para todos: "um homem, um voto."

32. Frente ao recrudescimento das operações de guerrilha do MK, o governo segregacionista criou esquadrões da morte com a finalidade de eliminar os militantes do ANC na África do Sul e no exterior. O caso mais famoso é o de Dulci September, assassinada em Paris no dia 29 de março de 1988.

33. A mobilização internacional a favor de Nelson Mandela culminou em um show em Wembley, em junho de 1988, em homenagem aos 70 anos do resistente sul-africano, que foi assistido por 500 milhões de pessoas pela televisão.

34. O elemento decisivo que pôs fim ao apartheid foi a estrepitosa derrota militar que tropas cubanas infligiram ao exército sul-africano em Cuito Cuanavale , no sudeste de Angola, em janeiro de 1988. Fidel Castro enviou seus melhores soldados a Angola depois da invasão do país pelo governo de Pretoria, apoiada pelos Estados Unidos. A vitória de Cuito Cuanavale também permitiu à Namíbia, até então ocupada pela África do Sul, conseguir sua independência.

35. Em um artigo intitulado "Cuito Cuanavale: a batalha que acabou com o apartheid", o historiador Piero Gleijeses, professor da Universidade John Hopkins, de Washington, especialista na política africana de Cuba, aponta que "a proeza dos cubanos nos campos de batalha e seu virtuosismo na mesa de negociações foram decisivos para obrigar a África do Sul a aceitar a independência da Namíbia. Sua exitosa defesa de Cuito foi o prelúdio de uma campanha que obrigou o exército sul-africano a sair de Angola. Essa vitória repercutiu para além de Namíbia."

36. Nelson Mandela, durante sua visita histórica a Cuba, em julho de 1991, lembrou-se daquele episódio: "A presença de vocês e o reforço enviado para a batalha de Cuito Cuanavale têm uma importância verdadeiramente histórica. A derrota esmagadora do exército racista em Cuito Cuanavale constituiu uma vitória para toda a África! Essa contundente derrota do exército racista em Cuito Canavale deu a Angola a possibilidade de desfrutar da paz e de consolidar sua própria soberania. A derrota do exército racista permitiu que o povo combatente da Namíbia alcançasse finalmente a sua independência! A decisiva derrota das forças agressoras do apartheid destruiu o mito da invencibilidade do opressor branco! A derrota do apartheid serviu de inspiração para o povo combatente da África do Sul! Sem a derrota infligida em Cuito Cuanavale nossas organizações não teriam sido legalizadas! A derrota do exército racista em Cuito Cuanavale possibilitou que hoje eu possa estar aqui com vocês! Cuito Cuanavale é um marco na história da luta pela libertação da África austral! Cuito Cuanavale marca a virada da luta para libertar o continente e nosso país do flagelo do apartheid! A decisiva derrota infligida em Cuito Cuanavale alterou a correlação de forças da região e reduziu consideravelmente a capacidade do governo de Pretoria para desestabilizar seus vizinhos. Este feito, em conjunto com a luta do nosso povo dentro do país, foi crucial para fazer Pretoria entender que tinha de se sentar à mesa de negociações."

37. No dia 2 de fevereiro de 1990, o governo segregacionista, moribundo depois da derrota de Cuito Cuanavale, viu-se obrigado a legalizar o ANC e aceitar as negociações.

38. No dia 11 de fevereiro de 1990, Nelson Mandela foi finalmente libertado, depois de 27 anos de prisão.

39. Em junho de 1990 foram abolidas as últimas leis segregacionistas depois da pressão feita por Nelson Mandela, pelo ANC e pelo povo.

40. Eleito presidente do ANC em junho de 1991, Mandela recordou os objetivos: "No ANC sempre estaremos ao lado dos pobres e dos que não têm direitos. Não apenas estaremos junto deles. Vamos garantir antes cedo que tarde que os pobres e sem direitos rejam a terra onde nasceram e que — como expressa a Carta da Liberdade — seja o povo que governe".

41. Fortemente criticado por sua aliança com o Partido Comunista Sul-Africano por causa das potências ocidentais que continuavam a apoiar o governo do apartheid durante o processo de paz, Mandela replicou de modo contundente. "Não temos a menor intenção de fazer caso aos que nos sugerem e aconselham que rompamos essa aliança [com o Partido Comunista]. Quem são os que oferecem esses conselhos não solicitados? Provêm, em sua maioria, dos que nunca nos deram ajuda alguma. Nenhum desses conselheiros fez jamais os sacrifícios que fizeram os comunistas pela nossa luta. Essa aliança nos fortaleceu e a tornaremos ainda mais estreita."

42. Em 1991, Mandela condenou o persistente apoio dos Estados Unidos ao governo do apartheid: "Estamos profundamente preocupados com a atitude que a administração Bush adotou sobre esse assunto. Este foi um dos poucos governos que esteve em contato habitual conosco para examinar a questão das sanções e lhe fizemos ver claramente que eliminar as sanções seria prematuro. No entanto, essa administração, sem nos consultar, simplesmente nos informou que as sanções estadunidenses seriam anuladas. Consideramos isso totalmente inaceitável."

43. Em 1993, Mandela recebeu o Prêmio Nobel da Paz por sua obra a favor da reconciliação nacional.

44. Durante a primeira votação democrática da história da África do Sul, no dia 27 de abril de 1994, Nelson Mandela, de 77 anos, foi eleito presidente da República com mais de 60% dos votos. Governou até 1999.

45. No dia 1 de dezembro de 2009, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou, em votação unânime de seus 192 membros, uma resolução que decreta o dia 18 de julho como Dia Internacional Nelson Mandela, em homenagem à luta do herói sul-africano contra todas as injustiças.

46. Se hoje Mandela é cumprimentado por todos, por décadas as potências ocidentais o consideraram um homem perigoso e o combateram apoiando o governo do apartheid.

47. Estados Unidos, França e Grã-Bretanha foram os principais aliados do governo do apartheid, o qual apoiaram até o último momento.

48. Se os Estados Unidos veneram hoje em dia Nelson Mandela, de Clinton a Bush passando por Obama, é conveniente lembrar que ele foi mantido na lista de membros de organizações terroristas até o dia 1 de janeiro de 2008.

49. Nelson Mandela lembrou varias vezes dos laços inquebrantáveis que ligavam a África do Sul a Cuba. "Desde seus primeiros dias, a Revolução Cubana tem sido uma fonte de inspiração para todos os povos amantes da liberdade. O povo cubano ocupa um lugar especial no coração dos povos da África. Os internacionalistas cubanos deram uma contribuição para a independência, para a liberdade e a justiça na África que não tem paralelo pelos princípios e pelo desinteresse que a caracterizam. É muito o que podemos aprender da sua experiência. De modo particular, nos comove a afirmação do vínculo histórico com o continente africano e seus povos. Seu invariável compromisso com a erradicação sistemática do racismo não tem paralelo. Somos conscientes da grande dívida que existe hoje com o povo de Cuba. Que outro país pode mostrar uma história mais desinteressada que a que teve Cuba em suas relações com a África?

50. Thenjiwe Mtintso, embaixadora da África do Sul em Cuba, lembrou-se da verdade histórica a propósito do compromisso de Cuba na África. "Hoje a África do Sul tem muitos amigos novos. Ontem, estes amigos se referiam aos nossos líderes e aos nossos combatentes como terroristas e nos acusavam enquanto apoiavam a África do Sul do apartheid. Esses mesmos amigos hoje querem que nós denunciemos e isolemos Cuba. Nossa resposta é muito simples, é o sangue dos mártires cubanos e não destes amigos que corre profundamente na terra africana e nutre a árvore da liberdade em nossa pátria."
Ver também:
  • Le Parti communiste sud-africain salue le « camarade » Mandela et ... confirme qu’il était membre du Parti dans les années 1960

  • Mandela’s sharp statements rarely cited in mainstream media

    [*] Doutor em Estudos Ibéricos e Latino-americanos da Universidade Paris Sorbonne-Paris IV, professor-titular da Universidade de la Reunión e jornalista, especialista nas relações entre Cuba e Estados Unidos. Seu último livro é The Economic War Against Cuba. A Historical and Legal Perspective on the U.S. Blockade [A Guerra Econômica contra Cuba. Uma Perspectiva Histórica e Legal do Bloqueio dos EUA], Nova York, Monthly Review Press, 2013, com prólogo de Wayne S. Smith e prefácio de Paul Estrade. Contato: lamranisalim@yahoo.fr , Salim.Lamrani@univ-reunion.fr


    Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
  • aqui:http://resistir.info/africa/mandela_06dez13.html

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