domingo, 28 de abril de 2019

A guerra ao Irão e o bluff dos EUA

– "Vastos segmentos do ocidente parecem não perceber que se o Estreito de Ormuz for encerrado seguir-se-á uma depressão global".

por Pepe Escobar [*]
 
Cartoon de Latuff. A administração Trump mais uma vez demonstrou graficamente que, no jovem e turbulento século XXI, "direito internacional" e "soberania nacional" já pertencem ao Reino dos Mortos-Vivos.

Como se um dilúvio de sanções contra grande parte do planeta já não fosse suficiente, a mais recente "oferta irrecusável" transmitida por um gangster a posar como diplomata, o Cônsul Minimus Mike Pompeo, agora ordena que todo o planeta se submeta a um único árbitro do comércio mundial: Washington.

Primeiro, a administração Trump unilateralmente destruiu um acordo multinacional, endossado pela ONU, o acordo nuclear do JCPOA com o Irão. Agora, as concessões permitindo que oito nações importassem petróleo do Irão sem incorrer na ira imperial na forma de sanções expirarão em 2 de Maio e não serão renovadas.

As oito nações são uma mistura de potências euro-asiáticas: China, Índia, Japão, Coréia do Sul, Taiwan, Turquia, Itália e Grécia.

Além do cocktail tóxico de arrogância / ignorância e infantilismo geopolítico / geoeconómico embutido nesta decisão de política externa, a noção de que Washington pode decidir quem pode ser um fornecedor de energia à superpotência emergente que é a China não se qualifica sequer de risível. Muito mais alarmante é o facto de que impor um embargo total às exportações de petróleo iraniano é nada menos que um acto de guerra.

O sonho supremo de neocons excitados

Aqueles que subscreve o sonho derradeiro dos Estados Unidos, dos neocon e sionistas – mudança de regime no Irão – podem regozijar-se com esta declaração de guerra. Mas, como argumentou com elegância o professor Mohammad Marandi , da Universidade de Teerão: "Se o regime de Trump calcula mal, a casa pode facilmente desabar sobre sua cabeça".

A reflectir o facto de que Teerão parece não ter ilusões quanto à loucura absoluta com que se depara, a liderança iraniana – se provocada a um ponto de não retorno, acrescentou Marandi – pode chegar a "destruir tudo do outro lado do Golfo Pérsico e expulsar os EUA do Iraque e Afeganistão. Quando os EUA escalam, o Irão escala. Agora depende dos EUA quão longe vão as coisas.

Este alerta vermelho de um académico sensato encaixa-se perfeitamente com o que está a acontecer com a estrutura do Corpo de Guardas da Revolução Islâmica (IRGC) – recentemente rotulado como uma "organização terrorista" pelos Estados Unidos. Em perfeita simetria, o Conselho Supremo de Segurança Nacional do Irão também nomeou o Comando Central dos EUA – CENTCOM – e "todas as forças ligadas a ele" como um grupo terrorista.

O novo comandante em chefe do IRGC é o general de brigada Hossein Salami, 58. A partir de 2009 ele foi o vice do comandante anterior Mohamamd al-Jafari, um cavalheiro de fala mansa, mas extremamente duro que encontrei em Teerão dois anos atrás. Salami, assim como Jafari, é um veterano da guerra Irão-Iraque; ou seja, ele tem experiência de combate real. E fontes em Teerão asseguram-me que ele pode ser ainda mais duro que Jafari.

Estreito de Ormuz. Em tandem, o contra-almirante Alireza Tangsiri , Comandante da Marinha do IRGC, evocou o impensável em termos do que se poderia desenvolver a partir do embargo total dos EUA às exportações de petróleo do Irão; Teerão poderia bloquear o Estreito de Ormuz.

Inconsciência ocidental

Vastos segmentos das classes dominantes de todo o Ocidente parecem estar inconscientes da realidade de que, se Ormuz for encerrado, o resultado será uma depressão económica global absolutamente cataclísmica.

Warren Buffett, entre outros investidores, rotineiramente qualificou o mercado de 2,5 quatriliões (10 elevado a 15) de derivativos como uma arma de destruição financeira em massa. Tal como está, estes derivativos são utilizados – ilegalmente – para drenar nada menos que um trilião (10 elevado a 12) de US dólares por ano fora do mercado em lucros manipulados.

Considerando precedentes históricos, Washington pode finalmente ser capaz de montar uma bandeira falsa no Golfo Pérsico no estilo da de Tonkin. Mas o que vem a seguir?

Se Teerão fosse totalmente cercada por Washington, sem saída, a opção nuclear de facto de encerrar o Estreito de Ormuz cortaria instantaneamente 25% da oferta mundial de petróleo. Os preços do petróleo poderiam subir para mais de US$500 por barril, mesmo a US$1000 por barril. Os 2,5 quatriliões de derivados iniciariam uma reacção de destruição em cadeia.

Ao contrário da escassez de crédito durante a crise financeira de 2008, a escassez de petróleo não poderia ser compensada por instrumentos fiduciários. Simplesmente porque o óleo não está lá. Nem mesmo a Rússia seria capaz de reestabilizar o mercado.

Isto é um segredo público em conversas privadas no Harvard Club – ou nos jogos de guerra do Pentágono – que no caso de uma guerra contra o Irão, a US Navy não seria capaz de manter aberto o Estreito de Ormuz.

Os mísseis russos SS-NX-26 Yakhont – com uma velocidade máxima de Mach 2,9 – estão alinhados na costa norte iraniana do Estreito de Ormuz. Não há maneira de porta-aviões dos EUA poderem defender-se de uma barragem de mísseis Yakhont.

Depois, há os mísseis supersónicos anti-navio SS-N-22 Sunburn – já exportados para a China e a Índia – a voarem ultra-baixo a 1.500 milhas por hora [2414 km/h] com capacidade de se esquivarem e extremamente móveis. Eles podem ser disparados de um caminhão plataforma e foram projectados para derrotar o sistema de defesa de radar Aegis dos EUA.

O que fará a China ?

O ataque frontal total ao Irão revela como a administração Trump aposta na ruptura da integração da euro-asiática através do que seria seu elo mais fraco; os três elos principais são a China, a Rússia e o Irão. Estes três actores interconectam todo o espectro; a iniciativa da Estrada da Seda; a União Económica da Eurásia; a Organização de Cooperação de Xangai; o Corredor Internacional de Transporte Norte-Sul; a expansão do BRICS Plus.

Assim, não há dúvida de que a parceria estratégica Rússia-China estará vigilante nas costas do Irão. Não é por acaso que o trio está entre as principais "ameaças" existenciais aos EUA, de acordo com o Pentágono. Pequim sabe como o US Navy é capaz de cortá-la das suas fontes de energia. E é por isso que Pequim está estrategicamente a aumentar as importações de petróleo e gás natural da Rússia. Ao engendrar a "fuga de Malaca" também deve levar em conta uma hipotética tomada do Estreito de Ormuz.

'.
Visão noturna da costa de Omã, incluindo o Estreito de Ormuz. (Foto da Estação Espacial Internacional via Wikimedia)

Um cenário plausível envolve Moscovo a actuar para a neutralização da extremamente volátil confrontação EUA-Irão, com o Kremlin e o Ministério da Defesa a tentarem persuadir o presidente Donald Trump e o Pentágono a evitarem qualquer ataque directo contra o IRGC. A contrapartida inevitável é o surgimento de operações secretas, a possível encenação de falsas bandeiras e todo o tipo de técnicas sombrias da Guerra Híbrida implantadas não apenas contra o IRGC, directa ou indirectamente, mas contra interesses iranianos por toda a parte. Para todos os efeitos práticos, os EUA e o Irão estão em guerra.

Dentro do quadro de um maior cenário de ruptura da Eurásia, a administração Trump aproveita-se do ódio psicopata waabista e sionista contra os xiítas. A "pressão máxima" sobre o Irão confia em Jared "da Arábia" Kushner, íntimo de Mohammad Bin Salman (MbS) em Riad e o mentor de MbS em Abu Dhabi, Sheikh Zayed, para substituir o défice do petróleo iraniano no mercado. Mas isso não faz sentido – pois um bom número de traders astutos do Golfo Pércico está convencido de que Riad não "absorverá a participação de mercado do Irão" porque não há ali petróleo extra.

Grande parte do que está pela frente na saga do embargo do petróleo depende da reacção de variados vassalos e semi-vassalos. O Japão não terá coragem de ir contra Washington. A Turquia vai lutar. A Itália, via Salvini, fará lobby por uma imunidade. A Índia é muito complicada; Nova Delhi está a investir no porto de Chabahar, no Irão, como hub chave da sua própria Rota da Seda e coopera estreitamente com Teerão dentro do quadro do INSTC. Estaria nas cartas uma traição vergonhosa?

A China, é óbvio, simplesmente ignorará Washington.

O Irão encontrará maneiras de escoar o seu petróleo porque a procura não irá simplesmente desaparecer com a varinha mágica de uma mão americana. É hora de soluções criativas. Por que não, por exemplo, reabastecer navios em águas internacionais, aceitando ouro, todo tipo de cash, cartões de débito, transferências bancárias em rublos, yuan, rúpias e riais – e tudo o mais que pode ser encomendado num sítio web?

Isso seria uma maneira de o Irão usar sua frota de petroleiros para fazer uma matança. Alguns dos petroleiros poderiam estar atracados – você entendeu – no Estreito de Ormuz, com um olho no preço de Jebel Ali nos Emirados Árabes Unidos a fim de garantir que ser este o negócio real. Acrescente a isso um duty free shop para as tripulações dos navios. Quem não irá gostar? Os proprietários de navios pouparão fortunas nas facturas de combustível, e as tripulações receberão todo tipo de material com 90% de desconto nos duty free.

E vamos ver se a UE ganhou uma espinha – e realmente turbina sua rede de pagamento alternativo Veículo de Propósito Específico ( Special Purpose Vehicle – SPV ) concebida depois de a administração Trump ter abandonado o JCPOA. Porque mais do que desmanchar a integração da Eurásia e implementar a mudança do regime neocon, trata-se do anátema definitivo. O Irão está a ser impiedosamente punido porque evadiu-se do US dólar no comércio de energia.
24/Abril/2019 
 
[*] Jornalista, brasileiro, correspondente Asia Times , de Hong Kong. Seu último livro é 2030 .

O original encontra-se em consortiumnews.com/2019/04/24/pepe-escobar-war-on-iran-calling-americas-bluff/

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

sábado, 13 de abril de 2019

A era da injustiça


por Paul Craig Roberts 
 
Twiter da mãe de Julian Assange. O dia 11 de Abril de 2019 deu-nos uma nova palavra para Judas:   Moreno — o presidente fantoche do Equador que vendeu Julian Assange a Washington por suas 30 moedas.

Nesta manhã a prisão de Assange dentro da embaixada equatoriana em Londres foi a primeira etapa na tentativa de Washington de criminalizar a Primeira Emenda da Constituição dos EUA.

O homem de Washington em Quito disse que revogou o asilo político de Assange e a sua cidadania equatoriana devido à sua liberdade de expressão.

Quando polícias de diversa raça e género arrastaram Assange para fora da embaixada nesta manhã, reflecti sobre a absoluta corrupção de três governos – dos EUA, Reino Unido e Equador – e das suas instituições.

A polícia britânica não mostrou vergonha quando carregou Assange desde a sua embaixada-prisão dos últimos sete anos até uma cela britânica como estação intermediária para outra americana. Se a polícia britânica tivesse qualquer integridade, toda a força policial teria ficado doente.

Se o parlamento britânico tivesse qualquer integridade, eles teriam bloqueado a contribuição de Londres para o julgamento espectáculo de Washington agora em preparação.

Se os britânicos tivessem um primeiro-ministro ao invés de uma agente de Washington, Assange teria sido libertado há muito tempo atrás e não mantido num aprisionamento de facto até que Washington aceitasse o preço de Moreno.

Se o embaixador equatoriano em Londres tivesse qualquer integridade, ter-se-ia demitido ao invés de chamar a polícia para levar Assange. Será o embaixador tão desalmado que possa viver tranquilo consigo próprio como o homem que ajudou Moreno a desonrar a reputação do Equador?

Se os jornalistas anglo-americanos tivessem qualquer integridade, eles levantar-se-iam em armas quanto à criminalização da sua profissão.

O presidente Trump sobreviveu a três anos de provação semelhante aos sete anos da provação de Assange. Trump sabe quão corruptas são as agências de inteligência e o Departamento de Justiça (sic) dos EUA. Se Trump tivesse qualquer integridade, ele poria um fim imediato à vergonhosa e embaraçosa perseguição à Assange através da emissão de perdão pré julgamento. Isto também poria fim ao re-aprisionamento ilegal de Manning.

Mas integridade não é algo que prospere em Washington, ou em Londres ou em Quito.

Quando o Departamento de Justiça (sic) não tem um crime com o qual acusar a vítima que pretende, o departamento repete continuamente a palavra "conspiração". Assange é acusado de estar em conspiração com Manning para obter e publicar dados secretos do governo, tais como o filme, o qual já era conhecido de um repórter do Washington Post o qual fracassou no seu jornal e na sua profissão ao permanecer silencioso quanto a soldados dos EUA cometerem crimes extraordinários sem remorso. Como soldado dos EUA, era realmente dever de Manning relatar os crimes e a falha de tropas estado-unidenses em desobedecerem a ordens ilegais. Supunha-se que Manning relatasse os crimes aos seus superiores, não ao público, mas ele sabia que o militares já haviam encoberto o massacre de jornalistas e civis e não queria um outro evento tipo My Lai nas suas mãos.

Não acredito na acusação contra Assange. Se a WikiLeaks rompeu o código para Manning, a WikiLeaks não precisava de Manning.

O alegado Grande Júri que alegadamente produziu a acusação foi conduzido em segredo ao longo de muitos anos enquanto Washington buscava algo que pudesse ser atribuído a Assange. Se houve realmente um grande júri, os jurados eram destituídos de integridade, mas como podemos saber se houve realmente um grande júri? Por que deveríamos nós acreditar em qualquer coisa que diga Washington depois das "armas de destruição em massa de Saddam Hussein", da "utilização por Assad de armas químicas contra o seu próprio povo", da "ogivas iranianas", da "invasão russa da Ucrânia", do "Russiagate" e assim por diante ad infinitum ? Por que acreditar que Washington desta vez está a contar a verdade?

Quando o grande júri foi secreto por causa da "segurança nacional", será que o julgamento também será secreto e as provas secretas? Será que teremos aqui um processo tipo Star Chamber no qual uma pessoa é acusada em segredo e condenada em segredo com provas secretas? Este é o procedimento utilizado por governos tirânicos que não dispõem de argumentos contra a pessoa que eles querem destruir.

Os governos em Washington, Londres e Quito são tão desavergonhados que não se importam em demonstrar a todo o mundo seu desrespeito à lei e a sua falta de integridade.

Talvez o resto do mundo seja ele próprio tão desavergonhado de modo a não haver consequências adversas para Washington, Londres e Quito. Por outro lado, talvez o enquadramento de Assange, a seguir à falcatrua do Russiagate e da desavergonhada tentativa de derrubar a democracia na Venezuela e instalar um agente de Washington como presidente daquele país, venha a tornar claro para todos que o chamado "mundo livre" é conduzido por um governo patife e sem lei. Washington está a acelerar o declínio do seu império pois deixa claro que não é digna de respeito.

Não se pode ter confiança alguma em que seja feita justiça em qualquer julgamento americano. No julgamento de Assange, a justiça não é possível. Com Assange condenado pelos media, mesmo um júri convencido da sua inocência irá condená-lo a fim de não enfrentar denúncias por libertar um "espião russo".

A condenação de Assange tornará impossível para os media relatarem fugas de informação que sejam desfavoráveis ao governo. À medida que o precedente se expandir, futuros promotores públicos apresentarão o caso de Assange como um precedente para processar críticos do governo que serão acusados de pretensos danos ao mesmo. A era da justiça e do governo responsável está a chegar ao fim.
11/Abril/2019 
 
Ver também:
  • twitter.com/wikileaks
  • defend.wikileaks.org
  • MINUTO A MINUTO: Arrestan a Julian Assange

  • Assange expôs a democracia burguesa e o estado burguês

    O original encontra-se em www.paulcraigroberts.org/2019/04/11/the-age-of-injustice/


    Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
  • Assange expôs a democracia burguesa e o estado burguês

    O original encontra-se em www.paulcraigroberts.org/2019/04/11/the-age-of-injustice/


    Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
  • Assange expôs a democracia burguesa e o estado burguês

    por Farooque Chowdhury [*]

     
    por Farooque Chowdhury [*]
     
    A prisão de Assange em Londres é agora uma notícia mundial. O público dos media agora está plenamente consciente dos desenvolvimentos que se centram neste denunciante. Assim, não é necessário descrever novamente os factos.

    De agora em diante, seguir-se-ão descrições das batalhas judiciais que se avizinham.

    E haverá mais algumas descrições:

    (1) A maneira ardilosa como os estados burgueses lidam com a questão da liberdade de expressão. O método ínvio dos estados burgueses também será exposto.
    (2) A verdadeira natureza do direito burguês e sua "neutralidade cega" serão expostas. Sua maneira bruta de lidar com a dissidência também será exposta.
    (3) A verdadeira natureza da democracia burguesa será exposta. Sua forma bruta também será exposta.

    Uma observação atenta e cuidadosa revelará tudo isso.

    O incidente de Assange fez um trabalho único: a revelação do estado burguês e, neste caso, do estado imperialista. Isto é uma boa lição para aqueles que confiam na democracia burguesa. Este incidente é suficiente para jogar fora todos os argumentos e palavras doces dos propagandistas – nos media ditos "de referência" e na academia – sobre a espécie de "democracia" que defendem.

    O que Assange realizou é um feito histórico. Ele revelou funcionalmente o Estado, o Estado burguês, o Estado imperialista, a brutalidade e as práticas desonestas a que a burguesia recorre para assegurar seu interesse – capital para a exploração. Desde há muito, Marx e Lenine e seus camaradas discutiram e expuseram a burguesia, seu carácter político, seu poder de Estado, sua crueldade. O que Assange fez foi apresentar evidências contemporâneas da verdadeira natureza e do carácter da burguesia, especialmente dos imperialistas. Todas as evidências estavam no "centro do coração", ou na "camada profunda do cérebro", ou na vida quotidiana – evidências da vida funcional do imperialismo. Estas eram as da sua política interna e externa, da sua diplomacia e da sua actividade militar. As evidências eram tão recentes que o imperialismo não encontrou argumentos, nem mesmo argumentos falsos para se defender.

    O montante de dinheiro que o sistema imperialista mundial gasta para ter uma bela maquilhagem – uma face "humana" – é fácil de imaginar. Um olhar sobre a sua propaganda diária ajuda a perceber. Além disso, existem informações, um bocado de dados sobre esta actividade. Todo o público dos media mainstream sabe disso. Além disso, há estatísticas sobre o assunto – guerra, na verdade agressão e expedições para ocupação, despesas com publicidade, concessão de fundos para pesquisas que facilitam essas guerras, despesas com expedições diplomáticas. O montante chega à estratosfera se se considerarem os gastos dos media mainstream, ao serviço do sistema imperialista-capitalista.

    Todas essas quantias de dinheiro foram inúteis diante da revelação feita pela Wikileaks liderada por Assange. A cada revelação, a máquina vasta e monstruosamente poderosa permaneceu muda. Esta terrível máquina de dominação mundial não tinha nada a fazer, mas tentava persistentemente consertar sua "reputação". E, assim, fez de Assange o inimigo do sistema. No mundo contemporâneo, um tal inimigo individual é raro.

    Num sentido real, Assange contribuiu para a paz mundial pois tornou todos conscientes do poder imperialista bruto, seu atropelo a toda dissensão e suas actividades cruéis. O denunciante e sua associada – a Wikileaks – produziram uma mina de materiais didácticos. Os materiais de aprendizagem são sobre política, estado, diplomacia e forças armadas da burguesia. No futuro, isto será estudado cuidadosa e profundamente na academia e nos círculos políticos que tentam entender o sistema.

    No entanto, agora, o episódio londrino de Assange – negando-lhe asilo e prendendo-o – expõe o "belo" rosto do sistema burguês, no qual muitas pessoas ainda confiam. Tais pessoas são servas fiéis e desavergonhadas do sistema. Nos países capitalistas-imperialistas, tais pessoas servem ao sistema e tentam travar sua decadência; e nas "democracias compradoras", tais pessoas trabalham como representantes (proxies). Certamente, isso não impedirá que esse bando de traficantes de "democracia" entoe suas cantilenas quanto à "liberdade" de expressão. Mas, Assange – seu trabalho e seu papel – será discutido e estudado no futuro. Este estudo estender-se-á também à área do direito burguês.

    O último incidente de Londres centrado em Assange mostra a fraqueza do sistema imperialista – todo o sistema está a travar uma longa batalha contra um único indivíduo e nesta batalha, o indivíduo foi espulso para fora do abrigo moral e ético que toda pessoa tem direito. Todo o episódio de Assange mostra vulnerabilidades do sistema imperialista – uma única fuga de informação por um indivíduo ou um grupo de indivíduos pode expor o sistema; o sistema, com seu vasto mecanismo movido por seus vastos recursos, não consegue esconder suas malfeitorias, cuja exposição o torna vulnerável. Isso lembra um comentário de Fidel: uma agulha pode tirar todo o ar de um balão. Assange realizou este trabalho – um serviço à humanidade.
    11/Abril/2019
     
    Ver também:
  • twitter.com/wikileaks
  • defend.wikileaks.org

  • MINUTO A MINUTO: Arrestan a Julian Assange

    [*] Colaborador de Counter Currents, reside em Dhaka.

    O original encontra-se em countercurrents.org/...


    Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
  • domingo, 7 de abril de 2019

    As mentiras do Poder argelino

    por Thierry Meyssan

     Os critérios que se utilizam habitualmente na política para explica os jogos de poder não se aplicam à Argélia. Os seus dirigentes actuais são antes de mais impostores que fabricaram de si próprios, um a seguir a outro, falsas biografias para obter a consideração dos seus concidadãos. Passando de umas para outras, conseguiram chegar ao topo do Estado. E, aí se mantêm por vontade das grandes potências que fazem de conta que acreditam nas suas fábulas para melhor os manipular.


    JPEG - 44.4 kb
    Desde há uma vintena de anos, a maioria das biografias dos dirigentes argelinos é falsificada. Todos reclamam ter-se batido pela libertação nacional face à Ocupação francesa, mas raros são os que efectivamente o fizeram. Os verdadeiros heróis foram afastados há muito tempo.

    Os média (mídia-br) internacionais descobrem com estupefacção a realidade sobre o Poder argelino que se esforçaram por dissimular até aqui. Este não é detido por um clã, mas por vários entre os quais a figura do Presidente Bouteflika é o ponto de equilíbrio.

     

    No Poder argelino, quem defende o quê ?


    Estes clãs travam uma batalha feroz entre si, o que os impediu não apenas de designar um sucessor para o Presidente cessante mas também um Primeiro-ministro. Finalmente, designaram três : Noureddine Bedoui, assistido por Ramtane Lamamra, ambos flanqueados por um terceiro, Lakhdar Brahimi.

    Tratemos de compreender bem a repartição de papéis:
    - Abdelaziz Bouteflika é um pequeno escroque que foi o secretário de Houari Boumediene e soube, no decorrer do tempo, inventar para si um passado [1]. Desde há vinte anos, ele usurpa a função presidencial graças a uma série de violações da Constituição e a eleições visivelmente manipuladas.
    Hospitalizado na Suíça, por duas semanas, para «avaliações médicas periódicas», diagnosticaram-lhe «problemas neurológicos e respiratórios». Constatando que era incapaz de dar o seu consentimento para os tratamentos, os médicos perguntaram quem era o seu tutor legal para os autorizar. Como resposta, repatriaram o moribundo incapaz sem o mostrar. Depois, difundiram na An Nahar TV breves imagens suas, datadas de 18 de Outubro de 2017, que foram apresentadas como filmadas a 11 de Março de 2019 [2]. Finalmente, difundiram uma nova carta, que lhe foi atribuída, para anunciar o prolongamento sine die do seu mandato.


    - Noureddine Bedoui foi designado, pela pessoa que detém a pena presidencial, como Primeiro-ministro. Até aqui, ele era Ministro do Interior e considerado próximo de um dos irmãos do presidente cessante, Nacer Bouteflika. Foi ele quem imaginou a possibilidade de atribuir um quinto mandato ao presidente inválido e supostamente recolhera seis milhões de assinaturas para o apoiar. O seu papel é o de fazer durar a ilusão presidencial.

    - Ramtane Lamamra foi nomeado Vice-primeiro-ministro. Era, até aqui, conselheiro do Presidente inválido, quer dizer, na realidade um dos detentores do Poder em seu lugar. Passa por representar os interesses da antiga potência colonial, a França.

    - Lakhdar Brahimi foi nomeado Presidente da Conferência Nacional encarregada de por em marcha a transição democrática, sempre anunciada e jamais iniciada. Este aposentado (85 anos) foi chamado por causa da sua folha de serviços: ele desempenhou um papel central na criação do actual sistema e representa os interesses da nova potência colonial: os Estados Unidos.

    Este personagem de primeiro plano não é nada daquilo que afirma ser. Vindo de uma família de colaboradores com o Ocupante francês, conseguiu fazer crer que havia, pelo contrário, participado na libertação nacional.

    • Em 1965, ele foi a última pessoa a receber Mehdi Ben Barka. Informou os Serviços Secretos marroquinos das suas intenções e facilitou, assim, o sequestro e assassinato do Secretário da Tricontinental.

    • Em 1982, no quadro dos esforços argelino-marroco-sauditas, ele conclui os Acordos de Taif que põem fim à guerra civil libanesa em troca da instauração de um regime confessional, totalmente ingovernável, colocando de facto o país sob controle eterno das grandes potências regionais e internacionais.

    • No fim de 1991, ele foi um dos 10 membros do Conselho Superior de Segurança argelino que destituiu o Presidente Chadli Bendjedid, anulou as eleições municipais e abriu a via a Abdelaziz Bouteflika para o Poder. [3].

    • Em 2000, ele forçou a criação de um Serviço de Informações no seio da Administração das Nações Unidas [4].

    • Em 2001, a pedido de Washington, ele concluiu os Acordos de Bona pondo fim à intervenção americano-britânica no Afeganistão e colocando Hamid Karzai e os narco-traficantes no Poder [5].

    • Em 2012, após a demissão de Kofi Annan do seu posto de mediador na Síria, ele foi nomeado, conjuntamente pela ONU e pela Liga Árabe, não como mediador mas como «representante especial».

    Longe de pôr em marcha o Plano de paz Lavrov-Annan, que havia sido aprovado pelo Conselho de Segurança, trabalha para aplicar o plano secreto do seu patrão, o número 2 das Nações Unidas, Jeffrey Feltman, para uma total e incondicional rendição da República Árabe Síria [6].

     

    O papel dos islamistas


    Há várias narrativas da Década Negra (1991-2002) durante a qual 60.000 a 150.000 pessoas morreram. A única coisa certa, se analisarmos o longo período, é que as obras sociais wahhabitas substituíram o Estado nas zonas rurais, que o terrorismo islamista foi uma tentativa britânica para excluir a influência francesa, e que o Exército salvou o país ao mesmo tempo que alguns militares se passaram para o lado dos «degoladores».

    Quando tudo terminou, em 2004, o Presidente Bouteflika aliou-se pessoalmente aos «cortadores de gargantas» (islamistas [7]) contra os «erradicadores» (militares). Ele apresentou-se como um velho soldado capaz de fazer a paz com os seus inimigos. Na realidade, aliava-se aos islamistas para reduzir o poder do Exército e dos Serviços de Segurança que o haviam colocado no Poder.

    - Em 2013, Abdelaziz Bouteflika reestruturou o Departamento da Inteligência e da Segurança, retirando-lhe uma grande parte das suas atribuições e meios e colocando o General Mohamed Mediéne na aposentação.
    - Em 2014, autorizou o braço armado da FIS, o AIS ---responsável por dezenas de milhares de mortes--- a organizar um campo de treino à vista de todos.
    - Em 2016, fez com que o chefe do AIS, Madani Mezrag, fosse recebido por Ahmed Ouyahia (que ele nomeou pouco depois Primeiro-ministro) e anunciou que agora ele gozava de amnistia (anistia-br) e de imunidade.
    - Em Março de 2019, o seu clã fez saltar Madani Mezrag para a frente do palco a fim de fazer pesar a ameaça de uma nova guerra civil sobre a população que se manifestava.

    Neste contexto, a nomeação de Lakhdar Brahimi faz todo o sentido. Quando estava encarregue do dossier sírio na ONU e na Liga Árabe, ele bateu-se por uma «solução política» que incluía a prisão do Presidente Bashar al-Assad e a sua substituição por um professor da Sorbonne, Burhan. Ghalioun. Ora, este, colaborador da National Endowment for Democracy (NED/CIA), muito embora oficialmente partidário de uma Síria não-confessional, tinha sido o guionista dos discursos de Abbassi Madani, o chefe do FIS, durante o seu exílio no Catar.

    A Argélia Independente construiu-se, primeiro, no secretismo inerente à luta de libertação nacional.
    Depois esse secretismo foi mantido e usado por alguns para construir uma lenda e atribuírem-se um papel glorioso. Esta mistificação, repetida durante décadas, privou o povo da compreensão dos acontecimentos. Ela permitiu-lhes tornarem-se indispensáveis jogando para isso, ao mesmo tempo, com a ameaça (os «degoladores») e com a protecção (os «erradicadores»). Prisioneiros da sua própria mistificação, são hoje forçados a submeterem-se à chantagem da França e dos Estados Unidos.
     
    Tradução
    Alva
    [1] Bouteflika, une imposture algérienne, Mohamed Benchicou, Le Matin, 2003.
    [2] « Le report des élections algériennes et la bombe Brahimi », par Khalida Bouredji, Réseau Voltaire, 15 mars 2019.
    [3] Islam and democracy : the failure of dialogue in Algeria, Frédéric Volpi, Pluto Press, 2003 (p. 55 et suivantes).
    [4] « Rapport du Groupe d’étude sur les opérations de paix de l’Organisation des Nations Unies », Nations Unies A/55/305, ou S/2000/809.
    [5] « L’opium, la CIA et l’administration Karzai », par Peter Dale Scott, Traduction Anthony Spaggiari, Réseau Voltaire, 10 décembre 2010. « Le partenaire afghan de Monti », par Manlio Dinucci, Traduction Marie-Ange Patrizio, Il Manifesto (Italie), Réseau Voltaire, 9 novembre 2012.
    [6] “A Alemanha e a ONU contra a Síria”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Al-Watan (Síria) , Rede Voltaire, 28 de Janeiro de 2016.
    [7] Nós distinguimos a religião muçulmana da sua manipulação política, o islamismo, tal com é formulado pela Confraria dos Irmãos Muçulmanos. NdaR.

    aqui:https://www.voltairenet.org/article205682.html

    Publicação em destaque

    Marionetas russas

    por Serge Halimi A 9 de Fevereiro de 1950, no auge da Guerra Fria, um senador republicano ainda desconhecido exclama o seguinte: «Tenh...