terça-feira, 26 de abril de 2011

Bancocracia

Chegámos agora ao estágio final: o governo dos bancos, pelos bancos e para os bancos. Na verdade, foi ele que chegou até nós: desembarcou há dias na Portela.


“O governo do povo, para o povo e pelo povo” já era. Chamava-se a isso a democracia, nos bons velhos tempos. Mas nas últimas décadas o regime foi sendo transmutado, passo a passo, numa coisa diferente: o governo dos ricos e poderosos, para os ricos e poderosos e pelos ricos e poderosos.

Primeiro, tornou-se no governo “para os ricos”. Segundo uma teoria muito em voga, se nos ocupássemos em beneficiar o topo da pirâmide, a prosperidade escorreria por ali abaixo até à base. A coisa não funcionou. Disseram-nos então que era preciso dar o passo seguinte: o “governo pelos ricos”, seguindo os métodos deles e, em última análise, trazendo-os diretamente para o poder. As nossas escolas, os nossos hospitais, as nossas cidades e os nossos países teriam de ser “geridos” como “empresas”. Em vez de representantes teríamos gestores. Se eles souberam enriquecer para seu benefício, bastaria pô-los a mandar para que nos acontecesse o mesmo (ver: Itália, Berlusconi). Não funcionou.

Chegámos então ao estágio em que o governo passou, simplesmente, a ser deles e não nosso. Joseph Stiglitz, prémio Nobel da Economia, explica num artigo recente como a tomada do governo pelos ricos e poderosos foi concomitante com a tomada da economia: os rendimentos do 1% por cento mais rico subiram 18% nos EUA e esta fatia ínfima da sociedade detém agora 40% da economia.

O desequlíbrio não é sustentável, e todo o edifício entrou em colapso.

No desespero, já ninguém se salva — nem sequer os ricos e poderosos. Paradoxalmente, são agora os mais desesperados dos ricos e poderosos que tomaram conta do resto.

Desde o início da crise que o meu pior receio é o de que tenhamos subestimado o grau de putrefação no sistema bancário. E em cada passo da crise este receio tem sido confirmado. Quando se descobriu que a Grécia tinha falseado os seus livros, por detrás estava o banco Goldman Sachs, que tinha ensinado o governo grego a fazer “contabilidade criativa”. Quando a Irlanda caiu sobre a espada do FMI, foi porque as dívidas dos seus bancos eram maiores, muito maiores, do que alguém tinha previsto. E, em Portugal, bastou um pio dos bancos para cortar o pio a José Sócrates.

E na Alemanha? Bem, a Alemanha continua a intrigar-me. Ou Angela Merkel é tão míope quanto parece — ou o grau de putrefação dos seus bancos foi subavaliado. Isso explicaria por que insistiu Merkel em “testes de esforço” ridiculamente fáceis para os seus bancos. Merkel hesita apenas por ser hesitante — ou porque não consegue desenvencilhar-se?

Seja como for, chegámos agora ao estágio final: a bancocracia — o governo dos bancos, pelos bancos e para os bancos. Na verdade, foi ele que chegou até nós: desembarcou há dias na Portela.

Algumas notas finais.

Uma de purismo linguístico: como dizia CP Snow sobre a televisão, nada de bom pode sair de palavras que são meio latinas e meio gregas — e só nesse sentido irónico “bancocracia” estaria adequado, mas não correto (se fosse uma palavra de inspiração só grega, seria “trapezocracia”).

Outra de purismo democrático: eu votei no BE nas últimas eleições legislativas, e eu teria muita coisa para dizer ao FMI. Não entendo porque não foi o BE à reunião com o FMI. Exijo ser representado. Valeu-me a CGTP, mas não é a mesma coisa.

E um apelo à ação: assinei a petição “em torno do emprego e da coesão social”. Sugiro que a leiam em http://tinyurl.com/3f86xb7 e espero que a queiram assinar

 
por Rui Tavares

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Resultados da "ajuda" à Grecia

Há um ano o FMI ocupou a Grécia, altura certa para se saber o que lá aconteceu depois do resgate do país. Boa altura, também, para se saber o que por cá pode acontecer se for para a frente o plano de rendição que a troika do PS, do PSD e do CDS está a negociar. Só que não parece haver muita vontade em fazer essa análise: para além de notícias de ocasião, nenhum proeminente analista ou editor parece empenhado em promover uma vasta informação e debate sobre as consequências da "ajuda" do FMI à Grécia.


Há um ano, a dívida da Grécia a 10 anos atingia juros insustentáveis, próximos dos 9%; há dias, no mercado secundário, eram de 13,35% (e os juros da dívida a 2 e a 5 anos estavam, respectivamente, a 17,9% e 15,6%)! Ou seja: depois do FMI e a UE terem "ajudado" a Grécia com 110 mil milhões de euros, os mercados "não se acalmaram". As consequências da "ajuda" à Grécia são indisfarçáveis: recessão profunda, dezenas de milhares de pensionistas na miséria, centenas de milhares de desempregados sem qualquer rendimento; cortes salariais de 7% na função pública e de mais de 12% no sector privado, cortes de 30% no subsídio de férias e de 60% no subsídio de Natal; alterações na lei dos despedimentos; um plano de privatizações de 65 mil milhões de euros até 2015; taxa reduzida de IVA a 11% e normal a 23%, diminuição de 20% no salário mínimo.

Isto é ajuda? É inevitável? Há comentadores e analistas que insistem em apelos à falsa unidade e responsabilidade, que amedrontam o país e omitem ou menorizam as alternativas. Participar em falsos consensos só é possível para quem executa as políticas que levaram Portugal ao abismo. Por isso, neste 25 de Abril, há que responsabilizar quem nos conduziu a esta situação e insistir nas alternativas!


por Honorio Novo, JN, Abril 2011

domingo, 24 de abril de 2011

Cada um tem o que merece!

No decorrer do ano de 2007, uma pequena ilha vulcânica, a Islândia, entrou com os seus 320 mil habitantes em bancarrota, tornando-se na primeira vitima da crise financeira que tem vindo a assolar o mundo económico.


O endividamento excessivo, a falência do maior banco nacional e o excesso de crédito mal parado, foram alguns dos motivos que guindaram o pais para uma crise que entretanto já fez tombar a Irlanda, a Grécia e agora Portugal.

É bom lembrar que este pequeno pais, erguido em magma no meio do oceano, vinha desde 1944, altura da sua independência, a ser governado pelo PP, o Partido Progressista que se perpetuou no governo até levar o país à miséria. Fazendo recurso a falácias para classificar o “seu bom trabalho”, como por exemplo, o fantástico 13º lugar no ranking de países com melhores condições para se viver (quando Portugal ocupava o modesto 40º) ou ainda com as conhecidas “afinações” bancárias, conseguiram passar para o povo a ideia que tudo estava sobre controlo. E assim conseguiram iludir uma população durante mais de meio século.

Quando a bomba rebentou, o PP saiu em corrida de braços abertos ao encontro do FMI. “- Ajudem-nos… que a merda veio ao de cima.” O FMI, evidentemente recebeu-os de braços abertos e sem grandes comiserações garantiu ajuda a troco de juros pornográficos que começariam nos 5,5 % e terminariam…. onde terminassem. Feitas as contas por alto, os islandeses concluíram que o recurso ao FMI resultaria num endividamento por 30 anos, com um encargo mensal de sensivelmente 350€ por família.

Não agradados com esta solução, principalmente porque parte considerável da “ajuda” servia para tapar o buraco no Banco da Islândia, o povo mexeu-se, e rapidamente começaram a aparecer movimentos cívicos despojados dos velhos políticos corruptos, com uma ideia base muito simples: os custos das falências bancárias não poderiam ser pagos pelos cidadãos, mas sim pelos accionistas dos Bancos e seus credores. Como tal, todos aqueles que assumiram investimentos financeiros de risco, deviam agora aguentar com os seus próprios prejuízos.

Durante algum tempo esgrimiram-se argumentos e o PP, em jeito de velho habito, tentou descarregar uns furgões de areia nos olhos dos islandeses, sempre sem sucesso, pois os islandeses pouco têm de semelhante com, por exemplo os portugueses. Os islandeses são um povo mais á semelhança dos nórdicos e assim sendo, apresentaram-se intransigentes e fieis às suas convicções. O governo não teve outra alternativa e foi obrigado a efectuar um referendo, tendo os islandeses, com uma maioria de 93%, recusado a assumir os custos da má gestão bancária e a pactuar com as imposições avaras do FMI.

Num ápice, esses mesmos movimentos cívicos cresceram e forçaram a queda do Governo e novas eleições foram realizadas a 25 de Abril (data mítica) de 2009.

Como está bom de ver, o PP perdeu em toda a linha nas novas eleições. Apesar do PP apresentar Duques e Ases como trunfos, os Islandeses, povo intelectualmente honesto, votaram em massa no renovado Aliança Social Democrata, e com a coligação entretanto criada com o Movimento Verde de Esquerda, garantiram 34 dos 63 lugares da Assembleia.

O programa do novo governo era muito simples: Aprovar uma nova constituição; acabar com a economia especulativa em favor de outra produtiva e exportadora; e tratar de inserir a curto-médio prazo a Islândia no UE com a subsequente adesão ao Euro.

E foi isso que fizeram. Inevitavelmente, subiram os impostos e cortaram na despesa publica, mas, repare-se, tiveram a preocupação de não o fazer nos serviços públicos de quem a população dependesse, cortando apenas nas chamadas “tetas de vaca” que mais não são que o alimento dos conhecidos “boys do Governo”.

Tomadas que formam estas medidas, seguiu-se a negociação com o FMI. Isto porque apesar de internamente o pais estar a ser organicamente reestruturado e financeiramente optimizado, continuavam a precisar de dinheiro para garantir liquidez. Longas e duras negociações tornaram a mostrar a fibra e a motivação do pequeno grande povo islandês e resultado disso; garantiram os empréstimos que necessitavam nos tais 30 anos de duração com um juro máximo de… 3,3%. Máximo!

O FMI emprestou e saiu de fininho. Nem podia ser de outra forma, pois os islandeses demonstraram de uma forma cabal que se tivessem de trilhar o seu caminho sozinhos, o fariam sem olhar para trás. Ora, sabendo o FMI que o mais provável, dadas as características do povo e do pais, é que mesmo sem ajuda da Banca Internacional, a Islândia teria conseguido superar tamanho desiderato; que tipo de mensagem estaria a ser passada para os demais países do mundo? Uma mensagem inconveniente para o negocio da banca, como está visto, pois como já devem ter reparado, muito pouco se tem falado da Islândia e dos seus estóicos feitos governamentais.

Graças a esta corajosa politica de não pactuar com os interesses descabidos do neo-liberalismo instalado na banca e de não pactuar com o Capitalismo (cada vez mais descontrolado) a Islândia conseguiu, aliada a uma politica interna de sacrifício sair da recessão no 3º Trimestre de 2010.

O Governo Islandês, liderado por uma senhora sexagenária, lá vai seguindo o seu caminho; o caminho que escolheu percorrer. O povo está com o Governo, porque o Governo cumpriu, até á data, com todas as promessas do dito referendo dos 93%. E estão com o Governo, porque apesar dos sacrifícios, sabem para onde vão todos os cêntimos dos seus impostos; sabem que os seus sacrifícios não servem para sustentar os banqueiros corruptos do seu pais, nem para encobrir fraudes com que alguns durante muitos anos fizeram crescer monstruosas fortunas. Estão com o Governo, porque este não faz jogadas nas suas costas. Estão unidos, porque o Governo tal como prometido, não lhes mexeu nos sectores públicos necessários à manutenção de uma assistência e segurança social básica. Estão unidos, porque orgulhosamente podem dizer que deram uma lição à máfia banqueira internacional.

E nós?

Porque não estamos nós unidos? Porque não confiamos nós em quem nos governa?

Sim, falo de nós, portugueses. E sim, também falo de nós, sportinguistas.

Bom, nós vamos continuar exactamente como sempre estivemos. Vamos votar no PS e no PSD, aqueles que nos têm conduzido à pobreza. Aqueles que compraram submarinos enquanto encerravam Hospitais e Centros de Saúde. Aqueles que executam penhoras de habitações e colocam na rua famílias com filhos enquanto eles são absolvidos de processos judiciais que fariam qualquer outro cidadão passar os próximos anos da sua vida atrás das grades. Aqueles que pedem para apertar o cinto, enquanto têm cem assessores e outros tantos motoristas. Vamos faze-lo, não tenho uma única célula que duvide disso, e vamos faze-lo da mesma maneira que enquanto sportinguistas “votámos” no Godinho Lopes e no BES. Aqueles que descapitalizaram o clube, vendendo Edifício Visconde de Alvalade, Clínica Cuf, Alvalaxia e terrenos urbanos, com a mesma cadencia com que aumentaram o passivo do clube. “Votámos” neles, mesmo sabendo que todos os bens que restam ao Sporting (Academia e Estádio) já passaram para a Sporting, SAD e que essa mesma SAD vai passar a breve trecho a ser detida maioritariamente pelo BES. Mesmo assim “votámos” neles. Ou não… mas isso pouco importa, porque como bons portugueses que somos, agora o que importa, segundo parece, é darmos as mãos, fecharmos os olhos, e rezar para que tudo corra pelo melhor. Com os sem verdade. Com os sem cumprimento de promessas. Com ou sem futuro.

É assim o português, que não sendo diferente dos outros, vai ter, como tem tido, aquilo que merece. Uma mão cheia de promessas e outra cheia de nada.

 
por Nelson Vicente, in Sporting Apoio 2011

O problema é a divída privada




As declarações do presidente do FMI são eloquentes: "o problema [de Portugal] não é tanto de dívida pública como de financiamento dos bancos e dívida privada". E confirmam algum alarmismo que surgiu na imprensa económica internacional em Novembro de 2010. Na altura foi publicado o gráfico acima, mas estranhamente manteve-se o silêncio sobre a nossa colossal dívida privada, 220% do PIB (ver abaixo, a nossa dívida pública não é das mais altas). O debate económico pautava-se pelo pensamento único, por homilias de comentadores muito comprometidos em que se culpava o Estado de tudo e, obviamente, os malandros do rendimento mínimo e os desempregados.






Espero que as declarações de Strauss-Kahn sirvam para que se comece a responsabilizar seriamente os excessos do sector privado, sobretudo o sector imobiliário e a banca. Um milhão de casas vazias em todo o país que representam muito dinheiro empatado em empréstimos inúteis e uma banca que não paga impostos como as outras empresas são anormalidades insustentáveis. Se a partir de 5 de Junho o novo governo não tiver coragem para combater este flagelo os 220% de dívida privada não irão desaparecer por passes de magia...





quarta-feira, 20 de abril de 2011

Nada de novo no horizonte

"... Longe vão os tempos em que as escolhas para deputados eram quase uma festa. Basta recordar quem eram aqueles outros e comparar com estes de agora. As convicções foram substituídas pelos interesses pessoais. O desencantamento, associado à regularidade monótona e funesta da rotina, tem muito a ver com a crença na "legalidade" da tradição, eternamente válida. Ou, pelo menos sem refutação.


Quem selecciona os deputados não somos nós. Aliás, nem sequer sabemos quem são e para aonde vamos. Não lemos os programas dos partidos, e acedemos ao domínio "carismático" dos secretários-gerais ou dos presidentes, submetidos às evidências do poder, numerosas vezes criadas pela comunicação social.

A manipulação declarada ou latente a que somos sujeitos explica e justifica o abandono pessoal ou a fé resoluta com que seguimos o cherne (para lembrar a grande metáfora de O'Neill) e a cegueira política com que votamos naqueles que nos maltratam.

 Reconhecemos, mesmo, como condição irreparável, a existência de um "arco de poder", constituído por dois (ou três) partidos, no qual os outros, embora representando dois ou três milhões de portugueses, não são admitidos. No absurdo desta situação, rigorosamente antidemocrática, assentam os pilares da democracia. Em Portugal e lá fora. Nisso, não somos nada originais.


Somos nós e a nossa circunstância, como ensinou Ortega, ou as circunstâncias podem ser modificadas por nós, como queria Marx? Penso que a renovação ou a alteração da nossa existência social passa pela substituição radical do sistema económico. Este pertence não apenas a estruturas astutamente edificadas, com guardiães ferozes e centuriões espalhados por todos os confins, como às "doenças da crença", o mal maior das nossas servidões."


por Baptista Bastos, DN, Abril 2011
                                        




segunda-feira, 18 de abril de 2011

O resgate imposto

O "resgate" da dívida portuguesa foi cozinhado e imposto pelos "mercados" e as suas "agências de serviço". Com a aceitação e a passividade do Governo, do Presidente da República (de quem a formação em Economia de nada nos serve!) e dos partidos do FMI (PS/ PSD/ CDS). Já o sabíamos, mas dito pelo insuspeito New York Times, tira todas as dúvidas a quem ainda as alimentasse…




O "RESGATE" DESNECESSÁRIO A PORTUGAL

O pedido de ajuda de Portugal ao Fundo Monetário Internacional e à União Europeia, na semana passada, por causa da sua dívida, deve ser um aviso para todas as democracias. A crise, que começou com o "resgate" à Grécia e à Irlanda, no ano passado, tomou um rumo feio. No entanto, este terceiro pedido de "resgate" não é realmente sobre a dívida. Portugal teve um forte desempenho económico em 1990 e estava a gerir a sua recuperação da recessão global melhor do que vários outros países na Europa, mas tem estado sob pressão injusta e arbitrária por parte dos negociantes de títulos, dos especuladores e dos analistas de notação de crédito que, por miopia ou por razões ideológicas, já conseguiram expulsar um governo democraticamente eleito e, potencialmente, amarrar as mãos do próximo. Se forem deixadas sem regulamentação, estas forças de mercado ameaçam eclipsar a capacidade dos governos democráticos — talvez até mesmo dos Estados Unidos — para fazer suas próprias escolhas sobre impostos e gastos.

sábado, 16 de abril de 2011

José Mário Branco

« Pertenço a uma geração anterior ao pós-modernismo, em que nós aprendemos que ligada a qualquer estética há sempre uma ética. Quando me perguntaram, no princípio dos anos 80, 'você é um cantor de intervenção?', eu disse: 'Somos todos cantores de intervenção'. Marco Paulo é um cantor de intervenção. Intervém à sua maneira e eu intervenho à minha. Agora, não me venham dizer que aquilo é neutro. Não há neutralidade possível quando se está a falar para milhares de pessoas. Está ali um tipo a dizer umas palavras, a tomar umas atitudes e, portanto, a transmitir modelos que levam à reprodução do sistema social tal como ele está, ou a colocar em causa esse sistema social e a sugerir pistas, eventualmente erradas. Nunca se vai impunemente para cima de um palco.»



José Mário Branco ao jornal Público 27 de Fevereiro de 2004



"A cantiga é uma arma

eu não sabia

tudo depende da bala

e da pontaria

Tudo depende da raiva

e da alegria

a cantiga é uma arma

e eu não sabia..."





sexta-feira, 15 de abril de 2011

Os dias de todos os espantos.

Parece que os socialistas ficaram muito contentes com o congresso do seu partido. E o mais contente de todos eles foi José Sócrates. Ungido como salvador da pátria e inocente vítima de inimigos inclementes, ele perguntou, comovido e lacrimejante, se os seus camaradas o seguiam, o desejavam, o amavam. Em coro, congestionados de amor e devoção, mil e oitocentos congressistas gritaram que sim. A nota e o resultado estavam dados. Só faltou o ceptro, a coroa e o manto vermelho de seda e gola de arminho. Depois, foram para casa, felizes por terem cumprido, com veneração e afecto, a liturgia da consagração.


O congresso do PS não serviu para outra coisa senão como metáfora de um particular panteísmo de linguagem e de espectáculo. É sempre assim, em qualquer reunião daquela natureza, dir-se-á. Por isso mesmo é que produzem a indiferença. A veneração quando atinge as raias da sabujice tem um preço. Um preço reconcentrado e vasto que se exprime das formas mais diversas. Uma delas é tornar oblíquo o pensamento e liquidar as ideias críticas. Nem um projecto, nem o esboço de uma teoria, nem o sopro de uma referência ideológica, nem o mais escasso resquício de vergonha interior pelo passado, pelos actos e actividades dos governos PS. Somente uma pose, uma farsa desesperada de quem abandonou o compromisso e a esperança, e se remete para um signo que se oculta noutro signo. Ana Gomes, a única que não destilou banalidades e fugiu um pouco à dissimulação, foi colocada à meia-noite para falar. Vinte socialistas esparsos e ensonados estavam na sala.

A coroação de Sócrates é uma vitória do próprio e uma nova derrota daqueles que, no PS, ainda acreditam nos ideais (que quer isto dizer?) e na possibilidade de se alterar o estado das coisas. Porém, as evidências e as comparações históricas são severas para quem embala essa fé: nenhum partido é reformável "por dentro". A dissidência tem sido o caminho e o estigma de quem a tal se aventurou. Por exemplo: nos partidos comunistas. A lição é crucial. Mas, como não tem sido apreendida e reflectida, as forças do progresso saem cada vez mais enfraquecidas. A soma e o resto estão à vista. Estes dias últimos fazem com que fiquemos mais ensimesmados, funestos e sigilosos. Um prestamista internacional vem ditar-nos o molde dos nossos comportamentos, e achincalhar o que sobrevive da nossa dignidade. Um homem que desdenhava a petulância dos partidos e a tacanhez afectada dos políticos mudou de carril com desenvolta impassibilidade. Os factos rasgam as nossas feridas e os paradigmas volatilizam-se. Não há em quem nem em que acreditar. A honra e a decência deixaram de possuir exactos significados e transferiram-se para os territórios da ambiguidade e das evasivas. Resta-nos as palavras. E mesmo assim...

por Baptista Bastos, DN, Abril 2011



Agências de notação financeira na origem da crise mundial de 2008

A Moody's e a Standard & Poors estão na origem da crise financeira mundial de 2008. A conclusão é de um relatório do senado norte-americano.



Mais do que qualquer outro evento, foi a maré súbita de revisões em baixa de produtos estruturados relacionados com os famosos crédito "subprime", ou seja, empréstimos para comprar casa concedidos a pessoas com poucos recursos que esteve na origem do dilúvio financeiro a que o mundo ocidental tem assistido desde 2008.


A investigação dos senadores norte-americanos conclui que a Moody's e a Standard & Poors continuaram a dar "ratings" de triplo A, isto é, a melhor nota a produtos derivados deste tipo de créditos, durante demasiado tempo, mesmo meses depois da implosão da bolha imobiliária norte-americana.

Posteriormente, quando reagiram, quiseram compensar o atraso com revisões em baixa repentinas e sucessivas, o que levou à paragem do sistema circulatório da alta finança.

O senado revelou documentos das duas agências que mostram como a Moody's e a S&P estavam, já em 2006, avisadas quanto ao problema do mercado hipotecário e não fizeram nada para evitar o problema.

A situação agravou-se, escrevem os relatores, porque não houve incentivo para que as agências não reviram em baixa os "ratings" de produtos que, ao mesmo tempo, lhes davam lucro.

O relatório inclui mensagens de correio electrónico de funcionários de ambas as agências, os "mails" mostram que a pressão sobre elas veio de bancos de investimento, que comercializam pacotes de crédito "subprime" que queriam ver bem cotados.


Numa reacção ao relatório, a S&P diz que a empresa já levou a cabo reformas internas para melhorar a qualidade das avaliações, a Moody's prefere não reagir.

Por seu turno, em declarações à TSF, João Cantiga Esteves, professor de Economia do ISEG, aplaudiu o relatório, considerando que as conclusões apontam para responsabilidades repartidas pelas agências de "rating" e pela inacção dos reguladores.

Hugo Neutel






domingo, 10 de abril de 2011

O missil é o melhor amigo do Homem

Guerra? Que guerra?


Ahhh, a Líbia, pois...é que este conflicto está a tornar-se uma espécie de habito. Nos telejornais aparece entre as noticias económicas e o desporto, a altura certa para ir até a cozinha a buscar o queijo.

Porque novidades não há. Que dizer, por haver há: mas são novidades esquisitas.

Não sei se repararam, mas este parece ser o primeiro conflito da história sem vítimas. Os únicos mortos dignos de aparecer nos canais das televisões foram alguns rebeldes atingidos, por engano, pelas forças da Nato.

Outras vitimas? Não há.

Pelo que, surge uma dúvida: mas onde acabam todos os misseis disparados? Provavelmente no deserto. Deve ser isso. Talvez erros de pontaria, se calhar defeitos de fabrico, sem esquecer o calor.
Eis explicada a razão pela qual as forças do Bem não conseguem derrotar Khadafi (que, lembramos, é o Mal).
Na realidade, quem mais está a sofrer nesta guerra são os camelos, que já não sabem abaixo de qual duna ir a esconder-se.

Mas será mesmo assim?

Sabia que...?

Sabia o leitor que com o Mau, Khadafi (cujas culpas estão fora de discussão), o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da Líbia, é o maior da África? E que a taxa de alfabetização é superior à da população dos Estados Unidos?

Que os Líbios não morrem de fome, como em Marrocos, Tunísia e Bahrein, e que os salários foram multiplicados por 2 ou 3 enquanto os serviços sociais e médicos foram reforçados?

Sabia o leitor que o Mal (sempre Khadafi) fez uma proposta para instituir uma comissão independente das Nações Unidas para indagar acerca das alegadas violações dos direitos humanos no País?
E que tal proposta, embora apoiada pelos embaixadores de Italia, Hungria, Roménia, Bulgária, Grécia, Holanda, Malta e Chipre, ficou sem respostas? Curioso, não é?
E que por isso Alemanha, Rússia, China, Polónia, Turquia e alguns Países da América Latina (mas não o Brasil) votaram contra a intervenção?
Sabia o leitor que a resolução do Conselho de Segurança a ONU foi aprovado tendo como objectivo a criação duma No Fly Zone mas sem autorizar o bombardeamento de tropas ou cidades líbias?

Não faz mal, pois vimos que afinal os misseis não provocam mortos: mas fica a notícia como simples curiosidade.

Sabia o leitor que só no dia 22 de Março forma lançados 151 mísseis modelo Tomahawk, cada um dos quais custa 1.160 mil Dólares?
E que o preço para estabelecer a dita No Fly Zone estará entre 400 e 800 milhões de Dólares?
E que o preço da manutenção da dita zona será de 100 milhões de Dólares por semana?
E que todo este dinheiro não foi ganho numa lotaria?

Sabia o leitor que os heroicos revoltosos, com sede na Cirenaica, têm objectivos religiosos? E que a mesma região é um dos melhores reservatório árabes de militantes de Al-Qaeda, os quais já combateram (e ainda combatem) a invasão do Iraque por parte do Estados Unidos?

Sabia o leitor que Khadafi (o Mal!) foi acusado de massacres de civis (tal como Milosevic no passado), mas, apesar dos refinados meios tecnológicos, não existe um só imagem de tais acontecimentos, nem um indício, nem uma fotografia de satelite, nada de nada?

A tal propósito, a explicação mais lógica é de Khadafi ter utilizado para o fim as armas de destruição maciça antes na posse de Saddam Hussein.

Sabia o leitor que, após a saída das forças americanas, as forças da Nato não têm aviões suficientes?

Actualmente resultam empenhados 30 caças franceses (que, todavia, operam por conta própria, sem uma real coordenação com as restantes forças), 17 aviões ingleses (mas nem todos de ataque) mais alguns aparelhos da Bélgica, da Dinamarca, do Canada, e da Noruega, que conduzem operações contra objectivos em terra e não simplesmente para manter uma No Fly Zone?

Sabia o leitor que a Nato justifica o insucesso com o facto das forças de Khadafi (o Mal absoluto) utilizar escudos humanos (que todavia ninguém consegue fotografar ou filmar), esconder os tanques nas cidades (uma superfina táctica revolucionária) e transportar os meio antiaéreos com simples tractores agrícolas (!!!)?

Contra forças assim, nunca poderão existir exércitos suficientes.

Só como curiosidade, e para que o leitor não tente ver nisso uma possível razão da guerra, os planos do Mal (sempre ele, Khadafi) previam a nacionalização das companhias petrolíferas que operam no País, tal como Shell, BP, ExxonMobil, Hess Corp., Marathon Oil, Occidental Petroleum, ConocoPhillips, Repsol, Wintershall, OMV, Statoil, ENI e Petro-Canada.

Um operação, esta, que teria fornecido uma entrada de 5.400 mil milhões de Dólares.

Tudo isso seria muito triste se o resultado tivesse sido uma guerra convencional, com mortos e feridos até entre os civis.

Mas tal não acontece e por uma razão muito simples: nós somos o Bem.

Sempre.



terça-feira, 5 de abril de 2011

Um país em forma de assim

Num país de trafulhas que, se apanhados com a boca na botija (e a mão na massa) ainda passam por vítimas, a minha simpatia vai para o administrador dos CTT Marcos Batista, que pediu a suspensão do cargo "por razões pessoais" mal o jornal "i" descobriu que não é licenciado como declarou no currículo publicado em "Diário da República" aquando da nomeação.


Por pouco era uma atitude decente. Só que Batista não se demitiu nem apresentou voluntariamente na esquadra mais próxima. Apenas suspendeu o mandato, explicando que "sempre [esteve] convencido" que era licenciado. À bolonhesa mas, para todos os efeitos, licenciado, coisa de que o seu ex-sócio, o secretário de Estado Paulo Campos, que o nomeou, certamente também "sempre [esteve] convencido".

No país "em forma de assim" de Alexandre O'Neill, em que "o engenheiro, afinal, não era engenheiro/ e a rapariga ficou com uma engenhoca nos braços", para pagar a um pobre o que baste para completar 189,52 euros por mês, o Estado exige-lhe que preencha os modelos RSI 1/2010. RSI 1/1, RSI 1/2 e RV 1013 e que apresente BI, NIF, declaração médica, comprovativos de rendimentos, de bens móveis e imóveis, cadernetas prediais e declaração de autorização de acesso à informação bancária.

Já em lugares de nomeação política em empresas públicas como o do ex-sócio do secretário de Estado, paga 257 000 euros por ano sem sequer exigir um certificado de habilitações.


por Manuel António Pina

sexta-feira, 1 de abril de 2011

"Aqui havia uma casa".

Ilse Losa contou-me um episódio doloroso do seu regresso à Alemanha no fim da guerra, quando visitou já não sei se Osnabruck se Hannover, onde vivera. Procurou a sua casa e não a encontrou.


Nem sequer o lugar dela, pois a cidade fora de tal modo desfigurada pelos bombardeamentos que todas as referências geográficas (ruas, praças, edifícios) tinham desaparecido numa amálgama indistinta de ruínas onde era impossível a orientação. Tal sentimento de perda irremediável está presente em grande parte da sua obra, especialmente em "Aqui havia uma casa".

Muitos portugueses experimentam hoje um sentimento parecido ante as ruínas daquilo que foi um dia um país e hoje é apenas um patético joguete de interesses alheios. Também "aqui havia uma casa", agora impossível de encontrar à míngua de referências (morais, ideológicas ou outras) e de qualquer projecto que não o da ganhunça. A "choldra ignóbil" de Eça regressou corrompendo tudo, confundindo verdade e mentira e espoliando o presente e o futuro colectivos.

As próprias palavras deixaram de merecer confiança. O Partido Socialista é tão socialista quanto o Partido Social-Democrata é social-democrata e expressões como "Estado social" ou "justiça social" perderam qualquer significado. Daqui a dois meses iremos outra vez a votos. E, como a imensa maioria descontente que se abstém não conta, os mesmos elegerão de novo os mesmos. Que farão mais uma vez o mesmo.


Manuel António Pina, JN, Março 2011


Publicação em destaque

Marionetas russas

por Serge Halimi A 9 de Fevereiro de 1950, no auge da Guerra Fria, um senador republicano ainda desconhecido exclama o seguinte: «Tenh...