segunda-feira, 29 de abril de 2013

Sorria, está a ser roubado

Contratos swap são instrumentos de gestão financeira altamente especulativos. Um daqueles investimentos em que nenhum leitor de boa-fé gostaria de ver o seu dinheiro, sobretudo a partir da crise de 2008. Uma espécie de casino em que se perde sempre.

Não foi o que pensaram os administradores de nomeação governamental da maioria das empresas do sector empresarial do Estado. A partir de 2008, e com especial destaque para as empresas de transportes, qualquer novo empréstimo implicou a subscrição destes instrumentos especulativos em que os “azares” do Estado resultam numa mina de ouro para a banca.

Só a Metro de Lisboa, cuja dívida total é de 4117 milhões de euros, tem contratos swap assinados no valor de 5551 milhões de euros. Esta empresa, no primeiro semestre de 2012, perdeu em juros e perdas swap 297 milhões, o equivalente a dois anos de salários dos seus trabalhadores e, considerando a totalidade do que terá sido investido neste casino, pensa-se que poderá vir a perder o equivalente ao valor de 18 anos de bilhetes e passes dos utentes. Mas a Metro do Porto lidera este campeonato do descalabro financeiro. Os prejuízos já atingem os 832,4 milhões de euros, o equivalente a 142 anos de salários dos seus trabalhadores ou 23 anos de transporte gratuito.

Na Assembleia da República, PCP e BE denunciaram-no ao passo que PS, PSD e CDS iam fazendo saltitar os “empreendedores” administradores públicos entre empresas do Estado e o governo. Aliás, mesmo os representantes da banca envolvidos na negociata são hoje administradores dos interesses do Estado, como António Borges, que cuida das privatizações, ou Moreira Rato, que cuida das renegociações com os antigos patrões.

Como diria o Presidente da República é preciso criar os consensos necessários... para que o roubo continue, acrescento eu.
  
Por Tiago Mota Saraiva


domingo, 28 de abril de 2013

Funeral digno de um ditador

O golpe de Thatcher

por John Pilger
Após o desaparecimento de Thatcher, recordo suas vítimas. A filha de Patrick Warby, Marie, foi uma delas. Marie, com cinco anos, sofria de uma deformidade do intestino e precisava de uma dieta especial. Sem ela, o sofrimento era aflitivo. Seu pai era um mineiro de Durham e gastara todas as suas poupanças. Era o Inverno de 1985, a Grande Greve tinha quase um ano e a família estava empobrecida. Embora a necessidade de operação não fosse contestada, o Departamento de Segurança Social recusou ajuda a Marie. Posteriormente, obtive registos do caso mostrando que Marie fora recusada porque o seu pai era "influenciado por uma disputa sindical".

A corrupção e desumanidade sob Thatcher não conheciam fronteiras. Quando chegou ao poder em 1979, Thatcher pediu uma proibição total de exportações de leite para o Vietname. A invasão americana havia deixado um terço das crianças vietnamitas desnutridas.

Testemunhei muitas visões penosas, incluindo crianças a ficarem cegas devido à falta de vitaminas. "Não posso tolerar isto", disse um médico angustiado num hospital pediátrico de Saigão, quando olhávamos para um rapaz a morrer. A Oxfam e a Save the Children havido deixado claro para o governo britânico a gravidade da emergência. Um embargo conduzido pelos EUA havia forçado o preço local do quilo de leite a subir para dez vezes o do quilo de carne. Muitas crianças podiam ter sido recuperadas com leite. A proibição de Thatcher impediu.

No vizinho Camboja, Thatcher deixou um rastro de sangue, secretamente. Em 1980, ela exigiu que o defunto regime Pol Pot – o assassino de 1,7 milhão de pessoas – retivesse o seu "direito" a representar suas vítimas na ONU. A sua política era de vingança do libertador do Camboja, o Vietname. O representante britânico foi instruído a votar com Pol Pot na Organização Mundial de Saúde, impedindo-a dessa forma de proporcionar ajuda para o lugar onde era mais necessária do que qualquer outro na terra.

Para esconder esta infâmia, os EUA, a Grã-Bretanha e a China, os principais apoiantes de Pol Pot, inventaram uma "coligação de resistência" dominada pelas forças do Khmer Rouge de Pol Pot e abastecida pela CIA em bases ao longo da fronteira tailandesa. Havia uma dificuldade. Na sequência da derrocada do Irangate, armas-por-réfens, o Congresso dos EUA proibira aventuras clandestinas no estrangeiro. "Num daqueles acordos ambos gostavam de fazer", contou um alto responsável do Whitehall [1] ao Sunday Telegraph, "o presidente Reagan sugeriu a Thatcher que o SAS [2] deveria assumir o comando do show do Camboja. Ela prontamente concordou".

Em 1983, Thatcher enviou o SAS para treinar a "coligação" na sua própria e diferente marca de terrorismo. Sete equipes de homens do SAS chegaram de Hong Kong e soldados britânicos começaram a treinar "combatentes da resistência" em estender campos de minas num país devastado pelo genocídio e a mais alta taxa de mortes e mutilações do mundo devido a campos de minas.

Noticiei isto na altura e mais de 16 mil pessoas escreveram a Thatcher para protestar. "Confirmo", respondeu ela ao líder da oposição Neil Kinnock, "que não há envolvimento do governo britânico de qualquer espécie no treino, equipamento ou cooperação com o Khmer Rouge ou aliados dele". A mentira era de cortar o fôlego. Em 1991, o governo de John Major admitiu no parlamento que o SAS havia na verdade treinado a "coligação". "Nós gostamos dos britânicos", disse-me mais tarde um combatente do Khmer Rouge. "Eles foram muito bons a ensinar-nos a montar armadilhas explosivas (booby traps). Pessoas confiantes, como crianças em campos de arroz, foram as vítimas principais".

Quando os jornalistas e produtores do memorável documentário "Death on the Rock" , da ITV, revelaram como o SAS havia dirigido outros esquadrões da morte de Thatcher na Irlanda e em Gibraltar, foram perseguidos pelos "jornalistas" de Rupert Murdoch, então acovardados em Wapping [3] atrás do arame farpado. Embora absolvida, a Thames TV perdeu sua concessão da ITV.

Em 1982, o cruzador argentino General Belgrano navegava fora da zona de exclusão das Falklands [4] . O navio não constituía ameaça, mas Thatcher deu ordens para que fosse afundado. Suas vítimas foram 323 marinheiros, incluindo adolescentes alistados. O crime tinha uma certa lógica. Dentre os mais próximos aliados de Thatcher estavam assassinos em massa – Pinochet no Chile, Suharto na Indonésia, responsáveis por "muito mais do que um milhão de mortes" (Amnistia Internacional). Embora desde há muito o estado britânico armasse as principais tiranias do mundo, foi Thatcher que com um zelo de cruzado procurou tais acordos, conversando empolgada acerca das mais refinadas características de motores de aviões de combate, negociando arduamente com príncipes sauditas que pediam subornos. Filmei-os numa feira de armas, a acariciarem um míssil reluzente. "Terei um daqueles!", disse ela.

No seu inquérito das armas-para-o-Iraque, Lorde Richard Scott ouviu evidências de que toda uma camada do governo Thatcher, desde altos funcionários civis até ministros, mentira e infringira a lei na venda de armas a Saddam Hussein. Eram os seus "rapazes". Se folhear números antigos do Baghdad Observer encontrará na primeira página fotos dos seus rapazes, principalmente ministros do gabinete, sentados com Saddam na sua famosa poltrona branca. Ali está Douglas Hurd e um sorridente David Mellor, também do Foreign Office, na época em que o seu hospedeiro ordenava o gaseamento de 5000 curdos. A seguir a esta atrocidade, o governo Thatcher duplicou créditos comerciais para Saddam.

Talvez seja demasiado fácil dançar sobre a sua sepultura. O seu funeral foi uma proeza de propaganda, adequada a um ditador: uma mostra absurda de militarismo, como se se houvesse verificado um golpe. E foi. "O seu triunfo real", disse outro dos seus rapazes, Geoffrey Howe, ministro da Thatcher, "foi ter transformado não apenas um partido mas dois, de modo que quando o Labour finalmente retornou, a maior parte do thatcherismo era aceite como irreversível".

Em 1997, Thatcher foi o primeiro antigo primeiro-ministro a visitar Tony Blair depois de ele ter entrado na Downing Street [5] . Há uma foto deles, juntos num ricto: o criminoso de guerra em embrião com a sua mentora. Quando Ed Milliband, na sua untuosa "homenagem", travestiu Thatcher como "corajosa" heroína feminista cujas façanhas pessoalmente "admira", fica-se a saber que a velha assassina não morreu de todo.
25/Abril/2013
NT
(1) Whitehall: rua onde está o Parlamento britânico.
(2) SAS: tropas especiais britânicas.
(3) Wapping: bairro de Londres para onde Murdoch mudou a sua empresa, por trás de uma fortaleza a fim de fugir a pressões sindicais da Fleet Street.
(4) Falklands: Malvinas
(5) Downing Street: residência oficial do primeiro-ministro britânico.


O original encontra-se em www.counterpunch.org/2013/04/25/thatchers-coup/

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Abril

«O que podia ser menos claro é contudo, agora, mais nítido, para muitos. Para os trabalhadores, para os próprios empresários, para as pessoas a quem o interesse comum importa. É que a recessão é uma regressão que está a desfazer deliberadamente o nosso sistema produtivo, a possibilidade de a economia nacional ser uma entidade com um mínimo de capacidade de mando sobre si mesma. E liberais que são, desalmados como são, acham que tudo se deve limitar à concorrência desenfreada e que cada um, cada pessoa, cada região, cada país, deve ser apenas uma peça de um jogo sem grandes regras, ao serviço de uma figura sem dó, chamada mercados.
Eles querem uma economia de custos baixos. Querem uma economia periférica dependente. Querem uma economia que trabalhe mas não cuide de direitos, de bem-estar, da dignidade de quem trabalha. Uma economia em que a precariedade, que já atinge um quinto da população activa, seja a norma. Porque é que eles são assim? São apenas paus-mandados, são estúpidos? Não. São gente apostada em descarnar a sociedade que Abril abriu. São gente de um governo que tem que ser posto a andar pela consciência dos cidadãos deste país.
Claro está, uma má história não se fabrica sem falsificações. Inventaram, e era mentira, que as famílias tinham entrado numa loucura consumista. Quando basicamente se tinham limitado a comprar a casa própria numa economia para aí virada, que as tinha convidado a que comprassem. Inventaram, e era mentira, que o Estado se tinha endividado irresponsavelmente, quando acontecia que o tinha feito na mesma escala que outros Estados europeus. E até inventaram, e era de novo mentira, que eram os custos salariais que comprimiam o crescimento, nem se dando ao esforço de verem que foi com esses custos salariais que se criou emprego como nunca se havia criado em Portugal, chegando a mais de cinco milhões de activos, incluindo imigrantes, que nos procuraram. Do que eles não falavam era dos capitais que despudoradamente usavam o Estado em seu favor e protecção, ou de uma união económica e monetária mal construída, que nos colocou na camisa de onze varas da dependência e do servilismo, perante os países ricos, beneficiando os do euro, que iam promovendo a nossa desgraça.»

Da excelente intervenção de José Reis (a ver na íntegra), em nome do Congresso Democrático das Alternativas, no Jantar Comemorativo dos 39 anos do 25 de Abril, realizado na Cantina Velha da Universidade de Lisboa, no passado dia 19 de Abril.

http://ladroesdebicicletas.blogspot.pt/2013/04/abril.html 

quinta-feira, 18 de abril de 2013

A ganância do deus mercado


por Beatriz Paganini [*]












O que aconteceu neste mundo?
 
A ganância do deus mercado, como diz um escritor do meu mundo, Eduardo Galeano, destruiu tudo.
  
E as guerras fizeram desaparecer a paz.
  
E alguns, com o pretexto de a procurar (à paz) continuam guerreando e chegou-se ao absurdo de premiar com o Nobel aquele que dirige a Guerra como se fosse emissário da Paz.

Enquanto isso:

Estão devastando as florestas.

Aumentam a fabricação de armas.

Países que não as fabricavam fazem-no agora.

Foram inventados os Paraísos Fiscais.

Foi criado o FMI, organização criminosa de colarinho branco ao serviço do Deus Artificial.

Foi criada a NATO e com o seu patrocínio se mata, rouba e destrói como Átila.

As regras da guerra nunca se cumprem.

Às sociedades anónimas permite-se transgredir.

As minas a céu aberto envenenam os rios.

Os agroquimicos contaminam as plantas e os seus frutos.

Os agroquímicos produzem malformações no feto humano.

Os agroquímicos causam o cancro e doenças em seres humanos.

Os agroquímicos causam doenças em animais.

Estão desaparecendo espécies animais.

Desaparecem espécies aquáticas.

Um novo termo "deslocados", designa famílias inteiras a fugir porque lhes expropriaram as terras falsificando títulos de propriedade, que lhes confere o Deus inventado.

As hierarquias religiosas, não questionam o valor absoluto do Deus Artificial e deixam-no conviver com o Deus dos seus diferentes credos: católico, evangélico, muçulmano ou protestante.

Pequenas indústrias e / ou empresas desaparecem, absorvidas pelo Deus Artificial que sustenta os capitais internacionais globalizados.

Mudaram o nome às prostitutas, que são chamadas "trabalhadoras sexuais", para transformar assim um sector moralmente marginal, dando-lhe uma referência valorativa falsa, mas suficiente para que a parte sórdida do submundo de prostituição se fortaleça, porque move milhões no mercado negro, juntamente com a droga, o jogo nos casinos e a lavagem de capitais ilícitos de milionários.

A televisão transmite programas de estupidificação mental.

Os canais de televisão, a imprensa oral e escrita, distorcem as notícias para o lado de quem oferecer mais.

Vários países mantêm a pena de morte.

A descoberta da América apenas significou, para os europeus, mais colónias para saquear.

A escravatura existe disfarçada (com o nome de trabalho precário) nos chamados países do terceiro mundo e também no chamado primeiro.

Como não acabam com a especulação (que é um falso argumento do falso deus) provocam crises financeiras que forçam os pobres a ser mais pobres, e vários estados que acreditavam ser soberanos, a alienar as suas riquezas naturais e o seu património cultural.

Bilderberg é um clube de notáveis desnaturalizados, com fortunas fabulosas, que administram com o Deus Artificial.

Alguns membros do Clube Bilderberg são inimputáveis de nascimento, porque acreditam ter uma cor diferente de sangue, que dizem ser azul.

Os considerados de sangue azul herdam os direitos inalienáveis dos seus privilégios e os cidadãos comuns podem ser passíveis de severas medidas, segundo o país, se questionam os do dito sangue azul. Existem também os chamados xeques que governam despoticamente, em países, geralmente ricos em campos de petróleo que lhes permitem levar vidas faustosas em contraste com a pobreza de seus súbditos.

Em alguns países monárquicos podem obter-se os privilégios dos de sangue azul quando o chamado monarca lhes concede um título chamado de nobreza.

Nos países obedientes ao Império onde radica o maior templo do Deus Artificial, aceitaram chamar "falsos positivos" a cidadãos inocentes para quem se inventou um currículo terrorista para os matar e para oferecer aos seus superiores uma quantidade, para justificar a tarefa de encontrar terroristas. Após um massacre chamado "La Macarena", na Colômbia, foi descoberto este sistema sinistro, mas ele é mais comum do que se admite, não só na Colômbia, mas também na América Latina. Como no meu país, a Argentina, onde alguns governadores com mentalidade de senhores feudais, cometem piratarias contra os povos indígenas e assassinatos impunemente. Ou na sua falta, os povos morrem de fome ou de doenças já superadas em outras províncias.

Quando, no Templo de Deus Artificial se alerta para que, em alguns países os cidadãos pobres pretendem viver melhor, porque são governados por ditadores protegidos pelo Império do Norte (ex. Egipto, Tunísia, etc.), cortam-lhes os meios de comunicação e dinheiro (internet, sistemas bancários, etc.) e os militares ou policias matam e castigam-nos nas praças para onde foram, desarmados, reclamar pelos seus direitos.

A propósito do falso deus, transcrevo o pensamento do terceiro presidente dos EUA:
"Acredito que as instituições bancárias são mais perigosas para as nossas liberdades do que exércitos permanentes prontos para o combate. Se o povo americano alguma vez permitir que bancos privados controlem sua moeda, os bancos e todas as instituições que florescerão em torno dos bancos despojarão o povo de toda a posse, primeiro pela inflação, depois pela recessão, até ao dia em que os seus filhos vão acordar sem casa e sem tecto na terra que seus pais conquistaram".    Thomas Jefferson.
Se vivesse hoje Thomas Jefferson seria considerado terrorista? [*] Escritora, argentina. Este texto é uma página do seu romance "Antes e depois de Guernica".

O original encontra-se em cultural.argenpress.info/2013/04/relato-de-estela.html . Tradução de Guilherme Coelho


Este texto encontra-se em http://resistir.info/ .

Máquinas de controlo social


                                                                                               por César Príncipe [*]
 
(Dedico naturalmente a minha intervenção, nesta Conferência, a Álvaro Cunhal, que foi redactor da Imprensa clandestina, a única que enfrentou o regime fascista e nunca deixou de exercer a liberdade de expressão, a denúncia dos crimes da ditadura, a defesa dos direitos políticos e populares. Nesta dedicatória, englobo todos os intelectuais, operários gráficos e distribuidores da Imprensa do PCP (1931-1974), que ainda hoje continua a marcar a diferença noticiosa e crítica). [1]

Máquinas da comunicação. Domínio da opinião. Em Portugal, as máquinas pesadas são 11: Cofina, Controlinveste, Estado, Igreja Católica, Igreja Universal do Reino de Deus, Impala, Impresa, Média Capital, Sojormédia, Sonaecom, Zon Multimédia. Por detrás destes títulos tecnológicos e teológicos escondem-se centenas de estações e publicações. Quase tudo o que circula por terra e ar, o que se vê, escuta e lê. Em papel, hertz, on-line. O programa dos 11 é só um: formatação do publicado e controlo do público. Imposição do uniforme, sob a capa do colorido e do ruidoso, e de algum contraditório de baixa intensidade. O grupo estatal, com acrescidas responsabilidades constitucionais, legais e estatutárias, embora cumpra os serviços mínimos, há muito que se tem vindo a desvincular do contrato de cidadania, subjugando-se à agenda do Bloco Central de Interesses (BCI). De facto, ao BCI corresponde um Bloco Central Mediático (BCM). O chamado arco do poder é assessorado pelo arco do dizer. Grande parte do mundo vive em apagão informativo. A consciência nacional está sob sequestro mediático. Por cá, temos – é certo – algumas compensações. A ignorância lusófona é inesgotável. Muitas vezes de cordel. Por vezes de bordel. Conheço pivôs das 20 horas e opinadores de todas as horas capazes de traduzir J`accuse de Zola por Jacuzzi de Berlusconi. Infelizmente as 11 máquinas conseguem ocupar a caixa craniana de milhões de telespectadores, radiouvintes, leitores. A política de redução de cabeças tem sido condição de sucesso eleitoral, lúdico e publicitário. O capitalismo é redutor por vocação e decapitador por ambição.

Howard Zinn sublinhou

Um lembrete de fora, que se aplica ao caso português, na medida em que as 11 máquinas são fiéis fotocopiadoras do Império: Bush, o filho, invadiu e ocupou o Iraque em 2003. Em 2006, 95% da comunicação americana ainda apoiava a guerra, mas 50% da opinião pública defendia a retirada. Isto é, o jornalismo hegemónico, porta-voz militarista e imperialista, tarde ou cedo, ficará isolado nas suas posições. Para quem entender aprofundar a tese, recomendo os documentários e os comentários de Howard Zinn, que atravessou a vida a iluminar a História – ele, cognominado historiador do povo , ele – cientista das ideias e dos movimentos colectivos, professor emérito da Universidade de Boston, veterano da II Guerra Mundial, despedido em 1963 do Spelman College por se haver solidarizado com as estudantes negras que repudiavam a segregação escolar e social. Faleceu em 2010. Faremos bem em tê-lo a nosso lado. Dentro de nós, sempre que necessário.

Pulitzer alertou

Uma imprensa cínica, mercenária, demagógica e corrupta formará um público tão vil como ela mesma.

Quem pronunciou o anátema? Algum revolucionário marxista-cunhalista? Segundo li e reli, foi Joseph Pulitzer, nascido em 1847, 29 anos depois de Marx, 66 anos antes de Cunhal. Pulitzer, jornalista-empresário, patrono de Prémios da Imprensa Burguesa United States. Pulitzer ainda acreditava, pelos fins do séc. XIX, início do XX, nas virtudes da objectividade e da independência da Informação. Concepção romântica que contou com poucos praticantes ou ensaiadores, até porque nada é isento. Eu, por exemplo, aceito o inevitável: não há isenção na informação. Eu, por exemplo, estou comprometido com a liberdade e a fraternidade (agradecia que me cantassem a Grândola), sim, estou comprometido com a democracia patriótica, política, económica, social e cultural da Constituição da República Portuguesa.

Northcliffe confirmou

Mas queiram fazer o favor de ter paciência e escutar mais uma citação burguesa e anglo-saxónica:

Deus ensinou os homens a ler para que eu possa dizer-lhes quem devem amar, quem devem odiar e o que devem pensar.

Quem assim se pronunciou não foi Salazar, ex-inquilino de São Bento, residência agora ocupada pelos putativos netos. Esse grande português tinha outra fórmula para obter as equivalências: bastava ao povo saber ler e contar. Então, quem terá assumido a divina vocação de controlador dos homens através da leitura, já que, na sua passagem por Londres, ainda não dispunha de televisão para nos controlar? Segundo li e reli, foi lorde Northcliffe, nado em 1865 e finado em 1922, o magnata escolhido pelos céus como pioneiro da Imprensa de massas, modernamente baptizada de tablóide. O lordepress elegia como assuntos-chamariz o amor, a comida, o crime e o dinheiro . Onde é que nós, mais caderno de encargos, menos caderno de encargos, já teremos deparado com este jornalismo?

Malcom X preveniu

Não resisto a mais uma citação anglo-saxónica, desta vez, anti-burguesa:

Se não te acautelas dos meios de comunicação, far-te-ão amar o opressor e odiar o oprimido.

Quem nos terá recomendado tantas dietas e vacinas? Um norte-americano, um activista dos direitos civis, um cidadão que aprendeu a ler e recusou amar, odiar e pensar conforme a Escola de Jornalismo do Lorde. Foi Malcom X, que nasceu num país racista e burguês em 1925 e se fez consciente do domínio dos meios de comunicação e se tornou um combatente de primeira linha da liberdade e da dignidade até ser assassinado em 1965. Hoje, dia 13 de Abril, convidei Malcom para a celebração do centenário de Álvaro Cunhal. Até os mortos vão a nosso lado. José Gomes Ferreira e Fernando Lopes-Graça, por certo, também aqui presentes, os convocam nas Heróicas , cântico dos cânticos da resistência.

Thomas Jefferson pré-acusou

13 de Abril.

Neste dia, em 1743, nasceu Thomas Jefferson, autor da Declaração da Independência dos Estados Unidos. Autor também de uma declaração que ajuda a explicar a crise dos défices e das dívidas e a liquidação das soberanias e dos estados sociais, desencadeada pelo gangsterismo-banqueirismo planetário, sobretudo a partir do seu pólo norte, o banquistão euro-americano, modelo esclavagista contemporâneo:

Acredito que as instituições bancárias são mais perigosas para as nossas liberdades do que exércitos prontos para o combate. Se o povo americano alguma vez permitir que bancos controlem a sua moeda, os bancos e todas as instituições em torno dos bancos despojarão o povo de toda a posse, primeiro pela inflação, depois pela recessão, até ao dia em que os seus filhos vão acordar sem casa e sem tecto.

O Bloco Central Mediático cita diariamente Obama, o 44º presidente dos USA, mas evita dar a palavra a Jefferson, o terceiro. A censura não poupa declarações com mais de dois séculos. Teme a aliança entre os melhores mortos e os melhores vivos. Nada que não seja da tradição do Santo Ofício.

Almeida Garrett incriminou

13 de Abril.

Neste dia, em 1846, Almeida Garrett inaugurou o Teatro Nacional de D. Maria II, em Lisboa. Em maré de invocações anglo-saxónicas, considerar-me-ia sem brio português e sem honra portuense se não terminasse com uma citação de 1846, que até poderá parecer da autoria de um colaborador do Avante!:

Reduzi tudo a cifras. Comprai, vendei, agiotai. No fim disto tudo o que lucrou a espécie humana? E eu pergunto aos economistas-políticos, aos moralistas, se já calcularam o número de indivíduos que é forçoso condenar à miséria, ao trabalho desproporcionado, à desmoralização, à penúria absoluta, para produzir um rico.

O Bloco Central Mediático tem abertura para citar as impressões curiosas de Garrett. No entanto, corta a narrativa sempre que se põe em causa parasitas e fabricantes de pobres. O Grupo dos 11 está atento. Talvez mais atento do que os consumidores dos seus produtos.

O autor desta interpelação, Almeida Garrett, nasceu antes de Marx e Cunhal, de Malcom X e de Howard Zinn e bastante depois de Thomas Jefferson. Mas os cinco poderiam, com subtis diferenças, subscrevê-la. Também nós poderíamos enviar este extracto das Viagens na Minha Terra aos capitulacionistas que controlam a Assembleia da República, ao Governo, controlado pelos agiotas, ao presidente, controlado pelas cifras, ao Grupo dos 11, vendedor das graças do capitalismo selvagem, como se alguma vez o capitalismo tivesse sido civilizado ou respeitasse valores humanos sem ser encostado à parede das reivindicações e das revoluções. Bastará rever a história e ver a realidade de frente. A Europa do Leste afundou-se com a perestroika. A Europa Ocidental afunda-se com a troika. Nos dois casos, o mesmo agente e a mesma consequência: o processo capitalista em curso. Com a comunicação anti-social a exercer o controlo dos danos.

Almeida Garrett, escritor, poeta, publicista, pedagogo, renovador do teatro, exilado e libertador da pátria, merece que, hoje, na Biblioteca com o seu nome, também o associemos à homenagem a um vulto do séc. XX: Álvaro Cunhal, orgulho dos comunistas, dos antifascistas, dos democratas, defensor dos explorados e oprimidos, património cívico e intelectual da Humanidade.
 

1. Conferência Soberania e Independência Nacional , promovida no âmbito das comemorações do centenário de Álvaro Cunhal, Auditório da Biblioteca Almeida Garrett, Porto (13/04/2013).

[*] Escritor.


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

quinta-feira, 11 de abril de 2013

O negócio de ouro da Lusoponte

A Lusoponte, presidida pelo ex-ministro das Obras Públicas do PSD, Ferreira do Amaral, já obteve, até à data, o dobro do valor investido na construção da ponte Vasco da Gama. Até ao final da concessão, em 2030, esta parceria público privada tornar-se-á ainda mais lucrativa para a Lusoponte.
Ferreira do Amaral e Cavaco Silva em visita às obras da ponte Vasco da Gama, em 1995. Foto de MANUEL MOURA/LUSA.

Desde 1995, data da assinatura do contrato referente à construção da ponte Vasco da Gama e à exploração de portagens nesta ponte e na ponte 25 de Abril, e que foi negociado pelo então ministro das Obras Públicas Ferreira do Amaral, agora presidente da Lusoponte, e Eduardo Catroga, à época ministro das Finanças, a Lusoponte já recebeu o dobrou do valor investido na obra da segunda travessia do Tejo.
Em dezassete anos, o Estado português pagou a esta empresa 364 milhões de euros em indemnizações, ao que a Lusoponte somou os 746 milhões de euros arrecadados mediante a cobrança de portagens nas duas pontes. O valor despendido pela empresa na construção da ponte Vasco da Gama não ultrapassou, contudo, os 578 milhões de euros.

Até ao final da concessão, em 2030, o investimento da Lusoponte tornar-se-á ainda mais lucrativo.
 Segundo noticia o jornal Sol, o nono acordo de reequilíbrio financeiro, a ser fechado ainda este mês, já pressupõe uma compensação de 50 milhões de euros à empresa por alterações na derrama estadual.
São ainda previstos mais cerca de 100 milhões de euros de compensações até 2019 e a Lusoponte já entregou um pedido de indemnização por parte do Estado no valor de 100 milhões de euros, segundo revelou o próprio Secretário de Estado dos Obras Publicas, Transportes e Comunicações, Sérgio Silva Monteiro.

Este pedido de indemnização estará associado ao facto de o anterior governo ter assinado em 2008 um acordo em que se compromete a compensar a Lusoponte pelo “risco de variação dos impostos” e referir-se-á apenas ao período entre 2008 e 2012.
 
Renegociações ruinosas para os contribuintes

Desde a data da sua assinatura, o contrato firmado entre o Estado português e a Lusoponte já sofreu oito alterações, sendo que está em curso um novo processo de negociação referente ao novo acordo de reequilíbrio financeiro.

Segundo o Tribunal de Contas, as sucessivas renegociações têm sido manifestamente penalizadoras para o erário público. O Estado abriu mão, entre outros, do volume de tráfego como limite à concessão, permitindo a prorrogação do prazo da concessão, em relação à duração estimada pela própria Lusoponte, segundo a qual, em resultado dos níveis de tráfego registados nas duas travessias, tal prazo deveria expirar entre 2019 e 2023, período em que se atingiria o target de 2.250 milhões de veículos.

Durante todo o processo, o Estado acabou por se tornar no mais importante e decisivo financiador da concessão, sem a explorar, com um contrato que permitiu transferir, para o Estado, riscos que caberiam, em condições normais, à esfera de responsabilidade da concessionária.

http://www.esquerda.net/artigo/o-neg%C3%B3cio-de-ouro-da-lusoponte/22351 

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Os mitos e as mentiras da direita no ataque ao "estado social"

 por Eugénio Rosa

O Tribunal Constitucional declarou, como já tinha sucedido em 2012, inconstitucionais o confisco do subsidio de férias aos trabalhadores da Função Pública e aos pensionistas, e ainda mais duas outras normas da Lei do OE-2013 (o imposto sobre o subsidio de desemprego e de doença e os cortes nos contratos de docência e de investigação) o que, em termos ilíquidos corresponde a cerca de 1.600 milhões € (em valor liquido, e é este que tem efeitos no OE-2013 deverá representar um aumento na despesa – reposição dos subsídios de férias - e um corte na receita que, somados, deverão rondar os 1.200 milhões €).

Perante tal cenário que resulta deste governo pretender violar pela 2ª vez a Constituição da República é previsível que os ataques às funções sociais do Estado, por parte deste governo e dos seus defensores nos media se intensifiquem ainda mais. E a arma mais utilizada, para procurar manipular a opinião pública, será certamente a mentira. E as mais utilizadas para enganar a opinião pública, à semelhança do que tem acontecido nos últimos tempos, serão certamente as seguintes: (1) Sem o empréstimo da "troika" não haveria dinheiro para pagar salários e pensões; (2) A despesa do Estado em Portugal é muito superior à de outros países da UE; (3) As despesas do Estado em Portugal com a saúde, educação e a segurança social são insustentáveis. Por isso interessa já desmontar de uma forma clara e objetiva essas mentiras, e para isso utilizaremos os próprios dados oficiais.

Comecemos pela 1ª mentira da direita sobre o empréstimo da "troika" para pagar pensões e salários. Segundo o Ministério das Finanças, em 2011, as receitas dos impostos e contribuições foram superiores à soma das despesas com Pessoal das Administrações Públicas mais despesas com pensões e outras prestações (inclui saúde), em +4.229,6 milhões €; em 2012 esse excedente subiu para +4.454,1 milhões €. E não consideramos todas das Administrações Públicas. Ainda existem "Outras receitas" que, em 2012, foram mais 9.606,2 milhões €. Afirmar, como fazem muitos comentadores, que o Estado foi obrigado a pedir o empréstimo à "troika" porque não tinha dinheiro para pagar salários e pensões é ou ignorância ou a intenção de mentir descaradamente para enganar a opinião pública, pois os impostos e contribuições pagas todos os anos pelos portugueses são mais que suficientes para pagar aquelas despesas (Portugal paga uma taxa de juro média de 3,4%, quando custa aos credores uma taxa média de 1,4%, e à Alemanha apenas 0,5%; é a solidariedade!)

Outra mentira é que a despesa do Estado em Portugal é superior à de outros países, e por isso tem de ser significativamente reduzida. Segundo o Eurostat, em 2011, a despesa total das Administrações Públicas em Portugal representou 49,4% do PIB português, quando a média na UE situava-se entre os 49,1% e 49,5%, portanto um valor praticamente igual. E em 2012, segundo o Relatório do OE-2013 do Ministério das Finanças, a despesa de todas as Administrações Públicas (Central, Local e Regional) em Portugal reduziu-se para apenas 45,6%. E neste valor estão incluídos os juros da divida que atingiram 7.038,9 milhões € em 2012. Se o deduzirmos desce para apenas 41,4%. Afirmar ou insinuar, como muitos fazem, que a despesa pública em Portugal é excessiva é ou ignorância ou a intenção de enganar a opinião pública.

Em relação à afirmação de que as despesas do Estado com as funções sociais em Portugal são excessivas e insustentáveis e por isso é necessário reduzir a despesa significativamente, interessa dizer que, segundo o Eurostat, em 2011, a despesa pública com a saúde em Portugal correspondeu apenas 6,8% do PIB quando a média na União Europeia variava entre 7,3% e 7,4%. Em euros por habitante, em 2011, em Portugal o gasto público com a saúde foi apenas de 1.097€, quando a média nos países da UE variava entre 1.843€ (+68% do que em Portugal) e 2.094€ (+91). O mesmo se verifica em relação à proteção social, que inclui as pensões. Segundo o Eurostat, em 2011, a despesa pública com a proteção social em Portugal correspondia apenas a 18,1% do PIB quando a média na União Europeia variava entre 19,6% e 20,2% do PIB. Em euros por habitante, a diferença era ainda muito maior, Em Portugal o gasto público com a proteção social por habitante era apenas de 2.910€, quando a média nos países da União Europeia variava entre 4.932€ (+69% do que em Portugal) e 5.716€ (+96%). E nos países desenvolvidos a despesa por habitante era muito superior (Bélgica:+126%; Dinamarca:+274%; Alemanha:+114%). Mesmo se consideramos a totalidade da despesa com a saúde, educação e segurança social, em 2011 ela representava em Portugal 63,4% da despesa total do Estado quando a média na UE era de 65,7% Fazer cortes significativos na despesa com as funções sociais do Estado com a justificação de que essas despesas em Portugal são excessivas e superiores às dos outros países da UE é ou ignorância ou uma mentira para enganar a opinião pública.

O que é insustentável e inaceitável é uma politica recessiva aplicada em Portugal em plena recessão económica, que está a causar uma quebra acentuada nas receitas do Estado e nas contribuições da Segurança Social, o que põe em perigo não só a sustentabilidade das funções sociais do Estado mas a do próprio Estado. Mais cortes na despesa pública só agravam a situação. Como dizia Keynes, só os imbecis é que não entendem isso. 


http://resistir.info/e_rosa/mentiras_06abr13.html 

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