quinta-feira, 27 de setembro de 2018

A ONU assegura que a situação na Venezuela se deve a uma guerra económica



por Telesur/Tvnet [*]
 
Foto de Volszneias. Num extenso Relatório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) as sanções e o bloqueio contra a Venezuela são comparados aos cercos contra as cidades na Idade Média.

No seu Relatório sobre a situação na Venezuela, a ACNUDH assegura que os problemas deste país são devidos em grande medida, à guerra económica e ao bloqueio financeiro contra o governo de Nicolás Maduro.

Além disso, o documento compara as modernas sanções e bloqueios económicos contra a nação, "aos cercos medievais das cidades, realizadas com a intenção de forçá-las a se renderem",

O texto é categórico ao apontar que na Venezuela não há crise humanitária ou crise alimentar.

O documento, publicado em 30 de agosto, foi preparado pelo perito independente enviado pela ONU, Alfred-Maurice de Zayas, no quadro da "promoção de uma ordem internacional democrática e equitativa", após uma visita ao país entre 26 de novembro e 9 de dezembro de 2017. [1]

O objetivo da missão era examinar o modelo social e económico da Venezuela e formular propostas para contribuir para melhorar a situação dos direitos humanos, as tensões económicas e políticas geradas pela hiperinflação, escassez de alimentos e remédios e a emigração em massa, diz o Relatório

Zayas, afirma no texto que a sua tarefa era avaliar objetivamente a situação, com vistas a ajudar todos os povos interessados, limitando-se ao seu papel de escuta e reunião com todos os partidos, mencionando – entre outros – políticos da oposição e do governo, representantes da Câmara de Comércio, organizações governamentais e de oposição, ONG, representantes da Igreja, estudantes, académicos, professores, diplomatas. Além disto, parentes de detidos da oposição e familiares vítimas dos violentos protestos da oposição.

Guerra económica e bloqueio

O perito salienta no seu relatório que "nos últimos sessenta anos, guerras económicas não convencionais foram travadas contra Cuba, Chile, Nicarágua, República Árabe Síria e República Bolivariana da Venezuela para fazer com que suas economias fracassem, para facilitar a mudança de regime e impor uma abordagem socioeconómica neoliberal, a fim de desacreditar os governos selecionados".

No caso venezuelano, Zayas afirmou que "os efeitos das sanções impostas pelos presidentes Obama e Trump e as medidas unilaterais do Canadá e da União Europeia agravaram direta e indiretamente a escassez de medicamentos", indicando que "as sanções económicas causaram atrasos na distribuição (de alimentos, medicamentos e necessidades básicas) e contribuíram para muitas mortes ", medidas que ele apontou como crimes contra a humanidade. "As sanções económicas matam", disse.

Foi ainda lembrado que "as sanções económicas que afetam as populações inocentes infringem o espírito e a letra da Carta das Nações Unidas", pelo que sugeriu uma investigação adequada sobre a ingerência internacional na Venezuela.

Apesar disto, Zayas mencionou que em 2017, o governo de Nicolás Maduro solicitou assistência médica ao Fundo Global de Combate à SIDA, Tuberculose e Malária, a qual foi rejeitada com o argumento de que a Venezuela "continua a ser um país de altos rendimentos".

Zayas indicou também que entre os fatores que afetam a Venezuela, devem ser considerados:

  • A dependência da venda de petróleo e o efeito devastador da queda acentuada dos preços do petróleo.

  • O efeito cumulativo de 19 anos de guerra económica contra os governos socialistas de Chávez e Maduro, que ele comparou com as medidas adotadas entre 1970 e 1973 contra Salvador Allende no Chile e na década de 1980 contra Daniel Ortega na Nicarágua .

  • O bloqueio financeiro, comparável ao que afeta Cuba desde 1960.

  • Os efeitos das sanções económicas impostas desde 2015 pelos Estados Unidos e a União Europeia contra a Venezuela, "agravaram muito a escassez de alimentos e medicamentos, causaram sérios atrasos na distribuição e desencadearam o fenómeno da emigração maciça para os países vizinhos ", diz o documento.  
  • Falsa crise humanitária

    O enviado foi categórico ao apontar que o que acontece na Venezuela é "uma crise económica que não pode ser comparada às crises humanitárias em Gaza, Iémen, Líbia, República Árabe da Síria, Iraque, Haiti, Mali, República Centro-Africana, Sudão do Sul, Somália ou Myanmar, entre outros."

    Aliás, ele lembrou que a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) divulgou dois relatórios recentes – em dezembro de 2017 e março de 2018 – indicando que a Venezuela não está entre os 37 países que mundo que estão a passar por crises alimentares.

    Noticias falsas sobre a Venezuela

    O diplomata comparou as sanções e os bloqueios económicos modernos, "com os cercos medievais das cidades, com a intenção de forçá-las a renderem-se".

    Para isso, disse, essas sanções são acompanhadas da manipulação da opinião pública através de "falsas notícias", relações públicas agressivas e retórica pseudo-humanitária.

    Expressou também a preocupação com a desinformação internacional que existe acerca do país, que ele descreve como "uma campanha mediática perturbadora (que) procura forçar os observadores a uma visão preconcebida de que há uma" crise humanitária "na República Bolivariana de Venezuel".

    "Um especialista independente deve ser cauteloso com o fraseado hiperbólico, tendo em conta que a "crise humanitária" pode ser usada como um pretexto para a intervenção militar", disse o enviado da ONU.

    Durante meses, mas reforçada nas últimas duas semanas, a Venezuela tem sido vítima de uma poderosa campanha propagandística destinada a impor a narrativa de que existe uma "crise de refugiados."

    Números do ACNUR (Alto Comissariado da ONU para os Refugiados) e OIM (Organização Internacional para as Migrações) desmontam a crise dos refugiados" [2]

    Conclusões e soluções

    Zayas diz no documento, citando a Carta das Nações Unidas, que:

  • Os princípios da não intervenção e não ingerência nos assuntos internos dos Estados soberanos pertencem ao direito internacional consuetudinário.

  • Nenhum Estado poderá usar ou encorajar o uso de medidas económicas, políticas ou outras para coagir outro Estado a fim de obter dele a subordinação do exercício de seus direitos soberanos.

  • Nenhum Estado ou grupo de Estados tem o direito de intervir, direta ou indiretamente, por qualquer motivo, nos assuntos internos ou externos de qualquer outro Estado.

  • É proibida a intervenção das Forças Armadas e qualquer outra forma de interferência ou tentativa de ameaça contra a personalidade do Estado ou contra os seus elementos políticos, económicos e culturais.

    Para o perito, a solução para a situação venezuelana "está nas negociações de boa fé entre o governo e a oposição, o fim da guerra económica e o levantamento das sanções".
    Para isso, pediu para serem retomados os diálogos entre o governo de Nicolás Maduro e a oposição; reuniões constantemente convocadas pelo executivo, mas que receberam o negativo da contraparte.

    Neste sentido, destacou o trabalho realizado sobre o tema pelo ex-primeiro-ministro espanhol, José Luis Rodríguez Zapatero, com o apoio do Vaticano, como mediador dos partidos na Venezuela.

    Zayas recomendou ao governo "continuar os esforços para o diálogo com os partidos da oposição, promover o retomar das negociações na República Dominicana (...) e promover a reconciliação nacional, libertar prisioneiros, concedendo comutações de sentença", bem como, convidando "outro titulares de mandatos de procedimentos especiais para visitar o país, além dos relatores que já foram convidados."

    Além disso, apelou aos países de todo o mundo para ajudar: "A solidariedade internacional com o povo venezuelano deve facilitar o livre fluxo de alimentos e medicamentos para aliviar a atual escassez. A ajuda deve ser genuinamente humanitária e não perseguir fins políticos ulteriores, acrescentando que "os Estados ricos deveriam facilitar a assistência humanitária em coordenação com as organizações neutras", porque "a prioridade é como ajudar efetivamente os venezuelanos respeitando a soberania do Estado".

    Para fazer isso, ele pediu à Cruz Vermelha, Caritas e outras organizações para terem em conta o seu pedido para coordenarem a importação e distribuição de ajuda, acrescentando que "as agências das Nações Unidas devem prestar serviços de consultoria e assistência técnica ao Governo". 

    [1] Perito da ONU visita a Venezuela e o Equador para avaliar o progresso económico e social
    [2] Misión Verdad. As notícias falsas mais vendidas sobre a Venezuela são desmontadas pelo ACNUR e pela OIM: a "crise dos refugiados venezuelanos" não é nada disso".. bit.ly/2M1km85


    Ver também:
  • Venezuela condena o plano intervencionista e responde aos EUA: A Revolução Popular faz-se respeitar
  • Venezuela denuncia cinismo dos que exercem bloqueio e oferecem "ajuda humanitária"
  • Venezuela presta ajuda a mais de 600 migrantes equatorianos na Venezuela
  • Suécia solidária com a Venezuela face à guerra económica
  • Cronologia: O caminho do diálogo na Venezuela

  • USA conspira com militares venezuelanos

    As ameaças da OEA de intervenção militar na Venezuela 



       O original encontra-se em www.telesurtv.net/...

    Esta notícia encontra-se em http://resistir.info/ .
  • segunda-feira, 24 de setembro de 2018

    Ponha na primeira página: Já não há repórteres


    por John Pilger
     
    Robert Parry. A morte de Robert Parry, este ano, foi como uma despedida da era do repórter. Parry era "um pioneiro do jornalismo independente", escreveu Seymour Hersh, que tinha muito em comum com ele.

    Hersh revelou o massacre de My Lai no Vietname e o bombardeamento secreto do Camboja; Parry denunciou o Irão-Contra, uma conspiração de drogas e de armas que o levou à Casa Branca. Em 2016, eles produziram, em separado, provas convincentes de que o governo de Assad na Síria não tinha usado armas químicas. Não foram esquecidos.

    Afastado dos media dominantes, Hersh teve de publicar a sua obra fora dos Estados Unidos. Parry instituiu uma página de notícias independente, Consortium News , onde, num artigo final, na sequência de um ACV, se referiu à veneração do jornalismo pelas "opiniões aprovadas" enquanto as "provas não aprovadas são postas de lado ou desacreditadas, independentemente da sua qualidade.

    Embora o jornalismo sempre tenha sido uma extensão do poder instituído, alguma coisa mudou nos últimos anos. Os dissidentes não protestaram quando entrei um jornal nacional na Grã-Bretanha, nos anos 60, e regressei a um metafórico mundo subterrâneo, quando o capitalismo liberal avançou para uma forma de ditadura corporativa. Isto é uma viragem sísmica, com jornalistas a policiar a nova tendência para o conformismo ("groupthink"), como Parry lhe chamava, distribuindo os seus mitos e diversões, perseguindo os seus inimigos.

    Observem a caça às bruxas contra os refugiados e imigrantes, o abandono premeditado dos fanáticos do "Me Too" das nossas antigas liberdadea, a presunção de inocência, o racismo anti-Rússia e a histeria anti-Brexit, a crescente campanha anti-China e a ocultação de alertas quanto a uma guerra mundial.

    Com muitos jornalistas independentes, ou a sua maioria, banidos ou expulsos dos media dominantes, um cantinho da Internet tornou-se uma fonte vital de divulgação e análise baseadas em provas: o verdadeiro jornalismo. Páginas como wikileaks,org, consortiumnews.com, ZNet zcomm.org, wsws.org, counterpunch.org, informationclearinghouse.info, globalresearch.org, e truthdig.com, são leitura obrigatória para quem queira perceber um mundo em que a ciência e a tecnologia avançam prodigiosamente, enquanto a vida política e económica nestas medonhas "democracias" regridem por detrás da fachada de espetáculo narcisista dos "media".

    Na Grã-Bretanha, só uma página da web proporciona crítica independente dos "media", de forma consistente. É a notável Media Lens – em parte porque os seus fundadores e editores, assim como seus únicos redactores, David Edwards e David Cromwell desde 2001, concentram o seu olhar não nos habituais suspeitos, a imprensa Tory, mas nos modelos do conceituado jornalismo liberal: a BBC, o Guardian, o Channel 4 News.

    O método é simples. Meticulosos na sua investigação, são respeitosos e delicados quando perguntam porque é que um ou uma jornalista, produziu uma notícia parcial ou não revelou factos essenciais ou promoveu mitos desacreditados.

    As respostas que recebem são sobretudo defensivas, por vezes ofensivas; algumas são histéricas, como se eles tivessem atacado uma espécie protegida.

    Eu diria que Media Lens estilhaçou o silêncio sobre o jornalismo corporativo. Tal como Noam Chomsky e Edward Herman, em Manufacturing Consent, eles representam um Quinto Estado que desconstrói e desmistifica o poder dos media.

    O mais interessante é que nenhum deles é jornalista. David Edwards é um antigo professor, David Cromwell é oceanógrafo. Mas a sua compreensão da moral do jornalismo – um termo que raramente se usa, chamemos-lhe verdadeira objetividade – é uma qualidade básica das notícias de Media Lens.

    Acho que o trabalho deles é heroico e eu distribuiria um exemplar do livro que acabam de publicar, Propaganda Blitz , em todas as escolas de jornalismo que prestam serviços ao sistema corporativo, como fazem todas.

    Vejam o capítulo, Desmantelamento do Serviço Nacional de Saúde, em que Edwards e Cromwell descrevem a parte fundamental desempenhada pelos jornalistas na crise do pioneiro serviço de saúde britânico.

    A crise do SNS é o produto de um conceito político e dos media, conhecido por "austeridade", com a sua linguagem desonesta e traiçoeira de "poupanças de eficiência" (o termo da BBC para os cortes das despesas públicas) e "escolhas difíceis" (a destruição deliberada dos pilares da vida civilizada na Grã-Bretanha moderna).

    A "austeridade" é uma invenção. A Grã-Bretanha é um país rico com uma dívida por conta dos seus bancos desonestos, não da população. Os recursos que financiariam confortavelmente o Serviço Nacional de Saúde foram roubados em plena luz do dia pelos poucos a quem foi permitido a fuga a milhares de milhões em impostos.

    Usando um vocabulário de eufemismos corporativos, o Serviço Nacional de Saúde, de financiamento público, está a ser deliberadamente dirigido por fanáticos do mercado livre, para justificar a sua liquidação. Pode parecer que o Labour Party de Jeremy Corbyn se opõe a isso, mas será mesmo? A resposta, muito provavelmente, é não. Pouco disto se fala nos media, e muito menos é explicado.

    Edwards e Cromwell dissecaram a Lei da Saúde e da Assistência Social de 2012, cujo título inócuo oculta as suas consequências desastrosas. Desconhecida da maior parte da população, a Lei acaba com a obrigação legal de os governos britânicos fornecerem assistência à saúde, universal e gratuita: os alicerces sobre os quais foi instituído o SNS, na sequência da II Guerra Mundial. As empresas privadas podem agora insinuar-se no SNS, pedaço a pedaço.

    Edwards e Cromwell perguntam: Onde estava a BBC quando esta lei histórica estava a caminho do Parlamento? Com o compromisso estatutário de "proporcionar uma visão abrangente" e informar devidamente o público sobre "questões de política pública", a BBC nunca esclareceu a ameaça sobre uma das instituições mais acarinhadas pela nação. Um cabeçalho a BBC disse: "Aprovada a lei que dá poder ao médicos de clínica geral". Era pura propaganda de estado.

    Há uma semelhança flagrante com a cobertura da BBC à invasão ilegal do Iraque do primeiro-ministro, Tony Blair, em 2003, que causou um milhão de mortos e muitos mais na miséria. Um estudo da Universidade de Gales, em Cardiff, concluiu que a BBC refletiu "esmagadoramente" a linha do governo, subestimando as notícias sobre o sofrimento de civis. Um estudo Media Tenor colocou a BBC no fundo de um conjunto de emissoras ocidentais, no que se refere ao tempo concedido aos opositores da invasão. O tão gabado "princípio" de imparcialidade nunca foi considerado.

    Um dos capítulos mais impressionantes em Propaganda Blitz descreve as campanhas de difamação montadas por jornalistas contra dissidentes, adversários políticos e denunciantes. A campanha do Guardian contra Julian Assange, o fundador da WikiLeaks, é a mais perturbante.

    Assange, cujas épicas revelações da WikiLeaks deram fama, prémios de jornalismo e grandeza ao Guardian, foi abandonado quando já não lhe era útil. Depois, foi sujeito a um massacre injurioso e covarde, como raras vezes vi.

    Sem que nem um cêntimo tenha sido entregue à WikiLeaks, um badalado livro do Guardian levou a um lucrativo filme de Hollywood. Os autores do livro, Luke Harding e David Leigh, descreveram gratuitamente Assange como uma "personalidade degradada" e "insensível". Também revelaram a password secreta que ele havia confiado ao jornal, e que se destinava a proteger um ficheiro digital que continha os endereços telegráficos da embaixada dos EUA.

    Com Assange agora encurralado na embaixada do Equador, Harding, no meio da polícia cá fora, regozijou-se no seu blogue de que "a Scotland Yard pode ser a última a rir".

    A colunista do Guardian, Suzanne Moore escreveu: "Aposto que Assange entupiu-se de cobaias esmagadas. Ele é realmente o maior monte de merda".

    A sra. Moore, que se intitula feminista, queixou-se mais tarde que, depois de ter atacado Assange, havia sofrido "insultos infames". Edwards e Cromwell escreveram-lhe: "Realmente, é uma vergonha, lamentamos ouvir isso. Mas como descreverias chamar a alguém 'um monte de merda? Um insulto infame?".

    A sra. Moore respondeu que não o faria, e acrescentou: "Aconselho-vos a não serem tão arrogantes".

    O seu antigo colega do Guardian, James Ball, escreveu: "É difícil imaginar o cheiro da embaixada do Equador, em Londres, mais de cinco anos e meio depois de Julian Assange lá ter entrado".

    Esta perversidade de atrasado mental apareceu num jornal descrito pela sua editora, Katharine Viner, como "ponderado e progressivo". Qual é a raiz deste revanchismo? É inveja, o reconhecimento perverso de que Assange conseguiu mais furos jornalísticos do que os seus franco-atiradores poderão arranjar durante toda a vida? É por ele se recusar a ser "um de nós" e envergonhe aqueles que há muito venderam a independência do jornalismo?

    Os estudantes de jornalismo deviam estudar isto para perceber que a origem das "notícias falsas" não é só enganação (trollism), ou os cromos dos noticiários Fox, ou Donald Trump, mas um jornalismo untado de falsa respeitabilidade: um jornalismo liberal que afirma questionar o poder do estado corrupto mas, na realidade, corteja-o e protege-o e pactua com ele. A amoralidade dos anos de Tony Blair, do qual o Guardian não conseguiu reabilitar-se, é o seu eco.

    "É uma época em que as pessoas anseiam por novas ideias e alternativas frescas", escreveu Katharine Viner. O seu colaborador político, Jonathan Freedlan, desvalorizou o anseio dos jovens que apoiaram a modesta política do líder Labour, Jeremy Corbyn, como "uma forma de narcisismo".

    "Como é que este homem…", zurrou Zoe Williams, do Guardian, "conseguiu chegar às urnas?" Juntou-se-lhe um coro de fala-baratos precoces, que fizeram fila para empunhar espadas afiadas, quando Corbyn esteve perto de ganhar as eleições gerais de 2017, apesar dos media.

    Noticiam-se histórias complexas, numa fórmula enviesada, de ouvir dizer e de omissão, como um culto: o Brexit, a Venezuela, a Rússia, a Síria. Na Síria, só as investigações de um grupo de jornalistas independentes contaram isto, revelando a rede de apoio anglo-americano aos jihadistas na Síria, incluindo os que estão ligados ao ISIS.

    Apoiado por uma campanha de "operações psicológicas", financiada pelo Foreign Office britânico e pela USAID, o objetivo é iludir o público ocidental e acelerar o derrube do governo de Damasco, apesar da alternativa medieval e do risco de guerra com a Rússia.

    A Campanha da Síria, montada por uma organização de relações públicas de Nova Iorque, a Purpose, financia um grupo conhecido como os Capacetes Brancos, que afirma, falsamente, ser a "Defesa Civil da Síria" e é apresentado, sem qualquer crítica, nos noticiários da TV e nas redes sociais, aparentemente a salvar vítimas de bombardeamentos que filmam e editam, embora os espetadores não sejam informados disso. George Clooney é um dos seus fãs.

    Os Capacetes Brancos são apêndices dos jihadistas com quem trocam endereços. Os seus uniformes e equipamentos inteligentes são fornecidos pelos tesoureiros ocidentais. O facto de as suas proezas não serem questionadas pelas maiores agências noticiosas é indicador da grande influência daquela empresa de relações públicas, apoiada pelo estado, que governa hoje os media. Como fez notar Robert Fisk, recentemente, nenhum repórter dos media dominantes transmite notícias da Síria diretamente da Síria.

    Num ataque insidioso, Olivia Solon, uma repórter do Guardian, com base em San Francisco, que nunca esteve na Síria, pôde difamar o trabalho investigativo é fundamentado das jornalistas Vanessa Beeley e Eva Bartlett, sobre os Capacetes Brancos, como "propagado online por uma rede de ativistas anti-imperialistas, teóricos da conspiração e trolls com o apoio do governo russo".

    Este abuso foi publicado sem permitir qualquer correção, nem sequer o direito de resposta. A página de comentários do Guardian foi bloqueada, como documentam Edwards e Cromwell. Eu vi a lista de perguntas que Solon enviou a Beeley, que parece uma folha de acusação de McCarthy – "Já foi convidada a ir à Coreia do Norte?"

    Quão baixo já desceram os media predominantes. O subjetivismo é tudo; slogans e insultos são provas suficientes. O que conta é a "perceção".

    Quando era comandante dos EUA, no Afeganistão, o general David Petraeus declarou que chamava "uma guerra de perceção… travada continuamente, usando os media ". O que interessava não eram os factos, mas a forma como a notícia funcionava nos Estados Unidos. O inimigo não declarado era, como sempre, o público bem informado e crítico da nação.

    Nada mudou. Nos anos 70, conheci Leni Riefenstahl, cineasta de Hitler, cuja propaganda hipnotizava o público alemão.

    Disse-me que as "mensagens" dos seus filmes não dependiam de "ordens superiores", mas do "vazio submisso" de um público mal informado.

    "Isso inclui a burguesia liberal, instruída?" perguntei.

    "Toda a gente", disse ela. "A propaganda ganha sempre, se a permitirmos".
     
    20/Setembro/2018 
     
    O original encontra-se em www.informationclearinghouse.info/50300.htm .
    Tradução de Margarida Ferreira.


    Este artigo encontra-se em https://resistir.info/ .

    quarta-feira, 12 de setembro de 2018

    Um apelo para fazer Julian Assange regressar ao seu país

      
    por John Pilger

    Julian Assange.
    O governo australiano tem a obrigação de libertar Julian Assange, afirmou John Pilger na manifestação de Sydney em 16 de junho para assinalar os seis anos de detenção de Assange na embaixada do Equador em Londres. 
     
    A perseguição a Julian Assange tem de acabar. Do contrário, terminará em tragédia.

    O governo australiano e o primeiro-ministro Malcolm Turnbull têm uma ocasião histórica para escolher entre estas duas situações.

    Podem manter-se mudos, mas a história não lhes perdoará. Ou então podem agir no interesse da justiça e da humanidade e fazer voltar ao seu país este notável cidadão australiano.

    Assange não pede qualquer tratamento de favor. O governo tem claras obrigações diplomáticas e morais de proteger os cidadãos australianos no estrangeiro contra qualquer injustiça flagrante; no caso de Julian, de um erro judicial flagrante e do perigo extremo que ele corre se sair da embaixada do Equador em Londres sem proteção.

    Sabemos, pelo episódio de Chelsea Manning, aquilo que o espera se um mandado de extradição americano tiver êxito: segundo um relator especial das Nações Unidas, trata-se de tortura.

    Conheço bem Julian Assange; considero-o um grande amigo, uma pessoa de uma resistência e coragem extraordinárias. Vi-o submerso num tsunami incessante e dissimulado de mentiras e de calúnias, na mira da vingança; e sei porque é que o caluniam.

    Um plano de destruição da WikiLeaks e de Assange foi apresentado num documento altamente secreto, com data de 8 de março de 2008. O autor era a "Cyber Counter-intelligence Assessments Branch" do Ministério da Defesa dos Estados Unidos. Descreviam em pormenor como era importante destruir o "sentimento de confiança" que é o "centro de gravidade" da WikiLeaks.

    Isso seria conseguido, escrevem, com ameaças "de exposição a uma perseguição penal" e com ataques repetidos contra a sua boa reputação". O objetivo era calar e criminalizar a WikiLeaks, o seu autor principal e o seu editor. Era como se planificassem uma guerra contra um único ser humano e contra o próprio princípio da liberdade de expressão.

    Meios de comunicação "vichystas"

    A arma principal seria conspurcar os indivíduos. As tropas de choque estariam disfarçadas nos media ou seja, aqueles que, supostamente, relatam os factos e nos dizem a verdade.

    A ironia é que ninguém disse a esses jornalistas o que fazer. Eu chamo-lhes de jornalistas "vichystas" – referindo-me ao governo de Vichy que serviu e encorajou a ocupação alemã em França no tempo da guerra.

    Em outubro passado, a jornalista Sarah Ferguson, da Australian Broadcasting Corporation [a televisão pública australiana, NT], entrevistou Hillary Clinton, a quem chamou um "ícone da sua geração".

    Foi esta mesma Clinton que ameaçou eliminar o Irão do mapa e que, na qualidade de secretária de Estado dos Estados Unidos em 2011, foi uma das instigadoras da invasão e da destruição do Estado moderno que era a Líbia, com a perda de 40mil vidas humanas. Tal como a invasão do Iraque, baseava-se em mentiras.

    Quando o presidente líbio foi linchado e massacrado selvaticamente à facada, Clinton foi filmada, delirante e a aplaudir. Graças a ela, a Líbia passou a ser um terreno fértil para o Estado Islâmico e outros jihadistas. Graças a ela, dezenas de milhares de refugiados fugiram, atravessando o Mediterrâneo, correndo perigo de vida, e muitos deles morreram afogados.

    A WikiLeaks levantou o véu sobre Clinton

    Os emails que foram publicados pela WikiLeaks revelaram que a fundação de Hillary Clinton – que ela tem em comum com o marido – recebeu milhões de dólares da Arábia Saudita e do Qatar, os principais financiadores do Estado Islâmico e do terrorismo no Médio Oriente.

    Na qualidade de secretária de Estado, Hillary Clinton aprovou a venda de armas mais importante de sempre – no valor de 80 mil milhões de dólares – à Arábia Saudita, um dos principais benfeitores da sua fundação. Hoje, a Arábia Saudita utiliza essas armas para esmagar gente esfomeada, debaixo de fogo de uma ofensiva contra o Iémen que se assemelha a um genocídio.

    Sarah Ferguson, uma jornalista muito bem paga, não falou disso, quando Hillary Clinton se encontrava sentada à sua frente.

    Em vez disso, pediu a Hillary que descrevesse os "prejuízos" que Julian Assange lhe causara "pessoalmente". Em resposta, Hillary difamou Assange, um cidadão australiano, como sendo "claramente um instrumento das informações russas" e "um oportunista niilista às ordens de um ditador".

    Não apresentou nenhuma prova – e ninguém lha pediu – em apoio destas graves acusações.

    Em nenhum momento, Assange teve direito de responder a esta entrevista chocante, que os media, financiados pelos dinheiros públicos australianos, tinham o dever de lhe dar.

    Como se isso não bastasse, a diretora de produção de Ferguson, Sally Neighour, acrescentou à entrevista um tweet especialmente viperino: "Assange é a puta de Putin. Todos sabemos!"

    Há inúmeros outros exemplos de jornalismo vichysta. O Guardian, que já teve a reputação de ser um grande jornal progressista, desencadeou uma vendetta contra Julian Assange. Como um amante rejeitado, o Guardian dirigiu ataques pessoais, mesquinhos, desumanos e fantasistas contra um homem que, em tempos, tinha publicado e de quem tirara proveito.

    O antigo diretor-chefe do Guardian, Alan Rusbridger, classificou as revelações da WikiLeaks, que o seu jornal publicou em 2010, "um dos maiores furos jornalísticos dos últimos 30 anos". Os prémios foram atribuídos e recompensados como se Julian Assange não existisse.

    Denegrir e tirar proveito de Assange

    As revelações da WikiLeaks passaram a fazer parte integrante do plano de marketing do Guardian para aumentar o preço de venda do jornal. Ganharam dinheiro, por vezes muito dinheiro, enquanto a WikiLeaks e Assange lutavam para sobreviver. Sem que um cêntimo tenha ido parar à WikiLeaks, um livro muito mediatizado pelo Guardian deu azo a um filme hollywoodesco muito rentável. Os autores do livro, Luke Harding e David Leigh, trataram Assange de "personalidade diminuída" e "sem coração".

    Também divulgaram a senha secreta que Julian tinha dado ao Guardian , confiantemente, e que tinha sido concebida para proteger um ficheiro numérico que continha os endereços eletrónicos da embaixada dos Estados Unidos.

    Quando Assange ficou encerrado na embaixada do Equador, Harding, que tinha enriquecido à conta de Julian Assange e de Edward Snowden, juntou-se à polícia diante da embaixada e gracejou no seu blogue: "Talvez seja a Scotland Yard que venha a rir por último".

    A pergunta é: porquê ?

    Julian Assange não praticou nenhum crime. Nunca foi acusado de nenhum crime. A acusação sueca era falsa e grotesca e ele foi ilibado.

    Katrin Axelsson e Lisa Longstaff, da organização "Women Against Rape" [as mulheres contra a violação, N.T.] resumiram-na nestes termos: "As acusações contra [Assange] são uma cortina de fumo por detrás da qual se esconde um certo número de governos que têm de amordaçar a WikiLeaks por ter revelado ao público, corajosamente, os seus projetos secretos de guerras e de ocupações, com tudo o que elas representam de violações, assassínios e destruição… As autoridades preocupam-se tão pouco com a violência contra as mulheres que manipulam as acusações de violação como lhes apetece…"

    Esta verdade foi perdida ou enterrada numa mediática caça às bruxas que associava Assange, de forma escandalosa, à violação e à misoginia. A caça às bruxas incluía vozes que se descreviam como sendo de esquerda e feministas. Ignoraram deliberadamente as provas do perigo extremo para Assange, se ele fosse extraditado para os Estados Unidos.

    Segundo um documento publicado por Edward Snowden, Assange figura numa "lista de homens a abater". Um memorando oficial que veio a ser conhecido indica: "Assange vai ser uma bela noiva na prisão. Nenhuma contemplação para com este terrorista. Vai comer comida de cão até ao fim dos tempos".

    Em Alexandra, na Virgínia – o subúrbio onde reside a elite americana que produz a guerra, um grande júri secreto, que faz lembrar a Idade Média, conspirou, durante sete anos, para engendrar um crime de que Assange seria acusado.

    Não é fácil: a Constituição dos Estados Unidos protege os editores, os jornalistas e quem lança alertas. O crime de Assange é de ter quebrado um silêncio.

    Nunca aconteceram

    Na minha vida, nunca assisti a nenhuma investigação jornalística com uma dimensão comparável à que a WikiLeaks fez, fazendo apelo ao poder para prestar contas. É como se o vidro sem mancha da moral tivesse sido quebrado, denunciando o imperialismo das democracias ocidentais: o seu empenho numa guerra sem fim, a divisão e a devastação de vidas "sem valor": da torre Grenfell [o prédio de alojamento social dos arredores de Londres cujo incêndio fez inúmeras vítimas, NT] até à Faixa de Gaza.

    Quando Harold Pinter aceitou o Prémio Nobel da Literatura em 2005, fez referência a "uma enorme meada de mentiras que nos serve de alimento". Perguntou porque é que "a violência sistemática, as atrocidades generalizadas, a supressão implacável do pensamento independente" da União Soviética eram tão conhecidas no Ocidente, enquanto os crimes imperialistas da América "nunca aconteceram… mesmo quando aconteceram, nunca aconteceram".

    Nas suas revelações sobre as guerras de motivos falseados (Afeganistão, Iraque) e sobre as mentiras descaradas dos governos (as ilhas Chagos), a WikiLeaks permitiu que entrevíssemos como funciona o imperialismo no século XXI. É por isso que Assange corre perigo de morte.

    Há sete anos, em Sydney, tomei as minhas disposições para encontrar Malcolm Turnbull, um conhecido deputado federal de esquerda.

    Queria pedir-lhe que enviasse uma carta dirigida ao governo por Gareth Peirce, o advogado de Assange. Falámos da sua famosa vitória – nos anos 80, quando, ainda jovem advogado, ele tinha combatido as tentativas do governo britânico para suprimir a liberdade de expressão e impedir a publicação do livro Spycatcher, uma espécie de WikiLeaks da época, porque revelava os crimes do poder do Estado.

    A primeira-ministra australiana era na altura Julia Gillard, dirigente do Partido Trabalhista, que tinha declarado a WikiLeaks "ilegal" e que queria mandar anular o passaporte de Assange – até lhe dizerem que ela não tinha poderes para isso; que Assange não tinha praticado nenhum crime; que a WikiLeaks era um meio de comunicação cujo trabalho estava protegido pelo artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de que a Austrália tinha sido um dos primeiros signatários.

    Abandonando Assange, um cidadão australiano, à sua sorte e cúmplice da sua perseguição, o comportamento escandaloso da primeira-ministra Gillard abriu a possibilidade de reconhecer Assange como refugiado político cuja vida estava em perigo, perante o direito internacional. O Equador invocou a Convenção de 1951 e concedeu refúgio a Assange na sua embaixada em Londres.

    Gillard apareceu há pouco tempo num espetáculo com Hillary Clinton, ambas consideradas feministas de vanguarda.

    O que há para reter sobre Gillard é um discurso caloroso, hipócrita e constrangedor que ela proferiu no Congresso americano, pouco tempo depois de ter exigido a anulação ilegal do passaporte de Julian.

    Malcolm Turnbull é o atual primeiro-ministro da Austrália. O pai de Julian Assange escreveu-lhe. É uma carta comovente, na qual ele pedia ao primeiro-ministro para fazer o filho voltar ao seu país. Fala do risco muito real de ocorrer uma tragédia.

    Eu vi a saúde de Assange deteriorar-se, ao longo dos anos de encerramento e de privação de sol. Atacado por uma tosse incessante, nem sequer teve autorização para ir ao hospital fazer um exame radiológico.

    Malcolm Turnbull pode manter-se mudo. Ou pode aproveitar esta oportunidade e usar a influência diplomática do seu governo para defender a vida de um cidadão australiano, cuja ação corajosa é reconhecida por numerosas pessoas no mundo inteiro. Pode fazer com que Julian Assange volte para o seu país. 

    O original encontra-se em consortiumnews.com/2018/06/18/a-call-to-bring-julian-assange-home/
    e a versão em francês em www.les-crises.fr/un-appel-a-ramener-julian-assange-chez-lui/
    Tradução de Margarida Ferreira.


    Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

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