terça-feira, 30 de julho de 2019

Revelações sobre os atentados de 2004 e 2017 em Espanha

por
As recentes revelações sobre os atentados sobrevindos em Barcelona e em Cambrils em 2017 —tal como as anteriores sobre o atentado de 2004 em Madrid— suscitam exactamente as mesmas legítimas questões que as colocadas em outros países a propósito de outros atentados. Porquê, por todo o lado, os terroristas islamistas aparecem ligados à OTAN ?

JPEG - 49.6 kb
Em 15 de Julho de 2019, o quotidiano republicano espanhol, Público, publicava, sob a assinatura de Carlos Enrique Bayo, o início de uma investigação, em quatro partes, sobre as relações entre o cérebro dos atentados de Catalunha de 2017 e os Serviços Secretos espanhóis [1].
Em Espanha, a espionagem e a contra-espionagem derivam de uma única instituição, o CNI (Centro Nacional de Inteligencia). Muito embora ele dependa administrativamente do Ministério da Defesa, o seu director tem o nível protocolar de ministro.
Os documentos publicados pelo quotidiano atestam que, contrariamente à versão oficial, o Imã de Ripoll, o Marroquino Abdelbaki Es-Satty,
- estava já radicalizado há muito tempo ;
- que ele havia sido recrutado como informador pelos Serviços de Inteligência ;
- que estes haviam falsificado o seu dossier na Justiça, para lhe evitar a expulsão, na sequência da sua condenação por tráfico de drogas ;
- que um «um esconderijo secreto para mensagens» lhe tinha sido atribuído para tratar com o seu oficial a cargo ;
- e que os telefones dos seus cúmplices eram escutados.
Acima de tudo, eles atestam que :
- o CNI seguia passo a passo os terroristas ;
- conhecia os alvos para os atentados ;
- e mantinha a vigilância, pelo menos quatro dias, antes da data em que os crimes foram cometidos.
Porquê é que o CNI não impediu estes atentados ?
Porquê é que escondeu o que sabia ?
Porquê é que já tinha em 2008 —quer dizer antes do recrutamento de Abdelbaki Es-Satty como informador — escondido elementos à Guarda Civil a fim de o proteger da investigação sobre o atentado de Madrid de 11 de Março de 2004 (dito «11-M») ?
Com efeito, Es-Satty estava já implicado na «Operação Chacal», o que o ligava aos atentados de Casablanca de 16 de Maio de 2003 [2], assim como ainda a um outro no Iraque contra as forças italianas [3].
Estas revelações trazem à memória os acontecimentos do 11-M, o mais gigantesco atentado sobrevindo na Europa após o 11 de Setembro de 2001, que provocou cerca de 200 mortos e 2. 000 feridos. Ora, se os executantes desta operação foram realmente julgados, continua a ignorar-se quem foram os comanditários.
- Acontece que a maior parte dos executantes eram informadores da polícia ;
- A OTAN realizou secretamente em Madrid, na véspera do atentado, um exercício em que o cenário era o mesmo do atentado [4] — cenário que não podia ser do conhecimento dos terroristas muito embora eles o tenham representado ;
- Uma importante equipa da CIA deixou precipitadamente a Espanha no dia seguinte ao atentado [5].
Atribuiu-se então primeiro este atentado aos independentistas vascos da ETA, depois aos islamistas.
Nós tínhamos publicado uma investigação de Mathieu Miquel a este propósito. Aí, ele mostrava a solidez da hipótese de ter sido uma operação da OTAN sob falsa-bandeira [6].
Muito embora involuntariamente, esta foi confirmada pelo muito atlantista antigo Primeiro-ministro José-Maria Aznar. No início da «Primavera Árabe», ele revelou que o chefe da Alcaida na Líbia, Aldelhakim Belhaj, estava implicado no atentado do 11-M, mas não tinha podido ser preso e julgado [7]. Ora, este havia-se tornado com a ajuda da OTAN o governador militar de Tripoli. Depois, de acordo com o diário monárquico espanhol ABC, ele «deslocou-se para a Síria para "ajudar" a revolução», na verdade, de facto, para criar o Exército sírio livre por conta da França [8] ; Segundo o Embaixador russo no Conselho de Segurança, Vitali Tchurkine, Belhaj e os seus homens haviam sido transportados da Líbia para a Turquia pela ONU sob cobertura da assistência aos refugiados ; Segundo um pedido do Procurador-geral do Egipto, Hichem Baraket, à Interpol, tornara-se Emir do Daesh(EI) para o Magrebe em 2015 [9]. Ele governa hoje em dia o Leste da Líbia com o apoio militar da Turquia e do Catar e, o político, das Nações Unidas.
Recordemos que os historiadores estabeleceram a responsabilidade da OTAN durante a Guerra Fria pelos assassínios, atentados e Golpes de Estado nos Países membros da Aliança [10]. Segundo a literatura interna da Aliança, os Serviços Secretos da OTAN estavam colocados sob a responsabilidade conjunta do MI6 britânico e da CIA norte-americana.
Regressemos aos atentados da Catalunha. Segundo os documentos do Público, o Imã de Ripoll, Abdelbaki Es-Satty, tinha-se radicalizado há muito tempo, o que o CNI tinha negado até aqui. Ele militava no seio do Ansar al-Islam, um grupo que se fundiu progressivamente no Estado Islâmico do Iraque, esse mesmo tendo-se tornado no Daesh (E.I.).
Ora, o Ansar al-Islam foi liderado pelo Mullá curdo Krekar. Este está hoje confinado em prisão domiciliar na Noruega. No entanto, de acordo com o quotidiano curdo Turco Özgür Gündem (actualmente fechado por ordem do Presidente Erdogan), a CIA organizou uma reunião secreta em Amã (Jordânia) para planear (planejar-br) a conquista do Iraque pelo Daesh (EI) [11]. O jornal publicou um relatório dos Serviços Secretos turcos que o PKK lhes havia roubado. Parece que o Mullá Krekar, então sob prisão, participara nela. Ele viera da Noruega, num avião especial da OTAN, e depois foi silenciosamente devolvido à sua prisão.
Este caso provocou grande agitação em Espanha onde o Parlamento da Catalunha criou uma comissão de inquérito sobre os atentados, e onde o Ensemble para a Catalunha (o partido independentista de Carles Puigdemont) encharcou de perguntas o governo de Pedro Sánchez no Congresso dos Deputados.
Os independentistas catalães sugerem que o Governo espanhol deliberadamente permitiu que fosse cometido o atentado contra a população catalã. É certamente politicamente hábil, mas não passa de uma conjectura difamatória.
Os factos —e nós atemo-nos a eles— são que nestes atentados em Espanha como num enorme número de atentados islamistas, no Ocidente e no mundo árabe :
- geralmente elementos do aparelho de Estado estavam com antecedência muitíssimo bem informados ;
- os terroristas estavam sempre ligados à OTAN.
É claro, tudo isto pode não passar de puras coincidências, mas desde 2001 elas repetem-se uma e outra vez, quaisquer que sejam o lugar e os protagonistas.
Tradução
Alva
[2] Les attentats de Casablanca et le complot du 11 septembre, Omar Mounir, Marsam, 2004.
[3] “The Road to Las Ramblas”, Zach Campbell, The Intercept, September 3, 2018.
[4] « La OTAN simuló un atentado en Europa con 200 muertos », Carlos Segovia, El Mundo, 14 de marzo de 2004.
[6] « 11 mars 2004 à Madrid : était-ce vraiment un attentat islamiste ? », « Attentats de Madrid : l’hypothèse atlantiste », Mathieu Miquel, Réseau Voltaire, 11 octobre et 6 novembre 2009.
[8] «Islamistas libios se desplazan a Siria para "ayudar" a la revolución», Daniel Iriarte, ABC, Red Voltaire, 17 de diciembre de 2011.
[9] “Segundo a Interpol, Abdelhakim Belhaj é o chefe do Emirado Islâmico no Magrebe”, Tradução Alva, Rede Voltaire, 26 de Fevereiro de 2015.
[10] NATO’s secret armies: operation Gladio and terrorism in Western Europe, Daniele Ganser, Routledge, 2005.
[11] « Yer : Amman, Tarih : 1, Konu : Musul », Akif Serhat, Özgür Gündem, 6 juillet 2014.

aqui:https://www.voltairenet.org/article207158.html

sexta-feira, 5 de julho de 2019

Novos hierarcas não eleitos da UE darão continuidade à desordem actual

por John Laughland [*]
 
Os novos senhores da UE. Apesar de tudo o que aconteceu na UE nos últimos cinco anos, os seus estados membros resolveram seleccionar quatro políticos que encarnam a continuidade total com todas as políticas que levaram a UE à desordem actual.

Nenhuma das recentes calamidades persuadiu o bloco a alterar, ainda que ligeiramente, a sua rota. Nem a ascensão de partidos anti-sistema na Itália, Alemanha, França, Finlândia e alhures. Nem a ascensão de forças [ditas] patrióticas na Polónia e na Hungria. E nem o Brexit, o qual em termos económicos é o equivalente à perda não de um estado membro mas sim de 20 – e que destruirá as actuais disposições orçamentais da UE.

Os quatro homens e mulheres cujas nomeações foram marteladas na terça-feira estão todos determinados a criar uns "Estados Unidos da Europa" (para citar a futura nova presidente da Comissão Europeia, Ursula von de Leyen) e portanto a prosseguir exactamente com a mesma integração europeia que está a provocar tanta tensão interna em estados membros da UE e suas instituições. Além disso, três dos quatro vêm dos estados nucleares da UE, os membros fundadores originais em 1951, sem nenhum da "nova Europa" no Leste ou no Centro da mesma. É como se, neste tempo de crise profunda, a UE quisesse retornar às suas fontes de cerca de 70 anos atrás, ao invés de reinventar-se novamente para enfrentar os novos desafios do século XXI.

Ursula von de Leyen. O anúncio mais gritante é naturalmente o do lugar de topo, o da ministra da Defesa alemã Ursula von der Leyen como presidente da Comissão. Porque a Comissão tem um monopólio sobre todo o processo legislativo e executivo nas instituições da UE, este corpo é o motor que conduz toda a máquina. O parlamento, em comparação, é destituído de poderes. O facto de a Alemanha ter agora adquirido controle da mais importante instituição da UE é notável, nem que seja porque é a primeira vez que um alemão teve este posto desde o primeiro presidente da Comissão, Walter Hallstein, que ocupou o cargo entre 1958 e 1967. Nas décadas que decorreram, e especialmente desde 1990, a Alemanha emergiu como a potência hegemónica na UE e nada é decidido em Bruxelas sem o acordo de Berlim.

A Alemanha também domina o Parlamento Europeu: quatro dos sete grupos no parlamento, e portanto mais de dois terços dos membros, são liderados por alemães. Quando Angela Merkel se prepara para deixar o gabinete em Berlim ela, portanto, pode estar certa de que o seu legado subsistirá, na verdade aumentará, em Bruxelas e em Estrasburgo, onde as instituições da UE serão controladas pelos seus aliados políticos mais próximos e seus herdeiros.

A contribuição específica de Ursula von der Leyen, além da sua nacionalidade e do seu status como aliada estreita de Angela Merkel, é que uma apoiante comprometida não só do conceito de uma Europa federal como também de um exército da UE. Como ministra da Defesa, ela anteriormente anunciou planos para investir €130 mil milhões nos militares da Alemanha ao longo de 15 anos, bem como um aumento de 10 por cento em 2019 para subir este valor para €50 mil milhões. Se esta remilitarização for vestida com roupas "europeias", então as tensões da Guerra Fria no continente europeu só poderão crescer, algo que a sra. von der Leyen deseja claramente: ela é notória por ser um dos piores falcões anti-russos na Alemanha e na Europa.

Dificilmente as coisas são melhores com a menos importante das quatro nomeações, aquela de Josep Borrell como chefe da política externa. Assim como von der Leyen disse que a Rússia já não é mais um parceiro, em Maio também Borrell descreveu a Rússia como "um velho inimigo". A Rússia convocou o embaixador espanhol em Moscovo ao Ministério dos Negócios Estrangeiros para protestar. Borrell partilha com von der Leyen uma crença dogmática mais auto-contraditória numa "defesa europeia compatível com a NATO". A NATO é na realidade dominada pelos Estados Unidos. E apesar de ele ter sido crítico da tentativa do governo estado-unidense de forças uma mudança de regime em Caracas, Borrell no entanto apoia o "reconhecimento" de Juan Guaidó como presidente da Venezuela: tal como sua posição sobre a defesa, este compromisso é também auto-contraditório porque se Guaidó fosse realmente o presidente legal da Venezuela, como proclama Borrell, então o jovem fantoche dos EUA teria todo o direito de remover Nicolas Maduro à força.

Charles Michel, o novo presidente do Conselho Europeu, é o segundo belga a ter ocupado este posto essencialmente honorífico: Herman van Rompuy foi nomeado como o primeiro presidente em 2009 (o segundo foi Donald Tusk, Michel é o terceiro). Diz-se frequentemente da Bélgica que tem sete parlamentos mas nenhum estado: agora Michel terá 27 governo mas ainda nenhum estado. Seria difícil imaginar um político mais conformista do que Charles Michel: este criado liberal nunca pronunciou uma palavra original na sua vida. Além disso, tal como Ursula von der Leyen, ele tem a política da UE no sangue. Tal como Ernst Albrecht, pai de Ursula von der Leyen, o qual foi um responsável superior da Comissão Europeia antes de se tornar ministro presidente da Baixa Saxónia (Ursula nasceu em Bruxelas e frequentou a Escola Europeia), o pai de Charles Michel, Louis, foi um ministro dos Negócios Estrangeiros belga e comissário europeu. Duas das quatro nomeações de ontem são portanto dinásticas, enfatizando a casta – à semelhança da classe política europeia – à qual dever-se-ia talvez acrescentar Josep Borrell que é um antigo presidente do Parlamento Europeu e antigo presidente do Instituto da Universidade Europeia, em Florença.

Em suma, nenhum dos quatro brilha como uma personalidade ao passo que vários deles têm sido envolvidos em escândalos financeiros – Borrell for deixar de declarar €300 mil por um trabalho de um ano em consultoria em 2012 e Lagarde por aprovar um pagamento do Estado a um amigo de Nicolas Sarkozy. Leyen tem sido muitas vezes acusada de incompetência como ministro, mais preocupada com o seu penteado perfeito do que em dirigir as forças armadas alemãs. Todos os quatro sobreviveram na política, na maior parte dos casos durante décadas, precisamente porque nunca se desviaram da linha do partido e ao invés chegaram onde estão fazendo como lhes dizem.

Quanto ao homem eleito na quarta-feira como presidente do Parlamento Europeu, ele não tem poder de todo. O pouco poder que o Parlamento Europeu tem é o do interesse dos seus membros. A eleição de David-Maria Sassoli representa um novo prego no caixão da representação política porque ele representa uma força gasta na política italiana. Como membro do Partido Democrático, ele posiciona-se pela velha ordem a qual em 2018 foi varrida para longe em Roma quando a nova esquerda do 5 Estrelas e a nova direita da Liga construíram uma aliança para por de lado os velhos partidos. Acima de tudo, Sassoli foi vice-presidente no parlamento anterior e portanto a sua eleição agora é também uma expressão de continuidade.

Em suma, confrontada com uma crise existencial e uma grave falta de credibilidade, a mensagem da UE aos seus eleitores e ao mundo é: Business as usual.
03/Junho/2019 


[*] Doutorado em filosofia pela Universidade de Oxford, ensinou nas universidades de Paris e Roma, é historiador e especialista em assuntos internacionais.

O original encontra-se em www.rt.com/op-ed/463298-eu-parliament-council-commission/


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .


Publicação em destaque

Marionetas russas

por Serge Halimi A 9 de Fevereiro de 1950, no auge da Guerra Fria, um senador republicano ainda desconhecido exclama o seguinte: «Tenh...