terça-feira, 29 de janeiro de 2019

União Europeia ao lado de Trump contra a Venezuela

por José Goulão

É importante, para memória futura e inevitável exigência de responsabilidades políticas e humanitárias, anotar os governos que, na Venezuela, virão a ser responsáveis por uma chacina de vidas humanas.
Encontro do Ministro dos Negócios Estrangeiros português, Augusto Santos Silva, e do Secretário de Estado norte-americano Michael Pompeo, em Washington, Junho de 2018.  
Encontro do Ministro dos Negócios Estrangeiros português, Augusto Santos Silva, e do Secretário de Estado norte-americano Michael Pompeo, em Washington, Junho de 2018. Créditos / US Department of State

Uma semana de atraso é caricata para funcionar como disfarce para uma subserviência rasteira anunciada. A União Europeia, com o governo português bem na linha da frente, segue a estratégia intervencionista e potencialmente fascista de Donald Trump na Venezuela. É importante, para memória futura e inevitável exigência de responsabilidades políticas e humanitárias, começar a anotar, um por um, os governos que virão a ser responsáveis por uma chacina de vidas humanas que poderá ser o resultado de uma de duas vias: a guerra civil, na esteira da Síria; ou uma ditadura fascista, a exemplo de Pinochet e alguns outros.

No seguidismo em relação à estratégia de Trump, a União Europeia assume a sua conivência com o golpe na Venezuela de uma maneira que contraria a maioria dos Estados membros da Organização dos Estados Americanos, apesar de esta entidade ser habitualmente considerada uma simples correia de transmissão dos desejos e interesses de Washington.

Do alto dos seus púlpitos ou na telegrafia dos seus twitters, os dirigentes da União Europeia dirão que não, nada têm com a decisão de Trump, porque o presidente norte-americano reconheceu Juan Guaidó ao mesmo tempo que este se autoproclamou, enquanto eles têm a boa vontade de dar uma semana a Nicolás Maduro para convocar eleições presidenciais. Caso contrário… reconhecerão Guaidó. Uma posição muito diferente, como se percebe; sabendo desde logo que Maduro não aceitará um ultimato para abdicar de um mandato constitucionalmente legítimo, assente em eleições democráticas, livres, não contestadas institucionalmente e realizadas apenas há oito meses. Poderiam até ter sido mais recentes, mas foram antecipadas para Maio de 2018 por exigência da oposição.

É interessante ouvir o titular das Necessidades exigir eleições democráticas e livres a Maduro. Sobretudo por ser o mesmo ministro a quem não consegue ouvir-se qualquer reparo ao actual governo fascista da Ucrânia, nascido de eleições com abstenção idêntica às presidenciais da Venezuela. Não por ter havido um qualquer «boicote» de qualquer oposição; tão só porque a Ucrânia estava – como está – em situação de guerra e cerca de meio país vive acossado pelo poder de forças armadas e milícias fascistas, razão de peso para os cidadãos não irem às urnas.

Se o senhor ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal e alguns dos seus parceiros, entre eles alguns com as mãos sujas de sangue na Síria, entendem que a liberdade e a democracia da Ucrânia são exemplares e a solução é repetir em Caracas o famoso golpe de Maidan, em Kiev1, não precisam de fingir que entre eles e Trump ainda vai uma semana de diferença.

 

Nada de novo a rolar


A linguagem própria da comunicação mainstream recusa-se a usar a expressão «golpe de Estado» para identificar o que está a passar-se em Caracas como resultado das tramas urdidas em Washington. Trata-se apenas, como dizem Trump, Bolton e Pompeo, enormes vultos das liberdades e dos valores democráticos, de «restaurar a democracia» na Venezuela. Um passo absolutamente necessário porque o presidente democraticamente eleito é «um usurpador», enquanto um autoproclamado «presidente interino», invocando a Constituição do país para a violar, é um «legítimo» chefe de Estado – mesmo que nunca se tenha candidatado a presidente e use o cargo de presidente do Parlamento, em que também se autodesignou, para se apropriar de atribuições de outros órgãos institucionais. Uma verdadeira lição de separação de poderes.

Nada é novo neste mecanismo tão democrático. Passando, deste feita, ao lado da Ucrânia e fixando-nos apenas no «quintal das traseiras» dos Estados Unidos – a doutrina Monroe está de boa saúde e recomenda-se – «restaurações democráticas» assim sucedem-se há mais de dez anos na região.

 

Honduras


Muitos ainda terão na memória o caso das Honduras, em 2009, onde o presidente democraticamente eleito foi deportado para a Costa Rica, deposto pelo presidente do Parlamento com assessoria de outro grande democrata, John Negroponte – uma vida ao serviço do intervencionismo de sucessivos presidentes norte-americanos. Alguém que, também nas Honduras, mas noutra fase da democracia recomendada pelo Departamento de Estado, tinha aconselhado a criação de esquadrões da morte, mostrando assim uma vasta amplitude de meios ao dispor para atingir os fins pretendidos.

A partir de então, as Honduras vivem uma história de eleições falsificadas, mas todas elas aceites em Washington, Bruxelas, Paris, Berlim ou Lisboa como perfeitamente válidas, segundo os cânones da democracia. Viveu-se recentemente mais um episódio da saga, em que a manipulação foi tão grosseira que Washington e a Organização dos Estados Americanos demoraram um mês a validar os resultados. Mas validaram-nos – e nisso não verá o ministro Santos Silva qualquer ofensa à democracia, a legítima, a que proporciona os resultados que os democratas sem mácula consideram apropriados ao país.

 

Paraguai


Depois, em 2011, chegou a vez do Paraguai, onde um ex-bispo católico, à frente de uma vasta coligação progressista, teve a inusitada coragem de enfrentar séculos de poder dos terratenientes, os latifundiários.

O que foi ele fazer!?... Sob a batuta da embaixadora norte-americana, logo no Parlamento houve quem encontrasse maneira de transformar maiorias em minorias, legitimidade em impeachment presidencial; o ex-bispo retirou-se, substituído pelo seu vice-presidente, e o fascismo banqueiro e latifundiário reinstalou-se, um pouco mais benévolo que o do carniceiro Stroessner, mas fascismo social, militar, sob capa política «democrática». Nada que ofenda as sensibilidades do homem das Necessidades e dos seus parceiros de Lisboa a Budapeste, de Bruxelas a Varsóvia.

 

Equador, Brasil


A embaixadora norte-americana transitou de Assunción para Brasília e em terras brasileiras o Congresso, sintonizado com uma justiça muito justiceira, declarou o impeachment da presidenta e o vice-presidente subiu de posto.

Os acontecimentos daí resultantes, iniciados em fins de 2015, ainda estão em curso com novas e profícuas benfeitorias para a democracia, moldada esta em forma de Bolsonaro com o mesmo barro de que foi feito Trump. E para isso foi mesmo preciso prender Lula da Silva para não ganhar as eleições, uma vez que não tinha rival por próximo.

Em paralelo, o presidente progressista do Equador foi posto de lado e a contas com a justiça enquanto o seu vice-presidente assumia funções e foi agora um dos primeiros a dar a mão a Guaidó contra Maduro, o «usurpador».

Verdadeiramente independentes e soberanos, sobraram, na América Latina, a Bolívia – sempre sob várias ameaças – Nicarágua, Cuba e a Venezuela. A «troika da tirania», como tão apropriadamente a baptizou, recentemente, o conselheiro para a Segurança Nacional da administração de Donald Trump, John Bolton.

É contra esses países, e também contra o México, que agora se desviou perigosamente do guião, que está em curso a operação «restaurar a democracia». E o Brasil, o Paraguai, as Honduras e o Equador são bons exemplos de «democracias restauradas».

 

Petróleo e democracia


É um dogma: petróleo e democracia andam sempre de mãos dadas. E a relação é directamente proporcional, portanto quanto mais petróleo, mais democracia.

Sabemos bem que assim é. Na Arábia Saudita, por exemplo, onde existem as segundas maiores reservas petrolíferas; e no Koweit e Emirados Árabes Unidos, sétimo e oitavo no ranking dos mais dotados, como pode apurar-se na página 12 da publicação BP Statistical.

Conhecemos igualmente os casos de países onde não havia democracia e agora ela jorra abundantemente, para não haver infracções ao dogma que rege as coisas do mundo. Por exemplo, no Iraque e na Líbia, quintas e nonas maiores reservas mundiais, onde apropriadas guerras «restauraram a democracia» para franquear o acesso livre às riquezas do subsolo.

Mas houve e há casos onde abunda o petróleo e faltava, ou ainda falta, a inerente democracia que determina a sua partilha segundo o modelo transnacional.

Era assim no Brasil e no Equador, mas o problema está em vias de resolução. Sobretudo no Brasil, onde nos tempos de Lula da Silva foram detectadas reservas de petróleo que catapultaram o país para um surpreendente e apetitoso terceiro lugar do ranking – 200 mil milhões de barris, menos 66 mil milhões que a Arábia Saudita. Uma riqueza fabulosa que corria o risco de ficar ao serviço dos interesses egoístas do povo do Brasil, e não da grande irmandade mundial.

Como todos acabamos de perceber, agora que a Petrobrás vai a caminho do grande leilão mundial, a democracia e o petróleo deram as mãos também no Brasil. Tal como no Equador, pouco falado mas ainda assim o 19º país em reservas petrolíferas, do mesmo nível das que estão detectadas no México – onde a empresa pública petroleira, a Pemex, continua sob pressão para deixar de o ser.

Mas há um país onde existe uma situação intolerável, um caso em que o governo teima em manter nas mãos da população o usufruto das riquezas petrolíferas. E que riquezas!

Nada mais, nada menos, que a maior potência do mundo em reservas petrolíferas, com 300 mil milhões de barris, mais 37 mil milhões que a famosíssima Arábia Saudita, mais cem mil milhões que o Brasil.

A Venezuela!

Tanta riqueza não pode estar apenas na mão do povo de um país. É reparti-la, entregá-la às transnacionais que verdadeiramente conhecem o sector e o fazem verter para o mundo inteiro, tão democraticamente como ordenam o mercado e a inquestionável ordem neoliberal.

E o mercado é oprimido na Venezuela. Torna-se necessário «restaurar a democracia» para que ele se sinta livre e o petróleo jorre para todos. É simplesmente o que está a acontecer pelas mãos do eleito Guaidó, embora ninguém o tenha elegido para o cargo que ocupa e do qual se permite fazer ultimatos aos «usurpadores».

 

Lei eleitoral à medida


Juan Guaidó demonstrou, nas últimas horas, estar compenetrado do seu papel. E também ele dá ordens ao governo legítimo, tal como os senhores do mundo e da democracia, mas a genuína: ele exige eleições, mas que não sejam realizadas segundo o sistema legal em vigor mas com outro – que ele e os mentores externos ditarão, tal como mandam que se realizem eleições para que o golpe seja perfeito, isto é, não pareça um golpe.

Pelo que tem vindo a perceber-se, os interesses que fizeram avançar Guaidó já demonstraram que a sua democracia se constrói à base de ultimatos, arbitrariedades e jogos fraudulentos entre os conceitos de legitimidade e ilegitimidade.

Deduz-se, por isso, que não excluirão quaisquer meios para atingir os objectivos que já estabeleceram entre si.

Um deles é o recurso à agressão militar. Não tardará que Guaidó, fazendo uso dos poderes que lhe foram conferidos por interesses externos, chame países «amigos» como o Brasil, a Colômbia – que é parceiro da NATO – ou o Paraguai, para que reponham a «ordem democrática».

 Talvez, por este caminho, as pretendidas eleições decorram manu militari, como na Ucrânia, onde os resultados foram tão bons.
Ou talvez não.

Pode acontecer que as instâncias legítimas da Venezuela e o povo resistam às agressões, sejam elas políticas ou militares. E que não entreguem sem lutar o que tanto custou a conquistar.

Se os poderes externos insistirem, no horizonte está o pior dos pesadelos de um país, a guerra civil.
Daí à carnificina não será preciso dar mais qualquer passo. Temos ainda diante de nós o caso da Síria, que se iniciou na sequência de ultimatos impostos a um governo legítimo e soberano, na sequência de manifestações orquestradas do exterior – como está abundantemente provado.

Ou, em alternativa, no horizonte está também a imposição de um regime fascista de onde nascerá, radiosa, a democracia.

Pode ainda acontecer, no limite, que o presidente legitimamente em funções na Venezuela, fazendo uso dos poderes que a Constituição lhe confere, peça socorro a países amigos, que os tem.

Não será difícil vaticinar que tempos dolorosos se avizinham da Venezuela e dos povos da América Latina.

Mais difícil será prever como tudo irá acabar. E que nunca mais nenhum governo da União Europeia tenha o desplante e a ousadia de queixar-se dos crimes de Donald Trump.

Para todos os efeitos, já são conhecidos alguns responsáveis pelo que vier a acontecer. E o governo português não estará isento da sua quota-parte. A comunidade portuguesa na Venezuela bem poderá queixar-se da armadilha que lhe foi montada pelos que mandam em Lisboa.

  • 1. Em 2017 passou desapercebida uma notícia transmitida pela Reuters sobre a realização na Venezuela, nos meios ligados à oposição de direita, de sessões de cinema onde se passava um documentário favorável ao golpe de Maidan, com o objectivo de ensinar aos jovens direitistas venezuelanos as técnicas de armamento e a táctica de luta de rua utilizada pelos grupos pró-Maidan. A notícia não informa a mão generosa que propiciou tal peça formativa, mas não é difícil adivinhar.
aqui:https://www.abrilabril.pt/internacional/uniao-europeia-ao-lado-de-trump-contra-venezuela

quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

Entender a nova ofensiva contra a Venezuela


por Romain Migus
 
Nicolas Maduro. A investidura de Nicolas Maduro, em 10 de janeiro, provoca turbulências políticas e mediáticas. Eleito em 20 de maio de 2018, o presidente da Venezuela enfrenta uma operação planeada e concertada pelos Estados Unidos e seus aliados. Tomando como pretexto inicial as condições eleitorais que permitiram a vitória de Maduro, um punhado de governos, repintado para a ocasião em "comunidade internacional", através das transnacionais da comunicação, decidiu aumentar a pressão sobre a Venezuela Bolivariana.

Como se tornou hábito no caso da Venezuela, a maioria da grande comunicação envolve-se com prazer nas falsas notícias e esquece o próprio significado da ética jornalística.

É conveniente para o leitor escrupuloso e desejoso de separar a verdade do falso expor os fatos e voltar às condições da eleição de Maduro, analisando a estratégia de Washington para punir um povo julgado, desde há 20 anos, demasiado rebelde e incómodo.

 
Os pretextos falaciosos para uma nova ofensiva política 
 

Nesse novo cenário de desestabilização da Venezuela, as principais justificações invocadas pelos governos que se opõem a Caracas andam à volta das condições da eleição de Nicolas Maduro em maio passado.

Para entender esses pretextos falaciosos, precisamos voltar um pouco atrás. Em maio de 2016, alguns meses após a vitória da oposição nas eleições legislativas, iniciou-se um processo de diálogo entre o Chavismo e seus opositores na República Dominicana. Uma série de 150 reuniões, lideradas pelo ex-primeiro-ministro espanhol José Luis Rodriguez Zapatero, o ex-presidente da República Dominicana Leonel Fernandez e o ex-presidente do Panamá, Martin Torrijos, resultou em janeiro de 2018, na elaboração de um acordo sobre a convocação de uma eleição presidencial antecipada e suas garantias eleitorais.

Como ressaltou Jorge Rodriguez, chefe da comissão de diálogo do governo: "Tudo estava pronto [para a assinatura do acordo] até a mesa onde devíamos fazer nossas declarações oficiais. À tarde, Julio Borges, ex-presidente de direita da Assembleia Nacional, recebeu um telefonema da Colômbia do ex-secretário de Estado norte-americano Rex Tillerson (...). A oposição então anunciou-nos que não assinaria o acordo. De volta a Caracas, José Luis Rodríguez Zapatero enviou uma carta à oposição perguntando-lhe qual era a sua alternativa para se recusar a participar numa eleição que apresentava as garantias sobre as quais ela mesma tinha trabalhado.” [1]

A oposição venezuelana dividiu-se sobre a estratégia a adotar. Enquanto a ala mais radical decidia não participar, parte da oposição que não desistiu de recuperar o poder através do caminho democrático apresentou um candidato, Henri Falcon. Dois outros candidatos participariam nesta eleição [2] . Por conseguinte, é simplesmente falso afirmar que a oposição boicotou este voto ou que Nicolas Maduro se apresentou sozinho [3] . Esta é uma narrativa com intenções políticas não democráticas.

 
Um sistema eleitoral transparente e democrático 
 

Uma das ladainhas de Washington e dos seus satélites da América Latina ou europeus é dizer que as eleições na Venezuela não estão alinhadas com os padrões internacionais. O que é obviamente falso, mas necessário neste processo político-mediático que visa não reconhecer a legalidade da eleição de 20 de maio de 2018 e a legitimidade do seu resultado.

Para ver a hipocrisia daqueles governos sobre este conflito, vamos deter-nos por um momento sobre as condições eleitorais oferecidas ao povo venezuelano desde a aprovação por referendo da Constituição Bolivariana, em 15 de dezembro de 1999. O leitor pode facilmente ter uma ideia da transparência das eleições na Venezuela, comparando esses mecanismos eleitorais com os postos em prática no seu próprio país.

Na Venezuela, para evitar fraudes, as eleições não são organizadas pelo executivo através do Ministério do Interior. A Constituição de 1999, que reconhece a existência de cinco poderes independentes – o executivo, o legislativo, o judiciário, o moral e o poder eleitoral – deixa a este a tarefa de organizar os processos eleitorais, de acordo com a lei orgânica dos processos eleitorais.

Este quadro legal, adotado em 2009, não foi modificado desde então [4] . Em particular, permitiu a eleição de múltiplos representantes da oposição para poderes públicos. Nenhum deles duvidou do sucesso do voto que conquistou e a própria oposição nunca questionou a estrutura legal do processo eleitoral. O que ela poderia no entanto ter feito por meio de um referendo de iniciativa cidadã, previsto para revogar por leis o artigo 74 da Constituição. Sempre se limitou a denunciar os resultados das eleições quando perdeu, ou preventivamente quando sabia que ia perder.

Relativamente ao voto dos cidadãos [5] , a Venezuela utiliza um sistema eletrónico e manual duplo. Quando alguém entra no gabinete de voto, identifica-se aos assessores com a sua cartão de identidade e ativa a máquina para votar por meio de um reconhecimento biométrico. Portanto, é impossível votar duas vezes. Depois de escolher o candidato de sua escolha, a urna eletrónica emite um bilhete com o nome do candidato, que o eleitor coloca num envelope e deposita numa urna. Finalmente, depois de assinar o registo eleitoral, mergulha o dedo mindinho em tinta indelével para garantir que não repetirá seu voto.

Nos dias que antecedem a eleição, o Centro Nacional Eleitoral (CNE), órgão que rege o poder eleitoral, convoca todos os partidos políticos participantes nas eleições para uma série de 14 auditorias prévias. Assim são postos à prova, listas de eleitores, o software usado para coletar dados eleitorais, máquinas de votação e seu método de montagem, o sistema biométrico para o reconhecimento do eleitor, tinta indelével, rede de transmissão de dados eleitorais e sistema de totalização de dados [6] . Observadores de cada partido político participam nestas várias auditorias que antecedem o voto dos cidadãos.

Cada passo deve ser aprovado previamente por todos os participantes para garantir a maior transparência da eleição. E, de fato, eles sempre foram aceites até agora. Acrescente-se que todos os partidos políticos têm o direito de enviar apoiantes como assessores, bem como envolver observadores nacionais e internacionais de sua escolha na monitorização das sessões eleitorais.

Na noite dos resultados, a CNE procede a uma nova auditoria perante responsáveis dos partidos, onde 54,4% (pelo menos, de acordo com a lei) das assembleias de voto serão sorteadas, em que o resultado eletrónico será verificado. Trata-se então de comparar os resultados obtidos na urna com os resultados eletrónicos. Nunca foi detetado um erro durante os múltiplos processos eleitorais.

Estas garantias para proteger o resultado levaram o ex-presidente dos EUA Jimmy Carter a definir o sistema eleitoral venezuelano como "o melhor do mundo" [7] . Foram os mesmos procedimentos que garantiram a transparência de todas as eleições na Venezuela, seja, por exemplo, para as eleições parlamentares de 5 de dezembro de 2015 (vencidas pela oposição) ou para as eleições presidenciais de 20 de maio de 2018 (vencidas pelo Chavismo).

Como se pode ver, a Venezuela tem mais garantias eleitorais do que muitos países ocidentais, para não falar dos países do grupo de Lima. A transparência da eleição de Nicolas Maduro foi, além disso, validada por mais de 2 000 observadores internacionais da Comunidade do Caribe (Caricom), da União Africana e do Conselho de Peritos Eleitorais Latino-Americanos (Ceela).

Perante este sistema, entendemos por que uma parte da oposição se recusou a concorrer a uma eleição que teria perdido. Aceitar participar em eleições significa participar nas auditorias e validar a transparência do sistema eleitoral venezuelano. Essa recusa em participar do processo democrático preparou o caminho para a tentativa desestabilizadora que vemos hoje.

 
Na noite da eleição presidencial 
 

Para além das garantias eleitorais, os países que questionam a legitimidade do presidente venezuelano tentam criticar os resultados da eleição presidencial. Mais uma vez, este é apenas um pretexto para legitimar a desestabilização da Venezuela. Vamo-nos deter por um momento nestes resultados.

A eleição presidencial na Venezuela é uma eleição por sufrágio universal direto. O presidente é eleito não conforme acordos parlamentares ou pela escolha de "grandes eleitores", mas diretamente pelo povo.

Em 20 de maio de 2018, 9 389 056 eleitores votaram nas urnas, ou 46.07% dos cidadãos registados nas listas eleitorais. A alta taxa de abstenção ainda é usada hoje por oponentes da Revolução Bolivariana para desqualificar a vitória de Nicolas Maduro. É claro que nenhum desses críticos mencionará as dezenas de penalidades financeiras e retaliações à economia do país desde 2014 [8] . Uma perseguição que desencorajou muitos venezuelanos e aumentou a sua desconfiança numa solução eleitoral para acabar com a crise. Além disso, o pedido de boicote das urnas por vários partidos da oposição também teve consequências sobre a taxa de participação.

Apesar disso, 30,45% dos eleitores registados votaram em Nicolas Maduro. Este valor é superior ao do presidente chileno Sebastián Piñera (26,5%), do presidente argentino Mauricio Macri (26,8%) e do presidente Donald Trump (27,20%). Sem mencionar as percentagens obtidas na primeira volta pelo presidente colombiano (21%) ou pelo presidente Emmanuel Macron (18,19%). Obviamente, ninguém contesta a legitimidade de suas eleições apesar da baixa proporção de eleitores que os escolheram.

 
Uma estratégia coordenada e planificada a partir de Washington 
 

Após a eleição de Nicolas Maduro, os Estados Unidos fortaleceram a coligação contra a Venezuela na região. Em 27 de junho de 2018, o vice-presidente dos Estados Unidos, Mike Pence, anunciou o seu tom no Brasil: "A liberdade e a democracia serão restauradas na Venezuela. Os Estados Unidos pedem ao Brasil que tome uma posição firme contra o regime de Nicolas Maduro" [9] . Fazendo eco, o secretário de Estado Mike Pompeo afirmou em 21 de setembro de 2018, que os Estados Unidos "continuarão a aumentar o nível de pressão" contra o país bolivariano. Este mesmo Pompeo realizou várias reuniões com os chefes dos governos brasileiro, peruano e colombiano para preparar a operação de 10 de janeiro.

Foi na reunião do Grupo Lima, realizada em 4 de janeiro de 2019, que realmente foi definido o cenário. Durante este cenáculo, os governos membros dessa internacional anticomunista [10] concordaram numa série de ações contra Caracas. Note-se que o governo mexicano, agora chefiado pelo presidente progressista Andrés Manuel López Obrador, não subscreveu este documento e reafirmou a vontade do seu país de não interferir nos assuntos internos de outra nação, cortando com as posições belicistas do governo precedente e do grupo de Lima.

O documento aprovado em Lima é uma verdadeira declaração de guerra [11] . Na presença do secretário de Estado dos EUA (por videoconferência), os governos que se opunham à Revolução Bolivariana concordaram em aumentar a pressão diplomática contra a Venezuela e perseverar na intenção de abrir uma investigação na Tribunal Penal Internacional contra o Estado venezuelano. Ação apoiada além disso pela França [12] .

Os membros do grupo de Lima condenam a crise económica na Venezuela, mas adotam uma resolução para reforçar o bloqueio financeiro contra aquele país. O texto adotado prevê listas de personalidades legais com as quais esses países "não deverão trabalhar, terão que impedir o acesso ao seu sistema financeiro e, se necessário, congelar os seus ativos e recursos económicos". Do mesmo modo, a resolução obriga os países membros do grupo de Lima a pressionar os organismos financeiros internacionais a que pertencem para impedir a concessão de novos créditos à República Bolivariana da Venezuela.

Mais surpreendente ainda, esta declaração conjunta exige que o governo "de Nicolas Maduro e as Forças Armadas da Venezuela renunciem a todos os tipos de ações que violariam a soberania de seus vizinhos" . Essa acusação é baseada numa recente reação venezuelana a uma exploração de petróleo autorizada pela Guiana numa área territorial exigida pelos dois países vizinhos [13] . Trata-se novamente de um pretexto que faz eco de factos denunciados pelo presidente da Venezuela em 12 de dezembro de 2018.

Num discurso na televisão, Nicolas Maduro revelou a presença de 734 mercenários nas bases militares de Eglin, na Flórida, e Tolemaida, na Colômbia. O seu objetivo é atacar a Venezuela ou preparar um ataque sob falsa bandeira para justificar uma intervenção militar contra a nação bolivariana. Maduro também revelou que o assessor de segurança nacional dos EUA, John Bolton, pediu ao novo vice-presidente brasileiro, Hamilton Mourão, que organize provocações militares na fronteira com a Venezuela [14] . A declaração do Grupo Lima, portanto, parece reforçar as suspeitas de agressão emitidas pelo Estado venezuelano.

Depois de ter qualificado a eleição de Nicolas Maduro como ilegítima, o grupo de Lima instou o presidente venezuelano a não assumir a presidência e a "transferir provisoriamente o poder executivo para a Assembleia Nacional". Não importa que Nicolas Maduro tenha sido eleito graças ao mesmo sistema eleitoral que permitiu a eleição do poder legislativo. O objetivo procurado por Washington e seus aliados não é democrático, é político: colocar a oposição à frente do país produtor de petróleo.

Esta tentativa de golpe institucional, já implementada noutros países da região [15] , faz parte da estratégia de substituição de poderes políticos legítimos. Em julho de 2017, a oposição criou ilegalmente um Supremo Tribunal de Justiça "no exílio", com sede no Panamá, e um cargo de Procurador-Geral da Nação "no exílio" em Bogotá. Essas autoridades fantoches tentam, desde então, substituir-se aos legítimos poderes venezuelanos.

Em ligação com uma Assembleia Nacional, declarada em atentado judicial em março de 2017 [16] , essas paródias de poderes públicos realizaram um julgamento simulado na sede do Parlamento colombiano (sic) e condenaram o presidente venezuelano Nicolas Maduro a uma pena de 18 anos e 3 meses de prisão. [17]

Para ilustrar esta situação absurda, imagine-se por um momento que um grupo de "coletes amarelos" franceses designava um ministro da Justiça e um Procurador Geral "no exílio" e que eles organizavam na Duma russa um julgamento simulado para condenar Emmanuel Macron a 18 anos de prisão. Isto faria sorrir, mas o que aconteceria se vários Estados em todo o mundo reconhecessem como legítimos esses poderes judiciais "no exílio"? Ouviríamos certamente um grande número de vozes gritando, e com razão, contra a interferência estrangeira ou mesmo uma tentativa de golpe. O exemplo que acabamos de mencionar pode parecer ridículo, mas é o que está a acontecer na Venezuela.

Estas manobras não são feitas de ânimo leve. O ataque fracassado por meio de um drone carregado de explosivos C4, que ocorreu em 4 de agosto de 2018, não visava apenas eliminar Nicolas Maduro, mas todas as autoridades públicas da nação, com o objetivo de os substituir pelos seus fantoches ilegais [18] . A constituição de poderes paralelos não é um circo político-mediático, mas parte integrante de um golpe institucional em preparação.

Da mesma forma, declarar Nicolas Maduro ilegítimo é uma mensagem virulenta para os principais parceiros económicos de Caracas (China, Rússia ou Turquia), notificando-os que os acordos assinados com o governo bolivariano não serão reconhecidos quando Nicolas Maduro for derrubado. Um conflito com o país poderia ter repercussões muito além de suas fronteiras. Sergei Riabkov, vice-ministro dos Negócios Estrangeiros russo, advertiu "os entusiastas de Washington a não cair na tentação da intervenção militar" na Venezuela [19] .

Por outro lado, é também uma mensagem para as forças armadas nacionais porque, se o presidente Maduro é ilegítimo, isso equivale a decapitar o poder militar do seu comandante em chefe.

É nesta perspetiva que o cenário desenvolvido pelos Estados Unidos e seus aliados deve ser decifrado. De acordo com a resolução do Grupo de Lima, a Assembleia Nacional da Venezuela, em desacato ao tribunal e cujas decisões são nulas e sem efeito [20] , declarou que a tomada de posse de Nicolas Maduro é uma "usurpação de poder" . Como resultado, está a prepara-se para ilegalmente assumir o poder executivo durante um "período de transição". Em 8 de janeiro, uma lei sobre a transição foi discutida no hemiciclo venezuelano com o objetivo de tomar o poder executivo a partir de 10 de janeiro.

Durante as discussões, Américo de Grazia apelou a todos os setores para se alinharem com as autoridades paralelas criadas pela oposição e tomarem as ruas "em coordenação com as ações internacionais, nacionais e institucionais" [21] .

Quanto ao novo presidente do órgão legislativo, Juan Guaidó, apelou aos militares venezuelanos para derrubarem o governo a partir de 10 de janeiro [22] .

O cenário está montado. A prova de força iminente. Resta saber que personalidades políticas e dos media justificarão a violação da soberania da Venezuela e a falta de respeito por suas instituições. 

[1] Cathy Dos Santos, "Venezuela. «Il faut diversifier notre économie sans toucher au social»", L´Humanité, 03/04/2018, www.humanite.fr/...
[2] Bertucci, pastor evangélico envolvido no escândalo dos Panama Papers, foi candidato independente, assim como Reynaldo Quijada, apoiado por uma fração do trotskismo venezuelano. Eles receberam respetivamente 10,82% e 0,39% dos votos.
Notemos que a percentagem de Bertucci é explicada mais pela novidade dessa oferta eleitoral num clima de desconfiança em relação aos partidos políticos do que por um avanço do evangelismo político na Venezuela. De facto, o voto dos evangelistas está dividido. O Partido Evangelista Organización Renovadora Auténtica (ORA) apoiou Nicolas Maduro.
[3] Sobre as notícias falsas de proibição de partidos políticos na Venezuela, ler Thierry Deronne, "L'interdiction d'un parti qui n'existe pas", Venezuela Infos, 29/01/2018,  venezuelainfos.wordpress.com/...
[4] Esta lei complementa a Lei Orgânica do Poder Eleitoral aprovada em 2002
[5] O autor dessas linhas já participou nas eleições municipais e regionais de 2013
[6] Ler a lista de auditorias no site do National Electo Center   www.cne.gov.ve/web/sistema_electoral/tecnologia_electoral_auditorias.php
Convidamos os leitores corajosos a aprofundar os sistemas de auditoria lendo os longos relatórios técnicos da CNE (em espanhol)
www.cne.gov.ve/...
[7] "Jimmy Carter: "El sistema electoral venezolano es el mejor del mundo", RT, 20/09/2012, actualidad.rt.com/...
[8] Romain Migus, "Chronologie des sanctions économiques contre le Venezuela", Venezuela en Vivo, atualizado em 07/01/2019, www.romainmigus.info/2019/01/chronologie-des-sanctions-economiques.html
[9] "Mike Pence : La libertad será restaurada en Venezuela", El Nacional, 27/06/2018, www.el-nacional.com/...
[10] Os governos membros do grupo Lima são os da Argentina, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Guatemala, Guiana, Honduras, Panamá, Paraguai, Peru e Santa Lúcia. Assim como o México, que se recusou a assinar a última declaração.
[11] Documento disponivel em www.gob.pe/institucion/rree/noticias/24270-declaracion-del-grupo-de-lima
[12] Palais de l'Elysée, "Communiqué relatif à la situation au Venezuela", 30/09/2018, disponível em www.elysee.fr/...
[13] Manuel Palma, "Los buques de la discordia: Venezuela y Guyana reavivan la disputa por su diferendo territorial", RT, 28/12/2018, actualidad.rt.com/...
[14] Luigino Bracci, "Maduro denuncia: Más de 700 paramilitares entrenan en Colombia para ejecutar golpe de Estado en su contra", AlbaCiudad,12/12/2018, albaciudad.org/2018/12/maduro-golpe-de-estado-john-bolton/
[15] Designadamente nas Honduras (2009), no Paraguay (2012), no Brésil (2016) ou no Equateur (2017).
[16] Após a eleição dos deputados em dezembro de 2015, uma denúncia foi apresentada pelos candidatos de PSUV no Estado da Amazónia pela compra de votos pelos seus opositores eleitos. O tribunal de justiça tendo sancionado esta fraude, o tribunal do poder eleitoral exigiu que a eleição destes três cargos de deputados fosse feita novamente. Como a presidência da Assembleia Nacional recusou submeter-se aos poderes judiciais e eleitorais, a Assembleia Nacional foi declarada em ultraje ao tribunal. As decisões e votos que emanam do poder legislativo são, portanto, nulos e sem efeito, desde que a presidência da Assembleia Nacional não autorize o retorno às urnas. Deve-se notar que a oposição tem uma maioria absoluta de 122 deputados em 167 lugares.
[17] "TSJ en el exilio condenó a Maduro a 18 años y 3 meses de prisión", El Nacional, 15/08/2018, www.el-nacional.com/...
[18] Romain Migus, "Le drone médiatique explose en plein vol", Venezuela en Vivo, 08/08/2018, www.romainmigus.info/...
[19] "El Gobierno ruso advirtió a Estados Unidos contra una posible intervención militar en Venezuela", SputnikNews, 09/01/2019, mundo.sputniknews.com/
[20] Ver explicação no ponto 16.
[21] Maritza Villaroel, "Asamblea Nacional arranca proceso para Ley de Transición", Site de l'Assemblée Nationale du Venezuela, 08/01/2019, www.asambleanacional.gob.ve/...
[22] "El golpismo venezolano no descansa", Pagina12, 05/01/2019, www.pagina12.com.ar/... (tradução francesa disponivel em venesol.org/... )


O original encontra-se em RT France
e em www.romainmigus.info/2019/01/tout-comprendre-sur-la-nouvelle.html


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

A terrível destruição futura da «Bacia das Caraíbas»

por

Na altura em que o Presidente Trump anunciou a retirada das tropas de combate dos EUA do «Médio-Oriente Alargado», o Pentágono prossegue a implementação do plano Rumsfeld-Cebrowski. Trata-se, desta vez, de destruir os Estados da «Bacia das Caraíbas». Não do derrube de regimes pró-soviéticos, como nos anos 70, mas da destruição de todas as estruturas estatais regionais, sem levar em consideração se são amigos ou inimigos políticos. Thierry Meyssan analisa a preparação desta nova série de guerras.


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Numa série de artigos precedentes, tínhamos apresentado o plano do SouthCom visando provocar uma guerra entre Latino-americanos a fim de destruir as estruturas de Estado de todos os países da «Bacia das Caraíbas» [1].

Preparar uma tal guerra, que deveria suceder aos conflitos do «Médio-Oriente Alargado», no quadro da estratégia Rumsfeld-Cebrowski, exige uma década [2].

Após o período de desestabilização económica [3] e o de preparação militar, a operação propriamente dita deveria começar, nos anos a seguir, por um ataque à Venezuela desde o Brasil (apoiado por Israel), da Colômbia (aliada dos Estados Unidos) e da Guiana (ou seja, do Reino Unido). Ele seria seguido por outros, a começar contra Cuba e a Nicarágua (a «troïka da tirania» segundo John Bolton).

No entanto o plano inicial é susceptível de modificações, nomeadamente em razão do regresso das ambições imperiais do Reino Unido [4], que poderia influir sobre o Pentágono.

Eis aqui onde nos encontramos:

 

Evolução da Venezuela


O Presidente venezuelano, Hugo Chávez, desenvolvera relações com o «Médio-Oriente Alargado» dentro de uma base ideológica. Ele tinha-se aproximado particularmente do Presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, e do Presidente sírio, Bashar al-Assad. Juntos, haviam imaginado a possibilidade de fundar uma organização intergovernamental, o «Movimento dos Aliados Livres», sobre o modelo do «Movimento dos Não-Alinhados», ao encontrar-se este paralisado, no decorrer do tempo, pelo alinhamento de alguns dos seus membros com os Estados Unidos [5].

Se Nicolas Maduro mantém o mesmo discurso que Hugo Chávez, ele escolheu, no entanto, uma política externa completamente diferente. Prosseguiu, é certo, a aproximação com a Rússia e acolheu, por sua vez, bombardeiros russos na Venezuela. Assinou um contrato de importação de 600 000 toneladas de trigo para fazer face à escassez no seu país. Acima de tudo, prepara-se para receber US $ 6 mil milhões (bilhões-br) de dólares em investimentos, dos quais 5 no sector petrolífero. Os engenheiros russos irão tomar o lugar que pertencia aos venezuelanos, mas que estes deixaram vago.

Nicolas Maduro reorganizou as alianças do seu país sobre novas bases. Assim, forjou laços estreitos com a Turquia que é membro da OTAN, e cujo exército ocupa actualmente o Norte da Síria. Maduro deslocou-se quatro vezes a Istambul e Erdoğan uma vez a Caracas.

A Suíça era uma aliada de Hugo Chávez, que ele havia consultado a fim de redigir a sua Constituição. Temendo não poder mais refinar o ouro do seu país na Suíça, Nicolas Maduro encaminha-o agora para a Turquia que transforma o minério bruto em lingotes. No passado, este ouro ficava nos bancos suíços a fim de garantir os contratos petrolíferos. Agora, a liquidez foi igualmente transferida para a Turquia, enquanto o novo ouro tratado regressa à Venezuela. Esta orientação pode ser interpretada como estando baseada não mais em ideologia, mas, sim em interesses. Resta definir quais.

Simultaneamente, a Venezuela é alvo de uma campanha de desestabilização que começou com as manifestações das guarimbas, prosseguiu com a tentativa de Golpe de Estado de 12 de Fevereiro de 2015 («Operação Jericó»), depois por ataques sobre a moeda nacional e a organização da emigração.
Neste contexto, a Turquia forneceu à Venezuela a oportunidade de contornar as sanções dos EUA. As trocas comerciais entre os dois países multiplicaram-se por quinze em 2018.

Qualquer que seja a evolução do regime venezuelano, nada justifica o que se prepara contra a sua população.

 

Coordenação de meios logísticos


De 31 de Julho a 12 de Agosto de 2017, o SouthCom organizou um vasto exercício com mais de 3 000 homens vindos de 25 Estados aliados, entre os quais a França e o Reino Unido. Tratava-se de preparar um desembarque rápido de tropas na Venezuela [6].

 

A Colômbia


A Colômbia é um Estado, mas não uma nação. Nela, a sua população vive geograficamente separada segundo classes sociais, com enormes diferenças de nível de de vida. Quase nenhum colombiano se aventurou num bairro destinado a outra classe social que não a sua. Essa estrita separação tornou possível a multiplicação de forças paramilitares e, consequentemente, dos conflitos armados internos que fizeram mais de 220 000 vítimas numa trintena de anos.

No poder desde Agosto de 2018, o Presidente Iván Duque pôs em causa a frágil paz interna, concluída por seu predecessor, Juan Manuel Santos, com as FARC (mas não com o ELN). Ele não descartou a opção de uma intervenção militar contra a Venezuela. Segundo Nicolas Maduro, actualmente os Estados Unidos treinam 734 mercenários num campo de treino situado em Tona, tendo em vista uma acção de bandeira-falsa para desencadear a guerra contra a Venezuela. Tendo em vista as particularidades sociológicas da Colômbia, não é possível dizer, com certeza, se este campo de treino é controlado ou não por Bogotá.

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Rex Tillerson era o Director da ExxonMobil no momento da descoberta das jazidas petrolíferas da Guiana. Pouco depois, tornou-se no Secretário de Estado dos Estados Unidos.

 

A Guiana


No século XIX, as potências coloniais acordaram a fronteira entre a Guiana britânica (a actual Guiana) e a Guiana holandesa (actual Suriname), mas nenhum texto fixou a fronteira entre a zona britânica e a zona espanhola (actual Venezuela). De facto, a Guiana administra 160 000 km2 de florestas que continuam em disputa com o seu grande vizinho. Em virtude do Acordo de Genebra, de 17 de Fevereiro de 1966, os dois Estados recorreram ao Secretário-Geral das Nações Unidas (à época o birmanês U Thant). Mas, nada mudou desde aí, propondo-se a Guiana levar o assunto ao Tribunal (Corte-br) de Arbitragem da ONU, enquanto a Venezuela privilegia negociações directas.

Este diferendo territorial não parecia de urgente resolução porque a área contestada é uma floresta despovoada que se acreditava sem valor, mas é um imenso espaço que representa dois terços da Guiana. O acordo de Genebra foi violado 15 vezes pela Guiana, a qual autorizou, nomeadamente, a exploração de uma mina de ouro. Acima de tudo, surgiu em 2015 um grande desafio com a descoberta, pela ExxonMobil, de jazidas petrolíferas no Oceano Atlântico, precisamente nas águas territoriais da área contestada.

A população da Guiana é composta por 40% de Indianos, 30% de Africanos, 20% de Mestiços e por 10% de Ameríndios. Os Indianos estão muito presentes na função pública civil e os Africanos no exército.


Em 21 de Dezembro, uma moção de censura foi apresentada contra o governo do Presidente David Granger, um General pró-britânico e anti-venezuelano, no Poder desde 2015. Para surpresa geral, um deputado, Charrandas Persaud, votou contra o seu próprio partido e, numa indescritível barracada (bagunça-br), provocou a queda do governo, que apenas dispunha de um voto de maioria. Desde aí, reina a maior instabilidade: não se sabe se o Presidente Granger, que recebe tratamento de quimioterapia, estará à altura de assegurar a gestão dos assuntos correntes, enquanto, por uma porta traseira, Charrandas Persaud deixou o Parlamento com uma escolta e se escapou para o Canadá.

A 22 de Dezembro de 2018, na ausência de governo, o Ramform Thethys (arvorando o pavilhão das Baamas) e o Delta Monarch (Trinidad e Tobago) realizaram explorações submarinas na zona contestada por conta da Exxon-Mobil. Considerando que esta intrusão viola o acordo de Genebra, o exército da Venezuela perseguiu os dois navios. O Ministério guianês dos Negócios Estrangeiros (Relações Exteriores-br), em mera gestão corrente, denunciou o acto como hostil.

O Ministro da Defesa do Reino Unido, Gavin Williamson, declarou por outro lado ao Sunday Telegraph, de 30 de Dezembro de 2018, que a Coroa punha fim a filosofia de descolonização que, desde o caso do Suez em 1956, era a doutrina de Whitehall. Londres prepara-se para abrir uma nova base militar nas Caraíbas (de momento o Reino está apenas presente em Gibraltar, Chipre, Diego Garcia e nas Ilhas Falklands). Esta poderia ser em Montserrat (Antilhas) ou, mais provavelmente, na Guiana e deveria estar operacional em 2022 [7].

A Guiana é vizinha do Suriname (a Guiana Holandesa). O seu Presidente, Dési Bouterse, é acusado na Europa por tráfico de drogas; um caso anterior à sua eleição. Mas o seu filho, Dino, foi preso no Panamá, em 2013, muito embora tenha entrado com um passaporte diplomático. Ele foi extraditado para os Estados Unidos onde foi condenado a 16 anos de prisão por tráfico de drogas; na realidade porque acolheu o Hezbolla libanês no Suriname.

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O baptismo de Jair Bolsonaro nas águas do Jordão (Israel)

 

O Brasil


Em Maio de 2016, o Ministro das Finanças (Fazenda-br) do Governo de transição do líbano-brasileiro Michel Temer, Henrique Meirelles, designou o israelo-brasileiro Ilan Goldfajn como Director do Banco Central. Mereilles, ao presidir ao Comité Preparatório dos Jogos Olímpicos, também apelou ao Tsahal (FDI-ndT) para coordenar a Polícia e o Exército brasileiros e garantir, assim, a segurança dos Jogos. Controlando, ao mesmo tempo, o Banco Central, o Exército e a Polícia brasileiros, Israel não teve dificuldade em dinamizar o movimento de contestação face à incúria do Partido dos Trabalhadores.

Crendo que a Presidente Dilma Rousseff havia maquilhado (maquiado-br) as contas públicas, no quadro do escândalo Petrobras, muito embora sem que nenhum facto ficasse provado, os parlamentares destituíram-na em Agosto de 2016.
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Eduardo e Carlos, os filhos do Presidente Jair Bolsonaro.

Aquando da eleição presidencial de 2018, o candidato Jair Bolsonaro foi a Israel para ser baptizado nas águas do Jordão. Assim conquistou de forma massiva os votos dos evangélicos.

Ele fez-se eleger tendo o General Hamilton Mourão como Vice-presidente. Este último declarou, durante o período de transição, que o Brasil deveria preparar-se para enviar homens para a Venezuela como «força de manutenção de paz», assim que o Presidente Maduro fosse derrubado; declarações que constituem uma ameaça pouco velada e que o Presidente Bolsonaro tentou minorar.

Entretanto, numa entrevista, a 3 de Janeiro de 2019, ao canal SBT, o Presidente Bolsonaro referiu negociações com o Pentágono tendo em vista acolher uma base militar dos EUA no Brasil [8]. Esta declaração levantou uma forte oposição no seio das Forças Armadas para quem o país é capaz de se defender sozinho.

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Benjamin Netanyahu aquando da investidura do Presidente Bolsonaro. Israel tomou posições no Brasil.

Durante a sua investidura, a 2 de Janeiro de 2019, o novo Presidente acolheu o Primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu. Foi a primeira vez que uma personalidade israelita desta importância visitou o Brasil. Na ocasião, o Presidente Bolsonaro anunciou a próxima transferência da embaixada brasileira de Telavive para Jerusalém.

O Secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, que também esteve presente na investidura, anunciou junto com o Presidente Bolsonaro a sua intenção de lutar contra os «regimes autoritários» da Venezuela e de Cuba. De regresso aos Estados Unidos, ele fez escala em Bogotá para se encontrar com o Presidente colombiano, Iván Duque. Os dois homens acordaram em trabalhar para isolar diplomaticamente a Venezuela. A 4 de Janeiro de 2019, os 14 Países do Grupo Lima (entre os quais o Brasil, a Colômbia e a Guiana) reuniram-se para declarar como «ilegítimo» o novo mandato de Nicolas Maduro, que começa a 10 de Janeiro [9]; um comunicado que não foi subscrito pelo México. Além disso, seis dos Estados-membros apresentarão uma queixa ao Tribunal Penal Internacional contra o Presidente Nicolas Maduro por crimes contra a humanidade.

É hoje perfeitamente claro que está já em marcha o processo para a guerra. Forças enormes estão em jogo e, agora, pouco há que possa pará-las. É neste contexto que a Rússia estuda a possibilidade de estabelecer uma base aeronaval permanente na Venezuela. A ilha de La Orchila —onde o Presidente Hugo Chávez fora mantido prisioneiro durante o Golpe de Estado de Abril de 2002— permitiria estacionar bombardeiros estratégicos. O que seria uma ameaça muito maior para os Estados Unidos do que foram, em 1962, os mísseis soviéticos estacionados em Cuba.

Tradução
Alva
[1] « Plan to overthrow the Venezuelan Dictatorship – “Masterstroke” », Admiral Kurt W. Tidd, Voltaire Network, 23 février 2018. “O “Golpe de Mestre” dos Estados Unidos contra a Venezuela (Documento do Comando Sul)”, Stella Calloni, 13 de Maio de 2018; “Os Estados Unidos preparam uma guerra entre Latino-americanos”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 18 de Dezembro de 2018.
[2] The Pentagon’s New Map, Thomas P. M. Barnett, Putnam Publishing Group, 2004. “O projecto militar dos Estados Unidos pelo mundo”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 22 de Agosto de 2017.
[3] “Declaration of a National Emergency with Respect to Venezuela”, “Executive Order – Blocking Property and Suspending Entry of Certain Persons Contributing to the Situation in Venezuela”, by Barack Obama, Voltaire Network, 9 March 2015.
[4] “Brexit: Londres assume a sua nova política colonial”, Tradução Alva, Rede Voltaire, 9 de Janeiro de 2019.
[5] « Assad et Chavez appellent à la formation d’un Mouvement des alliés libres » («Assad e Chavez apelam para a formação de um Movimento de Aliados Livres»- ndT), Réseau Voltaire, 28 juin 2010.
[6] “Grandes manobras ao redor da Venezuela”, Manlio Dinucci, Tradução Maria Luísa de Vasconcellos, Il Manifesto (Itália) , Rede Voltaire, 23 de Agosto de 2017.
[7] “We are opening new overseas bases to boost Britain” («Estamos a abrir novas bases ultramarinas para potenciar a Grã-Bretanha»- ndT), Christopher Hope, Sunday Telegraph, December 30, 2018.
[8] “‘Ficamos satisfeitos com a oferta da base militar’, diz Pompeo”, Eliane Cantanhêde, O Estado de S. Paulo, 6 Janeiro 2019.
[9] “Declaração do Grupo de Lima”, Rede Voltaire, 4 de Janeiro de 2019.

aqui:http://www.voltairenet.org/article204670.html

sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

Nova guerra fria e ameaças que emergem


por John Pilger [*]
Entrevistado por Jipson John e Jitheesh P.M. [**]
 
John Pilger. O seu recente documentário, The Coming War on China , mostra como os Estados Unidos estão em guerra com a China. Pode explicar o mecanismo dessa guerra secreta? Acha que a Ásia-Pacífico será a próxima região de intervenção imperialista? Como ocorrerá essa intervenção e quais serão as consequências?

É uma "guerra secreta" apenas porque a nossa percepção é moldada para ignorar a realidade. Em 2010, a secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, viajou a Manila e incumbiu o recém-empossado presidente filipino, Benigno Aquino, de tomar posição contra a China pela sua ocupação das Ilhas Spratly e de aceitar a presença de cinco bases de Marines dos EUA. Manila entendia-se bem com Pequim, tendo negociado empréstimos bonificados para infraestruturas que necessitava muito. Aquino fez o que lhe foi dito e aceitou que uma equipa jurídica liderada pelos EUA contestasse as reivindicações territoriais da China no Tribunal Arbitral da ONU em Haia. O tribunal concluiu que a China não tinha qualquer jurisdição sobre as ilhas; um julgamento que a China categoricamente rejeitou. Foi uma pequena vitória numa campanha de propaganda americana visando retratar a China mais como territorialmente rapace do que como defensiva na sua própria região. O motivo foi o crescente receio da elite de segurança nacional/militar/mediática dos EUA de ter deixado de ser a potência dominante no mundo.

No ano seguinte, em 2011, o presidente Obama declarou uma "viragem para a China". Isso marcou a transferência da maioria das forças navais e aéreas dos EUA para a região da Ásia-Pacífico, o maior movimento de equipamentos militares desde a Segunda Guerra Mundial. O novo inimigo de Washington – ou melhor, um inimigo de novo – era a China, que atingira extraordinários patamares económicos em menos de uma geração.

Os Estados Unidos têm há muito tempo uma série de bases em torno da China, da Austrália às ilhas do Pacífico, passando pelo Japão, Coreia e Eurásia. Estas estão em vias de ser reforçadas e modernizadas. Quase metade da rede global dos EUA, que conta mais de 800 bases, cerca a China "como o laço corredio perfeito", disse um responsável do Departamento de Estado. Sob o pretexto do "direito à liberdade de navegação", navios de baixo calado dos EUA entram nas águas chinesas. Os drones americanos sobrevoam o território chinês. A ilha japonesa de Okinawa é uma vasta base americana, com os seus contingentes preparados para um ataque à China. Na ilha coreana de Jeju, os mísseis da classe Aegis são apontados a Xangai, a 640 quilómetros de distância. A provocação é constante.

Em 3 de outubro, pela primeira vez desde a Guerra Fria, os Estados Unidos ameaçaram abertamente atacar a Rússia, a aliada mais próxima da China, com quem esta tem um pacto de defesa mútua. Os media interessaram-se pouco pela questão. A China está a armar-se rapidamente; de acordo com a literatura especializada, Pequim mudou sua postura nuclear, passando de um alerta baixo para um alerta alto.

Pessoas como Noam Chomsky dizem que o império americano está em declínio. Pensa realmente isso? Nos últimos tempos, vimos os Estados Unidos tentarem chegar a um acordo com a Coreia do Norte; antes, eles tentaram reestabelecer relações diplomáticas com Cuba. O que indicam esses episódios? Acha que o mundo se está a diversificar?

O império americano enquanto ideia pode estar em declínio, a ideia de uma única potência dominante e a dolarização da economia mundial, mas o poder militar dos EUA nunca foi tão ameaçador. Uma nova guerra fria conduz ao isolamento dos Estados Unidos e é um perigo para todos nós. No início do século XXI, Norman Mailer [jornalista e romancista norte-americano] escreveu que o poder americano havia entrado em uma era "pré-fascista". Outros sugeriram que já estamos lá.

Disse que um dos triunfos do século XXI em matéria de relações públicas foi o slogan de Obama "a mudança em que acreditamos". Disse também que a campanha mundial de assassínios de Obama foi sem dúvida a mais dispendiosa campanha de terrorismo desde o 11 de Setembro de 2001. Por que foi tão duro com Obama, que ganhou o Prêmio Nobel da Paz? Que acha de Donald Trump e da sua presidência?

As guerras deste Prémio Nobel da Paz. Eu não fui duro com Obama. Foi Obama quem foi duro com grande parte da humanidade, ao contrário da sua muitas vezes absurda imagem mediática. Obama foi um dos mais violentos presidentes americanos. Lançou ou apoiou sete guerras e deixou o poder sem que nenhuma delas fosse resolvida: um recorde. Durante o seu último ano como presidente, em 2016, lançou 26.171 bombas, segundo o Conselho de Relações Exteriores. É uma estatística interessante; trata-se de três bombas a cada hora, 24 horas por dia, principalmente sobre civis. A técnica de bombardeamento adoptada por Obama foi o assassínio por meio de drones. Todas as terças-feiras, relatava o New York Times, ele escolhia os nomes daqueles que iriam morrer num "programa" de execuções extrajudiciais. Todos os homens em idade militar no Iémen e nas fronteiras do Paquistão eram considerados inteiramente como animais. Ele multiplicou as operações das forças especiais dos EUA no mundo, especialmente em África. Juntamente com a França e a Grã-Bretanha ele e sua secretária de Estado, Hillary Clinton, destruíram a Líbia como Estado moderno com o falso e familiar pretexto de que o seu líder estava prestes a cometer um massacre de "inocentes". Isso conduziu directamente ao crescimento dos medievalistas Daesh [ou Estado Islâmico] e uma vaga de emigração de África para a Europa. Ele derrubou o presidente democraticamente eleito da Ucrânia e instalou um regime abertamente apoiado pelo fascismo – como uma provocação deliberada à Rússia.

A concessão do Prémio Nobel da Paz a Obama foi uma impostura. Em 2009, esteve no centro de Praga e prometeu ali ajudar a criar um mundo "livre de armas nucleares". Na verdade, aumentou o número de ogivas nucleares americanas e autorizou um programa de construção nuclear de longo prazo de US$1000 milhões. Processou mais denunciantes, reveladores da verdade, do que todos os presidentes dos EUA juntos. O seu principal êxito, pode dizer-se, foi pôr fim ao movimento anti-guerra norte-americano. Os manifestantes regressaram a casa dando crédito às mensagens de 'esperança' e 'paz' de Obama e começaram a acreditar nisso. A única diferença de Obama foi ter sido o primeiro presidente negro na terra da escravidão. Em quase todos os outros aspectos, ele era apenas outro presidente americano cuja constante afirmação era que os Estados Unidos eram "a única nação indispensável", o que presumia que outras nações seriam dispensáveis.

Talvez a inteligência de Obama residisse na imagem que ele próprio e outros fabricaram e cultivaram com sucesso. Donald Trump também pode ser descrito como apenas outro presidente americano (violento). O que o distingue é que ele é uma caricatura. Muitos membros da elite americana detestam Trump, não por causa de seu comportamento pessoal, mas por causa de um embaraço muito mais profundo; ele é a imagem crua da América, sem a máscara.

O seu filme The War on Democracy documenta o golpe de Estado orquestrado pelos Estados Unidos contra Hugo Chávez, que se opunha ao imperialismo, com a ajuda da burguesia de direita e capitalista da Venezuela. Isso não era novo para a maioria dos países latino-americanos. Hoje, porém, vemos cada vez mais países do continente resistindo ao imperialismo americano. Fora de Cuba e da Venezuela, governos de esquerda estão no poder em países como a Bolívia e o Equador. Qual é o significado disso? Hoje em dia, também ouvimos histórias de ofensivas de direita em países como a Venezuela e o Brasil. Como avalia o actual cenário político latino-americano?

Não concordo que "mais e mais países [na América Latina] estejam a resistir ao imperialismo dos EUA". Pode ter sido verdade quando Hugo Chávez ainda estava vivo; mas mesmo então, os Estados Unidos nunca desistiram da sua influência no continente. Hoje, há apenas Bolívia, Nicarágua e, claro, Venezuela, a Venezuela em luta pela sobrevivência. A maior parte da América Latina está de volta à influência de Washington, especialmente o Brasil. O Equador, anteriormente esclarecido, é outro exemplo eloquente. O governo obsequioso de Lénine Moreno convidou as tropas norte-americanas a voltarem e ameaçou abandonar Julian Assange. A opressão económica do FMI está novamente a prejudicar a Argentina. Versões do Consenso de Washington, conhecido como neoliberalismo, dominam quase todo o continente. Cuba está calma, o que é compreensível.

Nos últimos anos, vimos denunciantes como Julian Assange e Edward Snowden revelarem documentos confidenciais que mostravam como funciona o sistema de poder. Notará que o WikiLeaks não fez nada mais do que The New York Times e The Washington Post haviam feito num celebrado passado – revelaram a verdade sobre guerras de rapina e as maquinações de uma elite corrupta.

Disse que "o WikiLeaks é um marco no jornalismo". Qual é a importância dessas revelações? O que é que elas nos ensinam?

O WikiLeaks fez muito mais do que o New York Times e o Washington Post com todos os louros que estes têm. Nenhum jornal conseguiu igualar – ou chegar perto – os segredos e mentiras do poder que Assange e Snowden revelaram. O facto de os dois homens serem fugitivos testemunha o recuo das democracias liberais em relação aos princípios da liberdade e da justiça. Por que o WikiLeaks é um marco no jornalismo? Porque as suas revelações nos disseram, com 100% de precisão, como e porquê uma grande parte do mundo é dividida e dirigida.

Como analisa a evolução do panorama dos media na era digital? Por um lado, a Internet abriu uma vasta via de espaço livre ou de plataforma independente. A Internet oferece um espaço contra-narrativo, ao qual os grandes media corporativos não prestam atenção. Mas, por outro lado, grandes monopólios digitais controlam o espaço digital. Como vê a situação? Quais são os desafios a enfrentar?

Os desafios são tão grandes quanto os povos o permitem. Os dados digitais são a nova corrida ao ouro do capitalismo; a vigilância digital é o novo adversário da democracia. Ambos diferem apenas na forma e na escala das infinitas variedades de poder a que os povos tiveram de resistir desde o início da história. Hoje, todos nós temos um pé no mundo digital; temos a Internet, que é poder. A maneira como aplicamos este poder, ao invés de o banalizar, depende da nossa vontade de adoptar princípios imemoriais de resistência.

Está envolvido em reportagens de guerra há mais de cinco décadas. Cobriu a maioria das grandes guerras, incluindo a Guerra do Vietname, a guerra no Iraque e a guerra no Afeganistão. Um certo número de países pratica uma política de armamento crescente como política económica. O papel das grandes empresas de venda armas também é importante. O que é a economia política da guerra?

A economia política da guerra na era moderna é a economia política dos Estados Unidos. Os Estados Unidos privam cerca de 80 milhões dos seus cidadãos de cuidados de saúde adequados e gastam quase 60% do seu orçamento discricionário federal na preparação para a guerra. A Índia também tem uma economia de guerra. Em 2018, a Índia ficou entre os cinco países que mais gastaram no campo militar, com um orçamento militar de US$63,9 mil milhões, o que supera o da França. Quase metade do orçamento nacional é dedicado a gastos militares. Quando fui à Índia pela primeira vez, descobri outro mundo dentro de bases militares, habitado por pessoas saudáveis e bem nutridas, com água potável e crianças educadas. No exterior dessas bolhas magníficas, a Índia conta mais crianças subnutridas do que qualquer outro país do mundo.

Síndrome do Vietname

A Guerra do Vietname foi um dos capítulos mais sangrentos e mortíferos do pós-guerra. Começou as suas reportagens de guerra no Vietname. Esta foi a primeira guerra televisionada. A Guerra do Vietname é a história do massacre de mais de três milhões de pessoas. Poderia falar-nos do horror que viu no Vietname? Qual foi o papel dos media ocidentais no Vietname? Recentemente, captou a tentativa de reescrever a história da Guerra do Vietname em manuais escolares norte-americanos. A própria recordação do Vietname assombra o Estado mais poderoso do mundo?

Não tenho certeza de que "assombrar" seja a palavra certa. O que incomoda os apologistas americanos é que o exército de "nação indispensável" foi expulso da Ásia por uma nação de camponeses, que ela sofreu uma derrota humilhante. Desde então, eles têm procurado um "melhor resultado", reescrevendo o que chamaram de "síndrome do Vietname", um eufemismo para o embaraço prolongado causado por uma catástrofe.

A série de documentários épicos de Ken Burns para a Public Broadcasting em 2017 começou com a seguinte declaração: "A guerra foi desencadeada de boa-fé por pessoas honestas como resultado de mal-entendidos fatais, do excesso de confiança dos norte-americanos e dos mal-entendidos da guerra fria". A desonestidade desta declaração ignora os muitos falsos pretextos que levaram à invasão do Vietname, como o "incidente" do golfo de Tonquim em 1964. Não houve boa-fé. A fé era podre e cancerosa e mais de quatro milhões de pessoas morreram.

Vi algo do sofrimento: o facto de o comandante norte-americano, general William Westmoreland, ter tomado por alvo civis a quem chamava "baratas". No delta do Mekong, após um bombardeamento, havia um cheiro de napalm e árvores petrificadas enfeitadas com pedaços de corpos. Também testemunhei heroísmo. Em 1975, encontrei a única sobrevivente de uma bateria antiaérea vietnamita, todas adolescentes; estava ajoelhada diante dos novos túmulos de seus camaradas.

O terrorismo é o produto de Estados

Questionou a guerra dos EUA contra o terrorismo como um exemplo de hipocrisia e de duplicidade. Porque diz isso? Se assim for, a questão é de saber como parar o terrorismo. Até que ponto a ameaça do terrorismo é um desafio para uma vida moderna e cívica?

A grande maioria do terrorismo é o produto de Estados. O Iémen é actualmente vítima de incessantes actos de terrorismo por parte do Estado saudita, que patrocinou outras formas de terrorismo, nomeadamente os ataques de 11 de Setembro. A "guerra contra o terrorismo" lançada em 2001 pelo presidente dos EUA, George W. Bush, foi na verdade, uma guerra de terror, matando milhões de pessoas, na sua maioria muçulmanos. Estados poderosos, como os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, tornaram o terrorismo uma arma "estratégica"; o apoio ao jihadismo na Líbia e na Síria é um exemplo notável disso. A conclusão é ou deveria ser óbvia: quando os governos pararem de promover o terrorismo, os ataques sangrentos nas suas próprias cidades provavelmente acabarão.

Disse que os Estados Unidos têm ao mesmo tempo "bons terroristas" e "maus terroristas". Quem são os bons e os maus terroristas da América?

A designação pode mudar sem aviso prévio. Actualmente, os sauditas são "bons terroristas"; na verdade, nem são chamados de terroristas. Os extremos terroristas maus – Al Qaeda – são agora bons terroristas que lutam ao lado dos Estados Unidos na sua longa guerra contra os xiítas. Historicamente, os curdos sempre foram ao mesmo tempo bons e maus terroristas; no Iraque, os curdos eram bons; na Turquia, eram maus. A designação assentava em eles estarem ou não lutando contra o mais recente inimigo dos Estados Unidos.

Nas últimas décadas do século XX, o mundo viu a região da Ásia Ocidental tornar-se o ponto quente da intervenção ocidental. Depois do 11 de Setembro de 2001, essa intervenção tomou a forma de duas guerras: a guerra no Afeganistão e a guerra no Iraque. A islamofobia atingiu novos picos no Ocidente. A teoria do choque de civilizações encontrou campeões na máquina estatal, sendo George Bush o melhor exemplo. Como situa historicamente os interesses ocidentais no Médio Oriente e a ascensão da islamofobia no Ocidente?

Secret Affairs. Recomendo o trabalho do historiador britânico Mark Curtis, cujo livro Secret Affairs relata a estreita relação entre o estado britânico e o islamismo extremista. O que está claro é que organizações como Daesh e Al-Qaeda eram o produto dos governos imperiais ocidentais.

No Afeganistão, os mujahidin poderiam ter permanecido como uma influência tribal se não fosse a Operação Ciclone, um plano liderado pelos Estados Unidos para transformar o Islão extremista numa força que expulsaria a União Soviética e derrubaria o estado soviético. O que o Ocidente temia no Médio Oriente era o que Gamal Abdel Nasser, no Egipto, chamava "pan-arabismo". Temia que os povos árabes se desembaraçassem das cadeias do tribalismo e do feudalismo e controlassem e desenvolvessem os seus próprios recursos. Por esta razão, o único governo progressista no Afeganistão foi declarado "comunista" e destruído. Pela mesma razão, os palestinos são mantidos num estado de opressão interminável.

Com os Estados Unidos reconhecendo Jerusalém como capital de Israel em 9 de Dezembro de 2017, o sofrimento e o medo dos palestinos aumentaram. Como disse, eles são refugiados no seu próprio território. Descreveu a agressão contra a Palestina como a ocupação militar mais longa da história moderna. poderia dizer-nos algo mais sobre a questão palestina? Quais são os interesses estratégicos e geopolíticos dos Estados Unidos na região? Qual é o caminho para ser feita justiça aos palestinos?

Um dos principais objectivos dos Estados Unidos é manter o Médio Oriente num estado de incerteza, instável e dividido por guerras tribais. John Bolton, o conselheiro de segurança nacional dos EUA, disse-o com grande satisfação. Foi assim que os britânicos controlaram a região. O centro de concepção dessa "política" é Israel, um anacronismo imperial imposto ao Médio Oriente quando o mundo se descolonizava. Como o historiador israelense Ilan Pappe documenta no seu último livro, Israel foi concebido como uma prisão para seus povos autóctones, os palestinos. Toda a hipocrisia ocidental reside em Israel. Bashar al-Assad é designado como um monstro, mas Benjamin Netanyahu, um monstro supremo, goza de impunidade para controlar os palestinos e, em grande medida, o Congresso dos EUA, a Casa Branca e as Câmaras do Parlamento em Londres.

Essa impunidade manifestou-se recentemente quando Jeremy Corbyn, o líder trabalhista britânico que pode vir a ser o próximo primeiro-ministro britânico, foi alvo de uma campanha inteiramente falsa que o difama como anti-semita. Em vez de a rejeitar com desprezo, Corbyn curvou-se a ela e traiu os seus muitos anos de apoio aos direitos dos palestinos aceitando uma definição de sionismo que negava a Israel o seu verdadeiro estatuto de estado racista. No momento em que escrevo, os soldados israelenses massacram regularmente palestinos em Gaza, incluindo crianças. Desde março [2018], 77 palestinos desarmados tiveram que ser amputados, incluindo 14 crianças; 12 ficaram paralisadas por toda a vida após serem baleados nas costas. Nem um único israelense ficou ferido.

Aquilo a que chamamos globalização é, na verdade, o capitalismo neoliberal. Você provavelmente foi o primeiro a revelar o primeiro experimento de programa de ajustamento estrutural na Indonésia na década de 1960. Diz que não há diferença entre a implacável intervenção do capital internacional nos mercados estrangeiros hoje e os de antes, quando eram apoiados por canhoneiras. Como jornalista familiarizado com o funcionamento do Estado profundo, poderia falar-nos sobre a evolução das experiências económicas neoliberais? Como funciona isso hoje em dia?

O neoliberalismo é uma extensão do que antes era chamado monetarismo, as duas versões exóticas ou extremas do capitalismo dominante. No Ocidente, sob a liderança de Margaret Thatcher e Ronald Reagan e seus homólogos europeus, foi declarada uma "sociedade a dois terços". O terço superior seria enriquecido e pagaria pouco ou nenhum imposto. O terço médio seria "ambicioso", alguns de entre eles seriam "bem-sucedidos" num mundo impiedosamente competitivo e outros ficariam irrevogavelmente endividados. O terço inferior seria abandonado ou ser-lhe-ia oferecido um empobrecimento estável em troca da sua obediência. A relação entre as pessoas e o Estado mudaria de benigna para maligna. Uma nova classe de gestores educados no espírito empresarial dos Estados Unidos, com a sua própria "cultura" e vocabulário, supervisionaria a conversão da social-democracia numa autocracia de empresa. O "debate" público, gerido por meios de comunicação totalmente integrados, seria dominado por "políticas de identidade", todas as noções de classe banidas como "falsidades". Falsos demónios estrangeiros (liderados pela Rússia, seguidos de perto pela China) seriam designados como "inimigos necessários".

A unidade europeia é propaganda

A experiência da União Europeia foi saudada como um sinal de unidade dos europeus e um modelo na era pós-socialista. Mas o Brexit foi um grande golpe que atingiu essa propaganda. Qual é o seu ponto de vista sobre a UE? Como analisa o Brexit e reivindicações semelhantes?

A União Europeia é basicamente um cartel. Não há "livre comércio". Existem regras de exclusividade estabelecidas e controladas pelos bancos centrais, principalmente o banco central alemão, com benefícios para os membros mais fracos, nomeadamente o movimento transfronteiriço de mão-de-obra, embora isso seja agora posto em causa. O objectivo central da UE é a protecção e o fortalecimento do poder económico dos mais fortes. Bruxelas é uma burocracia centralizada; a democracia é mínima. A "unidade europeia" de que fala é propaganda, promovida por aqueles que mais recebem da UE. O esmagamento da Grécia é uma lição que a maioria dos britânicos parece ter entendido.

O seu trabalho concentra-se em quem controla o destino da humanidade, de que forma nações poderosas, grandes empresas, a burguesia, lobbies poderosos fazem as leis e regras do mundo. A democracia parece ser a vítima. Apesar disso, temos histórias inspiradoras em todo o mundo sobre a resistência contra essas forças poderosas. Está optimista e com esperança quanto a um mundo melhor?

Existem forças inspiradoras de resistência em muitos países, incluindo a Índia. Desde a minha primeira reportagem na Índia, na década de 1960, emocionou-me o desejo das pessoas comuns, especialmente dos agricultores, de defender a justiça na sua vida. A recente grande marcha [de 23 de Setembro a 2 de Outubro] de 50 mil agricultores de [Haridwar] em Uttar Pradesh, em Nova Deli, era típica. Disciplinados, políticos e engenhosos, eles têm muito a ensinar àqueles de nós que no Ocidente imaginam que o protesto consiste em gozar com Trump ou assinar uma petição dirigida ao deputado da sua zona. Quando o governo de Deli permitiu que a polícia atacasse os agricultores no aniversário de Mahatma Gandhi, eles reagiram. A promessa política destes movimentos talvez seja a mais notável evocação revolucionária no mundo hoje.

Eles representam a luta dos povos e da agricultura em todo o mundo contra os bulldozer neoliberais do "desenvolvimento urbano": o roubo do espaço humano e a sua conversão numa mercadoria grotesca e lucrativa. O facto de os governos indianos não terem reagido aos suicídios de mais de 300 mil agricultores é uma tragédia histórica, mas pode ser revertida a qualquer momento. De certo modo, os agricultores indianos representam-nos a todos. Como escreve Vandana Shiva, a sua difícil situação e a sua resistência constituem uma advertência: a menos que a segurança sobre a terra, a segurança sobre as sementes e a agricultura pertençam ao povo, a colonização dos campos do mundo por gente como a Monsanto é uma ameaça tão séria para a existência humana quanto as alterações climáticas [NR] . Claro que as pessoas nunca estão paradas. Eles "levantar-se-ão como um leão depois de acordar…", como escreveu Percy Bysshe Shelley… Quando a resistência não é visível, é ainda uma "semente sob a neve". Nunca conheci tanta sensibilização do público como hoje, mas reina também a confusão. O "populismo" dos ocidentais, tantas vezes deturpado como reaccionário, exprima ao mesmo tempo a disposição de resistir e uma desorientação sobre como o fazer. Isso vai mudar. O que nunca muda é o medo dos poderosos do poder das pessoas comuns.

O tipo de jornalismo que pratica é realmente um desafio, e difícil. Através de seus documentários, artigos e outros trabalhos jornalísticos, questionou os Estados mais poderosos do mundo e suas fraudes democráticas. O que moldou o seu ponto de vista para se tornar uma voz dissidente no jornalismo? Quais são as suas influências e o que é que o mantém atento?

Hoje, a maioria dos jornalistas estabelecidos são estafetas do poder. Não são o mainstream, que é uma palavra orwelliana. Um mainstream real tolera a dissidência, não a censura. O que é que moldou o meu ponto de vista? O facto de relatar a luta das sociedades pelo mundo afora, incluindo os seus triunfos, por mínimos que sejam, continua sendo uma influência duradoura. Ou talvez essas influências tenham início cedo na vida. "Apoiamos os oprimidos", disse-me minha mãe um dia, quando eu era pequeno. Eu gosto disso.
 
02/Janeiro/2018 
 
[NR] Um falso problema, como se mostra aqui: Uma impostura científica

[*] http://johnpilger.com
[**] Membros do Tricontinental: Institute for Social Research, colaboradores de The Indian Express, The Wire e Monthly Review. Contactos: jipsonjohn10@gmail.com e jitheeshpm91@gmail.com

O original encontra-se em frontline.thehindu.com/cover-story/article25661115.ece
e a tradução em www.odiario.info/nova-guerra-fria-e-ameacas-iminentes/ (efectuadas correcções)


Esta entrevista encontra-se em http://resistir.info/ .

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