quinta-feira, 30 de maio de 2013

Vindo do Iraque, um trágico apelo ao processo dos criminosos de guerra


por  John Pilger

A poeira do Iraque invade as longas estradas que são os dedos do deserto. Ela entra pelos olhos, nariz e garganta; rodopia em mercados e pátios escolares, contaminando crianças a chutarem uma bola; e transporta, segundo o Dr. Jawad Al-Ali, "as sementes da nossa morte". Um especialista em câncer reputado internacionalmente que trabalha no Sadr Teaching Hospital, em Bassorá, o Dr. Ali disse-me isso em 1999 – e hoje a sua advertência é irrefutável. "Antes da Guerra do Golfo", disse ele, "tínhamos dois ou três pacientes de câncer por mês. Agora temos 30 s 35 a morrerem a cada mês. Nossos estudos indicam que 40 a 49 por cento da população nesta área contrairá câncer: num período de tempo de cinco anos para começar, a seguir pouco mais. Isso é quase a metade da população. A maior parte da minha própria família contraiu e nós não temos historial da doença. Aqui é como em Chernobil; os efeitos genéticos são novos para nós; os cogumelos crescem enormemente; mesmo as uvas no meu jardim sofreram mutações e não podem ser comidas".

Ao longo do corredor, a Dra. Ginan Ghalib Hassen, uma pediatra, mantém uma colecção de fotos das crianças que estava tentar a salvar. Muitas têm neuroplastoma. "Antes da guerra, em dois anos vimos apenas um caso deste tumor inabitual", disse ela. "Agora temos muitos casos, sobretudo sem historial familiar. Estudei o que aconteceu em Hiroshima. O aumento súbito de malformações congénitas é o mesmo".

Entre os médicos que entrevistei havia pouca dúvida de que as munições de urânio empobrecido (depleted uranium, DU) utilizadas pelos americanos e britânicos na Guerra do Golfo fossem a causa. Um médico militar dos EUA designado para limpar o campo de batalha da Guerra do Golfo ao longo da fronteira no Kuwait afirmou: "Cada rajada disparada por um ataque de avião A-10 Warthog transportava mais de 4.500 gramas de urânio sólido. Bem mais de 300 toneladas de DU foram utilizadas. Foi uma forma de guerra nuclear".

Embora a ligação com o câncer seja sempre difícil de provar absolutamente, os médicos iraquianos argumentam que "a epidemia fala por si mesma". O oncologista britânico Karol Sikora, chefe do programa de câncer da Organização Mundial de Saúde (OMS) na década de 1990, escreveu no British Medical Journal: "Equipamentos de radioterapia, drogas de quimioterapia e analgésicos são sistematicamente bloqueados pelos conselheiros dos Estados Unidos e Grã-Bretanha [no Comité de Sanções ao Iraque]". Ele acrescentou: "Disseram-nos especificamente [por parte da OMS] para não falar acerca de todo o assunto do Iraque. A OMS não é uma organização que goste de se envolver em política".

Recentemente, Hans von Sponeck, o antigo assistente do secretário-geral das Nações Unidas e alto responsável humanitário da ONU no Iraque, escreveu-me: "O governo dos EUA procurou impedir a OMS de inspecionar áreas no Sul do Iraque onde foi utilizado urânio empobrecido e provocou graves perigos de saúde e ambientais".

Hoje, relata a OMS, o resultado de um estudo fundamental efectuado em conjunto com o Ministério da Saúde do Iraque foi "adiado". Cobrindo 10.800 famílias, ele contém "evidência incriminatória", diz um responsável do ministério e, segundo um dos seus investigadores, permanece "top secret". O relatório diz que defeitos de nascimento ascenderam até uma "crise" por toda a sociedade iraquiana onde DU e outros metais pesados tóxicos foram utilizados pelos estado-unidenses e britânicos. Catorze anos depois de soar o alarme, o Dr. Jawad Al-Ali relata "fenomenais" casos de câncer múltiplo em famílias inteiras.

O Iraque já não é notícia. Na semana passada, a morte de 57 iraquianos num dia foi um não acontecimento em comparação com o assassínio de um soldados britânico em Londres. Mas as duas atrocidades estão conectadas. O seu emblema pode ser um dispendioso novo filme de "The Great Gatsby", de F. Scott Fitzgerald. Dois dos principais personagens, como escreveu Fitzgerald, "destroem coisas e criatura e retiram-se de volta para o refúgio do seu dinheiro ou para a sua ampla indiferença... e deixam outras pessoas limparem a sujeira".

A "sujeira" deixada por George Bush e Tony Blair no Iraque é uma guerra sectária, as bombas de 7/7 e agora um homem a agitar um sangrento cutelo de carne em Woolwich. Bush retirou-se para a sua "biblioteca e museu presidencial" Mickey Mouse e Tony Blair para as suas viagens de gralha e o seu dinheiro.

A sua "sujeira" é um crime de proporções monstruosas, escreveu Von Sponeck, referindo-se à estimativa do Ministério de Assuntos Sociais iraquiano de 4,5 milhões de crianças que perderam ambos os pais. "Isto significa que uma horrenda proporção de 14,5 por cento da população do Iraque é constituída por órfãos", escreveu. "Estima-se que um milhão da famílias são dirigidas por mulheres, a maior parte delas viúvas". A violência doméstica e o abuso de crianças são certamente questões urgentes na Grã-Bretanha; no Iraque a catástrofe inflamada pela Grã-Bretanha trouxe violência e abuso a milhões de lares.

No seu livro "Telegramas do lado escuro" ("'Dispatches from the Dark Side"), Gareth Peirce, a grande advogada britânica de direitos humanos, aplica a regra da lei a Blair, ao seu propagandista Alastair Campbel e ao seu gabinete de ministros coniventes. Para Blair, escreveu ela, "seres humanos que se presume possuírem pontos de vista [islâmicos] deviam ser incapacitados por quaisquer meios possíveis e permanentemente... na linguagem de Blair um "vírus" a ser "eliminado" e exigindo "uma miríade de intervenções [sic] profunda nos assuntos de outras nações". O próprio conceito de guerra sofreu mutação para "nossos valores versus os seus". E ainda assim, afirma Peirce, "as séries de emails, comunicados internos do governo, não revelam dissenção".

Para o secretário dos Negócios Estrangeiros Jack Straw, enviar cidadãos britânicos inocentes para Guantanamo era "o melhor meio de cumprir nosso objectivo contra o terrorismo". Estes crimes, sua iniquidade a par com o de Woolwich, aguardam processo. Mas quem os exigirá? No teatro kabuki da política de Westminster, a violência distante dos "nossos valores" não tem interesse. Será que nós os restantes também viraremos as costas?
27/Maio/2013
Ver também:


  • Association des Victimes civiles et militaires de la guerre du Golfe

    O original encontra-se em http://johnpilger.com/articles/from-iraq-a-tragic-reminder


    Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
  • Povos unidos contra a troika! (Sábado)


    “Espero que no dia 1 de Junho toda a gente na Europa saia à rua para protestar contra a troika.
    Porque é que devemos protestar contra a troika? Porque estamos perante três instituições completamente anti-democráticas.
    A primeira é, claro, o Fundo Monetário Internacional, que veio dizer que agora já sabe que a austeridade vai criar desemprego massivo e será extremamente dispendiosa para a economia, não fomentando qualquer crescimento! Eles sabem isto. Eles estudaram isto. Publicaram-no. Mas ainda assim não mudam as políticas.
    A segunda é o Banco Central Europeu, que funciona por nomeação. A liderá-lo está um homem muito inteligente, Mario Draghi, que foi também empregado da Goldman Sachs. Quem é que acham que ele vai privilegiar nas suas decisões? Serão os povos ou será o sistema bancário?
    A terceira é a Comissão Europeia, que também não é eleita.
    As três em conjunto encarregaram-se de chamar a si as decisões políticas dos estados-membros. Ninguém alguma vez aceitou isto.
    Agora temos tratados que nos estão a pôr num colete de forças; dizem-nos que a Comissão Europeia e essas outras pessoas não eleitas decidirão acerca dos nossos orçamentos, das nossas dívidas e das nossas formas de pagamento; que irão tratar de tudo, das funções mais importantes que competem aos governos e, em particular, aos parlamentos que nós elegemos. Podem ser bons ou maus, mas pelo menos foram eleitos.
    Temos de dizer não a esta destruição, a esta destruição sistemática da democracia. Temos de dizer não às medidas que estas pessoas estão a implementar, pois são medidas inventadas em nome da indústria financeira, das grandes empresas e duma pequeníssima minoria de europeus, para quem a crise tem sido uma oportunidade para enriquecer. Trata-se de uma política anti-democrática, anti-pessoas e anti-humana, a que todos os europeus têm de se opor, pois, se não o fizerem, serão eles as próximas vítimas.”


    “Quem quer ser pobre, excluído, desempregado? Parecem acreditar os membros da troika que há pessoas que nascem com vocação para sofredoras e por isso cortam e recortam direitos legalmente adquiridos como se de relva se tratasse, ignorando, na sua suprema ignorância, que cada vida é um projecto único, portentoso, mil vezes mais estimado que os planos de ajustamento que estupidamente desenham em papéis os funcionários de negro.
    No entanto, ninguém nasce para pobre, excluído, desempregado. A razão humana tem vindo a servir para dominar a besta que habita no seio das sociedades (próximo do poder quando a besta não é o próprio poder), regulando com objectividade e procurando o bem comum. Hoje, nestes dias decisivos, é necessário combater o monstro com forças redobradas, porque se apetrechou de ferramentas subtis e está a gerar a percepção de que se desfrutava de privilégios concedidos, não de direitos conquistados e invioláveis, consequência de séculos de pensamento e da acção dos melhores.
    Querem, os contabilistas de negro que nunca geraram empregos nem beleza, desenhar um mundo de pobres, excluídos, desempregados porque milhões de pessoas não são úteis para os planos dos ricos. Não vamos permiti-lo. No mundo herdado das melhores tradições cabemos todos, cada ser humano tem um lugar e um papel a desempenhar. Por isso, alto e bom som, vamos dizê-lo no dia 1 de junho nas ruas da Europa:
    Não aceitamos os planos excludentes de organismos que não elegemos;
    Não queremos que gente sem rosto e sem alma nos governe;
    Não permitimos que entrem nas nossas vidas;
    Não têm carta branca dos cidadãos, ainda que os governos se tenham entregado;
    Não os queremos nos nossos países;
    Que voltem para os seus gabinetes sem janelas e sem oxigénio: nós optamos pela vida;
    Não nos lixarão: dizemos, sim, Que Se lixe a Troika!”


    “Numa entrevista ao jornal Wall Street, o presidente do BCE, Mario Draghi, declarou ufanamente que o estado social europeu, um dos maiores contributos da Europa moderna para a civilização actual, está “obsoleto” e tem de ser descartado. Eis uma das previsíveis consequências dos cruéis e selvagens programas de austeridade impostos às populações mais vulneráveis da Europa, juntamente com o também previsível agravamento da crise causado sobretudo pelas instituições financeiras, corruptas e predatórias.
    Chegou o tempo de as vítimas se erguerem e unirem em protesto, abrindo caminho para o futuro mais justo que está, seguramente, ao seu alcance.”


    “Os ataques às pessoas da classe trabalhadora estão a acontecer por toda a Europa. Desemprego massivo, redução de apoios sociais, falta de segurança em todos os aspectos da vida – tudo isto exige uma resposta. Os velhos partidos do centro-esquerda estão agora comprometidos com o apoio aos programas de austeridade. A sua ideia de um capitalismo com compaixão que pode trabalhar para os interesses de todos é claramente uma fraude. Previsivelmente, quando confrontados com esta verdade, alinham com os partidos da direita.
    Temos de começar de novo. Temos de ter novos partidos da esquerda que compreendam e defendam os interesses das pessoas comuns. Temos de nos unir à volta deste projecto em toda a Europa. Só poderemos ser bem sucedidos se conseguirmos que a “Internacional” se torne uma realidade!
    Desejos de boa sorte e solidariedade”



    por Tiago Mota Saraiva

    http://blog.5dias.net/

    terça-feira, 28 de maio de 2013

    O passado é um país distante?

    «Não me venham dizer que Portugal seguiu más políticas no passado e que tem problemas estruturais profundos. Claro que tem, como todos os países têm. Mas mesmo que se possa dizer que a situação de Portugal é mais grave que a de outros países, como pode pensar-se que a forma para lidar com esses problemas reside em condenar um elevado número de trabalhadores disponíveis ao desemprego? A resposta para o tipo de problemas que Portugal agora enfrenta, como já sabemos há muitas décadas, é uma política monetária e fiscal expansionista. Mas Portugal não pode adoptar essa política por conta própria, dado que já não dispõe de moeda própria. Ou seja, das duas uma: ou o euro deve acabar ou algo deve ser feito para que ele funcione. Porque aquilo a que estamos a assistir (e que os portugueses estão a experienciar) é inaceitável.»

    Paul Krugman, Pesadelo em Portugal

    «No verão de 1976 Portugal era um lugar interessantemente estranho - estava ainda numa situação um pouco caótica, em resultado do golpe de Estado e da retirada do seu império africano (os hotéis estavam cheios de «retornados» vindos de África, aí colocados temporariamente). (...) O país era, em suma, fascinante, amável, mas ainda muito pobre. (...) Às vezes encontro europeus que dizem que as minhas duras críticas à troika e às suas políticas significam que eu sou anti-europeu. Pelo contrário: o projecto europeu, a construção da paz, da democracia e da prosperidade através da União é uma das melhores coisas que já aconteceu à humanidade. E é por isso que as políticas erradas, que estão a fragmentar a Europa, são uma enorme tragédia.»

    Paul Krugman, Memórias portuguesas (triviais e pessoais)

    Excertos dos dois artigos que Paul Krugman publicou ontem no The New York Times e cuja tradução pode ser lida na íntegra aqui e aqui. Dois artigos que surgem, ironicamente (ou não), no dia em que o presidente do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem, veio de visita a Portugal.

    http://ladroesdebicicletas.blogspot.pt/2013/05/o-passado-e-um-pais-distante.html 

    domingo, 26 de maio de 2013

    Sair do euro e desvalorizar, a opção

     [A] Moeda Única não eliminará os défices comerciais que Portugal tem com todos os países comunitários. O que implicará é a perda de instrumentos para que Portugal possa reagir contra o agravamento desses défices. Identicamente foi renovada a promessa de fé do Governo numa Europa social. Mas mais uma vez foi escamoteado que nessa guerra financeira a nível mundial de que a Moeda única será um factor de agravamento, serão inevitavelmente utilizadas como armas a sacrificar, como já está a suceder, o actual sistema de segurança social, a precariedade e instabilidade do emprego, os níveis salariais, a flexibilidade dos horários de trabalho, a polivalência forçada dos trabalhadores e a compressão das despesas sociais e, consequentemente, novas e mais numerosas exclusões sociais. 

    Octávio Teixeira na Assembleia da República, em 1997.

    http://resistir.info/europa/sair_do_euro_o_teixeira_mai13.html

    http://ladroesdebicicletas.blogspot.pt/2013/05/razoes-passadas-e-presentes.html 

    A escola charter nos EUA*

    por António Santos

    As escolas charter nos EUA são escolas financiadas com dinheiros públicos mas geridas por «Empresas de Educação» privadas. Criadas para gerar lucro e competir directamente com a Escola Pública, em meados dos anos 90 as escolas charter contavam-se pelos dedos. Hoje são cerca de 6000 por todo o país, com mais de 1.5 milhões de alunos. São um instrumento de privatização do sistema de ensino e de exclusão dos mais pobres e dos filhos das camadas socialmente marginalizadas. São um emblema do sistema que o ministro Crato tanto admira.


    Entre democratas e republicanos, poucos temas são tão pacíficos e consensuais como as charter, escolas financiadas com dinheiros públicos mas geridas por «Empresas de Educação» privadas que obedecem apenas às regras de funcionamento da sua Carta (daí o nome «charter»). Criadas para gerar lucro e competir directamente com a Escola Pública, em meados dos anos 90 as escolas charter contavam-se pelos dedos. Hoje, são cerca de 6000 por todo o país, com mais de 1.5 milhões de alunos.

    Com Bush e Obama, primeiro com o No Child Left Behind e depois com o Race to the Top, a estratégia tem sido a mesma: a par de cortes federais e estatais no orçamento da educação, classifica-se as escolas públicas de acordo com os resultados obtidos pelos alunos em exames nacionais. Em nome da sagrada meritocracia, os professores são pagos consoante os resultados. Quando uma escola está «a chumbar», dão entrada empresas subcontratadas de tecnocratas para a gerir como um negócio e, quando falham, encerra-se a escola e despedem-se todos os trabalhadores.

    É o que se está a passar em Chicago, onde este ano está previsto o encerramento de 54 escolas. As escolas para abate são as frequentadas pelos alunos mais pobres, pelos filhos de imigrantes e por afro-americanos. A comunicação social tem insistido que a culpa dos maus resultados nos exames é dos maus professores, dos seus salários, dos seus sindicatos e dos seus direitos, mas nunca da pobreza dos seus alunos.

    A fórmula americana para a privatização da educação

    Onde fecham escolas públicas, brotam cadeias de escolas charter que competem pelos mesmos fundos públicos mas com menos obrigações. O segredo da competitividade das escolas charter em relação às públicas radica no facto da competitividade ser o único objectivo da sua existência: têm total liberdade para escolher que alunos aceitar ou rejeitar (a antítese da educação pública); roubam à pública os alunos com as melhores notas (e os fundos que daí advêm) e rejeitam outros. Neste negócio, não interessam crianças pobres ou com necessidades especiais. Um estudo de 2011 mostrou que 86% das charter não têm um único aluno com necessidades especiais, ao contrário de mais de metade das escolas públicas. Outro estudo de 2010 mostrou que das 50 000 crianças sem casa de Nova Iorque, só 100 foram aceites por charters, muito abaixo dos 1500 que proporcionalmente lhes caberiam.

    As escolas charter orgulham-se da sua política de «tolerância zero» com a indisciplina e a «falta de empenho» dos pais. Algumas escolas só aceitam as crianças cujos pais tenham tempo para assistir aos eventos desportivos dos filhos, enquanto outras exigem que os pais revejam e assinem diariamente os trabalhos de casa dos filhos. Segundo a American Bar Association de Washington, as charter expulsam desproporcionalmente crianças com necessidades especiais (algumas com apenas cinco anos) e de famílias desfavorecidas. Ao contrário das escolas públicas, as charter não são obrigadas a oferecer programas de inglês como segunda língua, excluindo os imigrantes.

    Bastião do sindicalismo

    Obama anunciou na semana passada que a tradicional «Semana de Valorização dos Professores» passará a ser conhecida por «Semana Nacional das Escolas Charter» e elogiou o sucesso destas instituições. Contudo, os estudos disponíveis lançam a dúvida sobre tanto embandeirar em arco. Segundo a CREDO (Center for Research and Education Outcomes), apenas 17% das charter têm resultados superiores às escolas públicas enquanto que 37% obtêm piores resultados e 46% não demonstram diferenças significativas.

    As escolas charter não são promovidas por melhorarem o ensino, mas porque materializam os ideais da ultra-direita. A preocupação não é só o lucro nem a despesa, é o fim da escola pública e dos sindicatos. Nos EUA, a vasta maioria dos professores são sindicalizados mas, estranhamente, 90% dos professores das charter não pertencem a qualquer sindicato. As charter não garantem a liberdade sindical nem contemplam a contratação colectiva. Os seus professores são menos remunerados, menos experientes, e podem ser despedidos sem justa causa.

    Importa partir a espinha aos sindicatos dos professores porque são o principal entrave ao avanço das charters. O Sindicato de Professores de Chicago é o mais digno exemplo dessa resistência: em 2012, com uma duríssima greve de sete dias, conseguiu um aumento salarial e derrotar o condicionamento do salário às notas dos exames. Hoje, lutam contra o encerramento de 54 escolas da sua cidade.

    *Este artigo foi publicado no “Avante!” nº 2060, 23.05.2013
     http://www.odiario.info/?p=2875

    sábado, 25 de maio de 2013

    A teoria dos Ciclos de Kondratieff

    Bartoon - Luis Afonso


    The Sleepwalkers - The Economist



    A prestigiada revista The Economist faz esta semana capa com a crise do euro, chamando "sonâmbulos" aos líderes europeus e colocando Durão Barroso e Passos Coelho entre aqueles que seguem Angela Merkel rumo a um abismo.
    A imagem de capa é uma fotomontagem concebida como se de um cartaz de filme se tratasse. Sob o título "Os Sonâmbulos" a publicação britânica escreve: "Um euro-desastre à espera de acontecer".

    Debaixo de frases fictícias ao estilo de crítica de cinema que refletem o que a publicação pensa da atual condução política da zona euro - "Um ressono de força!"; "As Sombras de Grey, mas sem o sexo"; e "Inação sem fim" -, surge uma fotomontagem com a chanceler alemã, Angela Merkel, conduzindo líderes da Europa para o que se vê ser a escarpa de um abismo.

    À esquerda de Merkel, logo atrás do Presidente Francês, François Hollande, e do primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, surgem as figuras dos portugueses Durão Barroso, presidente da Comissão Europeia, e Pedro Passos Coelho.

    Na imagem, o chefe de Governo português só tem atrás de si o presidente do Conselho Europeu, Herman Van Rompuy.
    Para a The Economist, a zona euro está "desesperadamente a precisar de um impulso" e que "são más notícias" não haver "nenhumas notícias" nesse sentido, como se lê no interior.

    Em jeito de editorial, a revista realça que a Cimeira Europeia desta semana passou quase despercebida - realizou-se "num nutritivo almoço de trabalho" - e deu a entender que tudo está a correr bem na União.
    "Infelizmente, a ideia de que o euro é um problema de ontem é uma ilusão perigosa. Na realidade, os líderes europeus percorrem sonâmbulos um deserto económico", lê-se ainda no artigo.

    http://www.dn.pt/inicio/economia/interior.aspx?content_id=3238771&page=2 

    sexta-feira, 24 de maio de 2013

    A falácia dos "cortes na despesa"

    por Vaz de Carvalho [*]


    1 – GUERRA TOTAL CONTRA OS POVOS

    Num recente debate parlamentar quinzenal, a intervenção final do primeiro-ministro recebeu um entusiástico aplauso levantando as bancadas governamentais. Terá sido uma das mais patéticas cenas do Parlamento: um governo que leva o país ao descalabro económico e social, que soma derrotas em todos os objetivos e "desafios" que se propõe, refugia-se num discurso desconectado da realidade, pautado por meras ilusões e os seus deputados aplaudem freneticamente a continuidade e o agravamento das mesmas políticas.

    É uma cena que traz à memória um divulgado discurso do nazi Goebels no palácio dos congressos em Berlim. Perante a derrocada eminente, Goebels interpelava a assistência se apoiava a guerra total, "der totaller Krieg", que o Reich iria desencadear. Os frenéticos aplausos, e toda a massiva propaganda, não evitaram a clamorosa derrota.

    A Europa, isto é a UE, mergulha numa guerra total contra os povos e seus direitos, comandada pela Alemanha, de novo a "gross Deutchland", graças ao euro e aos mitos de uma bondade federalista trazida por iníquos e antidemocráticos tratados europeus, anexando economicamente os países do Leste, colonizando os do Sul, com a França esquecida de si própria a afundar-se nesta vertigem.

    O sistema oligárquico que domina a UE, está a destruir as nações, a estagnação económica passou a recessão, a pobreza, a exclusão social, o desemprego não cessam de aumentar, como as estatísticas do Eurostat indicam. Portugal é arrastado para um processo de decadência, em que a manutenção do sistema é oposta às necessidades humanas e sociais do país.

    Os sucessivos e clamorosos erros do ministro das finanças, antes propagandeado como especialista de superior gabarito dentro da sua área ideológica, ou resultam de incompetência ou resvalam para o campo da mentira calculada. Talvez as duas coisas. De certeza a incapacidade de compreender a realidade, obnubilada pelos preconceitos do fundamentalismo neoliberal.

    O país entra na depressão sem vislumbre de sair dela com estas políticas. O desemprego acelera, a juventude emigra. Tal como no tempo da ditadura fascista fugia da pobreza e da guerra colonial, hoje foge da pobreza e da guerra social a que o governo PSD – CDS conduziu o país.

    Perante esta situação os acólitos da teologia neoliberal ao serviço da oligarquia vêm de novo, a propósito do "pós-troika", com o discurso das "inevitabilidades": a austeridade é para prosseguir. Porém o significado de prosseguir a austeridade não é outro senão o do seu agravamento.

    Não entendem que a única riqueza real é a criada pela força de trabalho e – note-se – pela forma como esta é remunerada.

    2 – O "ESTADO SOCIAL" DEVE SER DESTRUÍDO

    "Carthaginem esse delendam" (Cartago deve ser destruída), clamava Catão, o Censor, na Roma da antiguidade. [1] Para Catão a prosperidade e o poder de Roma dependiam da aniquilação de Cartago. Agora a prosperidade e o poder do sistema oligárquico dependem do aniquilamento das funções sociais e económicas do Estado: cortar despesas, reduzir funções sociais e económicas, privatizar.

    Comentadores insistem em mais cortes. Diz o sr. Medina Carreira – apoiado pelos companheiros de programa – que cortar 4 000 milhões de euros não chega, é preciso cortar mais 10 000 milhões, além dos outros 10 000 que já se cortou. [2] No mesmo espaço, o sr. Nogueira Leite considerava que basta saber fazer as contas que qualquer dona de casa ou criança do 4º ano conhecem, para se concluir no mesmo sentido.

    É de facto ideia recorrente da ecolalia do sistema oligárquico e neoliberal, que um país deve ser governado como uma dona de casa o faria. Se assim fosse em vez de Finanças Públicas, bastava ensinar "economia doméstica". Tal não tem pés nem cabeça, mas faz parte do arsenal propagandístico e alienatório do sistema vigente.

    Mas tudo isto, é uma maneira de fugir à questão dos critérios da fiscalidade, da repartição de rendimentos e desigualdades (Portugal o país mais desigual da UE), das diferenças entre o PIB e o RNB, das proporções entre investimento e consumo, e enfim, do planeamento económico, dever indeclinável do Estado, que o neoliberalismo recusa, para o entregar aos oligopólios e transnacionais, com a consequente tragédia que se vive.

    O neoliberalismo retomou de forma fundamentalista as teses liberais clássicas e neoclássicas, baseando-se num postulado fundamental: para a sociedade atingir a máxima eficiência na utilização dos recursos, o Estado deverá interferir o menos possível na gestão económica.

    A dogmática neoliberal inscreveu as despesas do Estado no seu índex. Há no entanto a "boa" despesa neste catecismo: o que se destina a salvar bancos mal geridos ou fraudulentos; o que se destina a criar rendas monopolistas pela privatização dos serviços públicos e lucrativas indústrias básicas e estratégicas.

    Neste contexto, de especulação e monopólios, roubo do Estado – isto é, dos cidadãos – que os paraísos fiscais proporcionam, as funções sociais do Estado passaram a pecado capital e responsáveis pelos desastres que o sistema oligárquico e especulador originou.

    É não entender o que representam as despesas do Estado. Recordemos então umas contas, (ao nível do 4º ano…) acerca do PIB:

    PIB = Consumo + Investimento + Despesas do Estado + Exportações – Importações

    A falácia neoliberal diz então: quanto maiores as despesas do Estado, menor o investimento e o consumo. Evidente? Não, falso.

    As Despesa do Estado (D), são: D = despesas públicas + prestações sociais

    Em última análise D = Consumo público+ Investimento público + Prestações sociais

    As prestações sociais representam consumo e investimento, ou seja, D reduz-se evidentemente às outras grandezas. Contudo:

    D = impostos + rendimento de capital + financiamento do défice – serviço de dívida

    Por aqui também se percebe, como a "livre" transferência de capitais e rendimentos para paraísos fiscais, juros usurários à medida da especulação fomentada pelo BCE, uma fiscalidade laxista para a finança e o grande capital, privatizações de sectores lucrativos, levariam os países ao desastre.

    As consequências dos "cortes na despesa" – os "ajustamentos estruturais" – vendidos à opinião pública como fatores necessários ao "crescimento e ao emprego" (!) são totalmente desmentidos até por contas para que as crianças do 4º podem entender.

    O défice é calculado pela seguinte relação: d = D – R / PIB (R – Receitas do Estado)

    Então se D diminuir não diminui d? Falso. Ao cortar em D estou a reduzir PIB e R.

    Eis porque a austeridade não funcionou em parte alguma do globo, teve e tem apenas um objetivo: emagrecer o Estado para engordar a oligarquia financeira e monopolista, como provam os sempre crescentes rendimentos dos mais ricos, documentados pela Forbes, e por exemplo na Visão, no que respeita aos executivos de topo nacionais. [3]

    Posto isto há que distinguir entre "cortes na despesa" e "redução de custos". A redução de custos é um fator decisivo para a melhoria dos processos e desempenho, permitindo concretizar plenamente as funções do Estado previstas na Constituição, de forma mais eficaz e mais eficiente. Baseia-se em processos de avaliação rigorosos de todos os fatores do desempenho, com metodologias próprias como a Análise de Valor, a Análise de Funções e vários outros métodos da Gestão da Qualidade, implicando a participação dos trabalhadores. o seu interesse moral e material

    Os cortes na despesa não são nada disto. Não resultam de estudos prévios ligados ao funcionamento dos organismos, são decisões arbitrárias impostas do exterior, por gente com cérebros formatados na ideologia neoliberal.

    3 – OUTRA FALÁCIA: CORTES NA DESPESA VERSUS AUMENTO DE IMPOSTOS

    Só é possível qualificar como hipocrisia política - ou ignorância - contrapor cortes na despesa a aumento de impostos. Os "cortes na despesa" são o eufemismo para impostos indiretos (a redução das prestações sociais), desemprego, eliminar direitos laborais, redução de salários e pensões, sobre as camadas trabalhadoras. Por isso, apenas há diferenças entre "aumento de impostos" e "cortes na despesa" para a camada oligárquica – e os que vivem na sua órbita.

    A austeridade é já um procedimento desacreditado em que a UE insiste acabando por se tornar risível aos olhos do mundo.

    Mesmo um jornal de direita como o Washington Post escrevia num recente editorial: "Não há basicamente evidência que os rápidos programas de austeridade ou os que são tomados durante quebras económicas sejam úteis para a redução do peso da dívida. É muito claro que são prejudiciais para o crescimento. (…) Atualmente a austeridade é a prescrição errada para as economias avançadas" [4]

    Para justificar os "cortes na despesa" são exibidos gráficos comparando o aumento da despesa e do PIB, ao longo dos anos, para se concluir pelo agravamento da austeridade e pelo corte de 10 000 milhões. [2]

    Claro que quando se retiram dados dos seus contextos as conclusões são as que se quiserem. O que é estranho é perante os tais gráficos não se questionar o modelo económico responsável pela estagnação económica de mais de uma década.

    "Ter as despesas do Estado de há 15 anos com que população? Com que competências? Há 15 anos não estávamos metidos nesse "cancro que corrói a Europa" que é o euro, no dizer de Jacques Sapir, havia menos 500 mil pensionistas e menos 800 mil desempregados, na base dos números oficiais." [5]

    Note-se que o nível de despesa pública social em Portugal mesmo em 2011 era inferior à média da UE.

    Gastos em proteção social e saúde em percentagem do PIB (2011) UE – 26,9 %; Zona Euro – 27,6%; Portugal – 24,9%. Sendo o PIB nacional muito inferior ao destes países as prestações sociais em valor tornam-se ainda mais reduzidas. Assim os gastos em saúde e proteção social por habitante eram em média na UE 6 766 €, na zona euro 7 888 €, em Portugal 4 007€. [6] Imagine-se agora o nível de descalabro social a que se chegará com os cortes que sob a batuta da troika (e da Alemanha) o governo prepara forem concretizados.

    A Comunicação social controlada retirou do espaço público a simples discussão de propostas para o equilíbrio das contas nacionais várias vezes apresentadas na AR pela esquerda consequente ou as alternativas propostas pela CGTP [7] .

    Sem reduzir o rendimento dos trabalhadores, pensionistas, MPME, apenas atuando sobre grande capital e finança até agora poupados, seria possível um aumento da receita de 10 198 milhões de euros, e uma redução da despesa de 10 373 milhões de euros.

    O que nos leva ao início: a falácia dos "cortes na despesa" da austeridade são a expressão de uma guerra total contra os povos e os seus direitos.
     

    Notas
    1- Ceterum censeo Carthaginem esse delendam. "Por outro lado, opino que Cartago deve ser destruída". Finalmente: "Delenda est Carthago
    2- TVI, programa "Olhos nos Olhos".
    3- Forbes: http://www.forbes.com/billionaires/ . Visão: 11/abril e 09/maio/2013
    4 - From Spring Swoon to the Big Crash. Back to Recession, Mike Whitney, http://www.counterpunch.org/2013/04/26/back-to-recession/
    5- Capitalismo: Um sistema esgotado e sem soluções, Vaz de Carvalho, 06/Mai/13, http://www.odiario.info/?p=2855
    6 - Eurostat Statistics in Focus 9/2013)
    7- www.cgtp.pt/...

    [*] Engenheiro.

    Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .  


    http://resistir.info/portugal/falacia_dos_cortes.html 

    Obsolescência programada: tempo certo para morrer

    Acima das nossas possibilidades

    por JOSÉ MANUEL PUREZA



    Não fosse a troika e não haveria dinheiro para pagar salários nem pensões", repetem até à exaustão os arautos da intervenção estrangeira em Portugal. E logo acrescentam que é assim porque fomos vivendo longamente acima das nossas possibilidades, esbanjando dinheiro a rodos em saúde, em políticas sociais, num funcionalismo inflacionado ou num sistema educativo agigantado.

    O argumento seria de ter em conta se não fosse duplamente falso. É falso, em primeiro lugar, porque num país socialmente tão frágil a escolha de reforçar as seguranças e os direitos dos mais pobres não foi gordura mas músculo. Os serviços públicos universais, o salário mínimo, os apoios aos desempregados e aos pobres não são um luxo, são imperativos mínimos da democracia e da coesão social. E é falso, em segundo lugar, porque a intervenção da troika não fez recuar aquela parte do País que sempre viveu acima das possibilidades da grande maioria, antes a anima. A austeridade imposta aos pobres e à classe média tem como contrapartida um país em quinto lugar na compra de automóveis de topo de gama, um país cujo Governo faz a apologia da colocação de capitais em praças fiscais que institucionalizam a fuga à tributação e um país em que bancos em risco de falência atribuem prémios milionários aos seus gestores.

    A notícia destes dias é que em pleno apogeu de diminuições nos salários de um povo que passou a fazer do quotidiano um exercício de pilotagem sem horizontes, no preciso momento em que a troika exige a Portugal que se concretize cada cêntimo dos cortes anunciados nas reformas, o Banif decidiu pagar um prémio de gestão de 533,7 mil euros a uma sua ex-administradora no Brasil, a adicionar aos 448,6 mil euros de salário anual que lhe foram pagos.

    Fora o Banif uma entidade privada como outra qualquer e comportasse-se em conformidade com tal estatuto e o chocante do episódio seria apesar de tudo confinado ao domínio do mau exemplo. Mas não é assim. É muito mais grave. O Banif é um banco sob intervenção do Estado, que nele injetou 1,1 mil milhões de euros, passando a deter desde então 99,2% do seu capital. Que a administração do Banif não tenha tido uma palavra sequer de crítica por parte do acionista quase único é revelador do pensamento desse acionista quase único quando se trata de impor limites aos desmandos de quem sempre surfou a onda da crise. No prémio milionário da administradora do Banif está, portanto, sintetizada a crise toda: salvação dos devedores privados pela geração de dívida pública, transferência do ónus dos acionistas para os contribuintes sem que aqueles percam um grama sequer da sua sobranceria e se privem de se atribuir a si mesmos um cortejo de regalias a suportar pelo erário público. E até mesmo simpatia e cumplicidade do Estado para com quem administra um offshore.

    O caso do Banif está longe de ser solto: os presidentes executivos das empresas cotadas no PSI-20 receberam em 2012 mais 6% do que haviam recebido no ano transato, num total de mais de 15 milhões de euros. Sabendo que em Portugal a média das remunerações de quem trabalha diminuiu cerca de 7,2% no mesmo período, a conclusão é simples: crise é o nome que damos à gigantesca transferência de rendimento de quem sempre viveu abaixo das suas capacidades para quem sempre viveu acima das nossas possibilidades.

    http://www.dn.pt/inicio/opiniao/interior.aspx?content_id=3236628&seccao=Jos%E9%20Manuel%20Pureza&tag=Opini%E3o%20-%20Em%20Foco

    quinta-feira, 23 de maio de 2013

    Estado Social, Democracia e Desenvolvimento

    «O alvo dos cortes redobrados é o Estado. Não o Estado capturado pelos poderosos e posto ao serviço dos seus interesses, mas o Estado Social. O Estado que redistribui rendimento, investe na criação de emprego, garante os direitos dos trabalhadores e dos reformados, apoia os mais frágeis, qualifica o país com educação, ciência, saúde, segurança social. O Estado Democrático de Direito. O Estado que garante os direitos humanos. O Estado que pode e deve capacitar a sociedade com uma administração pública competente, desenvolver as infraestruturas coletivas, conceber estratégias, apoiar iniciativas individuais e coletivas, ajudar a economia e defender a posição internacional do país.
    Claro que é preciso cortar nas gorduras. Cortar nas rendas ilegítimas, nos maus investimentos, nos juros e na dívida. Mas o Estado Social não é gordura. É o músculo de que o País precisa para se reconstruir, depois da devastação causada pela austeridade. E não se trata apenas de defender o Estado Social que temos, trata‐se de o robustecer e transformar. O Estado Social é o alicerce de uma alternativa política à austeridade e ao empobrecimento.»

    Excerto do texto final de Resolução da Conferência «Vencer a crise com o Estado Social e Democracia», promovido pelo Congresso Democrático das Alternativas e que teve lugar no passado dia 11 de Maio no Fórum Lisboa.

    http://ladroesdebicicletas.blogspot.pt/2013/05/estado-social-democracia-e.html 

    Ameaça à hegemonia do US Dólar? – O mercado manipulado do ouro

    quarta-feira, 22 de maio de 2013

    Empreendedores há muitos, humanistas é que nem por isso

    O que me espanta é que haja quem aplauda o que foi dito pelo empreendedor de 16 anos. Não pode arrogar-se o título de "empreendedor" aquele que explora o seu semelhante num sistema que pouco difere do trabalho forçado e da escravatura
    Texto de Marta Madalena Botelho • 22/05/2013 - 11:18 

    Há muito que deixei de seguir o "Prós e Contras". Fi-lo desde que o programa se tornou uma arena de gladiadores, em vez da plataforma de debate pretendida. Segunda-feira, por mero acaso, andava a fazer "zapping" quando, ao passar pelo canal, a apresentadora se referia a um jovem empreendedor que aos 15 anos (agora tem 16) tinha criado o seu próprio negócio de desenho e comercialização de roupa tendo como "target" a sua faixa etária. Ouvi-o, atentamente, apresentar o projecto e explicar como o concebeu. E gostei do que ouvi. Até ao momento em que uma investigadora das questões trabalhistas lhe colocou uma pergunta sobre quem produzia as peças que ele desenhava, questionando se ele sabia que a maioria dos trabalhadores da indústria têxtil portuguesa ganha apenas o salário mínimo. E a resposta do jovem empreendedor borrou completamente a pintura que ele tanto se esforçara por bem fazer.

    Não me espanta nada que um garoto de 16 anos diga que as pessoas que trabalham nas fábricas têxteis que produzem as peças que ele desenha e comercializa ganham o ordenado mínimo e, por isso, estão melhor do que estariam se estivessem desempregadas. Não me espanta, porque um garoto de 16 anos ainda está na fase de se achar "a última batata frita do pacote" e de dizer parvoeiras que significam que ele se está nas tintas para o valor do trabalho alheio e que não tem a menor noção do tremendo disparate que é achar que, só porque estamos em crise, é melhor o "muito mau" do que o "péssimo", mesmo que isso ponha em causa princípios fundamentais e direitos humanos.

    E também não me espanta porque ainda há dias foi noticiado como positivo pelos nossos media o facto de um restaurante espanhol pagar o trabalho dos seus empregados com comida, achando o dono do negócio que com isso desempenhava um importante papel de ajuda àquelas pessoas num momento de crise. Aliás, os próprios empregados achavam a ideia óptima (bem melhor do que passar fome), tal como os clientes, que não viam problema algum no facto de alguém estar a enriquecer à custa de trabalho prestado em troca da mais elementar necessidade de sobrevivência do ser humano, a alimentação, aproveitando-se da conjuntura económica e social de um país em que os números do desemprego ultrapassam os 30% e os do desespero ultrapassam muito mais.

    O que me espanta, confesso, é que haja quem aplauda o que foi dito pelo empreendedor de 16 anos, tal como me espantou que houvesse quem aplaudisse a medida do empresário espanhol. Espanta-me porque é aberrante que as pessoas trabalhem por comida, tal como é aberrante que as pessoas trabalhem por um valor que, segundo a OIT, não lhes permite sobreviver dignamente neste país e a que continuam a chamar "salário mínimo".

    É aberrante observar que há quem não compreenda isto — que não pode arrogar-se o título de "empreendedor" ou "empresário" aquele que explora o seu semelhante num sistema que pouco difere do trabalho forçado e da escravatura.

    É por perigosíssimas concepções como esta que não pode haver dúvida de que o humanismo e a sensibilidade social fazem toda a diferença na educação das pessoas. Enquanto se der mais valor ao capital financeiro do que ao capital humano, enquanto se der maior importância ao dinheiro do que ao Homem, enquanto se puserem as pessoas ao serviço do vil metal e não este ao serviço daquelas, não haverá outra coisa senão exploradores e explorados, ainda que uns e outros achem que não vem mal algum ao mundo por isso.

    Já não se trata, como parecia há uns tempos tratar-se, de ausência de valores na sociedade enquanto tal. Do que se trata é de uma autêntica inversão de valores, criando sociedades em que o Homem deixou de ser o fim em si mesmo para passar a ser um meio como outro qualquer de amealhar mais um cêntimo, mais um ponto de lucro, mais uma décima no domínio do mercado. Ainda que a troco de um salário manifestamente escasso para viver com o mínimo de dignidade. Ainda que a troco de um prato de lentilhas, se preciso for.

    http://p3.publico.pt/actualidade/sociedade/8011/empreendedores-ha-muitos-humanistas-e-que-nem-por-isso#.UZzuzh5dku0.facebook

    O menino e a doutora

    por  

    Esta segunda-feira (excepcionalmente, porque o programa passa demasiado tarde para os meus hábitos e frequentemente é desinteressante), vi o Prós e Contras na RTP1. O que vi ter-me-ia mandado para a cama mais cedo a não ser por uma coisa: a Raquel Varela (declaração de interesses: somos casados). Não fosse por ela, e o programa teria sido completamente soporífero. Foi a Raquel a única que produziu opiniões fundamentadas, apoiadas nos seus próprios estudos ou em estudos de outra gente séria que visivelmente conhece, em defesa do Estado social, do emprego, da dignidade de quem vive do seu trabalho, contra a emigração como ‘solução’. Apesar dos seus apelos, nenhum dos representantes do painel da direita defendeu uma ideia, uma sequer, com algum fundamento. O mais articulado deles três tentou levar a conversa para o campo da ideologia e das grandes abstracções, terreno mais propício para quem não faz os trabalhos de casa. Os grandes agradecimentos que a apresentadora Fátima Campos Ferreira fez à Raquel no final do programa só se explicam, aliás, por ser óbvio que a Raquel lhe «salvara» o programa.

    Ora isto incomoda a direita (e até uma certa esquerda «alcatifada», como pode ver-se por aqui e aqui). Vai daí, o propagandista da Situação José Manuel Fernandes e um site do Millennium BCP tiveram uma inspiração ‘divina’: pegaram num fait-divers do programa (um miúdo de 16 anos, Martim Neves, que foi apresentado como exemplo de empreendedorismo por ter vendido pela Net um número indeterminado de sweat-shirts) e montaram todo um circo de propaganda anti-Raquel. Ora este circo tem a vantagem de expor com bastante rigor aquilo que é a direita portuguesa. Esta reedição apressada d’ O Menino entre os doutores’ (original em Lucas 2:42-51) apresenta-nos o menino Martim não a ser ouvido atentamente pelos doutores, como no episódio bíblico, mas, alegadamente, a «desfazer» de uma penada toda a argumentação da doutora. E é ver a hostilidade contra a ‘doutora’ (contra o conhecimento e o trabalho sério) que para aí vai destilada por esta direita ignorante, carroceira e chico-esperta, esta direita que deu ao mundo Relvas e Passos Coelho, esta direita que comanda um país com uma taxa de emprego de doutorados pelos nossos «empreendedores» de 2,6% (contra, por exemplo, 34% na Holanda ou Bélgica – Relatório da FCT citado pelo DN, 13-5-2013).

    Mas que disse, afinal, o menino Martim, transformado em campeão da campanha de propaganda da direita: que mais valia ganhar o salário mínimo do que estar desempregado. E isto mereceu aplausos na sala! E que nos revela a ‘sabedoria’ precoce do Martim? Que o desemprego de 1,4 milhões de portugueses não é uma infelicidade, um triste acaso – ele serve mesmo para nos fazer aceitar salários inferiores a 500 euros e achar que podia ser pior. E não se pense que não existe uma base social relativamente alargada para estas ‘ideias’ bárbaras. Existe, sim. As dondocas que exploram uma loja num centro comercial que só é viável graças a salários inferiores ao salário mínimo (com a desculpa que são part-times, por exemplo). Os «empreendedores» chicos-espertos do import-export que mandam vir uns contentores de roupa ou de artigos de desporto, por exemplo, da China, da Índia ou da Indonésia e os vendem dez vezes mais caros. Nenhuma desta gente produz seja o que for, mas vão-se safando na vida à custa dos outros. A base social deste governo é feita em boa medida de gente assim, que, claro, são adeptos fanáticos do salário mínimo de 485 euros.

    Falemos um pouco mais do «empreendedorismo». Este empreendedorismo que nos vende o governo e a direita é uma coisa muito diferente da iniciativa e do trabalho árduo. No debate do Prós e Contras, a iniciativa e o trabalho árduo estavam representados pela Raquel Varela, que trabalha muito mais horas do que devia, já publicou seis ou sete livros e nem eu sei já quantos artigos em revistas científicas (com avaliação pelos seus pares) e acabou de ser reeleita a semana passada, por unanimidade, presidente de uma associação internacional de 34 instituições académicas de muito prestígio. O ‘empreendedorismo’ do governo e da direita não é mais do que uma alcunha miserável para a expulsão de trabalhadores das empresas e a proletarização das camadas médias. São trabalhadores despedidos que passam a ser formalmente empresários, mas na verdade continuam dependentes – muitas vezes, senão quase sempre – das próprias empresas que os despediram e passam a não ter nenhuma da protecção social que antes tinham: tornam-se únicos responsáveis pela sua segurança social, deixam de poder estar doentes, de poder tirar férias… São os proprietários de pequenos negócios (restaurantes, empresas de serviços dos mais diversos matizes…) que mais não fazem do que explorar a sua força de trabalho e a da sua família, em micro-empresas onde o capital circula mas não se acumula. É quase mais fácil ganhar o euromilhões do que ver um deles sair da pobreza.

    A dúvida mais importante que me fica depois destes espectáculos é: por quanto tempo mais vamos aturar que o governo desta gente continue a destruir-nos, a nós e ao país? É que quanto mais dilatado for esse tempo, mais demorado será reconquistar para a vida civilizada tudo aquilo que eles têm vindo a destruir.

    http://blog.5dias.net/ 

    sábado, 18 de maio de 2013

    A crise económica da União Europeia vista desde América Latina

    Na verdade o que a Troika busca

    Privatização dos CTT: mais Estado em mãos privadas

    sexta-feira, 17 de maio de 2013

    Ideologia postal

                                                                                                                      por JOSÉ MANUEL PUREZA


    Um país faz-se de bens comuns. De processos concretos que dão um sentimento de comunidade capaz de agregar a diversidade sem a pôr em causa. Um país faz-se de coesão capaz de contrabalançar a heterogeneidade sem a sufocar. E o primado da comunidade e da coesão - da coesão territorial, da coesão social, enfim o primado do país - impõe escolhas. Num país como Portugal, ele impõe, por exemplo, beneficiar o interior mesmo quando a racionalidade económica não o justifique. Ou beneficiar os mais pobres mesmo quando a ideologia dominante aponta para a sua penalização social.

    Na história dos países europeus, o serviço público de correios foi um dos mais importantes instrumentos desse princípio de coesão. O sentimento de comunidade que resulta de, no espaço nacional, ser prestado a todos por igual um mesmo serviço de distribuição domiciliária de correio (desde 1821 entre nós) ou de a todos ser aplicada uma tarifa única independentemente da distância percorrida pela sua carta no território nacional (criação inglesa em 1839), faz parte desse património longamente sedimentado de edificação das nações. Devemos aos correios públicos uma parte importante das comunidades nacionais que somos.

    Para o credo liberal que hoje governa Portugal e a Europa, o primado da coesão pertence ao domínio da irracionalidade e da ineficiência. Sim, quem nos governa acha mesmo que a coesão é irracional, ou não fossem discípulos de Margaret Thatcher e do seu célebre: "não existem sociedades, só existem indivíduos e famílias." São apologistas do deslaçamento social e territorial e não hesitam em destruir países para o concretizar. A sua estratégia de privatização dos correios é exemplo maior disso.

    Desde 1997 o desmantelamento dos correios públicos fez caminho na Europa. O argumentário é o do costume: o monopólio público é um erro (porquê?) e a liberalização do serviço trará modernização, preços mais baixos e mais empregos (onde é que já ouvimos isto?). Os resultados também são os do costume: destruição dramática de postos de trabalho, encerramento em série de postos de atendimento, deterioração geral do serviço prestado às pessoas.

    O cenário de abate dos correios públicos chegou a Portugal pela mão do PEC IV, convém lembrar. Os seus arautos, desde então, dizem-nos aqui o mesmo bla-bla-bla que disseram em toda a Europa. E acrescentam que o fim dos encargos com este setor será mais um alívio para as contas públicas e permitirá uma injeção de ambição e de qualidade que só os privados podem dar. Dupla mistificação. Primeiro, os CTT são uma empresa lucrativa, dão dinheiro ao Estado e ao país: 106,5 milhões de euros em 2011 e 2012, 438,7 milhões acumulados desde 2005. É esta empresa lucrativa, com um volume de negócios anual superior a 710 milhões de euros, que se vai vender. Obviamente para dar lucro a quem a comprar. Sobre a dita injeção de ambição e qualidade, que sirva de lição a experiência estrangeira: na Holanda, o operador privado pretende limitar a três dias a distribuição de correio, sob a ameaça de que "se os políticos quiserem o correio distribuído seis dias por semana, então terão de o financiar". A ambição e a qualidade traduzir-se-ão em abolição de todas as prestações de serviço público que se revelem menos lucrativas ou deficitárias. E o resultado será o fim da operação em zonas rurais, a supressão da tarifa única e encerramentos em massa na rede de postos de correio.
      
    Aos que insistem em achar que lutar contra esta privatização é um preconceito ideológico e que defendê-la é pragmático, eu respondo: defender a privatização dos CTT é fragilizar gravemente a coesão social e territorial do País. Conscientemente. Deliberadamente. Querem algo mais teimosamente ideológico que isto? 

    http://www.dn.pt/inicio/opiniao/interior.aspx?content_id=3224389&seccao=Jos%E9%20Manuel%20Pureza&tag=Opini%E3o%20-%20Em%20Foco&page=2 

    segunda-feira, 13 de maio de 2013

    Alexandre Abreu, «E depois do adeus», Le Monde diplomatique

    Opinião Pública - 30-04-2013 - Estratégia Orçamental - Alexandre Abreu


    Demissão e outras urgências

    por Sandra Monteiro

    Quando o presidente da República Aníbal Cavaco Silva fala, percebemos que decidiu, pelo menos por agora, sustentar política e institucionalmente o miserável mundo novo que o governo está a criar, mesmo quando isso afronta o consenso social contra as políticas do executivo. Estamos perante uma forma original de governo de iniciativa presidencial, que isola governo e presidente numa resposta a que a maioria da sociedade se opõe.

    Quando o ministro das Finanças Vítor Gaspar fala, em particular no conforto dos seus pares europeus, compreendemos que o regime austeritário, isto é, o aprofundamento da captura de rendimentos e poder por mercados que capturaram os Estados, é de facto uma sociopatia, uma forma de destruir os povos e a democracia. Ele precisa de actores como Gaspar, que não se sentem «coisíssima nenhuma» vinculados às regras democráticas e retiram tanto prazer das suas engenharias macabras que são capazes de dizer coisas destas, sem serem demitidos: comparando com outros países sob «ajustamento», «vemos padrões similares, mas como podem imaginar é muito mais bonito quando se olha para o ajustamento de Portugal e é por isso que eu o uso como paradigma» [1].

    Como paradigma e não só. A «beleza» deste «ajustamento» (desigualdades, desemprego, pobreza, desespero) é tão deslumbrante que justifica o novo papel de Portugal na Europa: cumprir, com convicção e disciplina, todos os compromissos com os credores financeiros (em detrimento do contrato social com os povos) faria do país um caso de sucesso exibido aos países sob ajustamento (e às economias excedentárias) para os convencer a submeterem-se, amortecendo o alargamento geográfico da austeridade de classe. Na linguagem do governo, a missão de Portugal seria criar «pontes» e «diálogo entre o Norte e o Sul». Dir-se-ia que a «austeridade expansionista», mito que teve de ser abandonado, significa agora ajudar a levar velhos mundos ao mundo, num desígnio em que o inferno é o limite. Tragédia e farsa, tudo ao mesmo tempo.

    E quando fala o primeiro-ministro Pedro Passos Coelho? Mais parece que dispara, com munições cada vez mais mortíferas, sobre alvos enfraquecidos, tudo em nome da protecção, usando instrumentos públicos, dos florescentes meios de negócios e mercados financeiros. Nesta contradição fundamental entre os interesses da maioria da população e os da minoria de privilegiados encerra-se a esperança de intensificar as revoltas colectivas que acabem com o desespero de vidas reduzidas à sobrevivência por uma coligação que já nem mascara o desprezo pelos cidadãos.

    Recuperar essa esperança implica demitir o governo – usando instrumentos institucionais, greves, acções de rua ou desobediência civil – e impor uma solução alternativa que substitua a austeridade por emprego e desenvolvimento sustentáveis. Para o conseguir, tem de se combater cada nova medida pelo que ela representa no imediato: um roubo aos pensionistas que degrada de forma inaceitável as suas condições de vida, uma subida da idade de reforma que põe cada vez menos pessoas a trabalhar cada vez mais, um aumento maciço do desemprego e perdas salariais entre os funcionários públicos que prejudicam todos os trabalhadores, uma degradação dos serviços públicos que favorece os privados, etc. Mas terá também de se denunciar os seus efeitos de médio e longo prazo: desemprego estrutural, destruição do Estado social, mais desigualdades e pobreza, espiral recessiva, endividamento externo galopante.

    Igualmente importante é desmistificar as várias mutações que a política de «cortar e punir» vai fazendo para perdurar. Já conhecemos pelo menos três. Na primeira fase da crise, os governos procuraram convencer os cidadãos de que eram eles, e não o sistema financeiro nem os conluios deste com os poderes público e mediático, os culpados pela crise («viveram acima das suas possibilidades», «são preguiçosos»). A utilização, ainda hoje, de termos como «cansaço face aos sacrifícios» ou «fadiga fiscal» ainda é herdeira desse argumentário da austeridade punitiva, «redentora» e «expansionista», mas perdeu eficácia quando todos perceberam que ela destrói todas as hipóteses de resolução dos problemas económicos e sociais.

    O argumento central foi por isso readaptado: funcione ou não, a austeridade é a única alternativa para aceder aos empréstimos externos e pagar salários e pensões. Apesar de ser comprovadamente falsa [2], esta ideia continua a ser repetida. Ainda no anúncio de novas medidas no passado dia 3 de Maio Passos Coelho o afirmou [3]. Mas ali ficou patente que o centro da argumentação já mudou outra vez, porque já não colava. Os cidadãos, além de não acreditarem que a austeridade funcione, sabem que há políticas alternativas válidas, a começar pela reestruturação da dívida. Isto obrigou a uma nova argumentação: a única escolha, afirmou então Passos Coelho, é entre o cumprimento dos compromissos externos e o «incumprimento que teria como provável desfecho a saída do euro com consequências catastróficas para todos». Isto é, há alternativas, mas ninguém arriscará alternativas «catastróficas».

    Pouco importa, na perspectiva dos actuais governantes, se o rumo actualmente seguido é ele próprio catastrófico, impedindo o emprego, o crescimento e até o cumprimento dos compromissos, sendo responsável por futuros «resgates» e por uma saída do euro. O que importa é brandir uma ameaça que não se fundamenta e manipular medos que impeçam o alargamento do consenso em torno de rumos políticos alternativos. O que importa é evitar um debate racional sobre o euro que respeite a informação, a reflexão e as escolhas dos cidadãos.

    O dossiê que publicamos neste número de Maio sobre Portugal no euro quer justamente contribuir para um debate racional e respeitador e para desarmar o poder desta nova intoxicação. Convidámos um conjunto de economistas que têm criticado a resposta austeritária à crise a reflectir sobre as implicações de ficar e de sair do euro. Os artigos de Carlos Carvalhas, Francisco Louçã, João Galamba, José Vieira da Silva, Nuno Teles/Alexandre Abreu e Octávio Teixeira são a prova de que o debate é urgente e que pode ser feito sem manipular a informação e sem chantagens emocionais.

    O estado de corrosão da democracia a que chegámos, no contexto de uma arquitectura institucional da União Europeia e da moeda única que abdica da coesão geográfica e social, não nos permite já estar perante escolhas fáceis. No Le Monde diplomatique pensamos que a partilha de informação e pontos de vista, aliando dimensões nacionais e internacionais, e nunca prescindindo de uma análise de classes e dos interesses em confronto, constitui um contributo para as revoltas críticas e colectivas que podem inverter a tragédia em curso e permitir escolhas democráticas orientadas para a justiça social.
    sexta-feira 10 de Maio de 2013

    Notas

    [1] www.dinheirovivo.pt/Economia....
    [2] Ver Alexandre Abreu, «E depois do adeus», Le Monde diplomatique – edição portuguesa, Outubro de 2012.
    [3] Declaração disponível em www.portugal.gov.pt/media/99....

     http://pt.mondediplo.com/spip.php?article919

    Dilma Rousseff e Graças Foster iniciam o projecto de privatização da Petrobrás

    Há notícias que dizem mais sobre o real rumo político de um governo do que algumas extensas análises. Esta que publicamos, sobre o avanço do projecto de privatização da Petrobrás, traduz uma verdade básica: nenhuma política progressista é conciliável com a privatização e entrega dos bens públicos e da riqueza 
    criada pelos trabalhadores ao longo de décadas às mãos do grande capital monopolista.


    Como se não bastassem os leilões de petróleo, marcados para os dias 14 e 15 de maio pela Agencia Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), que vão entregar 30 bilhões de barris de petróleo, o governo brasileiro e a direção da Petrobrás entregarão os terminais secos da Transpetro (Osbra, Oslapa, Ospar, Tevol)

    Os 30 bilhões de barris a serem leiloados na 11ª Rodada de Licitações da ANP são equivalentes a duas vezes a reserva provada da Petrobrás, sem o pré-sal e acima do PIB brasileiro.

    Os terminais secos são os mais lucrativos no Sistema Petrobrás, provavelmente por serem processos automáticos que utilizam muito pouco a força de trabalho, diferente dos terminais molhados. O Brasil construiu sua malha de dutos durante anos, e com investimentos pesados de dinheiro público no setor. Tais recursos poderiam ter sido investidos em saúde, educação, segurança pública. Esse investimento é parte fundamental na logística de distribuição de derivados de petróleo no país. Vamos privatizar esses dutos para depois pagar para utilizá-los?

    E mais: tais decisões estão sendo tomadas sem nenhuma discussão e acolhimento de opiniões da sociedade e seus representantes. As privatizações de Fernando Henrique Cardoso, que trouxeram tantos prejuízos aos brasileiros, eram precedidas de todo um arcabouço legal. Talvez por isso, FHC não conseguiu vender nenhuma unidade de negócio da Petrobrás. Graça Foster criou uma gerência que, ironicamente, leva o nome de Novos Negócios, que decide a venda de ativos: campos de petróleo, refinarias, terminais, entre outros.

    Além de privatizar a Petrobrás, a gestão de Maria das Graças Foster deprecia a companhia: o diretor de Abastecimento da Petrobrás, Sr. José Carlos Cosenza, divulgou, em 15/02/2013, noticia na chamada principal do jornal Valor Econômico (um dos mais importantes do setor econômico), com a seguinte declaração: “Petrobrás terá déficit comercial até 2020”. Se essa declaração mentirosa fosse feita numa empresa séria da administração pública ou numa empresa privada, o referido diretor seria sumariamente demitido. Mas Cosenza está em sintonia com o governo brasileiro e com a direção da Petrobrás.

    Essa declaração do Cosenza, com certeza, causou mais prejuízo à Petrobrás do que os recentes vazamentos de óleo dos terminais. Nestes terminais, os operadores envolvidos estão sendo ameaçados de punição pelos prejuízos causados, mesmo o acidente tendo sido uma fatalidade. Agora, qual será a punição para o diretor Cosenza, autor de uma declaração desastrosa à imagem da Petrobrás?

    A Federação Nacional dos Petroleiros (FNP) e o Sindipetro-RJ enviarão, urgentemente, ofício a respeito da situação dos terminais, com pedido de esclarecimentos. O Departamento Jurídico do Sindipetro-RJ, bem como o da FNP, estudarão a possibilidade de argüir, na Justiça e no Ministério Público, sobre a venda dos terminais e de todos os ativos da Petrobrás através da Gerência de Novos Negócios, bem como responsabilizará o Diretor de Abastecimento da empresa, José Carlos Cosenza, pelos prejuízos causados à imagem da Petrobrás.

    Fonte: Surgente nº 1215-G (3/5/13), boletim do Sindipetro-RJ

     http://www.odiario.info/?p=2859

    sexta-feira, 10 de maio de 2013

    Maior destruição de empregos de sempre em Portugal

    No primeiro trimestre deste ano havia menos 229,3 mil postos de trabalho do que no arranque de 2012. A destruição de emprego está a afetar sobretudo o pessoal dos quadros.

    O "Diário Económico" escreve hoje que "a economia portuguesa está a destruir empregos ao maior ritmo de sempre. No último ano foram cortados 229,3 mil postos de trabalho, o equivalente a uma média de 19 mil empregos destruídos todos os meses. Os dados foram revelados ontem pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) e resultam numa taxa de desemprego de 17,7%".
    Segundo o jornal, "mesmo recuando a 1983 - quando o INE começou a reunir estatísticas sobre o emprego - não se consegue encontrar uma variação homóloga (face ao mesmo trimestre do ano anterior) tão negativa no número de postos de trabalho como a registada nos primeiros três meses deste ano. Olhando para a variação em cadeia (face ao trimestre anterior) também não houve nenhum arranque de ano tão negro como este. Os dados mostram que o mercado de trabalho está longe de ter acabado de ajustar à nova realidade imposta pela crise, numa altura em que o programa da troika se aproxima do último terço".

    http://www.dn.pt/especiais/interior.aspx?content_id=3211539&especial=Revistas%20de%20Imprensa&seccao=TV%20e%20MEDIA 

    As consequências antidemocráticas da concentração de riqueza

    A concentração dos rendimentos e da propriedade, resultado da aplicação das políticas neoliberais, está a empobrecer de uma maneira muito marcada as instituições chamadas democráticas, até o ponto de as anular.

    Publicação em destaque

    Marionetas russas

    por Serge Halimi A 9 de Fevereiro de 1950, no auge da Guerra Fria, um senador republicano ainda desconhecido exclama o seguinte: «Tenh...