sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Os «desequilíbrios que vêm de trás» e os trambolhões que o «sucesso do ajustamento» causou

por

A Comissão Europeia (CE) decidiu lançar um balde de água gelada na campanha de propaganda em curso sobre o sucesso do «ajustamento» português. No quadro das análises do semestre económico, a CE decidiu colocar Portugal sob vigilância apertada por «desequilíbrios excessivos», salientando os riscos ligados aos «níveis elevados de dívida, tanto internamente como externamente, e elevado desemprego», não deixando igualmente de sublinhar que o sistema de protecção social português foi incapaz de lidar com o aumento da pobreza nos últimos anos, em virtude de os cortes nos apoios sociais terem afectado «desproporcionalmente» os mais pobres. E como se não bastasse, a Comissão Europeia vem ainda reclamar pelo abrandamento nas reformas estruturais depois da «saída limpa» e assinalar o óbvio: que o «crescimento potencial de longo prazo não chega para pagar a dívida pública». Como retrato do aclamado «sucesso do ajustamento» e como exercício de enjeitar responsabilidades, estamos conversados. O médico acaba de culpar o paciente pelos efeitos da terapia que prescreveu e que pretende reforçar.

A reacção do governo tardou mas lá acabou por chegar, pela voz de Luís Marques Guedes. De acordo com o ministro da Presidência e dos Assuntos Parlamentares, os desequilíbrios económicos apontados pela Comissão Europeia «são chagas que vêm de trás» e que registaram, segundo o governo, uma evolução positiva nos últimos anos. Como retrato do estado de pânico e de negação em que a maioria de direita se encontra, estamos conversados. Em vez de questionar o médico pelos efeitos causados pela terapia prescrita (e apesar do entusiasmo com que a aceitou), o paciente prefere passar adiante e dizer que, sendo maleitas que já vêm de longe, até se estão a resolver.

Olhemos para o que se passou nos últimos anos, em alguns dos domínios que a CE identifica como «desequilíbrios excessivos», considerando três momentos distintos. A situação em 2007 (antes do impacto da crise financeira), no final de 2010 (antes da assinatura do Memorando de Entendimento com a troika) e a situação em 2014, depois de três anos de «glorioso ajustamento» e de paradigmática «mudança estrutural» da economia e da sociedade portuguesa.


Em resultado da sangria migratória e da quebra acentuada no saldo natural nos últimos três anos, Portugal atingiu em 2014 um saldo demográfico negativo (-60 mil) que é absolutamente inédito na nossa história recente e longínqua. A destruição de emprego, por sua vez, atingiu entre 2010 e 2014 níveis colossais (com uma quebra de cerca de 8%, o dobro da registada entre 2007 e 2010) e o desemprego dispara no mesmo período de 11 para 14% (sendo que sem as operações de camuflagem estatística de desempregados esta subida seria muito mais significativa). A dívida pública em percentagem do PIB não cessou de aumentar e a percentagem de população em risco de pobreza conhece novos patamares, em linha com a hipocrisia que subjaz à garantia de «ética social na austeridade».

Tudo isto, atente-se bem, em consequência de um programa de «ajustamento» que prometia «resgatar o país», proceder a um «equilíbrio sustentável das finanças públicas» e corrigir os tais «desequilíbrios estruturais». O que comprova que os sacrifícios valeram mesmo a pena, só é preciso continuar a insistir.

aqui:http://ladroesdebicicletas.blogspot.pt/2015/02/os-desequilibrios-que-vem-de-tras-e-os.html

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Mussa Ibrahim: magnífico resumo da realidade líbia

por Leonor Massanet Arbona


Mussa Ibrahim 
 Mussa Ibrahim foi último porta-voz da Jamahiriyah líbia. Em conferência de imprensa, falando em nome de 622 políticos líbios, fez um resumo sintético e claro do que sucedeu na Líbia e das posições políticas do Movimento Nacional Popular líbio.


Em Junho de 2011 fui observadora estrangeira em Trípoli, Líbia. Fui testemunha da maioria das coisas que explica e de muitas outras que não explica, fui testemunha de que se encontravam jornalistas de todos os media internacionais do mundo inteiro e de que NÃO informavam o que sucedia. Eram testemunhas directas, fotografaram, filmaram e viram a realidade mas nunca a publicaram.

Fui testemunha de como cada dia os aviões da NATO entravam na Líbia, lançavam as bombas sobre as cidades e se iam embora. Não recebiam resposta líbia e não sei se podeis imaginar o que implica lançar bombas sobre uma cidade populosa como Trípoli, os mortos, a onda expansiva, a destruição,…cada dia os aviões entravam em Trípoli de madrugada e repetiam depois à primeira hora da manhã. Era impossível que qualquer líbio pudesse descansar mais de quatro horas seguidas.

Muitas associações e grupos internacionais, como a associação de advogados do Mediterrâneo, acorreram à Líbia para serem testemunhas directas do que estava a suceder. Depois de ter vivido uma agressão como aquela de que fui testemunha na Líbia, nunca mais poderei confiar nos meios de comunicação nem nos políticos e governos que apoiaram e encobriram algo tão desumano, cruel, aberrante… a RT e TeleSur estavam ali e fui testemunha de que informavam efectivamente e, tanto quanto sei, disseram sempre a verdade.

Conferência de Imprensa 2014

Palavras de Mussa Ibrahim, último porta-voz da Jamahiriyah líbia, pertencente ao Movimento Nacional Popular Líbio que trabalha juntamente com o Conselho de todas as tribos e cidades líbias tentando resolver a situação líbia depois do ataque da NATO e das suas consequências. Fala em nome de 622 políticos líbios que se encontram no interior da Líbia e no exilio, que representam a resistência verde. Defendem a reconciliação de todos os líbios, o desenvolvimento, os direitos humanos.

Pertencemos a toda a Líbia e apoiamos todos os líbios que não apoiem a NATO nem os criminosos, fundamentalistas, assassinos, os que estão torturando, marginalizando, mudando as leis para exilar os líbios…

Procuramos vosso apoio para divulgar a nossa realidade. Em 2011 fui o responsável de comunicação com os meios de comunicação internacionais, tentei fazê-lo o melhor possível, Mas os verdadeiros heróis são os que perderam a vida debaixo das bombas da NATO, ou nos cárceres da Al-Qaeda. O sofrimento da Líbia começou com o ataque estrangeiro, depois da resolução da ONU que se fundamentou em cinco pontos:

1. Segundo os documentos oficiais da ONU 10.000 manifestantes foram nos primeiros dias assassinados em Benghazi. Entretanto, o Conselho Nacional de Transição encabeçado por Abdul Jalil admitiu publicamente - e as suas palavras podem inclusivamente ser ouvidas na internet - que mentiram. Eles sabiam que havia ordem do governo líbio da Jamahiriyah para não intervir nas manifestações.

2. Segundo os documentos oficiais da NATO Kadhafi tinha arrasado com bombardeamentos várias zonas de Trípoli como Suk al Juma, Fashlum, e outras. Mais de 1000 jornalistas e observadores internacionais visitaram e viram com os seus próprios olhos, puderam filmar e falar com as pessoas e portanto comprovar que não era verdade, que aquelas áreas estavam totalmente normais.

3. Segundo os documentos oficiais da ONU, mais de 8000 mulheres líbias tinham sido violadas pelo exército líbio nas três primeiras semanas do conflito. Quando tentaram demonstrá-lo não conseguiram encontrar nem uma mulher.

4. Segundo os documentos oficiais da ONU a Jamahiriyah líbia contava com 35.000 mercenários de África. Não era verdade e nunca o puderam demonstrar. Contudo, isso foi usado pela NATO para matar milhares e milhares de líbios negros e, obviamente, uma vez mortos nada podiam declarar. O massacre mais terrível que levaram a cabo foi na cidade líbia de Tawerga cujos cidadãos que não foram assassinados não puderam ainda regressar aos seus lares.

5. Segundo os documentos oficiais da ONU o exército líbio da Jamahiriyah deslocava-se para Benghazi para reprimir com as armas e arrasar a cidade. Segundo o documento oficial da ONU, a NATO devia intervir para deter o exército e salvar a vida dos líbios. A realidade, entretanto, é que o governo da Jamahiriyah líbia teve conversações directas com representantes da França e dos EUA para mostrar e prometer que o exército líbio não ia entrar em Benghazi. O governo da Jamahiriyah tinha dado ordem ao exército para não intervir em nenhuma circunstância nas manifestações, sucedesse o que sucedesse. A Líbia cometeu o erro de confiar na palavra da França, EUA e Inglaterra, de que não interviriam. A NATO mentiu, entrou na Líbia e a primeira coisa que fez foi atacar e matar o exército que estava acampado nos arredores de Benghazi.

A NATO interveio com base nestas cinco mentiras

A Jamahiriyah Líbia tentou constituir uma “Fact Finding Mission” (Comissão de estudo dos factos), e para isso convocou todos os grandes meios de comunicação do mundo inteiro, como a BBC, o New York times, RT, TeleSur,…meios de comunicação do mundo inteiro. Para além disso convidou observadores internacionais de todo o mundo a virem verificar a realidade.

Os Meios de Comunicação Internacionais responderam que não podiam realizar um estudo de campo (’fact finding mission’) porque:

1. Não tinham orçamento para isso.

2. Não tinham o material adequado para o poderem realizar.

A União Africana pretendeu criar uma Comissão de ‘Fact Finding Mission’ mas não lho permitiram.
Todos estes factos foram ignorados pelos meios de comunicação Internacionais e pelos políticos.
Sabemos agora porque é que fomos agredidos: Pela posição que a Líbia assumia em África apoiando a União Africana, trabalhando para concretizar o Mercado Comum Africano, trabalhando para a União Árabe, apoiando os povos oprimidos,…

Tudo isto fez com que o ocidente atacasse a Líbia porque não querem uma África independente.
Neste momento os maiores problemas dos líbios são:

1. Os exiliados: segundo o governo tunisino há 1,5 milhões de líbios refugiados em Túnis, segundo o governo egípcio existem ali 1,25 milhões de líbios refugiados, para além de todos os refugiados líbios na Argélia, Níger, e muitos outros países.

Contudo, segundo os nossos cálculos, há aproximadamente dois milhões de líbios refugiados no estrangeiro. Recordemos que a Líbia tinha uma população de seis milhões de habitantes, o que significa que 30% dos líbios se viram obrigados a fugir do seu próprio país e estão sofrendo.

2. Controlo da Líbia pelos extremistas como Al-Qaeda porque têm o dinheiro, têm as armas e o apoio estrangeiro e milhares e milhares de mercenários. Neste momento os piores terroristas do mundo, ou seja os superstars do terrorismo do mundo estão na Líbia.

O mais importante e internacional terrorista é Abdul Hakim Bilhaj que esteve na Somália, Iraque, Afeganistão, que esteve em prisões como Guantánamo, e na Líbia. Em Setembro de 2011, quando a NATO entrou em Trípoli, colocaram BilHaj como responsável da segurança de Trípoli. Pelo seu trabalho foi pago pelo ocidente com empresas e tornou-se milionário. Passou a vestir fato e agora é recebido pelos governos ocidentais. Além de Abdul Hakim Bilhaj, está na Líbia a elite do terrorismo.

3. Há neste momento 35.000 prisioneiros políticos, em prisões ilegais desconhecidas. Foram torturados, maltratados, violando todos os direitos humanos. Há inclusivamente famílias inteiras detidas. A cada semana saem corpos sem vida destas prisões, alguns são enterrados directamente e outros são devolvidos às famílias.

4. Balcanização da Líbia: Estão tentando dividir a Líbia em três partes. Os fundamentalistas não querem um país forte, querem países pequenos e débeis para poderem operar melhor.
Nós, os líbios, choramos pela Líbia, mas procuramos também soluções para não sermos “colonizados”, baseando-nos no diálogo no qual incluímos todos os líbios à excepção dos fundamentalistas e mercenários da NATO.

O diálogo prossegue, trabalhamos duramente para isso. Seria muito más fácil se não existisse a intervenção ocidental.

A maior parte dos líbios sonha com o regresso destes últimos 42 anos da Jamahiriyah Líbia. Isto não quer dizer que tudo fosse perfeito, havia muitos problemas, mas nós os líbios podíamos resolvê-los e estávamos trabalhando para os resolver.

Ver conferência de imprensa em inglês: https://www.youtube.com/watch?v=KdwJcqA-AhI
La Haine
Texto completo em: http://www.lahaine.org/mussa-ibrahim-magnifico-resumen-de


aqui:http://www.odiario.info/?p=3568

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

No que se tornaram os economistas e a economia americana


por Paul Craig Roberts 
 
O sonho americano esboroa-se. Segundo o conto de fadas oficial, a economia dos EUA tem estado em recuperação desde Junho de 2009.

Este conto de fadas destina-se a dar a imagem da América como paraíso seguro, uma imagem que mantém o dólar alto, o mercado de acções em alta e taxas de juro baixas. É uma imagem que leva o número maciço de desempregados americanos a culparem-se a si próprios e não a economia falhada.

O referido conto de fadas sobrevive apesar do facto de não haver qualquer informação económica que a confirme.

O rendimento familiar mediano real não cresce há anos e está abaixo dos níveis do princípio da década de 1970.

Não há crescimento real nas vendas a retalho desde há seis anos.

Como é que uma economia dependente da procura do consumidor pode crescer quando os rendimentos reais dos consumidores e as vendas reais a retalho não crescem?

Não com o investimento em negócios. Por que investir quando não há crescimento das vendas? A produção industrial, devidamente deflacionada, permanece bem abaixo do nível anterior à recessão.

Não com a construção. O valor real da construção total efectuada declinou drasticamente desde 2006 até 2011 e tem oscilado em torno do mínimo de 2011 durante os últimos três anos.

Como é que uma economia pode crescer quando a força de trabalho está em contracção? A taxa de participação da força de trabalho tem declinado desde 2007, tal como o rácio do emprego civil na população.

Como pode haver uma recuperação quando nada se recuperou?

Será que os economistas acreditam que todo o corpo da teoria macroeconómica ensinada desde a década de 1940 é simplesmente incorrecto? Caso contrário, como é que economistas podem apoiar o conto de fadas da recuperação?

Vemos a mesma ausência de teoria económica na resposta política à crise de dívida soberana na Europa. Antes de mais nada, a única razão para haver uma crise é porque ao invés de cancelar aquela parte da dívida que não pode ser paga, como no passado, de modo a que o resto da dívida pudesse ser paga, os credores tem exigido o impossível – que toda a dívida seja paga. [NR]

Numa tentativa de alcançar o impossível, países fortemente endividados, tais como a Grécia, foram forçados a reduzir pensões de reforma, despedir funcionários do governo, reduzir serviços sociais tais como cuidados de saúde e educação, reduzir salários e liquidar propriedade públicas tais como portos, companhias de água municipais e a lotaria estatal. Estes pacotes de austeridade privam o governo de receitas e a população de poder de compra. Consequentemente, o consumo, o investimento e os gastos do governo caem em conjunto e a economia afunda-se ainda mais. Quando a economia afunda, as dívidas existentes tornam-se ainda maiores em percentagem do PIB e o pagamento do serviço da dívida ainda mais insustentável.

Os economistas sempre souberam isto desde que John Maynard Keynes os ensinou na década de 1930. Mas ainda assim não há sinal desta teoria económica fundamental na abordagem política à crise de dívida soberana.

Os economistas parecem ter simplesmente desaparecido da terra. Ou, se alguns ainda estiverem presentes, perderam suas vozes e não falam.

Considere o "globalismo". Todo país foi convencido de que o globalismo é imperativo e que não fazer parte da "economia global" significa a morte económica. De facto, fazer parte da economia global significa morte.

Entenda a destruição económica que o globalismo provocou nos Estados Unidos. Milhões de empregos fabris da classe média e empregos qualificados tais como engenharia de software e Tecnologia de Informação foram afastados da classe média americana e dados a povos na Ásia. No curto prazo isto reduz os custos do trabalho e beneficia os lucros das corporações estado-unidenses que exportam seus empregos, mas a consequência é destruir o mercado interno de consumo pois empregos que permitem a formação de famílias são substituídos por empregos em tempo parcial mal pagos.

Se famílias não se podem constituir, a procura por habitação, electrodomésticos e mobiliário declina. Licenciados em faculdades voltam a viver com os seus pais.

Empregos em tempo parcial prejudicam a capacidade para poupar. As pessoas só conseguem comprar carros porque elas podem obter 100 por cento de financiamento e mais a fim de liquidar um empréstimo do carro existente que excede o valor comercial do veículo, num empréstimo de seis anos. Estes empréstimos são possíveis, porque aqueles que os fazem vendem-nos. Os empréstimos são então titularizados (securitized) e vendidos como investimentos àqueles desesperados por rendimento (yield) num mundo com taxa de juro zero. Os derivativos são separados (spun off) destes "investimentos" e uma nova bolha é posta em acção.

Quando empregos manufactureiros são exportados, as fábricas estado-unidenses são encerradas e a base fiscal do estado e dos governos locais declina. Quando os governos têm perturbações para servir a sua dívida acumulada, a tendência é não cumprirem suas obrigações quanto a pensões. Isto reduz rendimentos dos reformados, rendimentos já reduzidos por taxas de juro zero ou negativas.

Este desfazer da procura do consumidor, a base da nossa economia, era inteiramente óbvio desde o princípio. Mas economistas lixo ou porta-vozes contratados por corporações prometiam aos americanos uma "Nova Economia" que lhes proporcionaria empregos melhores, mais bem pagos e mais limpos em substituição dos empregos removidos para o exterior. Como tenho apontado desde há mais de uma década, não há sinal destes empregos em qualquer parte da economia.

Por que economistas não protestaram quando a economia dos EUA era despachada para o exterior e lançada borda fora internamente?

O globalismo também devasta as "economias emergentes". Comunidades agrícolas auto-suficientes são destruídas pela introdução da agricultura de monocultura em grande escala. As pessoas desenraizadas são relocalizadas em cidades onde se tornam um peso para os serviços sociais e uma fonte de instabilidade política.

O globalismo, tal como a teoria económica neoliberal, é um instrumento do imperialismo económico. O trabalho é explorado, enquanto povos, culturas e ambientes são destruídos. Mas a propaganda é tão poderosa que o povo participa da sua própria destruição.
 

[NR] O sublinhado a vermelho é de resistir.info.   A propósito de dívidas que não podem ser pagas ver a resenha do livro de Cédric Durand: Le capital fictif: Comment la finance s'approprie notre avenir

O original encontra-se em www.strategic-culture.org/...

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

A luta contra a UE e a libertação dos povos: sobre a derrota da euro-esquerda grega


por João Vilela

 
"Só quem se mexe sente as correntes que o prendem".   Rosa Luxemburgo 
 
'. A solidariedade internacionalista para com o povo grego e a sua justa luta contra a austeridade (nome comummente atribuído às imposições imperialistas da União Europeia) não se exprime de forma correcta se tivermos uma posição sectária, de crítica pela crítica, para com o Governo do Syriza. É uma verdade indiscutível. Como é verdade que também não se é internacionalista defendendo esse mesmo Governo contra todas as evidências de capitulações, recuos, e traições a promessas eleitorais e a princípios óbvios de uma política de esquerda. A unidade das forças de esquerda, indispensável à derrota da investida capitalista, deve conservar-se com firmeza, certamente. Não deve conservar-se a todo e qualquer preço. E o preço de abdicar da crítica ao abandono de elementos incontornáveis e indiscutíveis de uma política de esquerda [1] devemos, todos os que nos reclamamos da esquerda e nos posicionamos contra a opressão ao lado dos dominados, recusar-nos terminantemente a pagar.

Vamos a factos:  logo no dia 11 de Fevereiro, na reunião do Eurogrupo, quando o Governo grego contava meros 16 dias de vida, Yanis Varoufakis esclarecia os parceiros europeus de que "[n]o que respeita às privatizações, o executivo liderado por Alexis Tsipras afirma-se "totalmente não dogmático". "Estamos prontos e dispostos a avaliar cada projeto pelos seus próprios méritos. Notícias como aquelas que anunciam a reversão da privatização do porto Pireus não poderiam estar mais longe da verdade"" [2] Nesse mesmo documento, Varoufakis fez ainda saber que o aumento do salário mínimo nacional grego, medida proclamada pelo Syriza no dia a seguir à sua eleição, seria afinal de contas aplicado gradualmente, apenas a partir de Setembro, de comum acordo entre trabalhadores e patrões, e com compensações fiscais para o patronato em sede de contribuição para a segurança social, de modo a conservarem a sua competitividade, enquanto brindava os seus colegas com uma declaração de amor, rica de significado e de consequências, a que adiante regressaremos:  "a Europa é una e indivísivel, e o Governo grego considera que a Grécia é um membro permanente e inseparável da União Europeia e da nossa união monetária (...) Alguns de vós, sei-o, ficaram desagradados com a vitória de um partido de esquerda, de esquerda radical. A esses, tenho a dizer:  seria uma oportunidade desperdiçada verem-nos como adversários. Somos europeístas dedicados. Preocupamo-nos profundamente com o nosso povo, mas não somos populistas que prometam tudo a toda a gente. Mais do que isso, podemos levar o povo grego a um acordo que seja benéfico para o europeu médio" [3] . Se já encontrávamos aqui diversas cedências e traições às justas aspirações do povo grego na sua luta pela emancipação do garrote da troika, e a insinuação de uma predisposição a todos os títulos inadmissível, a carta seguinte de Varoufakis, escrita a 18 de Fevereiro, é já um resvalar absoluto, indecoroso, vexatório, para a capitulação em toda a linha:  Varoufakis, eleito para derrotar a troika, propõe a "supervisão no quadro da UE e BCE e, no mesmo espírito, com o FMI durante a vigência do atual acordo"; o Syriza, uma semana antes propunha um plano de aumento salarial já tíbio, já amedrontado, já antipopular (pois compensava os aumentos de salários com menos impostos para os patrões), deixa implicitamente cair essa medida quando se compromete a evitar "ações unilaterais que enfraqueçam as metas fiscais, a recuperação económica e a estabilidade financeira"; o Syriza, que durante anos e anos batalhou e fez elemento central da sua luta o combate à ditadura da dívida, a usura, a especulação, em nome de uma reestruturação que expusesse e levasse ao repúdio da componente ilegítima da dívida grega, recua, nesta carta, ao ponto de prometer que as "autoridades Gregas honram as obrigações financeiras para com todos os credores" [4] ! Todas e cada uma das medidas do Syriza são deitadas por terra no período ínfimo de uma semana, sem que tenha faltado sequer a suprema vergonha de o Syriza ter proposto, e feito eleger como Presidente da República, Prokopis Pavlopoulos, militante da Nova Democracia, grande promotor do FRONTEX e de uma política de mão pesada contra os imigrantes ilegais. Trata-se ainda do homem que estava em funções quando foi assassinado a sangue frio pela polícia o jovem de 15 anos Alexandros Grigoropoulos, durante uma onda sublevações anarquistas.

Mesmo dentro do Syriza, algumas vozes se têm levantado contra este rumo político. O membro do Comité Central do Syriza, Stathis Kouvelakis, escreveu num artigo recente que "a implementação das medidas fundamentais do programa eleitoral do Syriza de Salónica ficam sujeitas à aprovação prévia dos credores, o que corresponde de facto à anulação do programa. Além disso, reconhece os termos odiosos dos acordos com os credores, dessa forma enfraquecendo a posição negocial da Grécia sobre essa questão". O mesmo autor faz ainda um reparo que, cotejado com a "declaração de amor" europeísta de Varoufakis citada acima, nos fornece a chave para deslindarmos o problema crucial da derrota do Syriza:  "[t]odos os argumentos tranquilizadores que circularam nos últimos anos – acerca de um bluff europeu, acerca da possibilidade de derrotar a austeridade dentro da eurozona, de separar os acordos com os credores dos memorandos, de soluções na linha da conferência de Londres de 1953 sobre a dívida alemã (quer dizer, de uma reestruturação favorável ao devedor com o acordo do credor) – por outras palavras, os elementos constituintes da narrativa do "bom euro" – entraram todos em colapso." [5]

Aqui chegados, encontramos o ponto fundamental da discussão. É extremamente simplista, e em nada elucida quem acompanha o debate, reduzir o que se passa na Grécia a uma discussão moral sobre a falta de coragem do Syriza. Há traições, recuos, capitulações e derrotas que devem ser tratadas pelo nome. Isso é uma questão. Outra, que é a que importa, é a análise dos motivos subjacentes a essa mesma derrota. E é de todo evidente que o motivo central da derrota do Syriza foi, e será no caso de qualquer partido que perfilhe a grelha de leitura da euro-esquerda, a crença, que francamente chega a ter semelhanças com a religiosidade, nas instituições europeias, no projecto europeu, na natureza intrinsecamente solidária da União Europeia, e demais patacoadas. A União Europeia, digamo-lo com todas as letras, é um utensílio de subjugação, de dominação, de exploração e de desapossamento da liberdade e da soberania dos povos periféricos pela burguesia dos seus potentados centrais, sobretudo a alemã. Qualquer luta que se trave contra ela pressupondo a bondade da UE, ou simplesmente a neutralidade da UE, levando a discussão para as suas instituições, promovendo alterações dentro do seu circuito de tratados, acordos, e demais parafernália jurídico-diplomática, apelando ao bom coração dos seus burocratas e à solidariedade dos Governos do centro imperialista para com os povos dominados, vai espatifar-se contra uma parede. Dentro da UE é-se, e ser-se-á sempre, escravo da burguesia alemã. A libertação implica romper com a UE. A discussão de como se pode permanecer na UE e ser um Estado livre e soberano roça o ridículo.

Que a derrota da euro-esquerda grega, forçada a recuar em toda a linha, elucide o povo grego, e elucide todas as organizações em luta contra a opressão da chamada austeridade, para esta evidência:  nenhuma luta em nome dos interesses dos trabalhadores, em nome dos interesses das classes populares, em nome da sua libertação, da garantia de que viverão numa sociedade mais justa e poderão almejar a construir o socialismo e o comunismo será possível sem que, primeiro e antes de mais, tenham quebrado as correntes que os prendem à União Europeia. Bem sabemos que, como dizia Rosa Luxemburgo, só quem se mexe sente as correntes que o prendem. Os gregos mexeram-se. E sentiram-nas nos pulsos, nas pernas, detendo-os e mantendo-os no redil. Sabem que existem. Sabem que importa parti-las para que se livrem do cárcere em que a UE se tornou. Para com essa luta, para com essa consciencialização, a minha mais absoluta solidariedade internacionalista.
21/Fevereiro/2015 
 
(1) Esqueçamos, por agora, e pese embora não seja um detalhe, o abandono de elementos cruciais de uma política anticapitalista.
(2) www.esquerda.net/artigo/grecia-torna-publico-o-que-propos-ao-eurogrupo/35863
(3) www.protothema.gr/files/1/2015/02/18/varouf0.pdf . O texto original, em inglês, é "Europe is whole and indivisible, and the government of Greece considers that Greece is a permanent and inseparable member of the European Union and our monetary union. (...) Some of you, I know, were displeased by the victory of a leftwing, a radical leftwing, party. To them I have this to say: It would be a lost opportunity to see us as adversaries. We are dedicated Europeanists. We care about our people deeply but we are not populists promising all things to all people. Moreover, we can carry the Greek people along an agreement that is genuinely beneficial to the average European.". A tradução é da responsabilidade do autor.
(4) www.esquerda.net/...
(5) www.esquerda.net/artigo/o-syriza-esta-recuar/35899
N. do A.: Todas as citações foram propositadamente retiradas do esquerda.net, site oficial do Bloco de Esquerda, partido português congénere do Syriza e seu parceiro no Partido da Esquerda Europeia, de modo a evitar qualquer enviesamento na informação fornecida.


Do mesmo autor:
  • Organização popular e eleitoralismo

    Ver também:
  • Eurogroup statement on Greece
  • On the SYRIZA Government's Agreement with the Eurogroup , PCG
  • Before It Is Too Late , Manolis Glezos (deputado do Syriza no PE)

  • Syriza Capitulates To The EU , Robert Stevens

    Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
  • Obama falha o seu golpe de Estado na Venezuela

    por Thierry Meyssan

    Mais uma vez, a administração Obama tentou mudar pela força um regime político que lhe resiste. A 12 de fevereiro, um avião da Academi (ex-Blackwater), disfarçado como aeronave do exército venezuelano, devia bombardear o palácio presidencial e matar o presidente Nicolas Maduro. Os conspiradores tinham previsto colocar no poder a antiga deputada Maria Corina Machado e fazê-la aclamar, de imediato, por antigos presidentes latino-americanos.

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    O presidente Obama com o seu conselheiro para a América Latina, Ricardo Zuñiga, e a conselheira nacional de segurança, Susan Rice.
    © White House
    O presidente Obama tinha prevenido. Na sua nova doutrina de Defesa (National Security Strategy), ele escreveu : «Nós ficaremos do lado dos cidadãos cujo exercício pleno dos direitos democráticos está em perigo, tal como é o caso dos Venezuelanos». Ora, sendo a Venezuela, desde a adopção da constituição de 1999, um dos mais democráticos Estados do mundo, esta frase deixava pressagiar o pior, no sentido de a impedir de prosseguir na sua via de independência e de redistribuição de riqueza.
    Foi a 6 de fevereiro de 2015. Washington tinha acabado de terminar os preparativos para o derrube das instituições democráticas da Venezuela. O golpe de Estado tinha sido planificado (planejado-br) para 12 de fevereiro.

    A «Operação Jericó» foi supervisionada pelo Conselho Nacional de Segurança (NSC), sob a autoridade de Ricardo Zuñiga. Este «diplomata» é o neto do presidente homónimo do Partido Nacional das Honduras, que organizou os “putschs” de 1963 e de 1972 a favor do general López Arellano. Ele dirigiu a antena da CIA em Havana, (2009-11) onde recrutou agentes, e os financiou, para formar a oposição a Fidel Castro, ao mesmo tempo que negociava a retomada das relações diplomáticas com Cuba (finalmente concluída em 2014).

    Como sempre, neste tipo de operação, Washington vela para não parecer implicado nos acontecimentos que orquestra. A CIA agiu através de organizações pretensamente não-governamentais para dirigir os golpistas : a National Endowment for Democracy (Contribuição Nacional para a Democracia- ndT) e as suas duas extensões, de direita (International Republican Institute) e de esquerda (National Democratic Institute), Freedom House (Casa da Liberdade), e o International Center for Non-Profit Law (Centro Internacional para Assistência Jurídica Gratuita- ndT). Por outro lado, os Estados Unidos solicitam sempre os seus aliados para sub-contratar certas partes dos golpes, neste caso, pelo menos, a Alemanha (encarregada da protecção dos cidadãos da Otan durante o golpe), o Canadá (encarregue de controlar o aeroporto internacional civil de Caracas), Israel (encarregue dos assassínios de personalidades chavistas) e o Reino Unido (encarregue da propaganda dos “putschistas”). Por fim, mobilizam as suas redes políticas a estarem prontas ao reconhecimento dos golpistas : em Washington o senador Marco Rubio, no Chile o antigo presidente Sebastián Piñera, na Colômbia os antigos presidentes Álvaro Uribe Vélez e Andrés Pastrana, no México os antigos presidentes Felipe Calderón e Vicente Fox, em Espanha o antigo presidente do governo José María Aznar.

    Para justificar o “putsch”, a Casa Branca tinha encorajado grandes companhias venezuelanas a açambarcar, mais do que a distribuir, as mercadorias de primeira necessidade. A ideia era a de provocar filas de espera diante das lojas, depois infiltrar agentes nas multidões para provocar tumultos. Na realidade se existiram, de facto, problemas de aprovisionamento, em janeiro-fevereiro, e filas de espera diante das lojas, jamais os Venezuelanos atacaram os comércios.

    Para reforçar a sua actuação económica o presidente Obama havia assinado, a 18 de dezembro de 2014, uma lei impondo novas sanções contra a Venezuela e vários dos seus dirigentes. Oficialmente, tratava-se de sancionar as personalidades que teriam reprimido os protestos estudantis. Na realidade, desde o princípio do ano, Washington pagava uma importância —quatro vezes superior ao ordenado médio— a gangues para que eles atacassem as forças da ordem. Os pseudo-estudantes mataram, assim, 43 pessoas em alguns meses, e semearam o terror nas ruas da capital.
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    Antigo número 2 da ISAF no Afeganistão, o general Thomas W. Geary é hoje em dia o encarregado de Inteligência no SouthCom.
    A acção militar era supervisionada pelo general Thomas W. Geary, a partir do SouthCom em Miami, e Rebecca Chavez, a partir do Pentágono, e sub-contratada ao exército privado da Academi (antiga Blackwater) ; uma sociedade actualmente administrada pelo almirante Bobby R. Inman (antigo patrão da NSA) e por John Ashcroft (antigo Attorney General—Procurador Geral— da administração Bush). Um avião Super Tucano, de matricula N314TG, comprado pela firma da Virgínia, em 2008, para o assassínio de Raul Reyes, o n°2 das Farc da Colômbia, devia ser caracterizado com um avião do exército venezuelano. Ele deveria bombardear o palácio presidencial de Miraflores e outros alvos, entre uma dezena deles pré- determinados, compreendendo o ministério da Defesa, a direcção da Inteligência e a cadeia de televisão da ALBA, a TeleSur. Dado o avião estar estacionado na Colômbia, o Q.G. operacional da «Jericó» tinha sido instalado na embaixada dos Estados Unidos em Bogotá, com a participação directa do embaixador Kevin Whitaker e do seu adjunto Benjamin Ziff.

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    Alguns oficiais superiores, no activo ou na reforma(aposentação-br), haviam registado, com antecedência, uma mensagem à Nação, na qual anunciavam ter tomado o poder a fim de restabelecer a ordem. Estava previsto que eles subscreveriam um plano de transição, publicado, a 12 de fevereiro, de manhã, pelo El Nacional e redigido pelo Departamento de Estado dos EUA. Um novo governo teria sido formado, dirigido pela antiga deputada Maria Corina Machado.

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    O golpe de Estado devia colocar no poder Maria Corina Machado. A 26 de janeiro, ela recebia, em Caracas, os seus principais cúmplices estrangeiros.
    Maria Corina Machado foi a presidente da “Súmate”, a associação que organizou e perdeu o referendo revogatório contra Hugo Chávez Frias, em 2004, já com o financiamento da National Endowment for Democracy (NED) e os serviços do publicitário francês Jacques Séguéla. Apesar da sua derrota, foi recebida com toda a pompa pelo presidente George W. Bush, no Salão oval, a 31 de maio de 2005. Eleita como representante pelo Estado de Miranda, em 2011, ela tinha aparecido de súbito, a 21 de março de 2014, como chefe da delegação do Panamá na reunião da Organização dos Estados Americanos (O.E.A). Ela fora, de imediato, demitida do seu lugar de deputada por violação dos artigos 149 e 191 da Constituição (da Venezuela- ndT).

    Para facilitar a coordenação do golpe, Maria Corina Machado organizou, em Caracas, a 26 de janeiro, um colóquio, « O Poder da cidadania e a Democracia actual», no qual participaram a maior parte das personalidades venezuelanas e estrangeiras implicadas.

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    Pouca sorte! A Inteligência Militar venezuelana vigiava as personalidades suspeitas de ter fomentado um complô, anterior, visando assassinar o presidente Maduro. Em maio último, o Procurador de Caracas acusava Maria Corina Machado, o governador Henrique Salas Römer, o ex-diplomata Diego Arria, o advogado Gustavo Tarre Birceño, o banqueiro Eligio Cedeño e o empresário Pedro M. Burelli, mas, eles negaram a autoria dos “e-mails” alegando que tinham sido falsificados pela Inteligência Militar. Ora é claro, eles estavam todos conluiados.

    Ao rastrear estes conspiradores a Inteligência Militar descobriu a «Operação Jericó». Na noite de 11 de fevereiro, os principais líderes do complô, e um agente da Mossad, foram presos e a segurança aérea reforçada. Outros, foram apanhados a 12. No dia 20, as confissões obtidas permitiram deter um cúmplice, o presidente da câmara (prefeito-br) de Caracas, Antonio Ledezma.

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    O presidente da câmara de Caracas, Antonio Ledezma, era o agente de ligação com Israel. Viajou secretamente para Telavive, em 18 de maio de 2012, para se encontrar, lá, com Benjamin Netanyahu e Avigdor Lieberman. Ele, representava o chefe da oposição venezuelana, Henrique Capriles Radonski.
    O presidente Nicolas Maduro interveio imediatamente, na televisão, para denunciar os conspiradores. Enquanto, em Washington, a porta-voz do departamento de Estado fazia rir os jornalistas, que se recordavam do golpe organizado por Obama nas Honduras, em 2009 —quanto à América Latina—, ou mais recentemente da tentativa de golpe na Macedónia, em janeiro de 2015 —quanto ao resto do mundo—, declarando a propósito: «Estas acusações, como todas as precedentes, são ridículas. É uma prática política estabelecida de longa data, os Estados Unidos não apoiam mudanças políticas por meios não constitucionais. As mudanças políticas devem ser realizadas por meios democráticos, constitucionais, pacíficos e legais. Nós temos verificado, em várias ocasiões, que o governo venezuelano tenta desviar a atenção das suas próprias acções, acusando para isso os Estados Unidos, ou outros membros da comunidade internacional, por causa de acontecimentos no interior da Venezuela. Estes esforços, reflectem uma falta de seriedade por parte do governo da Venezuela, em fazer face à grave situação com a qual está confrontado».

    Para os venezuelanos este golpe, falhado, coloca uma questão séria: como manter viva a sua democracia se os principais líderes da oposição estão na prisão, pelos crimes que se aprestavam a cometer contra a própria democracia? Para aqueles que pensam, erradamente, que os Estados Unidos mudaram, que não são mais uma potência imperialista, e, que agora defendem a democracia no mundo inteiro a «Operação Jericó» é um tema de reflexão inesgotável.

    Os Estados Unidos contra a Venezuela
    - Em 2002, os Estados Unidos organizaram um golpe de Estado contra o presidente eleito, Hugo Chávez Frias [1], depois, eles assassinaram o juiz encarregado da investigação, Danilo Anderson [2].
    - Em 2007, eles tentaram mudar o regime organizando, para tal, uma «revolução colorida» com grupos trotzkistas [3].
    - Em 2014, deram a impressão de renunciar ao seu objectivo, mas apoiaram grupos anarquistas afim de vandalizar, e desestabilizar, o país. Foi a Guarimba [4].
     
    Tradução
    Alva
    aqui:http://www.voltairenet.org/article186839.html 

    sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

    O euro em fase terminal






    Quando participei no primeiro debate televisivo realizado em Portugal sobre o euro ("Prós e Contras", 15 Abril 2013), afirmei que a moeda única iria acabar. Da mesma forma que a Inglaterra de 1931 não aguentou a política de austeridade imposta por um sistema monetário que excluía a desvalorização da moeda - no padrão-ouro, o reequilíbrio externo teria de ser alcançado por redução dos salários, a chamada "desvalorização interna" -, também nos nossos dias, um dos países sujeitos à política cruel imposta pela UE acabará por sair. O primeiro será a Grécia, os outros vão a seguir, ao ritmo do respectivo ciclo político.

    Entretanto, o discurso do medo voltará às televisões. Dir-nos-ão que sair do euro é uma calamidade porque perderemos metade do poder de compra, que os bancos vão falir e perderemos as nossas poupanças, que o Estado não pagará aos funcionários públicos e pensionistas, que seremos excluídos dos mercados para todo o sempre e, argumento último de quem está inseguro, que a Alemanha nos invadirá para restabelecer a ordem. Do serviço público de televisão, gerido por comissários políticos, não se pode esperar uma informação isenta e fundamentada. Não haverá recolha de depoimentos de especialistas estrangeiros que ponham em causa o pensamento dominante, não haverá debate honesto com uma participação plural que ultrapasse o discurso partidário rotineiro. Dos canais privados também não podemos esperar que cumpram as exigências básicas de pluralismo, nem que as autoridades competentes o exijam. O que temos visto fala por si. Aliás, os analistas que ocupam o palco estão no bolso dos grupos económicos e da finança. Um governo de salvação nacional também terá de resgatar a comunicação social e pô-la ao serviço do interesse público.

    Recordemos então algumas ideias simples que os portugueses não têm direito a debater nos  media de grande audiência. Quando Portugal sair do euro, todos os contratos realizados sob jurisdição nacional ficam automaticamente redenominados em novos escudos, segundo a jurisprudência internacional ( lex moneta , 1 escudo = 1 euro). Assim, todos os empréstimos bancários, depósitos, salários, pensões, preços nas lojas, etc., passam a escudos e, a partir desse dia, o Estado apenas paga e recebe em escudos. O Estado fica sem problemas de liquidez porque os seus défices - necessários para estimular a economia - ficam cobertos por financiamento interno, quer do sector privado, que procura obrigações do Tesouro para aplicações seguras, quer do Banco de Portugal, a entidade pública que emite moeda. Portanto, sair do euro significa a libertação do país dos humores dos mercados financeiros. Quanto às necessidades de financiamento em outras moedas, os últimos dias mostraram-nos que os EUA estão dispostos a ajudar para evitar o recurso aos seus rivais. Note-se que os BRIC têm agora um banco que é alternativa ao FMI. 

    Um governo de ruptura deve, à cabeça, nacionalizar os bancos e instituir o controlo dos movimentos de capitais. Seria vantajoso comprá-los em bolsa, à cotação do momento, e proceder à sua recapitalização, tudo com emissão monetária. A inflação será o custo a pagar para recuperarmos a soberania. Mas será um custo transitório (inicialmente, cerca de 12%, muito menos nos dois anos seguintes) que pode ser distribuído com justiça social através de compensações a atribuir aos rendimentos mais baixos. A classe média/alta, vendo os seus desempregados recuperarem a dignidade de voltar a trabalhar em condições decentes, aceitará de bom grado alguma perda temporária de poder de compra. Como seria de esperar, o novo paradigma da política económica dará prioridade ao emprego, ao contrário da finança, que diaboliza a inflação e acha inevitável este desemprego típico dos anos trinta do século passado. 

    À medida que se forem abrindo espaços de debate público informado sobre o que significa sair do euro, os portugueses ficarão cada vez mais receptivos à proposta de uma Europa de países soberanos. Por muito que custe aos federalistas, não creio que os portugueses queiram viver num protectorado sujeito a diktats.
     

    quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

    Será que o FMI anexou a Ucrânia?


    por Michael Hudson [*]
    entrevistado por Sharmini Peries
     
    Intermediações. SHARMINI PERIES, Produtor Executivo da TRNN: Damos boas vindas à intervenção de Michael Hudson em The Real News Network. Foi acordado um cessar-fogo na Ucrânia Oriental, após uma maratona negocial de 17 horas entre o presidente russo Vladimir Putin e o presidente ucraniano Petro Poroshenko. Eles foram ladeados por outros líderes europeus que se mantiveram vigilantes. A Rússia e a Ucrânia podem ter muitas diferenças, mas o que eles têm em comum é uma crise económica que se agiganta, com preços do petróleo a mergulharem do lado russo e uma guerra muito cara com que não contavam do lado ucraniano. Para conversar sobre tudo isto está aqui Michael Hudson. Ele é um distinto professor e investigador de teoria económica da Universidade de Missouri-Kansas City. O seu próximo livro intitula-se "Matando o hospedeiro: Como parasitas financeiros e a servidão da dívida destruíram a economia global" ("Killing the Host: How Financial Parasites and Debt Bondage Destroyed the Global Economy").
    Michael, obrigado por estar aqui connosco.

    MICHAEL HUDSON: É bom estar convosco.

    PERIES: Michael, numa entrevista recente publicada na revista The National Interest você disse que a maior parte do media cobrem a Rússia como se ela fosse a maior ameaça à Ucrânia. A história sugere que o FMI pode ser mais perigoso. O que quis dizer com isso?

    HUDSON: Antes de mais nada, os termos com que o FMI concede empréstimos exigem mais austeridade e uma retirada de todos os subsídios públicos. A população ucraniana já está economicamente devastada. A condição que o programa do FMI estabelece para fazer empréstimos à Ucrânia é que deve reembolsar as dívidas. Mas ela não tem a capacidade de pagar. Assim, há apenas um meio para fazer isso e esse meio é o que o FMI tem dito à Grécia e outros países para aplicar: Tem de começar a liquidar seja o que for que reste no domínio público do país; ou seja, fazer os seus principais oligarcas a tomarem parcerias com investidores americanos ou europeus, de modo a que eles possam comprar direitos a monopólios na Ucrânia e permitirem a extracção de renda.

    Isto é o ataque duplo padrão do FMI. A pancada número um é: aqui está o empréstimo – para pagar aos seus accionistas, de modo que agora deve a nós, FMI, a quem não pode cancelar dívidas. Os termos deste empréstimo seguem o Guia Ficcional: que você pode pagar a dívida externa obtendo um excedente orçamental interno, cortando despesa pública e provocando uma depressão ainda mais profunda.

    Esta ideia de que dívidas externas podem ser pagas espremendo receitas de impostos internos foi contestada por Keynes na década de 1920 ao discutir as reparações alemãs. (No meu livro Trade, Development and Foreign Debt dediquei um capítulo a rever a controvérsia). Não há desculpa para cometer este erro – a não ser que o erro seja deliberado e esteja destinado a fracassar, de modo a que o FMI possa então dizer que foi uma surpresa para toda a gente e não é culpa de ninguém, o seu "programa de estabilização" desestabilizou ao invés de estabilizar a economia.

    A penalidade por seguir esta teoria económica lixo deve ser paga pela vítima, não pelo vitimizador. Isto faz parte da estratégia do FMI de "culpar a vítima".

    O FMI lança então a sua pancada Número Dois. Ele diz: "Ah, você não pode nos pagar? Lamento que as nossas projecções estivessem tão erradas. Mas você tem de encontrar algum meio para pagar – entregando quaisquer activos que a sua economia ainda possa ter em mãos internas.

    O FMI tem estado errado na Ucrânia anos após ano, quase tantos quanto tem estado errado na Irlanda ou na Grécia. As suas receitas são as mesmas daquelas devastadas economias do Terceiro Mundo a partir da década de 1970.

    Assim, o problema agora torna-se apenas um: o que a Ucrânia vai ter de vender para pagar as dívidas externas – incorridas sobretudo para travar a guerra que devastou a sua economia.

    Um activo que investidores estrangeiros querem é a terra agrícola ucraniana. A Monsanto tem estado a comprar na Ucrânia – ou melhor, a arrendar sua terra, porque a Ucrânia tem uma lei contra a alienação da sua terra agrícola a estrangeiros. E como matéria de facto, a sua lei é muitíssimo semelhante àquela, como informa o Financial Times, que a Austrália está a querer fazer para impedir compras chinesas e americanas de terra agrícola. [1]

    O FMI também insistir em que países devedores desmantelem regulamentações públicas contra investimento estrangeiro, bem como regulamentos de protecção ao consumidor e protecção ambiental. Isto significa que o que aguarda a Ucrânia é uma política neoliberal que garantidamente tornará a situação ainda pior.

    Nesse sentido, finança é guerra. A finança é a nova espécie de guerra, a utilização da finança e das vendas forçadas numa nova espécie de campo de batalha. Isto não ajudará a Ucrânia. O que promete é levar a mais uma crise mais adiante, muito rapidamente.

    PERIES: Michael, vamos dissecar a dívida nesta crise. A guerra levou a Ucrânia a uma crise mais profunda. Fale acerca da devastação que tem provocado e o que eles têm de fazer além do que o FMI está a tentar impor-lhes.

    HUDSON: Quando Kiev foi à guerra contra a Ucrânia Oriental, ela combatia primariamente a região de mineração de carvão e a região exportadora. Trinta e oito por cento das exportações da Ucrânia são para a Rússia. Mas grande parte desta capacidade exportadora foi bombardeada até deixar de existir. Além disso, as companhias eléctricas que alimentavam com electricidade as minas de carvão foram bombardeadas. Assim, a Ucrânia não pode sequer abastecer-se a si própria com carvão.

    O que é tão gritante acerca de tudo isto é que apenas algumas semanas atrás, em 28 de Janeiro, Christine Lagarde, a chefe do FMI, disse que o FMI não faz empréstimos a países que estão envolvidos em guerra. Isso seria financiar um lado ou o outro. Mas a Ucrânia está envolvida numa guerra civil. A grande questão, portanto, é quando o FMI começará a libertar o empréstimo que tem sido discutido.

    Além disso, os artigos do estatuto com o FMI dizem que ele não pode fazer empréstimos a um país insolvente. Assim, como é que pode participar de um empréstimo de salvamento à Ucrânia se, primeiro, o país está em guerra (a qual tem de cessar totalmente) e, segundo, está insolvente.

    A única solução é a Ucrânia reduzir suas dívidas a investidores privados. E isso significa um bocado de investidores de hedge funds contestatários. O Financial Times de hoje tem um artigo a mostrar que um investigador americano sozinho, Michael Hasenstab, tem US$7 mil milhões de dívidas da Ucrânia e quer especular nisso, juntamente com o Templeton Global Bond Fund. [2] Como a Ucrânia vai tratar os especuladores? E então, finalmente, como é que o FMI vai tratar o facto de que o fundo soberano da Rússia emprestou €3 mil milhões à Ucrânia em termos fortes através do estabelecido no acordo de Londres que não pode ser amortizado? Será que o FMI vai insistir para que a Rússia sofra o mesmo corte (haircut) que está a impor sobre os hedge funds? Tudo isto vai ser a espécie de conflito que vai exigir ainda muito mais esforço do que as soluções que vimos adoptadas nos últimos dias na frente de batalha militar.

    PERIES: Então, como poderia a Ucrânia imaginar uma saída da crise?

    HUDSON: Ela provavelmente imagina um mundo de sonho na qual sairá da crise com o Ocidente a dar-lhe US$50 mil milhões e a dizer: aqui está todo o dinheiro de que precisa, gaste-o como quiser. Esta é a extensão da sua imaginação. É fantasia, naturalmente. É viver num mundo de sonho – excepto que há algumas semanas atrás George Soros propôs em The New York Review of Books e instou o Congresso e "o Ocidente" a darem US$50 mil milhões à Ucrânia e encararem isso como um pagamento inicial aos militares ou à Rússia. Bem, disse Kiev imediatamente, sim, nós só os gastaremos com armas defensivas. Defenderemos a Ucrânia até o fim até à Sibéria quando exterminarmos os russos.

    Hoje um editorial do Financial Times dizia, sim, damos à Ucrânia os US$50 mil milhões que Georges Soros pediu. [3] Vamos nos habilitar a fim de ter bastante dinheiro para combater a Nova Guerra Fria da América contra a Rússia. Mas os europeus continentais dizem: "Espere um minuto. No fim disto, não haverá mais ucranianos a combater. A guerra pode mesmo propagar-se à Polónia e alhures, porque se o dinheiro que é dado à Ucrânia é realmente para o que a administração Obama e Hillary e Soros estão todos a pressionar – ir à guerra com a Rússia – então a Rússia vai dizer: 'OK, se estivermos a ser atacados por tropas estrangeiras, vamos ter não só de bombardear as tropas, mas os aeroportos de onde elas estão a vir e as estações ferroviárias por onde passam. Vamos estender nossa própria defesa na direcção da Europa'."

    Aparentemente há informações de que Putin disse à Europa: olhe, tem duas opções diante de si. Opção um: a Europa, Alemanha e Rússia podem ser uma área muito próspera. Com matérias-primas da Rússia e tecnologia europeia, podemos ser uma das áreas mais prósperas do mundo. Ou, opção dois: Você pode ir à guerra connosco e pode ser liquidada. Faça a sua escolha.

    PERIES: Michael, tempos interessantes e complexos na Ucrânia, bem como no FMI. Obrigado por falar connosco em The Real News Network
    14/Fevereiro/2015
     


    Notas
    [1] Jamie Smith, "Australia cracks down on foreign farm and property investors," Financial Times, February 12, 2015.
    [2] Elaine Moore, "Contrarian US investor with $7bn of debt stands to lose most if Kiev imposes haircut," Financial Times, February 12, 2015.
    [3] "The west needs to rescue the Ukrainian economy," Financial Times editorial, February 12, 2015.


    Ver também:

  • O desenlace na Ucrânia ( Ukraine denouement )

    [*] Professor de Teoria Económica, Universidade do Missouri, Kansas

    O original encontra-se em therealnews.com/... e em michael-hudson.com/2015/02/victims-pay/


    Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
  • 2012-03-02 - Monitor - A crise grega e a história que contaram aos alemães


    Esta é uma reportagem da televisão pública alemã sobre a crise na Grécia, sobre o dinheiro que foi de facto emprestado e sobre a história da carochinha que foi contada aos alemães.


    aqui:https://www.youtube.com/watch?v=8UN1gI2nr34

    segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

    A paz na Ucrânia?

    por Daniel Vaz de Carvalho

    Quando todos falam em paz, mas a guerra prossegue e o que a originou também, é porque há “algo de estranho a palpitar”. E esse algo, que só parece estranho porque nunca é mencionado nos “média”, chama-se imperialismo.
     
    Vale a pena recordar a tese leninista sobre o tema. Esta tese, não é mencionada porque há quem queira ficar bem visto na fotografia do “arco da governação” e fazer ativo repúdio do “estalinismo”.
     
    A tese leninista diz-nos que “o imperialismo gera inevitavelmente guerras. O imperialismo continua a existir e portanto mantém-se a inevitabilidade das guerras.” (revelarei noutra altura a origem desta citação de um dirigente soviético...)
     
    Os tratados de paz, não acabam com as guerras como se tem visto, são apenas períodos entre guerras e como se tem visto desde o final da II guerra mundial situações em que o imperialismo tem sido obrigado a retroceder.
     
    Em setembro, o exército de Kiev foi derrotado. Foi assinada a paz de Minsk.
    Durante este tempo receberam material da NATO, reforços em mercenários polacos e “consultores” da CIA.
     
    Como foi previsto, era apenas um interregno para os nazi-fascistas voltarem ao ataque. De novo foram derrotados. À beira do colapso EUA, Reino Unido, Canadá querem enviar tropas. Pura agressão imperialista sem passar pela ONU para salvar os seus títeres golpista de Kiev
     
    A questão é que a supremacia capitalista dos EUA não sobrevive sem a hegemonia do dólar. E o dólar está numa inexorável decadência.
    Em 2000 o dólar representava 55% das reservas mundiais. Em 2103 apenas 33%, mas os recentes acordos da Rússia, da China, Índia, Irão, países da América Latina e muitos  outros países reduzirão ainda mais aquele nível.
     
    Os EUA gastam por ano mais de 1 milhão de milhões de dólares em despesas militares, têm pessoal militar em mais de 800 bases por todo o mundo. Mas 50 milhões dos seus habitantes são classificados como em “insegurança alimentar”.
    Depois de 13 anos 2 guerras e milhões de milhões gastos em despesas militares, além dos golpes de Estado e outras guerras patrocinadas como na Líbia, Síria e Ucrânia, o terrorismo aumentou. Em 2000 registaram-se 1 500 incidentes terroristas contra cerca de 10 000 em 2013.
     
    Os EUA têm um défice orçamental de 10% do PIB. O FED compra 40 mil milhões ativos financeiros por mês aos bancos. Draghi – da mesma escola – no BCE vai fazer o mesmo (60 mil milhões de euros por mês). Os resultados serão idênticos.
    A divida federal era em julho de 2013 de 16,8 milhões de milhões de dólares, passou num ano para 17,4 milhões de milhões. Um crescimento de cerca de 500 mil milhões por mês,
    A economia dos EUA é um castelo de cartas diz Paul Craig Roberts. “Todos os seus aspetos são fraudulentos, a ilusão de recuperação é criada por estatísticas fraudulentas”

     
    Como por cá…
     

    sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

    Estratégias da direita


    por Daniel Vaz de Carvalho

     
    "Com uma boa dose de medo e violência e bastante dinheiro para projetos, acho que conseguiremos convencer essas pessoas que estamos aqui para ajudar." [1]

    A melhor fortaleza dos tiranos é a inércia dos povos.
    Maquiavel 
     
    1 – Obscurantismo, alienação e... otimismo

    As políticas do governo não criam só opositores entre as vítimas. Apesar das tragédias individuais e sociais da austeridade, da insegurança e da dependência, número significativo de eleitores desiste de assumir opções políticas abstendo-se e muitos outros mantêm a intenção de votar nos partidos responsáveis por estas políticas.

    Se há crime social que a direita comete – tal como o fascismo – é o obscurantismo e a perda de "qualidade social" (Marx) dos indivíduos. Nos locais de trabalho a tensão psicológica provocada pela precariedade, perda de direitos laborais, dificuldades materiais, gera também o divisionismo, promove a competição entre trabalhadores. As frustrações são transferidas não para o sistema de exploração, mas para os colegas e para os que lutam contra este estado de coisas. Tudo isto pode ser favorável à manutenção do poder da direita, mas não gera produtividade e muito menos progresso.

    O governo e a propaganda procuram que os reformados sejam levados a crer que a degradação da sua situação é causada pelos outros trabalhadores; a dos desempregados pelos sindicatos que lutam pelos direitos laborais; a precariedade entre os jovens, pelos trabalhadores mais antigos, acusados de terem "privilégios".

    O obscurantismo e a alienação [2] promovem a criação do "lúmpen proletariado, esse produto passivo da putrefação das camadas mais baixas da velha sociedade (…) em virtude das suas condições de vida está bem mais disponível a vender-se à reação, para servir as suas manobras". (Marx e Engels "Manifesto") Mas dá também origem ao que os fundadores do marxismo qualificaram como "aristocracia proletária", aqueles que em troca de uma situação relativamente mais favorável se associam às teses do capital, servindo os propósitos de uma sociedade baseada na exploração e na desigualdade.

    O sistema baseado na lei da maximização do lucro gera mecanismos de alienação para se perpetuar, são ignorados os aspetos sociais que condicionam os comportamentos humanos mostrando-os como meras opções individuais – a "liberdade de escolha" - diluídas numa democracia abstrata.

    O que passa com a Grécia mostra a que nível desceu a democracia na UE: podem fazer as eleições que quiserem, mas ao pretender agir-se de acordo com as propostas eleitorais, a resposta é: "Para trás escravos da dívida".

    Para fugir às suas contradições, o sistema procura gerar a apatia social e criar massas populares moldáveis. Ethan Smith qualificava os EUA como os "Estados Unidos da Apatia": Nunca antes tantas pessoas estiveram tão apáticas à exploração que acontece seu ao redor, nem o mal perpetrado contra a humanidade foi tão extenso. [3]

    Ano após ano, repetem-nos, sem pestanejar, para ter esperança e que o pior já passou. O governo PSD-CDS é um caso exemplar, verdadeiro "case study" para um manual político de deformação da realidade, falsas promessas ao nível da impostura, milhões de cidadãos levados ao cativeiro da austeridade por títeres políticos agindo em nome dos interesses oligárquicos.

    A política de direita é apresentada com a máscara do otimismo. Trata-se de um otimismo acrítico, acéfalo, para fazer passar as teses da oligarquia. Porém, quando se está preocupado com algo e nos dizem que vai correr tudo bem o objetivo é que se ignore e não se aja sobre a realidade.

    2 – O país a "andar para a frente" com a direita: subdesenvolvimento

    Numa entrevista recente, com o jornalista a fazer de coadjuvante do responsório neoliberal, o secretário de Estado Paulo Núncio, [4] apresentou de forma muito clara os critérios ideológicos da direita/extrema-direita no governo.

    "Nenhum governo cortou tanto na despesa como este". Para o governo PSD-CDS a redução da despesa do Estado em 10 000 M€ é um êxito, tal como o PIB a reduzir-se em 6%, outros 10 000 M€; por cada euro tirado à despesa do Estado a dívida aumentou 5,6 €; os juros passaram de 2,8% do PIB em 2010 para 5% em 2015. Simultaneamente, nenhum outro governo fez crescer tanto a pobreza e aumentar o número de multimilionários, que a ministra das finanças acha serem poucos.

    "Este trabalho tem de continuar". Mas não diz até quando nem em quanto, não se baseia em nenhum estudo justificativo e que avalie as consequências destas decisões desastrosas totalmente contra a realidade dos factos. A "redução da despesa do Estado" toma assim aspetos de vigarice ao nível das histórias do "vigésimo premiado". Como única justificação papagueia-se o dogma que o Estado tem de ser pequeno e "consumir menos recursos, pesar menos na economia e na sociedade".

    A clique neoliberal decidiu que despesas do Estado são consumo de recursos. Falso. Despesas do Estado traduzem-se em consumo e investimento, fatores de dinamização económica. E se porventura não o forem as razões têm de ser encontradas na má gestão, nas opções politicas e na corrupção.

    As despesas públicas ou privadas que pesam na sociedade são as das rendas económicas da especulação através dos juros, das PPP, dos monopólios resultantes das privatizações, de se malbaratarem dinheiros públicos pela desorganização dos serviços, tal como as MPME referem insistentemente, sujeitas quer como consumidores quer como fornecedores, às dificuldades de acesso ao crédito, discriminação quanto a benefícios fiscais, etc.

    Falar na "redução do peso do Estado" como "condição para o país andar para a frente" é mera verborreia: o país andou para trás em todos os campos: a natalidade caiu 25% desde 2001 [5] , 350 mil portugueses emigraram, o trabalho parcial e precário mascara o desemprego, a desindustrialização prossegue, o desinvestimento na ciência e na educação tornou-se mais um escândalo, as exportações de alto e médio alto nível tecnológico reduziram-se aumentando as do polo oposto, as privatizações mostram ser autênticos crimes económicos. O país vai "em frente" mas para o subdesenvolvimento.

    Trata-se então, dizem, de "ter capacidade de ser competitivo"? Com que níveis salariais? Mas produzir o quê e como, se o investimento (FBCF) menos as amortizações se tornou negativo? A impostura revela-se dado que a legislação antilaboral e as facilidades fiscais ao capital foram propagandeadas como fazendo crescer o investimento.

    Os critérios do governo são negados quer pela teoria quer pela prática, diz-se pretender "uma sociedade dinâmica e que para o ser o Estado tem de emagrecer". Absurdo, são raciocínios feitos de silogismos, em que verdades parciais ou conceitos errados são assumidos como verdades absolutas.

    Em países com atrasos e distorções estruturais, como Portugal, os mecanismos de mercado não são suficientes nem sequer adequados para resolver estes problemas. A intervenção do Estado, o planeamento económico, são necessários para a dinamização económica. Mas isto, nem sequer é socialismo é algo que até o Banco Mundial reconhecia antes do advento da ditadura neoliberal.

    Em resultado "da redução do peso do Estado", cria-se um Estado sem sequer dispor de capacidade negocial: consultores privados preparam legislação, dão pareceres na ótica dos interesses privados; estabelecem contratos públicos com cláusulas leoninas, como as PPP, privatizações com condições que não são cumpridas. Quem se lembra dos argumentos do PSD e do CDS contra as "golden share" nas empresas públicas? Veja-se o que aconteceu na PT e se prepara na TAP.

    3 – Os contorcionismos da propaganda e suas contradições

    Não é fácil o cidadão comum acompanhar os debates na AR. A razão é simples se tivermos presente um livrinho de Schopenhauer: "A Arte de Ter Razão" ou "Como vencer um debate sem precisar ter razão". O objetivo da propaganda da direita é que os cidadãos se tornem um produto passivo das posições do poder oligárquico. Aplica-se entre nós e na UE o que Paul C. Roberts escreveu: "os americanos precisam entender que a única coisa excecional sobre os Estados Unidos é a ignorância da população e a estupidez do governo." [6]

    Os dogmas sobrevivem à custa da manipulação e da mentira. A ideologia ao serviço dos oligarcas esmera-se em obscurecer e deformar a realidade. Criam-se neologismos e eufemismos, como a "flexisegurança" ou a "requalificação" para mascarar as políticas antilaborais da troika interna. As "reformas estruturais", são outro eufemismo da política de direita, que para a troika nunca são suficientes. Assim, para a direita "o Estado não continuará a desempenhar funções sociais muito importantes", quando em 2014 a população em risco de pobreza ou exclusão social atingiu 27,5%, mas sem qualquer transferência social atingiria 47,8%.

    A direita ao mesmo tempo que corta as prestações sociais procura substituí-las pela caridade privada, subsidiada com dinheiros públicos (outro negócio em perspetiva). Degradou a educação, crianças vão para a escola com fome, doentes morrem nos hospitais por falta de atendimento ou medicamentos, provocou dezenas de milhar de falências de empresas e famílias, uma sociedade abafada pela especulação internacional, os monopólios e as transnacionais.

    Um governo que mantém no secretismo negociações que comprometem gravemente o país, como o "regime de proteção aos investimentos", em que os interesses das transnacionais se sobrepõem à própria democracia; que diz querer um Estado "mais pequeno" para "ter capacidade de enfrentar os desafios futuros", mas procede ao desmantelamento das suas funções económicas e sociais e da própria soberania.

    O caso BES serviu para os propagandistas criticarem as relações entre a banca e o Estado, argumentando que para estas situações não ocorrerem o Estado deve sair da economia! Os discursos sobre a corrupção seriam risíveis se não fossem tragicamente hipócritas, pois a corrupção resulta de uma economia privatizada e de um Estado duplamente fraco: sem apoio popular e sem capacidade ou vontade de intervenção.

    Para fugir às questões a direita refugia-se na chamada deflexão: discutir o acessório para fugir ao essencial. Todos os meios parecem ser válidos para justificar o inconcebível estado a que o país chegou. Vimos como a política de direita se propôs facilitar os despedimentos para ter mais emprego. Vimos no debate sobre a saúde a maioria falar da "despesa" que faz no SNS, omitindo todos os cortes feitos anteriormente.

    A cavernícola propaganda fascizante não tem pejo em incutir que não há empregos e não se ganha mais, porque os menos capazes (os sindicalizados!) é que têm bons lugares e não os deixam para os outros. Repete que não se podem baixar impostos porque o Estado gasta muito nas escolas, na saúde, nos apoios "a gente que não precisa", e que é preciso privatizar – e criar rendas monopolistas! – para reduzir a despesa do Estado.

    4 – A sobrevivência como estratégia

    A política de direita com as suas "reformas estruturais" para eliminar direitos laborais e sociais, assume a insegurança como forma de dinamização económica. Procura que as pessoas não pensem, nem esperem outra realidade. Uma realidade perversa, iníqua, baseada em absurdos teóricos, mas que seja vista como normal, até desejável, por não lhes ser dado supor outra. O que não passa de descalabro económico e social é assim apresentado como "sucesso".

    A direita incute a lógica da sobrevivência como estratégia pessoal. É fácil manipular alguém cujas necessidades atingem o limite da sobrevivência com um mínimo de dignidade. É pura hipocrisia falar, com estas políticas, de liberdade de escolha e "livre negociação" entre trabalhadores e patronato.

    A política de direita assemelha-se ao agressor que procura induzir na vítima uma imagem benévola para a seduzir, culpabilizando-a depois. Se a vítima assume ou se conforma com essa imagem, perdeu a autonomia, está nas mãos dos que violam os seus direitos, a sua personalidade, a sua condição proletária, assumindo a ideologia da exploração, tendendo a tornar-se um elemento de divisão dos interesses e da autonomia da classe trabalhadora. O oportunismo e o individualismo são elogiados e fomentados como modo de sobrevivência

    A propaganda da política de direita tem como objetivo que o conjunto do povo aceite ter mais a temer da resistência que da opressão. Propaga-se a submissão e a apatia cívica, a dependência da caridade em vez de direitos sociais. As camadas populares são mantidas na ignorância dos processos económicos, difunde-se que a desigualdade é necessária para haver "crescimento e emprego"!

    O prosseguimento da política de direita resultará num país completamente desprovido de capacidade de defender os interesses nacionais, vendido ao desbarato, entregue como colónia ou "república das bananas" ao capital estrangeiro. Um país amordaçado pela chantagem, em que face a qualquer medida socialmente necessária se diz ser impossível, pois está dependente dos "mercados".

    O resultado da política de direita, a tal "sociedade dinâmica" do sr. Núncio, seria um país de zombies ao sabor dos "mercados". É contra este desiderato que as forças progressistas e todos os patriotas apesar das diferenças, têm de se unir e lutar.
     

    Notas
    [1] Declarações de um comandante acerca das medidas extremamente repressivas tomadas pelas forças de ocupação para manter a ordem no Iraque. New York Times, 07/12/2003 (citação de legransoir.info em 03/01/2015)
    [2] Alienação , Vaz de Carvalho,
    [3] Ethan Smith, The United States of Apathy ,
    [4] SE Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, Politica mesmo, TVI 24, 13/01/2015
    [5] O índice sintético de fertilidade era em 2013 de 1,21, para um valor de referência de 2,1 (INE)
    [6] O futuro dos EUA será a ruína ,


    Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

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