terça-feira, 30 de setembro de 2014

Os Facilitadores







«Ajustes directos, contratos swap, PPP (nos sectores da saúde, educação, águas, resíduos, vias rodoviárias e ferroviárias, etc.), privatizações de empresas públicas, concessões e subconcessões, contratos de exploração a meio século, auto-estradas com portagens virtuais, rendas excessivas no sector energético, mais-valias decorrentes da venda de gás natural não partilhadas com os consumidores, aumentos das taxas nos aeroportos nacionais, direitos adquiridos sobre pontes e aeroportos que ainda não foram construídos, indemnizações devidas por causa de projectos adiados, ou mudanças de sede fiscal para a Holanda ou para a Zona Franca da Madeira...

Quase todos estes contratos, negócios e direitos adquiridos foram assessorados, intermediados, aconselhados, estruturados, facilitados pelas principais sociedades de advogados que operam em Portugal. As que mais facturam. Quer do lado do Estado, em representação do interesse público, quer do lado do sector privado, defendendo os interesses empresariais dos respectivos clientes. Ou em ambos os lados, muitas vezes em simultâneo, por entre indícios de conflitos de interesses.

O jornalista Gustavo Sampaio, autor do bestseller "Os Privilegiados", apresenta uma investigação jornalística rigorosa e inédita que, pela primeira vez, revela e sistematiza as listas de clientes das maiores sociedades de advogados, as interligações políticas e empresariais (desde o recrutamento de ex-políticos ou políticos no activo até à acumulação de cargos de administração em grandes empresas), as participações no âmbito da produção legislativa ou da actividade regulatória, entre outros elementos.

Este trabalho de investigação, a compilação de factos e o cruzamento de dados compõem um retrato impressionante sobre a triangulação de interesses entre o poder político, o mundo empresarial e os consórcios de advocacia, desafiando o leitor através de um conjunto de questões, nomeadamente:
- As sociedades de advogados são uma peça essencial no mecanismo de aparente captura do poder político pelo poder económico e financeiro?
- Além de assessorarem e facilitarem, as sociedades de advogados também acabam por - de algum modo - incitar, promover, influenciar ou pressionar para que todos estes contratos e negócios se concretizem?
- Será legítimo - ou recomendável - que as mesmas sociedades de advogados participem tanto na negociação como na renegociação, ou seja, tanto na blindagem como na posterior desblindagem desses contratos e negócios, ora do lado do Estado ora do lado do sector privado?»

aqui:http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=729828

domingo, 28 de setembro de 2014

No princípio era o medo

Sobre os bombardeamentos norte-americanos em território da Síria


por CPPC
 
Manifestação em Londres. O Conselho Português para a Paz e Cooperação (CPPC) denuncia os ataques dos EUA em território da Síria, contra alvos do dito "Estado Islâmico" (EI), como mais um estratagema na sua já longa história de interferência e de desestabilização da Síria e do Médio Oriente.

Estas acções militares dos EUA violam a soberania e ameaçam a integridade territorial da Síria, são realizadas à margem do direito internacional e desrespeitam os princípios da Carta das Nações Unidas.

A actuação norte-americana expressa, uma vez mais, a arrogância dos que se julgam acima da legalidade internacional e que, violentando através da força a soberania dos povos, pretendem dominar os recursos desta região – recordem-se os objectivos colonialistas dos EUA de criação de um "Grande Médio Oriente".

O CPPC considera que o combate à acção de grupos responsáveis por incomensuráveis crimes, tem de começar pelo fim da ingerência na Síria e no Iraque por parte dos EUA, da NATO, da UE e dos seus aliados na região, como Israel ou as ditaduras do golfo.

Diversos grupos que actuam na Síria e no Iraque, como o grupo agora chamado "Estado Islâmico", são fruto dos apoios políticos, financeiros e militares dos EUA e seus aliados, sendo utilizados para atacar e desestabilizar vários Estados na região e sendo responsáveis por inúmeros actos de terror e barbárie contra as populações locais, servindo como pretexto para a intervenção das forças militares dos EUA na região.

A nova escalada belicista norte-americana desestabiliza ainda mais toda a região, aumentando as dificuldades e perigos para populações já martirizadas por anos de conflitos, promovendo ainda mais as condições que fazem florescer as ideologias opressivas, sectárias, xenófobas e retrógradas.

Se os EUA e seus aliados realmente pretendessem "combater o terrorismo" teriam de começar por parar com a sua política de ingerência e intervencionismo militar – de autêntico terrorismo de Estado; teriam de respeitar a soberania e integridade dos Estados; teriam de para de apoiar política, militar e financeiramente os grupos criminosos que patrocinam; teriam de passar a pautar a sua política externa pela cooperação e pelo respeito dos princípios da Carta das Nações Unidas.

O CPPC expressa toda a sua solidariedade às populações síria e iraquiana, saudando, de forma especial o movimento da paz sírio, membro do Conselho Mundial da Paz.

O CPPC considera que ao Governo Português cabe, no respeito pela Constituição da República Portuguesa, condenar a actuação dos EUA e defender o respeito pela soberania e integridade dos Estados.
 

Ver também:

  • Lavrov: Western bloc headed by Washington rejects UN principle that all states are equal
  • Fighting ISIL is a Smokescreen for US Mobilization against Syria and Iran

  • Four Myths About Obama's War on ISIS

    Este documento encontra-se em http://resistir.info/

  • aqui:http://resistir.info/moriente/siria_cppc_27set14.html 
  • sábado, 27 de setembro de 2014

    Portugal Surreal – Passos, Tecnoforma e trafulhice

    O ocidente bate em retirada na Ucrânia


    por M. K. Bhadrakumar [*]
     
    Considerando o enorme destaque dado pela Casa Branca à visita do presidente ucraniano Petro Poroshenko na semana passada – a "rara honra" de discursar numa sessão conjunta do Congresso dos EUA – poder-se-ia pensar que a administração Barack Obama estava a envolver-se num clima de elevada beligerância para com a Rússia. Mas uma leitura atenta das observações do presidente Obama após a reunião bilateral com Poroshenko na quinta-feira passada [18/Set] em Washington desperta dúvidas.

    Obama é um político flexível que pode fazer uma retirada parecer uma vitória. Ele já o fez no Afeganistão. Estará a fazê-lo na Ucrânia? Considere o seguinte. Obama que manifestou desdém pelo diálogo de Minsk tornou-se agora devoto do mesmo.

    Ele também está a advogar que a Ucrânia deveria ter "boas relações com todos os seus vizinhos, tanto de Leste como do Oeste" e recomenda que a Ucrânia deveria continuar seus fortes laços económicos e relações de povo-para-povo com a Rússia. Isto é do melhor Obama (vintage Obama).

    Estaremos nós a ver os sinais de Obama quase a aconselhar Poroshenko a resolver as questões difíceis directamente com Moscovo? Assim parece. Ao retornar a Kiev, Poroshenko revelou hoje que os EUA só fornecerão à Ucrânia material militar "não letal", o que naturalmente fica aquém da sua lista de desejos.


    Taxas oficiais ucranianas de variação do PIB. E, quanto à assistência económica, a Casa Branca concordou em dar a principesca quantia de US$50 milhões para ajudar Poroshenko a atravessar o ano de 2015. Isto é um tanto tragicómico, pois vem num momento em que, segundo o FMI, a Ucrânia precisa de cerca de US$19 mil milhões no próximo ano, se a guerra civil continuar, a título de assistência financeira para sobreviver ao longo de 2015, além do programa global de salvamento para o país.

    Enquanto isso, o FMI reviu a sua própria estimativa de seis meses atrás e agora diz que é necessário um estarrecedor salvamento (bailout) de US$55 mil milhões em financiamento externo para a Ucrânia. Peritos prevêem que este número poderia acabar por ficar mais próximo dos US$100 mil milhões do que dos US$55 mil milhões.

    É uma brincadeira macabra – dar uma esmola miserável de US$50 milhões depois de atiçar a Ucrânia a ir à guerra com a Rússia. De onde virão os restantes US$18450 milhões para a Ucrânia no próximo ano?

    Bem, da Europa, de onde mais? E quem da Europa pagará? Não a Polónia, não a Lituânia, não a Estónia. Isto tem de vir da "Velha Europa". Basicamente, a Alemanha tem de afrouxar os cordões da bolsa. A chanceler Angela Merkel deve estar a saltar como louca.

    Ao contrário de estimativas anteriores, a contracção da economia da Ucrânia este ano pode revelar-se como de dois dígitos. Tudo isto pode conduzir a um longo caminho a fim de explicar certos desenvolvimentos intrigantes relacionados com a Ucrânia nas últimas semanas: a) A decisão sumária da União Europeia de remeter o seu Acordo de Associação assinado às pressas com a Ucrânia para o congelador até pelo menos o fim de 2015; b) o forte apoio da UE ao acordo de Minsk entre Kiev e os separatistas no Sudeste da Ucrânia; c) a reunião altamente secreta entre os ministros dos Estrangeiros da França, Alemanha e Rússia do lado de fora da recente conferência internacional em Paris quanto ao Estado Islâmico; d) o tardio reconhecimento da NATO de que a Rússia retirou tropas da fronteira da Ucrânia; e e) reunião entre os ministros dos Estrangeiros da Rússia e dos EUA em Nova York ainda hoje.

    Basta dizer que o presidente da Rússia, Vladimir Putin, pode estar a conseguir uma grande vitória diplomática ao fazer com que o Ocidente reconheça que Moscovo tem interesses legítimos na Ucrânia. O Ocidente não tem opção senão aceitar que a economia da Ucrânia está conectada a Moscovo com um cordão umbilical e sem a firme cooperação russa ela não pode ser salva.

    Em retrospectiva, Moscovo fez bem em ignorar o mais recente conjunto de sanções da UE anunciado três semanas atrás. Já há sinais de que Poroshenko está a olhar Putin como, talvez, o seu interlocutor mais consequente.

    Ao mesmo tempo, Washington também deveria começar a perceber que envolver Moscovo está a tornar-se uma necessidade para mobilizar efectivamente uma campanha internacional contra o Estado Islâmico. Poderia ser um sinal do rumo que está a tomar o vento que o antigo secretário da Defesa britânico e deputado conservador, Liam Fox, hoje tenha explicitamente acautelado a Europa e os EUA contra fazer ameaças à Rússia acerca da Ucrânia.

    Disse Fox: "Penso que é muito importante não pretender que você [o Ocidente] poderá ou fará coisas que claramente não fará. Fazer falsas ameaças, penso, é um grande problema. Temos de encarar meios diferentes de tratar com a situação ucraniana". Bravo!

    Não será de surpreender, portanto, se um dia destes Putin vier em ajuda de Obama mais uma vez na Síria. A Rússia pode ajudar Obama a legitimar a campanha internacional contra o Estado Islâmico pela obtenção de um mandato para isso no Conselho de Segurança da ONU; a Rússia pode ser útil na negociação (ou falta dela) dos EUA com o presidente Bashar Al-Assad, da Síria. Sem dúvida, a posição da Rússia ( aqui , aqui e aqui ) sobre a ameaça do Estado Islâmico é inequívoca e em linhas gerais favorável à campanha internacional conduzida pelos EUA.

    A única condição da Rússia é que as operações dos EUA na Síria deveriam ter a concordância do governo sírio e/ou deveriam ter um mandato da ONU, mas então, o que impede Obama de procurar um mandato da ONU é também a apreensão de que Moscovo possa não cooperar.

    É bem possível que o gelo em relação à Síria seja quebrado hoje na reunião entre Sergey Lavrov e John Kerry em Nova York. A Nova Guerra Fria, que começou com um estrondo, pode estar a acabar com um gemido.
     
    24/Setembro/2014
    Ver também:
  • Os prós e os contras dos Acordos de Minsk

  • O empréstimo do FMI à Ucrânia, sob a nova guerra fria

    [*] Antigo diplomata indiano.

    O original encontra-se em blogs.rediff.com/mkbhadrakumar/2014/09/24/west-beats-retreat-in-ukraine/


    Este artigo encontra-se em http://resistir.info/
  •  
  • aqui:http://resistir.info/ucrania/bhadrakumar_24set14.html 
  • sexta-feira, 26 de setembro de 2014

    EUA: Um estado inimigo da Humanidade

    por Miguel Urbano Rodrigues

    A contra-ofensiva imperialista iniciada logo após o final da II Guerra Mundial intensificou-se na década de 80 do século passado e atingiu dimensão global com as derrotas do socialismo no leste europeu. 

    Desenvolve-se em todos os continentes. A escalada terrorista de agressão e ocupação e o rasto de caos que gera põem em risco o próprio futuro da humanidade. Mas começa a depara-se com sucessivos atoleiros.

    O chamado Estado Islâmico-ISIL, que se apresenta como refundador do Califado é a ultima aberração gerada pela estratégia de terrorismo de estado do imperialismo estado-unidense.

    Essa estratégia surgiu como consequência de efeitos não previstos da execução do projeto de dominação perpétua e universal sobre a humanidade, concebido ainda em vida de Roosevelt, no âmbito do War and Peace Program, um projeto que identificava nos EUA o herdeiro natural do Império Britânico.

    O Médio Oriente foi a área escolhida pelo Pentágono e o Departamento de Estado para a arrancada do ambicioso Programa, precisamente por o Reino Unido, muito enfraquecido pela guerra, ter iniciado ali a sua política de retirada escalonada de bastiões imperiais no mundo islâmico.

    Nas décadas seguintes, a CIA promoveu golpes na Região com destaque para o que derrubou Mossadegh e restabeleceu no trono do Irão o Xá Reza Pahlavi.

    O PÂNTANO AFEGÃO

    A partir de 1980, o governo Reagan financiou e armou as organizações terroristas sunitas de Peshawar que combatiam a Revolução Afegã. Alguns dos seus dirigentes foram recebidos como heróis na Casa Branca como «combatentes da liberdade»; Reagan saudou-os como combatentes da liberdade e «novos Bolívares».

    Os bandos desses heróis cortavam os seios a mulheres que não usavam a burka ou cegavam-nas com ácido sulfúrico.

    Nessa época, o saudita Bin Laden interveio ativamente como aliado de confiança dos EUA (seu pai fora amigo da família Bush) nas campanhas que visavam o derrubamento do governo revolucionário de Kabul.

    Quando Mikhail Gorbatchov abandonou o Afeganistão e os 7 de Peshawar tomaram o poder no país, essas organizações desentenderam-se e iniciou- se um período de guerras fratricidas.

    No final da Presidência de Bush pai, os EUA, que tinham patrocinado a guerra de Saddam Hussein contra o Irão, reagiram à ocupação do Koweit, desencadeando a primeira guerra do Golfo em l991. Com o apoio de uma grande coligação avalisada pelo Conselho de Segurança, os iraquianos foram rapidamente derrotados. Bagdad foi submetida a bombardeamentos destruidores, mas Washington não se opôs a que Saddam permanecesse no poder.

    No Afeganistão, cujo subsolo encerra recursos fabulosos, a situação assumiu aspetos tão caóticos, com os senhores da guerra a digladiarem-se, que Washington abriu a porta à entrada em cena dos Taliban, uma organização terrorista que a CIA havia criado no Paquistão como «reserva».

    Os autointitulados «estudantes de teologia» conquistaram facilmente o país e, instalados em Kabul, assassinaram Muhammad Najibullah, o ultimo presidente legítimo, asilado na Sede da ONU, e promoveram uma política de fanatismo religioso que fez regressar o país à Idade Média. Bin Laden, mudando de campo, surgiu então como aliado preferencial do mullah Omar, chefe espiritual dos Taliban.

    Os EUA recolhiam frutos amargos da sua política agressiva contra o Islão e de apoio incondicional ao Estado sionista de Israel.

    Mas foi somente em 2001, após os atentados contra o World Trade Center e o Pentágono, que a Casa Branca, onde então pontificava Bush filho, tomou a decisão de invadir e ocupar o Afeganistão. Bin Laden foi guindado a inimigo número 1 dos EUA e a Al Qaeda, por ele fundada, adquiriu na propaganda americana as proporções de um polvo demoníaco cujos tentáculos envolveriam todo o mundo islâmico.

    Mas, contrariando as previsões de Washington, o povo afegão resistiu à ocupação do país pelos EUA e pela NATO.

    O Presidente Obama, que prometera acabar com aquela guerra impopular, enviou para o país mais 100 000 militares. Sucessivas ofensivas de «pacificação» fracassaram e generais prestigiados foram demitidos.
    Anunciada para este ano a total retirada das forças de combate, a promessa não será cumprida.

    Transcorridos 13 anos da invasão, a Resistência Afegã (que transcende largamente os Talibans) controla quase todas as províncias, com as tropas estrangeiras concentradas em Kabul e nas principais cidades. O
    país, devastado pela guerra, está mais pobre do que antes da chegada dos americanos, mas a produção de ópio aumentou muitíssimo.

    O assassínio de Bin Laden no Paquistão numa operação de comandos nebulosa, montada pela CIA e o Pentágono, não contribuiu, alias, para melhorar a imagem de Obama.

    IRAQUE, LÍBIA, SÍRIA

    Longe de extraírem lições da sua política para a Região, os EUA desencadearam em março de 2003 a segunda guerra do Iraque, desta vez sem o aval da ONU.

    O pretexto invocado – a existência de armas de extermínio massivo - foi forjado por Bush e Tony Blair. Tais armas, como foi provado, não existiam.

    Na invasão foram utilizadas armas químicas proibidas pelas convenções internacionais. Crimes monstruosos foram cometidos e as torturas (incluindo abusos sexuais) infligidas pela soldadesca americana aos prisioneiros iraquianos tornaram-se tema de escândalo de proporções mundiais.

    Saddam Hussein foi executado, apos um julgamento sumário, com o aplauso de um governo fantoche, mas, transcorrida mais de uma década, o Iraque regrediu meio século. Centenas de milhares de iraquianos morreram de doenças curáveis e de desnutrição.

    Hoje, ocupado por dezenas de milhares de mercenários ao serviço de empresas mafiosas, o Iraque é na prática uma terra humilhada e ocupada, onde o poder real é exercido pelas transnacionais que se apropriaram do seu petróleo e do seu gás.

    Incapazes de encontrar soluções para a sua crise estrutural, os EUA prosseguiram com a sua agressiva estratégia (ampliando-a) de dominação imperial.

    A política de cerco à China e à Rússia intensificou-se. De documentos secretos do Governo federal, tornados públicos por influentes media, constam planos para arruinar e desmembrar a Rússia, reduzindo-a a potência de segunda classe.

    A multiplicidade de objetivos a atingir quase simultaneamente tem contribuído, porém, para que os resultados dessa política não correspondam às esperanças da Casa Branca.

    As mal chamadas «primaveras árabes» foram ideadas para produzirem no Islão um efeito comparável ao das «revoluções coloridas». E isso não aconteceu. No Egito, apos uma cadeia de crises complexas e um golpe de estado que derrubou o presidente Morsi, os EUA conseguiram o que pretendiam. No Cairo ocupa o poder um governo militar do agrado do imperialismo norte-americano e que Israel encara com simpatia.

    Mas o balanço da intervenção militar na Líbia é desastroso. Derrubaram e assassinaram Kadhafi, numa guerra de agressão imperial, viabilizada pela cumplicidade da ONU, guerra em que participaram ativamente a França e o Reino Unido, preparada com antecedência pela CIA e os serviços secretos britânicos e a Mossad israelense, destruíram as infra-estruturas do país para se apossarem do seu petróleo e do seu gás.

    Mas o desfecho da operação criminosa não correspondeu ao previsto no organigrama da agressão.

    A Líbia é hoje um país ingovernável. Uma parte significativa dos «rebeldes», treinados e armados pelo imperialismo para lutar contra Khadafi, passaram a atuar por conta própria, em milícias que desconhecem o governo títere de Trípoli. O terrorismo tornou-se endémico. O atentado terrorista contra a missão diplomática dos EUA em Bengasi confirmou o estado de anarquia existente e a incapacidade de Washington para controlar as organizações terroristas que o imperialismo introduziu no país.

    Do caos líbio não foram porém extraídos também os ensinamentos neles implícitos.

    A escalada de agressões prosseguiu. A Síria foi o alvo seguinte. Washington repetiu a fórmula. Uma campanha mediática ampla e ruidosa demonizou o presidente Assad, apresentado como ditador brutal. Depois, «rebeldes» patriotas – muitos dos quadros são estrangeiros – iniciaram a luta contra o governo legitimo do pais.

    Contrariando as previsões da CIA, as forças armadas, unidas em defesa do presidente Assad, resistiram e as organizações terroristas, ostensivamente apoiadas pela Turquia e pela Arabia Saudita, sofreram severas derrotas.

    Dezenas de milhares de civis, sobretudo mulheres e crianças, foram vítimas da guerra patrocinada pelos EUA. Compreendendo finalmente que o plano elaborado em Washington estava a fracassar, Obama, numa guinada tática, informou num discurso ameaçador que tinha decidido bombardear a Síria.

    A firme atitude assumida pela Rússia obrigou-o, entretanto, a recuar e a desistir da intervenção militar direta. Essa inocultável derrota política tornou necessária uma revisão da estratégia global dos EUA para todo o Medio Oriente.

    Apercebendo-se de que haviam avaliado mal a relação de forças, a Casa Branca e o Pentágono adiaram sine dia o projeto de agressão à Republica Islâmica do Irão, e abriram negociações sobre o tema nuclear com um governo que o imperialismo identificava como polo do «eixo do mal».

    A CATÁSTROFE UCRANIANA

    A derrota sofrida pelo imperialismo na Síria coincidiu praticamente com o desenvolvimento de outro projeto imperial, mais ambicioso, que visava a integração a medio prazo da Ucrânia na União Europeia e na NATO.

    Dispenso- me de recordar, por serem amplamente conhecidos, os acontecimentos que conduziram ao poder em Kiev um governo neofascista apos o derrubamento do presidente Yanukovich. Era um aventureiro, mas havia sido eleito democraticamente.

    Mais uma vez o plano golpista foi minuciosamente preparado em Washington.

    Mas, novamente, a Historia seguiu um rumo diferente do previsto pelo sistema de poder imperial. A integração da Crimeia na Rússia demonstrou que o governo de Putin e Medvedev‎ não se deixava intimidar pela agressiva estratégia de Washington.

    A recusa das populações russófonas dos leste da Ucrânia a submeter-se aos golpistas de Kiev levou observadores internacionais a admitir que a ofensiva das forças armadas da Ucrânia contra os «separatistas» de Donetsk e Lugansk poderia ser o prólogo de uma III Guerra Mundial. Mas a prudência e serenidade de Putin contribuíram para uma redução de tensões na área, evitando o alastramento de um conflito que poderia ter trágicas consequências para a humanidade.

    A crise persiste, mas a própria incapacidade militar do bando de Kiev conduziu ao atual cessar-fogo e às negociações de Minsk.

    Na Ucrânia, o tiro saiu também vez pela culatra ao governo dos EUA cuja aliança com fascistas assumidos ilumina o desprezo pela ética política da Administração Obama.

    O PESADELO JIHADISTA

    Atolado no pantanal ucraniano, o imperialismo estado-unidense (e os seus aliados) enfrenta nestes dias um desafio assustador para o qual sabe não ter solução.

    Inesperadamente, uma organização de islamitas fanáticos irrompeu no noroeste do Iraque e em poucas semanas ocupou um amplo território naquele país e no norte da Síria.

    Assumindo-se como intérpretes intransigentes da sharia, tal como a concebem, proclamaram a restauração do Califado árabe e declaram a intenção de promover a sua expansão territorial e espiritual.

    Logo nas primeiras semanas, a passagem desses jihadistas por cidades e aldeias conquistadas ficou assinalada pela prática de crimes hediondos, inseparáveis do fanatismo exacerbado da seita jihadista.

    O imperialismo sentiu que o empurravam para um impasse. Obama não pode aceitar a ajuda do governo de Bashar al Assad, nem a do Irão. Perderia a face também se recorresse a forças terrestres para combater os jihadistas depois de ter festejado como acontecimento histórico a retirada do Iraque das tropas de combate.

    Optou então pelo recurso a bombardeamentos aéreos. Recebeu o apoio dos governos de Hollande e de Cameron, mas os especialistas do Pentágono acham que esses bombardeamentos, ditos «cirúrgicos», terão uma eficácia muito limitada.

    Os jihadistas responderam degolando dois reféns britânicos em seu poder e ameaçam abater outros se os bombardeamentos prosseguirem.

    É imprevisível no momento o desfecho do confronto. Mas os generais do Pentágono afirmam que o exército iraquiano e as milícias do Curdistão autónomo, aliado de Washington, não têm capacidade militar para derrotar os jihadistas.

    Em Washington a Administração está mergulhada num pesadelo. Os media mais influentes, do New York Times à CNN, também.

    Muitos quadros jihadistas são, afinal, provenientes de organizações terroristas criadas e financiadas pelos EUA para combater regimes que não se submetiam à dominação imperial. Alguns foram treinados por oficiais do US Army.

    O desconforto dos media também é compreensível. As guerras de agressão que atingiram o Afeganistão, o Iraque, a Líbia e a Síria foram precedidas de gigantescas campanhas de desinformação. Durante semanas, os povos dos EUA e da Europa foram massacrados com um tipo de propaganda que apresentava as intervenções militares como exigência da defesa da liberdade e dos direitos humanos em prol da democracia, contra a ditadura e a barbárie.

    Goebbels, o ministro da Propaganda de Hitler, afirmava que uma mentira à força de repetida é aceite como verdade. As técnicas de desinformação utilizadas na época parecem hoje brincadeira de crianças se comparadas com a monstruosa máquina mediática controlada pelo imperialismo para anestesiar a consciência dos povos e justificar crimes abjectos.

    O presidente Obama cumpre neste jogo criminoso o papel que lhe foi distribuído. Na realidade o poder nos EUA está nas mãos do grande capital e do Pentágono. Mas isso não atenua a sua responsabilidade; a máscara não funciona, o presidente desempenha com prazer e hipocrisia a sua função na engrenagem do sistema. Comporta-se na Casa Branca como inimigo da Humanidade.

    Nos últimos séculos somente a Alemanha de Hitler criou uma situação comparável pela monstruosidade dos crimes cometidos à resultante hoje da estratégia de poder dos EUA. Com duas diferenças fundamentais: a política do III Reich suscitou repúdio universal, mas apenas a Europa foi cenário dos seus crimes.

    No tocante aos EUA, centenas de milhões de pessoas são confundidas pela fachada democrática do regime, mas os crimes cometidos têm dimensão planetária.

    Qual o desfecho da perigosa crise de civilização que ameaça a própria continuidade da vida na Terra?

    Vivemos um tempo, após a transformação da Rússia num país capitalista, em que as forças da direita governam com arrogância em quase toda a Europa. Em Portugal sofremos um governo em que alguns ministros são mais reacionários que os de Salazar.

    Mas a Historia é há milénios marcada pela alternância do fluxo e do refluxo. O pessimismo não se justifica. A maré da contestação ao capitalismo está a subir.

    Não esqueço que Marx, após a derrota na Alemanha da Revolução de 1848 -49, quando uma vaga de desalento corria pela Europa, criticou com veemência o oportunismo de esquerda e o de direita, que contaminava a Liga dos Comunistas. Dirigindo-se à classe operária, afirmou que os trabalhadores poderiam ter de lutar 15, 20 ou mesmo 50 anos antes de tomarem o poder. Mas isso não era motivo para se desviarem dos princípios e valores do comunismo.

    A revolução socialista tardou 70 anos. E não eclodiu na Alemanha ou na França, mas na Rússia autocrática e atrasada.

    O ensinamento de Marx permanece válido. Mas neste inicio do seculo XXI não será necessário esperar tanto tempo.

    A vitória final depende das massas como sujeito da História.

    A advertência de Rosa Luxemburgo - Socialismo ou Barbárie - não perdeu atualidade. Ou o capitalismo, hegemonizado pelo imperialismo norte-americano, empurra a humanidade para o abismo, ou a luta dos povos o erradica do planeta. A única alternativa será então o socialismo.

    Vila Nova de Gaia, 23 de Setembro de 2014

    aqui:http://www.odiario.info/?p=3410 

    terça-feira, 23 de setembro de 2014

    Quem é que compõe o «Emirado islâmico»?

    Enquanto a opinião pública ocidental é inundada com informação sobre a constituição de uma pretensa coligação internacional para lutar contra o «Emirado islâmico», este muda discretamente de forma. Os seus principais oficiais já não são, mais, árabes, mas sim Georgianos e Chineses. Para Thierry Meyssan, esta mutação mostra que, a termo, a Otan entende utilizar o «Emirado islâmico» na Rússia e na China. Portanto estes dois países devem intervir, agora, contra os jihadistas, antes que eles voltem para semear o caos no seu país de origem.

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     A princípio o «Emirado islâmico» apreguou a sua origem árabe. Esta          organização surgiu da «Al-Qaida no Iraque» que combatia não os    invasores norte-americanos, mas sim os Xiitas iraquianos. Ela tornou-se «Emirado islâmico no Iraque», depois «Emirado islâmico no Iraque e no Levante». Em outubro de 2007, o exército dos E.U. capturou em Sinjar perto de 606 fichas de membros estrangeiros desta organização. Elas foram depuradas e estudadas por peritos da Academia militar de West Point.

    Não obstante, alguns dias depois desta apreensão, o emir al-Baghdadi declarou que a sua organização só incluia 200 combatentes e que eles eram todos Iraquianos. Esta mentira é comparável à das outras organizações terroristas na Síria que declaram não contar senão ocasionalmente com estrangeiros, enquanto o Exército árabe sírio avalia em, pelo menos, 250. 000 o número de jihadistas estrangeiros que terão combatido na Síria durante os últimos três anos. Porém, agora, o califa Ibrahim (novo nome do emir al-Baghdadi) reivindica que a organização dele é amplamente formada por estrangeiros, que o território sírio não é mais para os Sírios e o território iraquiano não é mais para os Iraquianos, mas, sim, que serão para os seus jihadistas.

    Segundo as fichas apanhadas em Sinjar, 41% dos terroristas estrangeiros membros do «Emirado islâmico no Iraque» eram de nacionalidade saudita, 18,8% eram Líbios, e apenas 8,2% eram Sírios. Se relacionarmos estes números com a população de cada um dos países em questão, a população líbia forneceu, proporcionalmente 2 vezes mais combatentes que a da Arábia saudita e 5 vezes mais que a da Síria.

    Em relação aos jihadistas sírios, a sua origem era dispersa pelo país, mas 34, 3% provinham da cidade de Deir ez-Zor que, depois da retirada do «Emirado islâmico» de Raqqa, se tornou na capital do Califado.

    Na Síria, Deir ez-Zor tem a particularidade de ser povoada, maioritariamente, por árabes sunitas organizados em tribos, e por minorias curda e arménia. Ora, até ao presente, os Estados Unidos não conseguiram destruir senão Governos como o do Afeganistão, do Iraque, e da Líbia, quer dizer países onde a população está organizada em tribos. Pelo contrário, eles falharam por todo lado onde isto não se passava. Deste ponto de vista, Deir ez-Zor, em particular, e o Nordeste da Síria em geral, poderão, pois, ser potencialmente conquistados, mas não o resto do país, como se vê desde há três anos.

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    Tarkhan Batirashvili, sargento das informações militares georgianas, tornou-se um dos principais chefes do «Emirado islâmico» sob o nome de Abou Omar al-Shishani.

    Desde há duas semanas uma purga atinge os oficiais magrebinos. Assim, os Tunisinos que capturaram o aeroporto militar de Raqqa, a 25 de agosto, foram detidos por desobediência, julgados e executados pelos seus superiores. O «Emirado islâmico» entende meter os seus combatentes árabes no devido lugar e promover oficiais tchetchenos, gentilmente fornecidos pelos serviços secretos georgianos.

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    Abou Anisah al-Khazakhi, primeiro jihadista chinês do «Emirado islâmico», morto em combate, (no centro da foto), não era Uígur mas sim Cazaque.

    Uma outra categoria de jihadista fez a sua aparição: os Chineses. Desde junho, os Estados Unidos e a Turquia transportaram centenas de combatentes chineses, e suas famílias, para o Nordeste da Síria. Alguns de entre eles tornaram-se imediatamente oficiais. Trata-se sobretudo de Uígures, Chineses da China popular, mas que são muçulmanos sunitas e turcófonos.

    Torna-se claro, desde logo que, a termo, o «Emirado islâmico» estenderá as suas actividades à Rússia e à China, e que estes dois países são os seus alvos finais.

    Iremos seguramente assistir a uma nova operação de propaganda da Otan: a sua aviação expulsará os jihadistas para fora do Iraque, e deixará que se instalem em Deir ez-Zor. A CIA fornecerá o dinheiro, armamento, munições e as informações aos «revolucionários sírios moderados» (sic) do ESL (Exército sírio livre -ndT), que mudarão então de casaca e a utilizarão sob a bandeira do «Emirado islâmico», como tem sido o caso desde maio de 2013.

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    John McCain e o estado-maior do exército sírio livre. No primeiro plano à esquerda, Ibrahim al-Badri, com quem o senador está a iniciar a conversa. Logo em seguida, o brigadeiro- general Salim Idriss (de óculos).

    À época, o senador John McCain veio ilegalmente à Síria econtrar-se com o estado- maior do ESL. De acordo com a fotografia difundida, então, para atestar a reunião, este estado-maior incluía um certo Abu Youssef (ou Ibraim al-Badri -ndT), oficialmente procurado pelo departamento de Estado dos E.U., sob o nome de Abu Du’a, na realidade o actual califa Ibrahim. Assim, o mesmo homem era— simultaneamente— um chefe moderado no seio do ESL e um chefe extremista no seio do «Emirado Islâmico».

    Munidos com esta informação poderemos avaliar, pelo seu verdadeiro significado, o documento apresentado ao Conselho de Segurança, a 14 de Julho, pelo embaixador sírio Bashar Jaafari. Trata-se de uma carta do comandante-em-chefe do ESL, Salim Idriss, datada de 17 de janeiro de 2014. Nele pode ler-se : «Informo-vos, pela presente, que as munições enviadas pelo estado-maior aos dirigentes dos conselhos militares revolucionários da região Leste devem ser distribuídos, de acordo com o que foi acordado, por dois terços aos comandantes de guerra da Frente el-Nosra, o terço restante devendo ser repartido entre os militares e os elementos revolucionários para a luta contra os bandos do EIIL (Exército islâmico do Iraque e do Levante -ndT). Agradecemos-vos que nos enviem o comprovativo de entrega de todas as munições, especificando as quantidades, e a qualidade, devidamente assinados pelos dirigentes e pelos chefes de guerra em pessoa, afim de que possamos encaminhá-los para os parceiros turcos e franceses». Por outras palavras, duas potências da Otan (Turquia e França) entregaram munições, na quantidade de dois terços, à Frente Al-Nosra (classificado como membro da al-Qaida pelo Conselho de Segurança) e, de um terço, ao ESL para que este combata contra o «Emirado Islâmico», cujo chefe é um dos seus oficiais superiores. Na verdade, o ESL desapareceu no terreno (de operações-ndT) e as munições foram, portanto, em dois terços enviadas à al-Qaida e um por um terço ao «Emirado Islâmico».

    Graças a este embrulho de dupla capa, a Otan poderá continuar a lançar as suas hordas de jihadistas contra a Síria, enquanto vai, ao mesmo tempo, fingindo assim estar a combatê-los.

    No entanto, quando a Otan tiver instalado o caos por todo o mundo árabe, inclusive no seu aliado saudita, ela irá virar o «Emirado Islâmico» contra as duas grandes potências em desenvolvimento, a Rússia e a China. Por isso estas duas potências deveriam intervir desde já e exterminar, no ninho, o exército privado que a Otan está em vias de fabricar e de treinar no mundo árabe. Caso contrário, Moscovo (Moscou- Br) e Pequim, terão, em breve, de o enfrentar no seu próprio solo ..
    Tradução
    Alva

    aqui:http://www.voltairenet.org/article185372.html

    As 8 misteriosas caixas negras do 11 de setembro

    por

    Giulietto Chiesa continua a participar na investigação interdisciplinar do Painel de Consenso do 11/09(11 de Setembro). Aqui, dá-nos conta das discrepâncias, e contradições, relativas às caixas negras dos quatro aviões envolvidos nos atentados.

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    Caixa negra regulamentar que, como todos poderão constatar, é de cor laranja.
    Esta semana comemora-se o 13 o aniversário dos atentados do 11 de setembro de 2001. Pela minha parte continuo a acompanhar o trabalho da equipa do Painel de Consenso sobre o 11/09 (para a qual vos encaminho, neste caso, ao Ponto FLT-4 : Anomalias misteriosas em relação às caixas-negras de 4 aviões do 11 de setembro).

    Devo começar por dizer que, mesmo tendo seguido de perto este trabalho colectivo, durante todos estes anos, cada vez que analiso este assunto com mais detalhe, fico estupefacto com esta evidência impressionante: toda a história contada ao mundo, através dos ministérios da propaganda (quer dizer, pelos grande média ocidentais), sobre o 11 de setembro é um gigantesco atentado à mais elementar inteligência. O mundo inteiro foi levado a crer na “história da Carochinha”. E isso continua 13 anos passados.

    Tomemos, por exemplo, a questão das famosas «caixas negras» dos quatro aviões que foram - supostamente - sequestrados por 19 terroristas, na manhã de 11 de setembro de 2001 Neste caso, como iremos ver, nem uma única linha da versão oficial se aguenta de pé. Primeiro é preciso esclarecer que as «caixas negras» são cor laranja, de facto, é importante lembrar isto para o seguimento. Todos os aviões comerciais, no mundo, levam duas. Elas são concebidas para ser praticamente indestrutíveis. E, de facto, são-no. Elas contêm um conjunto de dispositivos feitos para suportar solicitações extremamente violentas, quer seja ao nível físico, eléctrico, químico, magnético ou térmico. Dentre estes equipamentos, os dois aparelhos essenciais são o FDR (Flight Data Recorder)(Gravador de Dados de Vôo -ndT),que é o que grava, em cada instante, todos os dados de vôo como a velocidade, a altitude e a posição da aparelho, e o CVR (Cockpit Voice Recorder)(Gravador de Som do Cockpit -ndT), que recolhe todos os sons e vozes no cockpit (cabine de pilotagem).

    Os casos em que essas caixas-negras não foram encontradas, ou não puderam fornecer dados úteis para compreender os incidentes, são extremamente raros. Estes materiais têm sido concebidos para este efeito. E isto funciona. As primeiras a usa-los são as companhias de seguros, e logo depois surgem os governos, os serviços secretos, etc. Assim, quatro aviões é igual a oito caixas negras. O que nos diz a versão oficial?
    Quatro entre essas oito caixas negras «nunca foram encontradas». Metade, portanto. Um falhanço equivalente a um recorde mundial de todos os tempos. Trata- se das quatro caixas-negras dos dois aviões que— oficialmente —chocaram contra as Torres Gémeas – o vôo da American (Airlines-ndT)11 (AA 11) e o da United Airlines 175 (AU 175).

    Sobram, pois aqui, quatro. As do voo 77 da American (AA 77) e o do Pentágono, que parecem ter sido recuperadas. Mas o CVR(GS) estava demasiado danificado, e os dados eram irrecuperáveis. Portanto, nenhum resultado quanto a este. Quanto ao FDR do vôo da AA 77 parece ter sido encontrado, no entanto as versões sobre o local são contraditórias. Mas, como veremos em breve, há casos mais graves.

    Finalmente, temos os CVR e FDR do vôo da United Airlines 93 (UA 93), aquele que, supostamente, se espatifou num campo na Pensilvânia. A transcrição do CVR foi tornado público pelo FBI, mas somente em 2006, durante o julgamento de Zacarias Moussaoui. Nós voltaremos a ele, não sem antes ressaltar que se trata de uma «transcrição» velha de cinco anos. Finalmente há o FDR do vôo da UA 93. Nós temos um relatório da NTSB (National Transportation Safety Board)-(Conselho Nacional para a Segurança de Transportes -ndT), de 15 de fevereiro de 2002, com o número DCA01MA065, e sabemos que o cartão de memória (Placa de Memória) foi trazida para as instalações da Honeywell, em Redmond, onde foi examinada. Então, está tudo em ordem? Longe disso!

    Resumindo: mesmo quanto às quatro caixas-negras recuperadas levantam-se muitas questões ainda a serem esclarecidas, 13 anos após os acontecimentos. E, contradições flagrantes. A propósito das quatro caixas negras dos vôos que atingiram as Torres Gémeas, o Relatório da Comissão sobre o 11/9 contenta-se, simplesmente, em dizer que elas não foram encontradas. Mas temos duas testemunhas que dizem ter encontrado três em cada quatro, em Outubro de 2001. Trata-se de um bombeiro Nicholas DeMasi, e de um voluntário Mike Bellone. As caixas estavam entre os escombros e foram consignadas a alguém que desapareceu. A Comissão de inquérito não as procurou. Todas as informações desapareceram. Mas, ao mesmo tempo, a Comissão de Inquérito, sem medo de cair no ridículo, e no meio do maior silêncio dos principais média ocidentais, anunciou a descoberta do passaporte (em papel) de um dos presumíveis piratas do ar do Vôo AA 11, Salam al-Sugami; nada mais, nada menos! Não temos, pois, nenhuma informação [proveniente destas caixas-negras]; Ora, nenhum investigador no mundo ficaria satisfeito com este resultado.
    E há ainda pior. Ressalta do registo dos documentos do tribunal que, em 18 de setembro de 2001, o Diretor do FEMA (Federal Emergency Management Agency) (Agência Federal para o Controlo de Emergências -ndT), Edward E. Jacoby Jr. enviou um memorando ao governador do Estado de Nova York, George Pataki, para o informar que «os investigadores identificaram os sinais de uma das caixas-negras dos escombros do World Trade Center». E também: o general Paul Kern, comandante do Comando US de Material, relatou em 2002 que «os sensores de radiofrequência do CECOM (Comando de Comunicações Eletrónicas -ndT) foram utilizados [com sucesso] para encontrar as caixas-negras dos aviões que atingiram as Torres Gémeas. «Então, quem está mentindo»?

    Para as duas caixas-negras do vôo 77 da AA o caso é mais complicado. Dois bombeiros (Burkhammer e Morawitz) relataram tê-las encontrado «perto do ponto de impacto». O porta-voz do condado, Dick Brigdes, explica também que elas estavam «exactamente lá, onde o avião atingiu o prédio» do Pentágono. Mas, outras fontes dizem que o FDR foi recuperado a cerca de 300 pés (100 metros) de distância. Uma diferença notável. Por outro lado, Burkhammer e Morawitz contam que as duas caixas-negras eram de cor escura, quando lhes tinham dito que elas eram cor de laranja. Ora, quando eles o referiram aos agentes do FBI e da NTSB estes últimos retorquiram: mais vale negro do que nada.

    E, ainda pior, porque a história do FDR do vôo AA 77 apresenta um outro ponto fraco, e não dos menores. Em 2008, um obstinado cidadão americano apresentou um recurso, baseado na lei FOIA (Freedom of Information Act) sobre a liberdade de informação, para forçar a NTSB a divulgar o ficheiro de colecta dos dados brutos do FDR (ou GDV). Ora, acontece que este arquivo tinha sido criado às 23h 45, de quinta- feira, 13 de setembro de 2001. O que é bastante estranho, visto que o FDR em questão, negro ou laranja dependendo das versões, só teria sido encontrado no dia seguinte, sexta-feira.

    E, finalmente, vejamos o que aconteceu com o FDR (GDV) do vôo UA 93. Recordo, a todos aqueles que se esqueceram, que um filme comercial foi feito a propósito deste vôo, e sobre a heroica revolta dos passageiros para retomar o controle do avião aos piratas do ar. Assim, peço-lhes que tenham em conta o contexto global desta história. Vamos ver o que diz, a propósito, a associação dos Pilotos pela verdade do 11/9 (Pilots for 9/11 Truth -ndT).

    Os seus membros também entraram com um pedido FOIA antes de obter, em 2007, a informação sobre este FDR. Mas os dados que lhes foram fornecidos, devendo corresponder ao conteúdo desta caixa negra, divergem completamente de outros dados disponíveis. «A trajetória de vôo e a altitude», indicadas não são as que ficaram registadas. A trajectória do voo, pelo norte, não encaixa com os testemunhos publicados no New York Times. O avião vinha de Sudeste, como evidenciado por, entre outros, o facto de se ter encontrado destroços em New Baltimore, a mais de 8 milhas (13 quilómetros) a partir da cratera onde o avião se espatifou. Mas acima de tudo, o ângulo de queda da aeronave, segundo o registo contido no documento da NTSB, não corresponde ao impacto vertical que a versão do governo sustenta, e que a própria cratera sugere. Mais precisamente, o FDR (GDV) indica um ângulo de queda de 35 graus.
    Enquanto a versão oficial diz que o avião caiu verticalmente. Finalmente, as análises feitas pela Protecção Civil no local de impacto não permitiram encontrar os vestígios de poluição com resíduos de gasolina. Isto não faz nenhum sentido, uma vez que os tanques da aeronave deviam estar cheios de carburante.

    Em suma, temos a escolha: Ou esse registo é falso, ou é a versão oficial do governo dos Estados Unidos que é falsa. Como o é, naturalmente, toda a história retratada no filme, o que apenas serviu para comover o grande público. Não será demais lembrar que todas estas observações foram dirigidas quer ao NTSB, quer ao governo norte- americano. Resposta: nenhuma. Zero. Naquela altura, tanto como agora 13 anos após os factos.

    Finalmente há o registo do Centro de Controle de Cleveland, que contém os minutos finais do vôo. Ei-lo:
    Dramático, mas também misterioso e inexplicável. Aqueles que tiverem tempo para ouvir perceberão que o pessoal de terra tenta, durante vários minutos, entrar em contacto com a avião, repetindo assim a mesma pergunta, mas que nenhuma resposta chega até eles de volta. A tripulação fica muda. Então, de repente, chega-lhes uma voz estranha, quase abafada por um grande ruído de fundo. «United 93, este é o vosso comandante de bordo que vos fala, agradeço que permaneçam sentados, fiquem no vossos lugares, há uma bomba a bordo». Uma bomba a bordo? Ficar sentados? Mas onde está, exactamente, este comandante de bordo? Que ruído de fundo se escuta?

    Em terra, insiste-se para obter esclarecimentos; os controladores contactam com os outros aviões voando na zona. As confirmações chegam. Depois, de repente, outra vez a mesma voz: «United 93, aqui o vosso comandante. É melhor que todos permaneçam sentados. Nós temos uma bomba a bordo e regressamos ao aeroporto. Eles aceitaram os nossos pedidos, e portanto, é favor, permanecerem nos vossos lugares». E depois, mais nada. Bom, é este, realmente, o comportamento habitual de um piloto de linha experimentado? Podemos ter a certeza que estas duas mensagens vieram, verdadeiramente, do vôo 93 UA?

    Para resumir: nem uma única peça do "puzzle" oficial encaixa corretamente com as outras. E nós só estamos a falar das caixas negras que foram, aparentemente, encontradas. A outra metade das informações foi, como vimos, completamente apagada da superfície da Terra. E tudo isso, claro, não é obra de presumíveis piratas do ar, cuja presença a bordo, aliás, nunca foi provada. Mas então, quem trabalhou para apagar todos estes vestígios? Quem mentiu?

    Tornou-se mais do que nunca impossível acreditar, ainda, que a fábula oficial que nos foi contada corresponde à verdade.
    Tradução
    Alva

    aqui:http://www.voltairenet.org/article185374.html

    sábado, 20 de setembro de 2014

    Lenin e o revisionismo


    por Miguel Urbano Rodrigues
     
    Os dirigentes da União Europeia – nomeadamente Merkel, Hollande e Cameron – intensificaram nas últimas semanas as suas críticas à Rússia. O pretexto são os acontecimentos da Ucrânia. Um alvo prioritário é Vladimir Putin. Um dos absurdos dessa campanha é a insistência em apresentarem o presidente da Rússia como um ditador que estaria empenhado numa política que visaria a reconstituição parcial da União Soviética.

    Um anticomunismo transparente é identificável em crónicas de influentes analistas ocidentais. Não obstante a Rússia ser hoje um país capitalista, slogans bolorentos da guerra fria são retomados.

    Putin é acusado de recorrer a métodos e à linguagem de comunistas históricos. Até a realização da parada da vitória em Moscovo, a 9 de Maio, para comemorar a derrota do Reich nazi, foi interpretada como uma ameaça em Washington e algumas capitais da União Europeia.

    Uma estranha febre ideológica ganha subitamente atualidade e destacados intelectuais do sistema capitalista divulgam a desproposito entusiásticas apologias do neoliberalismo e exorcizam o marxismo como velharia obsoleta.

    É nessa atmosfera que se insere o novo discurso anticomunista que, agitando fantasmas, falsifica a História.

    Na tentativa de apresentarem Marx e Lenin como inimigos da democracia, intervêm figuras exponenciais de uma ideologia inseparável da engrenagem liberticida que ameaça a humanidade e é responsável por crimes monstruosos.

    Em Portugal os comentadores de serviço na TV, na radio e nos jornais de "referencia" cumprem com zelo a sua tarefa, debitando asneiras no combate ao suposto renascimento do "saudosismo comunista" na Rússia.

    Creio por isso oportuno e útil recordar fatos e situações históricas que desmontam a atual campanha ideológica do imperialismo.
    Começarei por chamar a atenção para a falsidade das teses de académicos anticomunistas que atribuem a Lenin um dogmatismo rígido na utilização do marxismo para a compreensão e transformação do mundo. Trata-se de uma grosseira mentira. O fundador do primeiro estado socialista não via no marxismo uma ciência imobilista, de fronteiras definitivas.

    "Não consideramos de modo algum – escreveu – a teoria de Marx como algo de acabado e intocável, estamos pelo contrário convencidos de que ela apenas assentou a pedra angular da ciência que os socialistas devem fazer avançar em todas as direções, se não querem atrasar-se em relação à vida. Pensamos que para os socialistas russos é especialmente necessária a elaboração independente da teoria de Marx, pois esta teoria oferece apenas postulados gerais orientadores que em particular à Inglaterra se aplicam de maneira diferente da França, à França de maneira diferente da Alemanha, à Alemanha de maneira diferente da Rússia [1] .

    Lenin repetiu incansavelmente que sem teoria revolucionária não pode triunfar qualquer movimento revolucionário. Mas conseguiu, com imaginação e talento, ser simultaneamente flexível na aplicação do método marxista e intransigente no combate às ideias e manobras daqueles que, afirmando ser marxistas, assumiam na prática posições incompatíveis com a ideologia do autor de O Capital.

    Contrariamente à convicção de muitos jovens que identificam nos "renovadores" que contribuíram para a social democratização de muitos PCs europeus um fenómeno relativamente recente, o revisionismo do marxismo mergulha as raízes no século XIX.

    Principiou ainda em vida de Marx e foi permanente. Em 1894, quando Lenin preparava a fundação do futuro partido bolchevique, teve de travar uma luta dura contra os "marxistas legais", tendência liderada pelo alemão Struve que procurava "tomar do marxismo tudo aquilo que é aceitável para a burguesia liberal, incluindo a luta por reformas, abrangendo a luta de classes (sem a ditadura do proletariado), incluindo o reconhecimento "geral" dos ideais socialistas e a substituição do capitalismo por um "novo sistema" e rejeitar "somente" a alma viva do marxismo, o seu caracter revolucionário".
    A segunda ofensiva dos oportunistas para desvirtuar o marxismo em benefício da burguesia teve o seu epicentro no partido Social Democrata Alemão, ao tempo muito prestigiado, quando o seu dirigente Edward Bernstein publicou em 1899 uma serie de artigos em que revia teses fundamentais do marxismo. Na sua apologia do reformismo lançou uma palavra de ordem famosa: "o movimento é tudo, o objetivo final quase nada". [2]

    Lenin e Rosa Luxemburgo arrancaram-lhe a máscara, denunciando-o como um deturpador do marxismo. Para os comunistas "o objetivo final" era tudo e o reformismo de Bernstein apontava para uma conciliação com a burguesia. Na prática, Bernstein retomava teses reacionárias da filosofia de Kant. Mas a sua pregação influenciou um amplo sector do Partido Social Democrata Alemão, então marxista, com repercussões negativas na Rússia. [3]

    Uma terceira grande ofensiva do revisionismo ocorreu em 1908. Dois filósofos, o austríaco Ernst Mach e o alemão Richard Avenarius, que negavam a existência objetiva do mundo material, difundiram a chamada filosofia da "experiencia crítica", mais conhecida pelo nome de Empirio-criticismo. Segundo eles, os corpos seriam somente "complexos de sensações". Os trabalhos de ambos deram origem a uma corrente de pensamento que se popularizou com o nome de "machismo". Mach sobretudo, embora pretendendo ser marxista, rejeitou o essencial do materialismo histórico e do materialismo dialético.

    Uma parcela ponderável da intelectualidade progressista europeia aderiu com entusiasmo à essa nova filosofia, aceitando-a como escorada na ciência. Kautsky, abrindo as colunas do órgão central da social-democracia alemã à apologia do Empirio-criticismo, contribuiu para aumentar a confusão gerada.

    Os mencheviques aderiram imediatamente, mas a propaganda machista perturbou também quadros da fração bolchevique do Partido Operário Social Democrata da Rússia-POSDR-b. Essa influência negativa levou inclusive à formação de um grupo oportunista, os "otzovistas" que defendia a retirada do Parlamento russo (a Duma) dos deputados bolcheviques, afirmando que o Partido deveria realizar apenas atividades ilegais.

    Foi então que Lenin declarou guerra a essa perigosa modalidade de revisionismo, primeiro através de artigos, depois num livro, Materialismo e Empiriocriticismo, ensaio filosófico que com o tempo se tornou um clássico do marxismo como obra teórica. Demonstrou que Mach e os seus seguidores, simulando realizar um trabalho científico inovador, se limitavam afinal a colar um novo rótulo a velhas teses idealistas [4] .

    O MODERNO REVISIONISMO

    Os esforços para destruir o marxismo foram permanentes em vida de Lenin e prosseguiram após a sua morte.

    Desde o início da I Guerra Mundial uma onda de falso patriotismo varreu a Europa. Tripudiando sobre os seus programas, e violando compromissos assumidos em nome do internacionalismo proletário, partidos que pretendiam ser socialistas votaram os créditos de guerra das grandes potências envolvidas no conflito, tornando-se cúmplices da hecatombe que atingiu a humanidade. Essa opção foi decisiva para o descrédito e agonia da II Internacional. A luta contra o imperialismo perde muito do seu significado, dizia Lenin, se não "estiver indissoluvelmente ligada à luta contra o oportunismo". O grande revolucionário foi portanto implacável na denúncia do social-chauvinismo, desmentindo que a defesa da liberdade e dos verdadeiros interesses nacionais fosse a motivação da guerra.

    A vitória da Revolução Russa criou entretanto, as condições que permitiram a criação da III Internacional. Mas, como era de esperar, a existência da União Soviética foi por si só um incentivo a uma ofensiva permanente em múltiplas frentes contra o marxismo.

    Finda a II Guerra Mundial, a luta contra o comunismo assumiu facetas muito diferenciadas. Os partidos comunistas europeus tinham desempenhado um grande papel na luta contra o fascismo. Enfraquecê-los, instalar neles o divisionismo, empurrá-los para o antisovietismo e o afastamento do marxismo foi uma constante nas campanhas das burguesias e do imperialismo.

    No auge da guerra-fria, o Manifesto de Champigny em França, em 1968, quando Waldeck Rochet era secretário-geral do PCF, cumpriu importante papel em debates ideológicos que abriram a porta ao eurocomunismo. Invocando a necessidade de renovar o marxismo, dirigentes como os franceses Georges Marchais, Roger Garaudy e Louis Althusser, o italiano Enrico Berlinguer, o espanhol Santiago Carrillo e outros serão lembrados como arquitetos de um revisionismo que encaminhou os seus partidos para a social democratização. No caso do PCI a guinada à direita funcionou alias como etapa rumo à sua autodestruição.

    O revisionismo atuou, porem, sob mascaras muito diferentes. Após a desagregação da União Soviética surgiram em muitos partidos dirigentes que, apresentando-se como empenhados em renovar o marxismo, passaram rapidamente ao ataque ao leninismo e ao centralismo democrático. Alguns acabaram ingressando em partidos socialistas integrados no sistema capitalista.

    As universidades produziram uma geração de académicos que, principiando por leituras perversas de Marx, não tardaram a procurar justificações para a defesa de políticas neoliberais.

    Ganharam também alguma notoriedade revisionistas (oportunistas de esquerda) que, pretendendo exibir uma suposta pureza marxista, recorreram a textos de Gramsci e de Che Guevara para lhes deturparem o pensamento em obras de cariz anti-soviético, aplaudidas pelo imperialismo.

    Uma modalidade de anticomunismo, mais subtil, é a praticada por intelectuais que, criticando o capitalismo, identificam nos movimentos sociais a força revolucionaria vocacionada para salvar a humanidade (John Holloway, Bernard Cassen, Ignacio Ramonet, Boaventura Sousa Santos, Hans Dietrich, etc) negando aos partidos protagonismo na luta contra o sistema.

    Aceitar em Marx o economista e rejeitar o ideólogo é atitude frequente em cenáculos de intelectuais que satanizam Lenin.

    O PERIGO OPORTUNISTA

    A palavra oportunista tornou-se incómoda para muitos dirigentes de partidos comunistas europeus e latino americanos. Essa atitude traduz a consciência de estratégias e tacticas que afetaram a unidade do movimento comunista internacional. As suas últimas reuniões confirmaram a existência de discordâncias profundas que o debilitaram.

    O panorama atual é muito complexo. Na Europa, a maioria dos partidos estão hoje integrados no Partido da Esquerda Europeia, ombro a ombro com partidos burgueses como o Die Linke alemão, o Syriza da Grécia e o Bloco de Esquerda de Portugal.

    A função inconfessada desse partido é neutralizar os trabalhadores, dificultando a sua participação nas grandes lutas contra o imperialismo e as políticas neoliberais impostas na União Europeia. Não surpreende que o PEE conte com a simpatia dos media controlados pelo capital e a benevolência dos Governos que o representam.

    Muitos partidos comunistas foram contaminados nas últimas décadas. Alguns participaram na orquestra do antisovietismo. Robert Hue, quando secretário-geral do PCF, teve o descaramento de afirmar que "tudo foi negativo na União Soviética".

    O Partido Comunista Italiano desapareceu depois de mudar de nome. O Partido Comunista Francês, em rápida metamorfose, renegou o passado e transformou-se numa caricatura de partido operário. O Partido Comunista de Espanha, hoje antileninista, diluiu-se numa Esquerda Unida inofensiva. Uma epidemia de oportunismo instalou-se no movimento comunista internacional.

    Uma das suas manifestações é a crítica – ostensiva ou indireta – a Partidos que, na fidelidade aos princípios continuam a assumir-se como marxistas-leninistas. São visados entre outros o Partido Comunista da Grecia-KKE, o Partido Comunista do México-PCM, e o Partido Comunista Brasileiro-PCB.

    Não cabe neste artigo comentar a estratégia desses partidos revolucionários. Não me identifico com todas as posições que assumem. Mas eles me fazem recordar que o Partido Comunista Português, pela fidelidade aos princípios e à sua história, resistiu vitoriosamente com firmeza à vaga de anticomunismo que, sobretudo no início dos anos 90, descaracterizou ou destruiu outros.

    Hoje, é precisamente essa fidelidade aos princípios do KKE, do PCM e do PCB, é a sua firmeza no combate ao revisionismo e na denúncia do oportunismo que me inspiram respeito e admiração.

    Eles e outros fundadores da Revista Comunista Internacional são hoje uma minoria no Movimento Comunista Internacional. Mas a coerência demonstrada na fidelidade ao pensamento e obra de Marx e a coragem com que assumem a herança de Lenin contam com a minha solidariedade fraterna. 

    (1) V.Lenin, O Nosso Programa, Obras Completas, in Tomo 4, pág. 184
    (2) V.I.Lenin, A Falência da II Internacional, idem, Tomo 26, pág. 227
    (3) V.Lenin, Uma Orientação Retrógrada na Social-democracia Russa, idem, Tomo 4, pág. 265
    (4) V.i.Lenin, Materialismo e Empiriocriticismo, Edições Avante! 1982, Lisboa
    Serpa e Vila Nova de Gaia, Agosto de 2014

    O original encontra-se em www.odiario.info/?p=3392

    Este artigo encontra-se em http://resistir.info/


    aqui:http://resistir.info/mur/mur_08set14.html 

    quinta-feira, 18 de setembro de 2014

    O destino de Portugal pode ser outro


    por Daniel Vaz de Carvalho

     
    Não há dever para um soberano que não tem o poder de proteger o seu povo.
    Thomas Hobbes (1588-1679)
     
    1 - A Ação dos partidos da troika nacional

    Diziam os antigos que o diabo tinha sucesso ao convencer as pessoas que não existia. Passa-se o mesmo com a política de direita: tem sucesso (apenas eleitoral, note-se) quando convence as pessoas que não há alternativa.

    A política de direita da troika interna conduziu o país na via de uma crescente pobreza e desigualdades, estagnação económica, grande dependência externa, aumento das exportações de baixo valor acrescentado e baixo nível tecnológico, agravando a troca desigual – apenas minimizada devido à radical quebra do investimento.

    Não vamos descrever o processo de destruição do aparelho produtivo a que esses partidos procederam. O objetivo foi tanto a recuperação da oligarquia monopolista e financeira, com os desastrosos resultados que suportamos hoje, como o saneamento político dos sectores mais combativos do proletariado agrícola e industrial, expresso na destruição da Reforma Agrária, um objetivo unitário dos tempos do fascismo, e no desiderato de "quebrar a espinha à Intersindical", que levou à formação da UGT num "consenso" entre o PS, PSD e CDS para apoiar as políticas de direita.

    Estas políticas, representaram a destruição da agricultura, das pescas, de indústrias como a siderurgia, metalurgia, metalomecânicas, naval, etc. fundamentais para o desenvolvimento do país. A destruição do aparelho produtivo foi mascarada com uma falsa prosperidade baseada no endividamento com que se iludia a generalidade da população. A "modernidade" da "terciarização" representou, evidentemente, o bloqueamento das forças produtivas.

    O povo português como o grego, o espanhol ou o italiano, particularmente a sua juventude, vivem a história de Pinóquio levado para o "reino dos brinquedos" em que depois as crianças eram transformadas em animais de trabalho…

    As privatizações, agiram como uma droga de satisfação transitória – ou nem isso – em que os problemas financeiros do país se agravaram e o Estado perdeu receita a favor de agentes privados que colocam o rendimento obtido no estrangeiro. Por fim, a política de direita do PS, PSD e CDS, passou a ter um nome: austeridade. A austeridade que destrói as sociedades em benefício de uma minoria, os "1%".

    O alibi foi ir dizendo que se defendia o "Estado Social", enquanto era sistematicamente destruído, pois as suas implicações tornariam o país não atrativo para o capitalismo. Porém, ao reduzir a despesa social reduz-se a matéria coletável e a capacidade de poupança interna, como consequência com o governo de direita/extrema-direita do PSD e CDS, reduzem-se as prestações sociais, aumentam-se impostos, aumenta a dívida.

    Para justificar o descalabro o governo propala que em 2011 não havia dinheiro para pagar salários e pensões. "O dinheiro que não havia era para amortização da dívida no imediato. O dinheiro da troika permitiu, a bancos europeus, libertarem-se dessa dívida. Foi resgatada a banca portuguesa, que tinha perdido o acesso aos mercados internacionais e tinha entrado numa situação de falta de liquidez. Quem não foi resgatado foi o conjunto dos cidadãos contribuintes portugueses e o conjunto de cidadãos contribuintes europeus." [1]

    Se não há dinheiro para o investimento nem para as prestações sociais do Estado, como é que, em 2013, 870 multimilionários deste país aumentaram as suas fortunas em 11,1%, atingindo 100 mil milhões de euros? De 2010 para 2013, as 25 maiores fortunas aumentaram 17,8 por cento; a parte do capital no rendimento cresceu de 50,8%, em 2009, para 53,4%, em 2013.

    Isto, enquanto a pobreza e o desemprego efetivo aumentaram, a recessão continuou e o investimento regrediu. A pobreza atingiu em 2012, 24,7% da população em relação ao nível de 2009; em 2013, 661 694 pessoas tinham prestações em atraso; 15% das famílias corria o risco de ficar sem nada por dívidas.

    2 – Austeridade, mentiras e UE

    O "bom caminho" elogiado pelas cliques neoliberais e seus fantoches traduziu-se em austeridade, mentiras e UE ("mais integração"). Insistiam no "bom caminho" que o país estava a seguir, falavam em "sucesso", em "milagre" e de "estar a ser feito o que tinha de ser feito". O governo, como mentiroso compulsivo, vive da propaganda, porém "um governo que vive da propaganda, não é credível em coisa alguma" (Paul Craig Roberts).

    Ao nível da ilusão psicótica, o sr. Luís Montenegro – líder parlamentar do PSD – questionava: "o que seria da vida dos portugueses se renegociássemos a dívida? O que seria dos sinais de recuperação?" Tudo está pior, tudo falhou nas políticas de direita. Conclusão: prosseguir, agravar.

    Com estas políticas Portugal não terá nem saúde, nem educação, nem proteção social, nem emprego, nem desenvolvimento económico, apenas um futuro de austeridade permanente, estagnação, endividamento, défice demográfico (atualmente 1 400 000 crianças e jovens) estrutura produtiva desequilibrada num modelo de capitalismo dependente (país neocolonizado), agravando sintomas evidentes há mais de uma década.

    A busca das "finanças públicas saudáveis pela austeridade" constitui a "impostura da finança" (Joan Robinson). A dívida é a tirania dos mega-ricos, é a moderna escravidão, destrói os países a menos que sejam tomadas ações para a parar e passar tê-la sob controlo, sendo o financiamento público feito a partir da emissão de moeda pelo Estado.

    O B de P podia proporcionar dinheiro ao Estado sem juros e gerando lucro. O absurdo do banco central não poder fornecer moeda diretamente ao Estado representa um ódio ao coletivo, ao social, para entregar dinheiro praticamente sem juros, à banca privada para esta aplicar na usura e na especulação, impondo o garrote da austeridade. É o "vírus capitalista" (Robert Hunziker)

    "A Europa e o euro caminham para o suicídio", afirmou J. Stiglitz: O problema fundamental é que a conceção geral da UE foi errada. Em função dos acontecimentos recentes, a UE teria de se ter dado conta que essas regras não eram suficientes. A união monetária é um problema em si mesma. [2]

    A UE tem 25 milhões de desempregados em termos oficiais, no final de 2012 atingia, em crescendo, 125 milhões de pobres, quase 25% da população; desde a crise a produção industrial caiu 20% e perdeu 4 milhões de empregos industriais. Países como a França, ou a Itália têm a economia estagnada, a produção industrial e o emprego regridem, a dívida cresce. Porém, submetidos aos ditames da Alemanha, adotam a via da austeridade.

    A Europa está no limiar da catástrofe. As linhas de fratura da zona euro são visíveis no imediato e a interação entre mercados, instituições inadequadas e condições políticas insustentáveis estão a conduzir a economia europeia rumo à depressão e a zona euro à desintegração. [3]

    O euro tem um problema insolúvel. Os países gravemente endividados, são vítimas de uma falha fundamental na sua moeda. Já antes do arranque do euro se havia advertido que uma moeda única apenas pode funcionar se os países participantes são economicamente homogéneos. Perante o falhanço do euro e das políticas associadas, reclama-se a "austeridade total" e a "integração absoluta". A insistência do poderoso ministro das Finanças alemão, Schauble, faz-nos lembrar Goebells vociferando no início de 1944, pela "totaller kriege", a guerra total…que levaria a Alemanha à vitória.

    3 - A UE isola Portugal do Mundo

    Ao contrário do propalado a UE não constituiu uma "abertura de Portugal ao mundo", mas sim o encerramento num espaço decadente, ávido de expressão militar. O comércio internacional com a UE representa 70% do total, se retirarmos os combustíveis chega a cerca de 90%, com um défice que em 2010 atingia 15 370 M€ (o dobro de antes do euro). Com a retração do investimento, e do consumo, a austeridade reduziu este défice para 8 730 M€ em 2013, porém a dívida aumentou 59 000 M€.

    Portugal, independentemente de canhestras tentativas no domínio da exportação, está de costas voltadas para o resto do mundo. Politicamente, está refém das políticas imperialistas da UE e NATO, que nada têm que ver com os nossos interesses. O silenciado Tratado de Comércio Livre entre a UE e os EUA será, se não arrepiarmos caminho, uma machadada final na nossa soberania e um maior isolamento do resto do mundo. E ainda há gente que diz que sair do euro e renegociar os tratados da UE seria um desastre. E ficar?

    Sim, o destino de Portugal pode ser outro. Em vez de destruirmos as nossas empresas metalomecânicas, metalúrgicas, construção naval, elétricas, etc, podíamos ter uma cooperação mutuamente vantajosa, sem compromissos degradantes, com países com necessidades tecnológicas e de desenvolvimento muito mais próximas das nossas.

    "Existem três alternativas estratégicas para os países periféricos. A 1ª traduz-se em programas de austeridade. A 2ª consiste na reforma radical da zona euro. A 3ª alternativa para os países periféricos é o abandono da zona euro." [4] A primeira está a destruir o país; a segunda é uma miragem da alienação europeísta, para além de vãs tentativas do sr. Draghi do BCE de mudar alguma coisa ficando tudo na mesma. Resta a terceira, para a sobrevivência de Portugal como Nação independente.

    O desenvolvimento do país só é possível com o alargamento do mercado interno, proteção à indústria nacional com prioridades definidas de acordo com um plano económico, controlo de capitais e soberania monetária e decidida abertura de Portugal ao resto do mundo. Porém, a UE retira-nos a necessária autonomia, a capacidade de decidir o nosso destino como povo soberano.

    Hoje a comunicação social controlada (os "presstitutos", no dizer de Paul C. Roberts) esconde da opinião pública que existem mais mundos além dos EUA e da NATO. Apresentam a agressividade e os desejos de domínio imperialista como expressões da "comunidade internacional", porém estão cada vez mais isolados. Fazem lembrar a BBC dos anos 30 do século passado quando transmitia no seu boletim meteorológico: "há nevoeiro no canal, o continente está isolado"!

    Em junho deste ano, na Bolívia, o G77 + China reuniu 133 países tendo 119 adotado uma declaração comum intitulada "Declaração de Santa Cruz. Por uma nova ordem mundial" Com 242 pontos a declaração fixa como objetivo a erradicação da pobreza até 2030, a instauração de uma nova ordem financeira internacional reduzindo o poder do FMI, etc. Foi também proposta a criação de uma aliança científica, tecnológica e cultural. O documento reafirma igualmente a primazia da soberania nacional sobre os recursos naturais. A Rússia, então observadora, foi oficialmente convidada a juntar-se ao grupo. [5]

    Em julho os BRICS [6] criaram um banco com um capital de 100 mil milhões de dólares e idêntico valor de um pacote de outras divisas destinado a apoiar o "desenvolvimento durável das economias emergentes e em vias de desenvolvimento". Este banco representa uma nova arquitetura financeira desafiando a hegemonia do dólar e o FMI. A cimeira adotou uma declaração que censura o BM e o FMI e põe em questão os esquemas ideológicos instaurados pelo "Consenso de Washington".

    A censura fascizante que vigora na UE e nos EUA ignora estas iniciativas. Compreende-se: um outro mundo constrói-se, mas colocam-se à margem na sua decadência económica e social, no militarismo, na provocação neofascista, semeando guerras e confrontos entre as nações. É um mundo que morre, mas "um outro mundo é possível".

    "Se mais mundos houvera, lá chegara", cantou Camões. Portugal tem outros mundos para redescobrir, tem a colaboração com os países de língua portuguesa, tem o seu mar imenso de que, lembremos, a UE se quer apossar por uma nova Diretiva. Portugal tem de voltar a ter uma marinha nacional de guerra, mercante e piscatória. Voltar a recuperar a energia dos seus cidadãos, que a política de direita leva para a emigração, o desemprego e o desencanto no abstencionismo.

    Portugal precisa de um grande esforço nacional de participação cidadã, trabalho, progresso; uma luta pela soberania, pela libertação nacional dos ditames imperialistas da UE, de pôr fim a governos servis a interesses espúrios e estrangeiros. Uma luta pela dignidade nacional, que só uma política patriótica e de esquerda poderão proporcionar – pois aquilo de que a direita é capaz está à vista,
     

    Notas
    [1] Prof. Castro Caldas em entrevista à Rádio Renascença (visto em Ladrões de Bicicletas , 05/07/2014.
    [2] "A Europa e o euro caminham para o suicídio"
    [3] "Rumo à desintegração do euro"
    [4] A. Lapavitsas, O espectro do incumprimento na Europa
    [5] www.legrandsoir.info/...
    [6] Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, representam atualmente 40% da população e 25 % do PIB mundial. 21 juillet 2014, www.legrandsoir.info/...


    1ª parte deste artigo: UE, um modelo de capitalismo dependente

    Ver também:

  • DIVIDA PÚBLICA - A Maior Fraude da História da Humanidade ...

    Este artigo encontra-se em http://resistir.info/
  •  
  • aqui:http://resistir.info/v_carvalho/outro_destino.html 
  • terça-feira, 16 de setembro de 2014

    As armas da crítica e a crítica das armas


    por João Vilela [*]
     
     
    Os meus dias têm sido especialmente alegres ultimamente, com a retomada de uma discussão que muito me agrada: a da necessidade de recuperar os aspectos fundamentais do marxismo-leninismo e de combater, em nome deles, com denodo, contra todas as formas de oportunismo. 
    Agrada-me o tema e enche-me de satisfação ver entre os que promovem essa discussão nomes que aprendi a admirar, como Miguel Urbano Rodrigues e, Carlos Costa . Atrever-me a entabular seja que diálogo for com gente da craveira intelectual e política destes dois nomes é, bem se vê, uma insensata temeridade. Reconheço. Nunca me disseram, todavia, que a revolução dispensava temeridades, mais ou menos insensatas. E se eles têm por si a idade e a experiência a dar-lhes autoridade no que dizem, eu tenho a juventude a desculpar-me o atrevimento de meter, assim, a colherada na discussão.

    Uma das questões mais mal resolvidas, historicamente, pelo movimento revolucionário, é a da relação que lhe cumpre ter para com o aparelho de Estado burguês. O modelo democrático representativo cria, quando analisado superficialmente, uma ilusão em que muito facilmente, ao longo da história, os partidos do proletariado se deixaram cair: se a maioria dos votos significa o acesso ao Governo, e se o proletariado constitui a esmagadora maioria da população, por dedução, bastava que o proletariado votasse maciçamente no seu partido e ele ascenderia, pela via eleitoral, às cadeiras do poder. Lá chegado, entre portarias e decretos, leis ordinárias e leis orgânicas, e uma ou outra intervenção policial nos casos em que a burguesia se mostrasse recalcitrante, o socialismo seria legislado e regulamentado até ao seu último detalhe, bastando ao proletariado aguardar que ele lhe caísse no colo, vindo de um qualquer parlamento. Pela primeiríssima vez na história, conclui-se, um modo de produção sucederia a outro no término dos dias do vacatio legis.

    Esta leitura ingénua seria absolutamente insustentável à luz dos clássicos do marxismo. Engels, autor da expressão "cretinismo parlamentar" (cujo significado dispensa esclarecimentos), qualificava o acesso ao sufrágio universal como a demonstração de que a burguesia considerava o proletariado suficientemente domado para poder estender a ele o direito de voto, sem temer que ele pusesse em causa a sua dominação. E mesmo quando, nos termos do mesmo Engels "o termómetro da luta de classes" chegou ao ponto de ebulição e, pelo voto, um Governo popular foi eleito, compreendeu-se com rigor o que queria dizer Marx quando se referia à "máquina do Estado" e ao "aparelho do Estado burguês": os órgãos repressivos do aparelho de Estado, em ostensiva indiferença perante a vontade popular, tripudiando da lei e da constituição (afinal de contas, nada mais que um papel pintado), arrancaram do poder os eleitos pelo povo e, quando viram necessidade disso, suspenderam a democracia e acabaram com a existência de eleições. Há apenas dois dias passaram 41 anos sobre a triste demonstração prática desta verdade, no Chile.

    Lenine nunca se deixou arrastar – e durante toda a vida condenou sem restrições quem o consentiu – para a armadilha do parlamentarismo e do legalismo. Era absolutamente claro que o Estado burguês, inteiro, dos tribunais às cadeias, dos parlamentos à polícia, dos exércitos aos fiscais de alfândega e aos cobradores de impostos, era uma máquina infernal de legitimação e auxílio da exploração do proletariado pela burguesia. Não que rejeitasse intervir dentro desse aparelho de Estado, bem entendido: Lenine nunca rejeitaria nenhum instrumento que interessasse ao proletariado utilizar para avançar, fosse um quilómetro, fosse um milímetro, na luta pela liquidação do capitalismo. Fosse um assento parlamentar, um comité de soldados, um jornal, ou uma cátedra. A diferença, contudo, entre a utilização do aparelho de Estado e a confiança nele, era-lhe muitíssimo clara. E a ideia de se poder usar o aparelho de Estado burguês, após vitória eleitoral, a favor do proletariado, ter-lhe-ia soado ridícula, se não lhe valesse as invectivas desapiedadas que reservou para o renegado Kautsky. O Estado burguês podia ser, conjuntural, táctica, e até cinicamente, utilizado pelo partido do proletariado. Mas a função central deste, a sua razão de ser, o motivo da sua existência, era a organização do proletariado por forma que este pudesse dispor do seu aparelho de Estado proletário, incumbido de fazer a revolução e liquidar, nela, o aparelho de Estado burguês.

    As tentações são, todavia, coisas muito fortes. E tornaram-se tanto mais fortes quanto foram criadas condições, no pós-guerra, que encaminhavam os partidos comunistas de determinados países para um beco sem saída onde só lhe sobrava disputar o Estado burguês, arrancar-lhe concessões, e tornar a luta do proletariado contra ele cada vez mais difícil. Progressivamente, as vitórias eleitorais tornaram-se o seu objectivo central, alimentadas pela crença em que, se tinham sido arrancadas tantas concessões até ali, a vitória eleitoral significaria o desmoronar do capitalismo. Esta regressão ideológica foi sobremaneira acentuada com a ascensão de Kruschev à liderança soviética e a aplicação da tese da coexistência pacífica entre países de sistema social diferente, devendo o socialismo conquistar "todo o mundo, pela via eleitoral, até ao ano 2000", nas palavras deste dirigente. Os líderes comunistas assim enredados na luta legalista e parlamentarista descreveram, em direcção ao eurocomunismo, o trajecto que, 50 anos antes, Lenine verificara ser o dos social-democratas às vésperas da I Guerra Mundial : "[o] carácter relativamente "pacífico" do período de 1871 a 1914 alimentou o oportunismo primeiro como estado de espírito, depois como tendência e finalmente como grupo ou camada da burocracia operária e dos companheiros de jornada pequeno- burgueses" (…) [u]m pequeno círculo da burocracia operária, da aristocracia operária e de companheiros de jornada pequeno – burgueses podem receber algumas migalhas dos grandes lucros da burguesia (…) [o] conteúdo político do oportunismo e do social-chauvinismo é o mesmo: a colaboração das classes, a renúncia à ditadura do proletariado, a renúncia às acções revolucionárias, o reconhecimento sem reservas da legalidade burguesa, a falta de confiança no proletariado, a confiança na burguesia". O grau de acerto das palavras utilizadas no início do séc. XX na caracterização do ocorrido 50 anos depois tem, com efeito, algo de assombroso.

    O reposicionamento relativamente ao Estado, a recuperação da concepção do Estado como instrumento da classe dominante para legitimar e agilizar a exploração e opressão dos trabalhadores, adquirido fundamental do pensamento marxista e do pensamento leninista é, quanto a mim, o ponto essencial em torno do qual se deve organizar a luta contra o oportunismo e contra o revisionismo. Sobretudo quando esta confiança oportunista no Estado burguês assume dimensão nova e tamanho inesperado, por via de projectos "humanizadores" da União Europeia, de refundação do projecto europeu, de recondução da UE ao seu projecto inicial de solidariedade entre os povos (esta última uma mistificação histórica sem nome), que têm no Partido da Esquerda Europeia o seu principal promotor, se dissemina a cada dia que passa. Sem a cabal recuperação deste traço fundamental do pensamento marxista, a luta do proletariado fica indefinidamente entravada, é conduzida por vias erróneas, e tem uma derrota inevitável. A recuperação é, claro está, o estabelecimento de uma estratégia e de uma táctica para combater o Estado burguês. Porque de nada servem as armas da crítica sem a crítica das armas.
     
    13/Setembro/2014
    [*] Licenciado em História e mestre em História e Educação.

    O original encontra-se em conscienciavisceral.wordpress.com/...


    Este artigo encontra-se em http://resistir.info/


    aqui:http://resistir.info/portugal/vilela_13set14.html 

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