segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

S.O.S EHS: Todos somos electrosensíveis


O que o filme de Spielberg não diz sobre Lincoln

O filme narra como esse presidente lutou contra a escravidão e pela transformação dos escravos em trabalhadores. O que a obra cinematográfica não conta, porém, é que Lincoln também lutou por outra emancipação: que os escravos e os trabalhadores em geral fossem senhores não apenas da sua atividade em si, mas também do produto resultante de seu trabalho. Por Vicenç Navarro

Obra de Francis Bicknell Carpenter, em que Lincoln 
 apresenta texto da proclamação contra a escravidão, em 1864


A longa-metragem Lincoln, produzida e realizada por um dos realizadores mais conhecidos dos EUA, Steven Spielberg, reavivou um grande interesse pela figura do presidente, um dos presidentes que, como Franklin D. Roosevelt, esteve sempre presente no ideal norte-americano com grande popularidade. Destaca-se a figura política como o garante da unidade dos EUA após a derrota dos confederados que aspiravam à secessão dos estados do Sul daquele Estado federal. É também uma figura que se destaca na História dos EUA por ter abolido a escravatura, e por ter dado a liberdade e a cidadania aos descendentes de populações imigrantes de origem africana, ou seja, a população negra que, naquele país, se designa por afro-americana.

Lincoln foi também um dos fundadores do Partido Republicano o qual, na sua origem, era diretamente oposto ao Partido Republicano atual que está hoje altamente influenciado por um movimento, o Tea Party, chauvinista, racista e altamente reacionário e por detrás do qual estão interesses económicos e financeiros que querem eliminar a influência do governo federal nas vidas económicas, sociais e políticas do país. Pelo contrário, o Partido Republicano fundado pelo Presidente Lincoln era um partido federalista que considerava o governo como o garante dos Direitos Humanos. Entre estes, a emancipação dos escravos, tema central no filme Lincoln, foi o aquele que Lincoln defendeu mais intransigentemente. Acabar com a escravatura significava que o escravo passava a ser trabalhador, dono do seu próprio trabalho.

Ora, Lincoln, mesmo antes de ser presidente, considerou outras conquistas sociais como parte dos Direitos Humanos, entre elas, o direito do mundo laboral a controlar não apenas o seu trabalho, mas também o produto do seu trabalho. O direito de emancipação dos escravos transformava-os em pessoas livres assalariadas, unidas – segundo ele – por laços fraternais com outros membros da classe trabalhadora, independentemente da sua cor de pele. As suas exigências de o escravo deixar de o ser e de o trabalhador – tanto branco como negro – ser o dono, não só do seu trabalho como do produto da sua força de trabalho, eram igualmente revolucionárias. A emancipação da escravatura requeria que a pessoa fosse senhora do seu trabalho.

A emancipação da classe trabalhadora significava que esta era a dona do produto do seu trabalho. Lincoln exigiu os dois tipos de emancipação. No entanto, o segundo tipo nem sequer é citado no filme Lincoln. Na verdade, ignora-o. Utilizo a expressão “ignora” em vez de “oculta” porque não é de todo possível que os autores do filme ou do livro sobre o qual se baseia, não conhecessem a história real de Lincoln. A Guerra Fria no mundo cultural e académico dos EUA (que continua a existir) e o enorme domínio do que lá designam por Classe Empresarial (classe dos proprietários e gestores do grande capital) sobre a vida, não apenas económica, mas também cívica e cultural, explica que a história formal dos EUA ensinada nas escolas e nas universidades seja muito enviesada, purificada de qualquer contaminação ideológica procedente do movimento operário, seja socialismo, comunismo ou anarquismo.

A grande maioria dos estudantes norte-americanos, incluindo os das universidades mais prestigiadas e conhecidas, não sabem que a festa do 1º de Maio, celebrada mundialmente como o Dia Internacional do Trabalho, é uma festa de homenagem aos sindicalistas norte-americanos que morreram em defesa da jornada de oito horas (em vez de doze), vitória que iniciou a mesma reivindicação com êxito na maioria dos países do mundo. Nos EUA, esse dia, o 1º de Maio, além de não ser festivo, é o dia da Lei e da Ordem – Law and Order Day – (veja-se o livro People's History of the U.S., de Howard Zinn). A história real dos EUA é muito diferente da história formal promovida pela estruturas de poder daquele país.

As simpatias ignoradas e/ou ocultadas de Lincoln

Lincoln, já quando era membro da Câmara Legislativa no Estado do Illinois, simpatizou claramente com as exigências socialistas do movimento operário, não só dos EUA, mas também do mundo. Na verdade, Lincoln, tal como indiquei no princípio do artigo, considerava como um Direito Humano o direito do mundo laboral controlar o produto do seu trabalho, postura claramente revolucionária para aquele período (e continua a sê-lo ainda hoje), o que nem o filme nem a cultura dominante dos EUA recorda ou conhece, convenientemente esquecido nos aparelhos ideológicos do establishment norte-americano pela Corporate Class.

De facto, Lincoln considerava que escravatura era o domínio máximo do Capital sobre o Trabalho e a sua oposição às estruturas de poder dos Estados soberanos devia-se precisamente à perceção dessas estruturas como sustentadoras de um regime económico baseado na exploração absoluta. Daí que visse a abolição da escravatura como a libertação não apenas da população negra, mas de todo o mundo do trabalho, beneficiando também a classe operária branca, cujo racismo ele via que era contrário aos seus próprios interesses. Lincoln também indicou que “o mundo do trabalho antecede o capital. O capital é fruto do trabalho, e não existiria sem este, que o criou. O mundo laboral é superior ao do capital e merece a maior consideração (…) Na situação atual, o capital tem todo o poder e há que reverter esse desequilíbrio”.
 Leitores dos escritos de Karl Marx, contemporâneo de Abraham Lincoln, recordarão que algumas destas frases era muito semelhantes às utilizadas pelo analista do capitalismo na sua análises da relação Capital/Trabalho sob esse sistema económico.

Surpreenderá a um grande número de leitores saber que os escritos de Karl Marx influenciaram Abraham Lincoln, tal como documenta em grande detalhe John Nichols no seu excelente artigo “Reading Karl Marx with Abraham Lincoln Utopian Socialists, German Communists and other Republican” publicado em Political Affairs (27/11/12), e do qual extraí as citações assim como a maioria dos dados publicados neste artigo. Os escritos de Marx eram conhecidos entre os grupos de intelectuais que estavam profundamente insatisfeitos com a situação política e económica dos EUA, como era o caso de Lincoln. Marx escrevia regularmente no New York Tribune, o jornal intelectual influente nos EUA naquela altura. O seu director, Horace Greely, considerava-se como um socialista e admirador de Marx a quem convidou para ser colunista do diário. Nas colunas incluiu um grande número de ativistas alemães que tinham fugido das perseguições ocorridas na Alemanha daquele tempo, uma Alemanha altamente agitada, com um movimento operário emergente que questionava a ordem económica existente. Mais tarde, alguns deste imigrantes alemães (conhecidos nos EUA da altura como “Republicanos Vermelhos”) lutaram com as tropas federais na Guerra Civil, dirigidos pelo Presidente Lincoln.

Greely e Lincoln eram amigos. Na verdade, Greely e o seu jornal apoiaram desde o princípio a carreira política de Lincoln, sendo Greely quem o aconselhou a candidatar-se à presidência do país. Todas as evidências apontam para que Lincoln fosse um leitor fervoroso do New York Tribune. Na sua campanha eleitoral para a presidência dos EUA convidou vários “republicanos vermelhos” a integrar a sua equipa. De facto, já antes, como congressista, representante da cidade de Springfield, Illinois, apoiou frequentemente os movimentos revolucionários que estavam a surgir na Europa, muito em especial na Hungria, assinando documentos de apoio aos mesmos.

Lincoln, grande amigo do mundo laboral norte-americano e internacional

O seu conhecimento das tradições revolucionárias existentes naquele período não era casual mas sim fruto da sua simpatia pelo movimento operário internacional e suas instituições. Incentivou os trabalhadores dos EUA a organizarem-se e estabelecerem sindicatos e continuou a fazê-lo quando foi presidente. Vários sindicatos nomearam-no membro honorário. Em resposta aos sindicatos de Nova York sublinhou “vós entendeis melhor que ninguém que a luta para terminar com a escravatura é a luta para libertar o mundo operário, ou seja, libertar todos os trabalhadores. A libertação dos escravos no Sul é parte da mesma luta pela libertação dos trabalhadores no Norte”. E durante a campanha eleitoral, o presidente Lincoln promoveu a posição contra a escravatura indicando explicitamente que a liberdade dos escravos permitia aos trabalhadores exigir salários que lhes permitissem viver decentemente e com dignidade, ajudando a aumentar o salário a todos os trabalhadores, tanto negros como brancos.

Marx, e também Engels, escreveram com entusiasmo sobre a campanha eleitoral de Lincoln, num momento em que ambos preparavam a Primeira Internacional do Movimento Operário. Numa determinada altura das sessões, Marx e Engels propuseram à Internacional enviar uma carta ao presidente Lincoln felicitando-o por sua atitude e postura. Na sua carta, a I Internacional felicitava os povo dos EUA e o seu presidente por, ao abolir a escravatura, ter favorecido a libertação de toda a classe trabalhadora, não só norte-americana mas também a mundial.

O presidente Lincoln respondeu em tom cordial agradecendo a nota e dizendo que valorizava o apoio dos trabalhadores do mundo e das suas políticas que, por certo, criou grande preocupação entre os establishments económicos, financeiros e políticos de ambos os lados do Atlântico. Como mais tarde assinalou o dirigente socialista norte-americano Eugene Victor Debs, era claro que, a nível internacional, na sua própria campanha eleitoral “Lincoln tinha sido um revolucionário e que por mais paradoxal que pudesse ser, o Partido Republicano tinha tido nas suas origens uma tonalidade vermelha”.

A revolução democrática que Lincoln iniciou e que nunca se desenvolveu

Não é necessário dizer que nenhum destes dados aparece no filme Lincoln, nem são amplamente conhecidos nos EUA. Contudo, como bem assinala John Nichols e Robin Blackburn (outro autor que escreveu extensamente sobre Lincoln e Marx), para entender Lincoln deve entender-se o período e o contexto em que ele viveu. Ele não era um marxista (termo utilizado na literatura historiográfica e que o próprio Marx denunciou) e não era sua intenção eliminar o capitalismo, mas sim corrigir o enorme desequilíbrio que existia entre o Capital e Trabalho. Mas, não há duvida que foi altamente influenciado por Marx e outros pensadores socialistas, com os quais compartilhou os seus desejos imediatos, simpatizando com eles, levando a sua posição a altos níveis de radicalismo no seu compromisso democrático. É uma deturpação histórica ignorar tais factos como o faz o filme.

Não há dúvida de que Lincoln foi uma personalidade complexa com muitas zonas cinzentas. Mas as simpatias estão escritas e bem definidas nos seus discursos. Mais, os intensos debates que ocorriam nas esquerdas europeias reproduziam-se nos círculos progressistas dos EUA. Na realidade, a maior influência sobre Lincoln foi dos socialistas utópicos alemães, muitos dos quais se refugiaram no Illinois para fugir à repressão europeia.

O comunalismo que caracterizou estes socialistas influenciou a conceção democrática de Lincoln, interpretando a democracia como a governação das instituições políticas por parte do povo, na qual as classes populares eram a maioria. A sua famosa frase (que se converteu no esplêndido slogan democrático mais conhecido do mundo – Democracy for the people, of the people and by the people – destaca claramente a impossibilidade de ter uma democracia do povo e para o povo sem que seja realizada e levada a cabo por esse mesmo povo. Daí que visse a libertação dos escravos e do mundo laboral como elementos essenciais a tal democratização. O seu conceito de igualdade levava inevitavelmente a um conflito com o domínio das instituições políticas pelo capital. E na realidade ainda existente hoje nos EUA e que descrevo no meu artigo O que não se disse nos meios de comunicação sobre as eleições nos EUA (Público, 13.11.12) é prova disso mesmo. Hoje a Corporate Class controla as instituições políticas daquele país.

Últimas observações e um pedido

Repito que nenhuma destas realidades surge no filme. Spielberg não é, apesar de tudo, Pontecorvo, e o clima intelectual norte-americano ainda está estancado na Guerra Fria que o empobrece. “Socialismo” continua a ser uma palavra mal vista nos círculos do establishment cultural daquele país. E na terra de Lincoln, aquele projeto democrático que ele sonhou nunca se realizou devido à enorme influência do poder do capital sobre as instituições democráticas, influência que diminuiu bastante a expressão democrática naquele país. E o paradoxo doloroso da História é que o Partido Republicano se tenha convertido no instrumento político mais agressivo hoje existente ao serviço do capital.

Por certo, agradeceria que todas as pessoas que julguem este artigo interessante o distribuam amplamente, incluindo aos críticos de cinema que, na sua promoção do filme, seguramente não dirão nada sobre o outro Lincoln desconhecido no seu próprio país (e em muitos outros, incluindo em Espanha). Nem sequer se reconhece como tal um dos fundadores do movimento revolucionário democrático. A emancipação dos escravos é uma grande vitória que se deve celebrar. Mas Lincoln foi ainda mais além. E de isto não se fala.

Publicado no blog de Vicenç Navarro

Tradução de Sofia Gomes para o Esquerda.net

http://www.esquerda.net/dossier/o-que-o-filme-de-spielberg-n%C3%A3o-diz-sobre-lincoln/26798 

Manifestação


domingo, 24 de fevereiro de 2013

2 de Março

                                                                        Texto de Sandra Monteiro


No dia 2 de Março, quando nos encontrarmos na rua, não estaremos apenas a lutar por um futuro melhor. Nesse tempo em que escolhemos estar ali, lado a lado, contrariando a desesperança e a armadilha do «cada um por si», somos já um presente melhor. E isso transforma-nos, logo ali, não se limita a mudar o que o futuro pode ser.

Um presente que esteja mais em sintonia com o que achamos que deve ser uma sociedade decente não existe apenas, é certo, quando nos encontramos na rua. Acontece em todos os actos do nosso quotidiano, por invisíveis que sejam, em que escolhemos ser comunidade e recusamos ser silenciados, espezinhados, postos uns contra os outros pela pequena minoria que enriquece semeando pobreza e apostando no isolamento do desespero. Mas quando nos encontramos na rua, em números que não podem ser ignorados, e nos unimos para tornar possível uma vida que nos entusiasme, estamos também a reconhecer-nos uns aos outros. A mostrar-nos que temos com quem fazer caminho e a construir-nos como sujeitos de uma história que nos torne mais livres, mais iguais. Ganhamos poder, e isso assusta os poderes que hoje nos desprezam e para os quais somos meras variáveis de ajustamento.

Quando nos encontramos, activando a solidariedade e a cooperação, negamos com os nossos corpos e as nossas ideias esse «homem novo» sem saída que a engenharia neoliberal está a tentar criar, pelo mundo fora, desde a década de 1980. Mostramos que a «lei da selva», na versão «crise austeritária» ou noutra qualquer, está a anos-luz da humanidade que queremos e podemos ser. O que vale uma comunidade se não garantir iguais oportunidades para todos — em função das suas necessidades e não dos seus recursos —, activando todas as formas de solidariedade entre gerações e entre territórios? Que sentido tem organizarmo-nos sem ser para limitar e redistribuir a riqueza de modo a que todos tenham uma vida digna? O que é existir, se o tempo de vida não for bem repartido, em cada um de nós, entre o trabalho, o descanso e o lazer? Como podemos deixar de cercear os apetites — devoradores de um futuro comum sustentável — daqueles que se apropriam da riqueza, esmagam o trabalho, devoram recursos, privatizam serviços públicos e bens comuns?

Tudo isto corrói a democracia há décadas. Não é uma engenharia social nova, está apenas a aproveitar a crise — e a contar com a inacção de quem se esgota em tarefas de sobrevivência — para impor um estado de excepção que tudo justifica, da recessão económica à regressão social, laboral e ambiental. Recusar este projecto é defender alternativas às respostas suicidárias que estão a ser dadas à crise e que só a aprofundam, numa espiral recessiva e recessiva Mas é também recusar, em Portugal e na Europa, o projecto neoliberal que nos trouxe até esta crise.

Os neoliberais dizem-nos insistentemente — com a ajuda de uma comunicação social nada plural —, que os seres humanos são atomizados e deslaçados por «natureza». Que só há uma lei nas sociedades, a da selecção «natural» que premeia os comportamentos competitivos, abandonando à sua sorte os mais frágeis. No quadro desta narrativa não há espaço para nada que se assemelhe a solidariedade e confiança, a objectivos de redistribuição da riqueza, combate ao desemprego ou consolidação de um estado social de qualidade e para todos. Nela só há espaço para a construção de liberdade para os mercados — em particular os de capitais —, sem constrangimentos ou regulações que limitem os lucros. Só há lugar para políticas públicas que promovam a sobreexploração do trabalho e dos recursos, para que a riqueza se acumule no topo, e que garantam a captura dos estados, para que capitalistas medíocres possam investir sem risco, à custa do estado.

Esta narrativa neoliberal não é nada «natural». É uma poderosa construção política que tem vindo a edificar-se sob os nossos olhos e à custa das nossas vidas. É a antítese da terra da fraternidade. É a criação de um mundo em que o poder financeiro é quem mais ordena. Para funcionar, precisa que nós, a grande maioria dos cidadãos, acredite que o mundo «é e será assim» e que perca a confiança no seu colega de trabalho, no seu vizinho, no seu concidadão. Precisa que em cada rosto vejamos um inimigo, um competidor, e nunca alguém com quem possamos construir uma sociedade mais igual, mais funcional, mais vantajosa para todos. Para funcionar, esta narrativa precisa que alarguemos essa visão do outro à escala global e que abdiquemos de exigir solidariedade entre classes e entre territórios. Precisa que consideremos não ter discussão nem alternativa a inserção numa arquitectura europeia e numa moeda que todos os dias mostra ser disfuncional e só querer usar o garrote da dívida para impor empobrecimento e subdesenvolvimento a países como Portugal.

Recusar este projecto neoliberal, hoje um embuste e um falhanço clamoroso à vista de todos, e resgatar a sociedade para finalidades solidárias, igualitárias e democráticas, vai exigir a união de muitos esforços e vontades. Porque, pelo menos por agora, a crise está a reforçar a exploração e as desigualdades, fortalecendo a hegemonia neoliberal, e porque reorientar a sociedade para aquelas finalidades também não é uma construção que nasça «naturalmente» do nada. Será sempre uma construção colectiva para a qual teremos de ocupar todos os espaços em que ocorrem escolhas — trabalho, estado, cidadania… —, defendendo sempre o bem comum em detrimento dos interesses privados.

Mas nada disto se faz sem estarmos disponíveis para reconhecer no outro aquele com quem podemos construir um presente e um futuro de dignidade para todos. Quando nos encontrarmos na rua, a 2 de Março, olhemos em volta. Ao que sabe reconhecer em cada rosto um sujeito da mudança que já tarda? Ao que sabe a fraternidade? Que cada um partilhe essa energia para transformar a vida de todos os dias. Que os poderosos de hoje, quaisquer que sejam os seus rostos amanhã, percam a esperança de nos ver calados, explorados, desunidos. É aí que renasce a esperança.


http://queselixeatroika15setembro.blogspot.pt/ 

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Desesperados, anónimos

                                                                                                                                   por Daniel Deusdado

Noite de reunião imaginária. Empresários anónimos. Como alcoólicos anónimos, toxicodependentes anónimos... Entra-se sem dar o nome. É sentar e ouvir. E falar. Levantou a mão. O ambiente é duro. Há que confessar, reconhecer o crime, matutar nas falhas. Disse:

"Eu também criei uma empresa. Era uma coisa pequena ao princípio, uma boa localização, eu, a minha mulher e uma funcionária que ajudava na cozinha..."
('Ramiro Moreira' tinha aberto um restaurante há uns anos. Alinhou umas receitas especiais, havia trabalhado na restauração, juntou um dinheiro com a ajuda de uns biscates e gorjetas. E avançou, há 20 anos. Agora estava ali porque um amigo o levou... O desespero está-lhe na cara.)

"Os primeiros anos foram bons. Muitos clientes, gente amiga, casa cheia aos fins de semana. Metemos logo mais dois funcionários, depois uma ajudante de cozinha que a minha mulher estava a ficar cansada e lá fomos crescendo..."
(Os outros empresários ouvem a história como se fosse a sua. A narrativa é quase sempre a mesma. Criar um negócio para melhorar a vida. Depois vêm os problemas, uns atrás dos outros...)

"Um dia apareceu a ASAE. Queria mais inox na cozinha: novos balcões, frigoríficos com maior capacidade, mais isto e aquilo... Muito dinheiro... Mas que havia de fazer? Tinha de ser. E a banca emprestava, e lá me meti naquilo a pagar a prestações... Mas depois chegou a crise... Não é a primeira vez que há crise, mas esta é diferente... Primeiro, os clientes deixaram de beber vinho, que é onde temos um bocado de margem. Entradas, também não, sobremesas só pra as crianças... Depois começaram a aparecer menos vezes...

Claro, a gente pensa que isto é passageiro e que o Passos Coelho ia correr com o Sócrates e endireitar isto, que o Estado leva tudo e a gente trabalha, trabalha, e fica cada vez com menos..."
(Silêncio absoluto. Continua)

"Até que aqueles filhos da p... aumentaram o IVA para 23%!... Mas para que caralh... foram estes grandes cabrões fazer uma coisa destas? Nem nós vendemos, nem as pessoas aparecem, e até eles perdem!... Mas porquê? Que apertassem a fiscalização para a malta que sempre fugiu, está certo... Mas as pessoas já têm
cada vez menos dinheiro: se aumentamos o IVA para 23%, deixam mesmo de vir!..."
(Na reunião desta noite estão oito empresários sentados em círculo. Todos com estabelecimentos fechados ou a fechar. Como são gerentes, não têm direito a subsídio de desemprego. Carregados de dívidas, sabem que vão ficar sem o restaurante mas também sem a casa da família porque os bens pessoais vão responder pelas dívidas. Uns têm filhos pequenos, outros já adultos mas a precisar deles. Vão passar pelo vexame social de terem sido uns 'senhores' e agora são isto, uns farrapos, uns idiotas que não amealharam nas vacas gordas... Tinham BMW ou Mercedes e o rei na barriga - dizem os vizinhos. Agora... rua).

"A situação é esta: devo 80 mil euros à banca pela remodelação que fiz do restaurante, tudo como devia ser, um luxo... Tenho cinco empregados para indemnizar. Devo ao Estado a Segurança Social e o IVA dos últimos seis meses porque depois do 15 de setembro isto parou tudo... Ainda não paguei o novo sistema de faturação que me põe doido para saber como funciona... E vou ficar inibido de ser empresário nos próximos anos porque fali o meu negócio... Mas digam-me lá: onde é que eu falhei?"

(Uma economia em crise mata os maus e os bons. Destrói os homens e as mulheres, por dentro e por fora.
 Isto estava à vista quando o Estado aumentou o IVA para 23%. Gaspar não ouviu. Passos não ouviu. A maioria no Parlamento não ouviu. Agora é isto... Divorciam-se no papel para tentar salvar a mulher e os filhos. Pensam em fugir para o Brasil ou emigrar para a Europa nem que seja para servir à mesa. Filha da p... de vida..., repetem sem parar).

Voltam na semana seguinte. Quando conseguem.

JN, sábado, 16 de fevereiro, página 7: "Em apenas 72 horas suicidaram-se dois empresários da restauração do Porto. E nos últimos três meses foram sete os que puseram termo à vida na região do Algarve".

 http://www.jn.pt/Opiniao/default.aspx?content_id=3064773&opiniao=Daniel%20Deusdado

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

2 de Março

                                texto de Paulo Varela Gomes

A mais conhecida frase de Gandhi é:

«Não há qualquer causa pela qual esteja disposto a matar. Mas há causas pelas quais estou pronto a morrer.»

Estas palavras resumem a perspectiva de luta com que hoje se defrontam centenas de milhões de pessoas em todo o mundo, mas em especial no Ocidente (Europa e continente americano). Estamos na última das extremidades: está em jogo a vida das pessoas. Primeiro seremos reduzidos à pobreza. Depois farão de nós o que bem lhes aprouver.

A maioria das pessoas no Ocidente já há duas ou três décadas percebeu aquilo que a esquerda ocidental mostra extrema relutância em aceitar: que não vale a pena nem é possível combater apenas por meios legais o capitalismo sustentado parlamentarmente.

A maioria das pessoas pensa que os políticos são uns aldrabões ou corruptos, que o sistema judicial está ao serviço deles e que só os ricos e poderosos se safam. O chamado «descrédito do sistema político», assunto sobre o qual se têm tecido profundíssimas reflexões, é simples de explicar: o sistema está desacreditado porque não merece crédito. As pessoas já perceberam. Uma parte delas continua a votar por desfastio, a outra vota com os pés.

A esquerda parece estar convencida de que escapará entre as gotas desta bátega torrencial de desilusões recorrendo à luta dentro do sistema: o discurso parlamentar, as eleições, a ocasional coluna nos jornais ou prestação televisiva, etc. Triste engano. A maioria das pessoas não distingue um deputado do PCP de um do PSD, para referir casos portugueses. Estão todos no mesmo sistema.

Dizer coisas como esta pode parecer o regresso a um dos mais velhos debates da esquerda ocidental: como combater o sistema capitalista e o seu parlamentarismo? A partir de dentro ou a partir de fora?

Parece, mas não é. Pela primeira vez desde o século XIX, o sistema não tem alternativa nem teórica nem prática, quer dizer, não pode ser substituído. Mas têm alternativa os seus governos e regimes mais injustos e corruptos. É indispensável resistir-lhes, desgastá-los, desregular-lhe os mecanismos de funcionamento, derrubá-los.

Para resistir desta maneira não se pode agir apenas com os meios que o sistema permite. Quando se convoca a greve geral nº 354, a grande manifestação nº 1723, ou se assina o manifesto nº 10 655, só se está a desacreditar a greve geral, a manifestação e o manifesto, respectivamente.

Todavia, as greves e as manifestações podem atingir uma dimensão verdadeiramente surpreendente se pararem de facto o país, se encherem de facto as cidades. É por isso que vale a pena investir em manifestações como a de 15 de Setembro ou a de 2 de Março próximo. Para surpreender e assustar os poderosos.

Deve pensar-se que a resistência armada ao sistema está sem qualquer dúvida na ordem do dia e será uma realidade mais cedo do que tarde. Todavia, é muito perigosa tanto do ponto de vista ético como político. O passado demonstrou-o muitas vezes.

Mais importante e efectiva é a resistência desarmada, a resistência passiva. É preciso seguir o lema de Gandhi.

Em vez de termos cinco mil pessoas em frente de S. Bento, é preciso ter cinquenta mil, deitadas nas escadas em levas sucessivas, sofrendo as cacetadas da polícia, aguentando os canhões de água, sendo presas.

Há cinquenta mil pessoas em Portugal dispostas a isto?

Não me parece. Nem sequer cinco mil.

E porquê?

Por muitas razões que todos conhecemos e uma que nos recusamos a reconhecer: porque a esquerda é vítima do seu servilismo parlamentar e acredita só poder existir enquanto tiver lugares no parlamento e aparecer na televisão ou nos jornais a apertar a mão do PR. De facto, a esquerda não promove e até condena a resistência passiva. A primeira coisa que diz um sindicalista ou dirigente da esquerda após convocar uma manifestação é que será «pacífica». A primeira exclamação que lhe sai da boca mal alguém se agita é «calma camaradas!»

Esta é a responsabilidades negativa da esquerda.

Olhemos agora para as suas responsabilidades positivas:

É sua estrita obrigação política e ética apoiar, promover e assumir o rosto da resistência passiva. Se o fizer dará o exemplo e a resistência poderá crescer. Para isso, os seus representantes, e com eles os intelectuais de esquerda e os independentes que estão contra o sistema, terão que estar prontos para resistir.

Se não há cinquenta mil pessoas dispostas a aguentar em frente do Parlamento, há dezenas de deputados que deveriam estar dispostos a: boicotar activamente sessões parlamentares, impedindo o Parlamento de funcionar; não pagar impostos e incitar ao não pagamento; sentar-se numa linha férrea em ocasião de greve dos comboios, etc., etc., etc.

Perdiam o mandato? Iam presos?

Nas presentes circunstâncias, vivendo nós sob um regime ilegítimo eticamente e tirânico politicamente, o lugar mais honroso onde podem estar Jerónimo de Sousa ou Catarina Martins é a prisão.

(Pessoalmente, sentir-me-ia muito mais contente comigo mesmo e com este texto se tivesse saúde para agir em conformidade com o que aqui escrevi.)

www.queselixeatroika.net

A história secreta da renúncia de Bento XVI

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Desemprego e destruição de emprego aceleram, economia afunda-se e entra em espiral recessiva

– Passos Coelho diz que tudo isso está em linha com as previsões do governo e que é apenas a seleção natural


por Eugénio Rosa [*]
 
 RESUMO DESTE ESTUDO

No último trimestre de 2012 verificou-se uma aceleração rápida quer do desemprego quer da destruição de emprego, o que é um indicador claro da espiral recessiva em que o país já está mergulhado devido à politica recessiva violenta imposta pelo governo e "troika". Se dividirmos o período de governo PSD/CDS e "troika" em dois subperíodos (1ºTrm.2011/3ºTrim.2012, e 4º Trim.2012), concluímos que se verificou no 4º Trimestre de 2012 uma aceleração brutal quer do desemprego quer da destruição de emprego. No período que vai do 1º Trim.2011 ao 3ºTrim. 2012, a taxa de desemprego oficial aumentou, em média, 0,6 pontos percentuais por trimestre (desemprego real subiu 1 ponto percentual por trimestre), e a destruição de emprego atingiu, em média, 388 empregos por dia; mas no 4º Trimestre de 2012 a taxa de desemprego oficial aumentou 1,1 pontos percentuais apenas num único trimestre (a real subiu 1,6 pontos percentuais), e a destruição de emprego atingiu, em média, 1353 empregos por dia, ou seja, 3,5 mais do que o verificado no subperíodo anterior. E não se pense que são apenas estes dois indicadores – desemprego e destruição de emprego – que revelam uma aceleração do agravamento da crise económica e social do país. O INE tem divulgado já em 2013 um conjunto de informação sobre os vários setores mais importantes da economia e sociedade portuguesa – industria, serviços, investimento, rendimentos, etc. – que confirmam o agravamento da crise económica e social. Mesmo as exportações, em que assentava a recuperação fictícia do governo e da "troika", aumentaram apenas 1% no 4º Trimestre de 2012, tendo-se verificado num só ano – 2012- uma redução do índice do custo do trabalho em 14,9%, tendo os custos salariais diminuído 16,1% segundo o INE, o que revela uma redução brutal nos rendimentos dos trabalhadores.

Por outro lado, a perda para o país devido ao desemprego é gigantesca: variando, conforme se considere o desemprego oficial ou o desemprego real: (1) Entre 36.805 milhões € do PIB (22% do PIB previsto para 2013) e 48341 milhões € de PIB (29% do PIB previsto); (2) Entre 14.354 milhões e 18.853 milhões € de salários; (3) Entre 3.802 milhões € e 4.994 milhões € (e só consideramos o IRS e IVA); (4) E entre 4.988 milhões € e 6.551 milhões € de contribuições para a Segurança. São valores gigantescos de riqueza e receitas contributivas perdidas, que são indispensáveis ao desenvolvimento do país e ao bem-estar dos portugueses, que a politica recessiva violenta imposta ao país pelo governo PSD/CDS e pela "troika" tem feito aumentar de uma forma rápida. O gráfico 1, construído com dados oficiais do INE e do Banco de Portugal, mostra de uma forma clara os efeitos diretos da recessão económica no aumento brutal do desemprego.

Variação trimestral do  PIB e da taxa de desemprego em Portugal, 2004-2012.

É clara uma forte correlação negativa entre a taxa de variação do PIB e a taxa de desemprego, ou seja, quando a taxa de variação do PIB diminui ou torna-se negativa, a taxa de desemprego aumenta. Em Portugal, o desemprego só diminui quando a taxa de crescimento do PIB é superior a 2%. Afirmar – como faz Passos Coelho, Vitor Gaspar, António Borges, personagens de outro mundo – que, em 2013, e mais acentuadamente em 2014, se verificará uma inversão na situação económica, e que o desemprego diminuirá, só pode ser ou por ignorância sobre a economia, ou então com a intenção clara de enganar e manipular a opinião pública. 


http://resistir.info/e_rosa/destruicao_emprego_fev13.html 

Uma história extraordinária

domingo, 17 de fevereiro de 2013

«Para que as previdências privadas prosperem, é preciso que a previdência pública seja mínima»

Fez uma das mais importantes teses de doutoramento sobre fundos de pensões no Brasil. Sara Granemann, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, explica-nos, com brandura e calma, como o dinheiro que o Trabalho coloca num fundo de pensões é usado para destruir a segurança social pública. Diz que sem o livro III de O Capital de Karl Marx, e a compreensão da relação entre capital produtivo e financeiro (que vai ensinar em Portugal em Março), não teria compreendido como funcionam os fundos de pensões. Questiona a tese de que a segurança social não é sustentável, pondo em evidência que os seus recursos imensos são usados para salvar estados e bancos da falência. Uma entrevista sobre a segurança social, que, lembra-nos, é hoje uma mina de ouro para o Capital mas nasceu na Comuna de Paris. Por Raquel Varela com João Jordão e Rui Viana Pereira para Revista Rubra, nº 15.

http://5dias.wordpress.com/2013/02/17/o-dinheiro-que-o-trabalhador-renuncia-do-seu-salario-todos-os-meses-para-por-num-fundo-de-pensao-e-o-mesmo-dinheiro-que-vai-potenciar-a-exploracao-do-trabalhador-noutra-empresa/ 

Darwinismo Laranja

                                                                                                                      por Paulo Pinto, em 16.02.13

Tive uma vez um professor que nos explicou que a Humanidade anda há séculos a fazer batota, falseando os dados da seleção natural com avanços na medicina que permitem aos fracos, aos que estavam destinados a morrer à nascença ou na primeira infância, sobreviver, resistir, crescer e reproduzir-se. Ele próprio e muitos dos que se encontravam naquela sala não estariam ali se não houvesse campanhas de vacinação, antibióticos ou assepsia. Os genes deixaram de ser lei. Simultaneamente, ou um pouco depois, a Humanidade aceitou-se como igual nas suas partes. Deixou de haver raças superiores e inferiores. Nas sociedades, o "determinismo genético", aquele que dizia que há quem nasça com predisposição para a filantropia e quem venha a este mundo destinado a ser criminoso, esvaiu-se. Percebeu-se - ou alguns perceberam - que é o fator cultural que dita a diferença. Já antes disso se haviam abolido as desigualdades na lei que faziam com que o estatuto social fosse marcado, à nascença, pela progenitura. Passámos todos a ser cidadãos com direitos e deveres. Porém, na economia, pensámos que o que fazia a diferença era a capacidade de trabalho e de inovação, a produção de bens ou serviços úteis e de valor acrescido, afinal o Estado serviria para garantir o funcionamento de regras justas, para salvaguardar deslealdades concorrenciais, para evitar que os tubarões comessem o peixe miúdo. Ao nível individual, julgo não ter necessidade de comprar um revólver para me proteger porque creio que existem forças de segurança que o fazem e uma justiça que o cumpre. Mas começo a pensar se não tenho que fazê-lo, utilizando a batota genética dos meus antepassados e um colt .45 para me defender de quem é mais forte do que eu.

A que vem isto a propósito? Das declarações no nosso Primeiro-Ministro: «o País já ultrapassou o momento em que, por selecção natural faliram as empresas mais fracas restando somente as mais economicamente fortes. “Esta selecção natural das empresas que podem melhor sobreviver está feita”, disse.» Entendamo-nos, pois. As Sonaes, Jerónimos Martins, Galps, EDPs, BES ou BPIs sobreviveram porque são naturalmente fortes, os muitos milhares de pequenas empresas que encerram e lançam uma massa cada vez mais espessa de gente para o desemprego e o desespero não sobreviveram porque são fracas. É simples, é a lei da vida. Não importa se toda a estratégia governamental mete a uns a mão por baixo com injeções de capital, perdões fiscais e favorecimento "estratégico" e, a outros, sufoca com aumentos de IVA, perda de condições de funcionamento e de sobrevivência e contração económica geral. A "batota genética" da Humanidade permitiu aos mais fracos sobreviver. A "batota económica" laranja faz o oposto. E o Primeiro Ministro já ganhou despudor suficiente para dizê-lo sem lhe saltar um olho ou lhe descair um testículo. Eu pergunto: faltará muito para passarmos deste "darwinismo económico" ao individual? Quando for dito aos cidadãos, preto no branco, que tudo não passa de uma seleção natural que faz os mais fracos cair no desemprego, adoecer, morrer, serem espoliados, injustiçados e assaltados?

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Um País à deriva

No final de 2012, a taxa de desemprego atinge os 16,9%. O ritmo de destruição de emprego empreendido pelo actual governo é absolutamente vertiginoso: em apenas ano e meio contabiliza um aumento de desempregados (233 mil) que compara com o verificado entre o início da crise financeira (2007/08) e Junho de 2011 (239 mil, em quatro anos e meio). Ao mesmo tempo, o número de desempregados sem acesso a subsídio de desemprego aumenta cerca de 120 mil desde a tomada de posse da maioria PSD/PP, atingindo os 524 mil no final do ano passado. E o número de beneficiários de RSI está em queda desde Março de 2010: menos 124 mil (redução de 30%), a que acresce uma degradação crescente dos valores das prestações (244€ em média, por família, em Fevereiro de 2010, para 215€ em Dezembro de 2012). Tudo isto enquanto a tripla tenaz da austeridade (aumento do custo de vida, cortes salariais e degradação dos serviços públicos e das prestações sociais) foi sendo violentamente aprofundada. Bem-vindos à «ética social na austeridade».

O governo liderado por Passos Coelho e Paulo Portas está assim a colocar um número crescente de famílias e cidadãos no vazio, no limbo do total abandono. Mas não se pense que este é apenas o dano colateral do fracassado processo de ajustamento orçamental. Este é o mundo sinistro que Gaspar e Santos Pereira conceberam desde o início para «sair da crise»: quanto maior o desamparo, quanto mais desregulamentada a legislação laboral, quanto mais espicaçado o simples instinto de sobrevivência, tanto melhores as condições para competir através de baixos salários e assim reverter a balança comercial. O consumo interno, a economia doméstica, valem tanto como as pessoas que a constituem: nada. E é por isso imperioso continuar, com a mais distinta lata, a recitar o mantra do «risco moral associado a algumas prestações sociais», como referia recentemente o ministro Mota Soares, ao sugerir que é preciso «contrariar situações em que, (...) apesar de os beneficiários (...) terem capacidade e idade para o trabalho, possa ser preferível não o estarem a fazer por estarem a receber prestações sociais». Como se existisse um mar de empregos e oportunidades desaproveitados pela malandragem, numa economia que está hoje em estilhaços.

Tudo isto era mais que previsível e não faltou quem avisasse. A aposta exclusiva - e a qualquer preço social - nas exportações, mais do que perigosa, era um acidente à espera de acontecer. E por isso, só mesmo com a mais requintada desfaçatez pode o ministro Santos Pereira vir agora dizer que a culpa da quebra do PIB e do desemprego, superiores ao esperado, são uma surpresa e responsabilidade do desempenho da economia europeia, mergulhada na mesma receita em que a maioria tanto se tem empenhado (para lá do memorando). Como na anedota do agricultor que, apostado a ensinar um burro a passar fome, exclama a sua surpresa no dia em que o encontra morto: «que azar, logo agora que estava quase habituado a viver sem comer».


por Nuno Serra

http://ladroesdebicicletas.blogspot.pt/2013/02/um-pais-deriva.html


sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

A PAUPERIZAÇÃO DOS TRABALHADORES PORTUGUESES





 No 4º trimestre de 2012 o Índice do Custo de Trabalho (ICT) diminuiu 14,9% e os custos salariais diminuiram 16,1% em relação ao mesmo período do ano anterior , revelou o INE em 15/Fev/2013. Em relação ao trimestre anterior, a variação do ICT foi de -14,2%.
Confirma-se assim, a nível estatístico, a degradação das condições dos trabalhadores portugueses que continuam empregados. A troika rejubila com isso. A sua política de desvalorização interna está a provocar os efeitos que ela desejava. Com esta troika e sob a ditadura do euro o país está num processo, perverso e cumulativo, de ruína. 


http://resistir.info/ 

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Álvaro, explica-nos o BPN e TGV

                                                                                                                                por Daniel Deusdado 

1. O ministro Álvaro tem um problema com os factos. Ontem, no Parlamento, a propósito de Franquelim Alves e do BPN, lá voltou ao estilo do tonitruante soundbyte, habituado a dizer o que quer sem que haja real contraditório mediático. A TVI 24 abriu o Jornal das 9 com a frase do ministro "Franquelim Alves ajudou a desmascarar a fraude do BPN" e a RTP, à mesma hora, puxou pela palavra "linchamento". Funciona sempre. Felizmente a SIC, no Jornal da Noite, desmentiu ponto por ponto o que disse Álvaro Santos Pereira sobre o novo secretário de Estado do Empreendedorismo e a TVI fez o mesmo. Claro, entre os muitos factos que desmentem o ministro, há um, claríssimo: Miguel Cadilhe (quando assumiu a presidência do banco, pós-Oliveira e Costa) enfrentou Franquelim Alves porque este não lhe comunicou a dimensão da fraude no grupo BPN. Além disso, a carta que o ministro invocou como tendo sido escrita por Franquelim Alves para desmascarar as trapaças no BPN, não foi, afinal, escrita por ele, como lhe demonstraram os deputados da Oposição. Que respondeu Álvaro aos factos? Nada.

2. Bastava ao ministro da Economia ter dito uma verdade de La Palice no Parlamento: o senhor secretário de Estado não se demite porque se o primeiro-ministro mantém a confiança no dr. Relvas, ninguém neste Governo tem vergonha do que quer que seja. E pronto, bastava. Não por acaso, o dr. Relvas veio a correr defender a "vítima" de mais uma "cabala política"...

3. Sejamos francos: o dr. Franquelim Alves era até há dias o gestor principal do milionário programa comunitário Compete (colocado lá pelo PSD em fevereiro último) e onde se podem decidir candidaturas em função dos mais variados critérios. Agora é secretário de Estado do Empreendedorismo onde, no essencial, é um ajudante do ministro Álvaro. Há uma diferença muito grande?

4. Aliás, como sabemos, ninguém vai parar a determinados lugares sem ser "de confiança". Por onde andou o dr. Franquelim Alves? Foi diretor financeiro da Lusomundo no início da década de 90, grupo que havia comprado por atacado os principais jornais portugueses privatizados pelo cavaquismo, passou depois pelo grupo Jerónimo Martins e PT. E foi finalmente parar à Sociedade Lusa de Negócios (do grupo BPN), uma sociedade que transformava os prejuízos do BPN em lucros chorudos. Repare-se então no currículo oficial do novo secretário de Estado: "Dezembro 2007 - Outubro 2008: CEO de um Grupo de participações sociais envolvendo as áreas da saúde, hotelaria, retalho automóvel e sistemas de informação". Zero de BPN/SLN. Álvaro e Relvas querem fazer de nós todos burros. E cegos. E surdos.

5. Aliás, um ponto extra sobre Álvaro, Gaspar e o Governo: afinal o TGV anunciado ontem já não é "TGV". É uma "linha de comboio apenas para mercadorias". E afinal é importante, mas só arranca em 2015... Mas há três falsidades na notícia: a primeira é de que o arranque em 2015 só serve para esconder que o dinheiro que existia atualmente para o projeto foi desviado em parte (600 milhões) para mais um buraco do Estado, a Parpública. Portanto, adia-se. Em segundo lugar: não há linhas ferroviárias apenas para mercadorias (como não há autoestradas apenas para camiões). Obviamente, haverá, o Lisboa-Madrid para passageiros, mas não se pode dizer já. Por fim, Gaspar não conseguiu fazer passar os apoios europeus de 25 para 85%. A percentagem de comparticipação europeia para redes transeuropeias de transportes sempre foi altíssima como se comprova em Espanha.

6. "Já alguém teve o bom senso de elucidar os portugueses por que estamos a investir milhares de milhões de euros num TGV, em vez de os gastarmos em novas escolas, hospitais mais modernos ou mesmo numa redução da carga fiscal?". Sabe quem escreveu isto? O ministro da Economia, Álvaro Santos Pereira, em "O medo do insucesso nacional", 2009. Era altamente demagógico e politicamente incendiário já que Sócrates cavalgava o TGV Lisboa-Madrid em ano eleitoral. Não havia, da parte de Álvaro, nesse livro, um esclarecimento sério sobre a componente "mercadorias" e "bitola europeia". Mas o marketing político é isto mesmo: areia para os olhos. E resulta quase sempre em boas carreiras políticas.

http://www.jn.pt/Opiniao/default.aspx?opiniao=Daniel%20Deusdado 

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Ulrich, Franquelim, Amorim...

Falemos da riqueza

por Sandra Monteiro

«Portugal tem de falar menos dos que têm dinheiro e mais dos que não têm», afirmou recentemente, em entrevista ao caderno de «Economia» do Expresso, o empresário Américo Amorim, considerado a segunda fortuna do país em 2012 [1]. A afirmação teve destaque de primeira página, mas falha como preocupação consequente com a pobreza que devasta as vidas de milhões de portugueses: o empresário acha que «a crise não existe», que «as pessoas não querem é entender que a economia mundial mudou». Espera que «continue o processo de reprivatizações» e esclarece: «é uma cachorrice» criticar quem tem dinheiro porque sem criação de riqueza não há erradicação da pobreza.

Américo Amorim limita-se a repetir o que dizem os neoliberais. É por isso que é preciso falar da riqueza. A narrativa não tem surpresa: o Estado deve respeitar a «livre iniciativa» e retirar-se de todas as áreas em que a intervenção pública competiria com os negócios privados; deve limitar-se a algumas funções constitucionais (Estado mínimo, assistencialista, algumas funções de soberania); e deve deixar a riqueza (privada) seguir o seu livre curso, porque ela há-de jorrar do topo até à base da sociedade.

Tudo isto é um mito, e desastroso. A riqueza não escorre «naturalmente» de cima para baixo, acudindo a quem mais precisa. Obrigar à sua redistribuição tem sido tarefa histórica de Estados fortes, de movimentos sociais e sindicais corajosos, e de cidadãos apostados na construção de sociedades mais coesas e igualitárias. Também não é nada «natural», mas o resultado de uma correlação de forças, o movimento da riqueza em sentido inverso, de baixo para cima, como acontece em períodos de enfraquecimento dos poderes públicos, de aumento da exploração do trabalho e de substituição da redistribuição por uma apropriação dos rendimentos dos que menos têm para enriquecer os mais abastados.

Nas sociedades humanas, como em qualquer ecossistema, o destino de uns influi no destino dos outros. O Estado social e democrático, com todos os seus defeitos e insuficiências, estabeleceu entre os cidadãos e os poderes públicos um contrato de solidariedade para implantar políticas de combate às desigualdades. Esse compromisso está a ser rompido. O capitalismo português, medíocre e riscofóbico, construiu poderosas redes com o poder político para capturar o Estado, parasitar os seus recursos e resolver incompetências e fraudes de gestão com resgates públicos. Assim se acumula em algumas mãos a riqueza que deixa outros sem comer ou sem abrigo. Temos de recuperar e criar os instrumentos de política (financeira, fiscal, industrial) para a conter e redistribuir, ou não teremos uma sociedade decente. Reapropriarmo-nos dessa exigência ética será a melhor forma de assustar os que hoje, com sobranceria, aplaudem mais austeridade, mais privatizações e mais negócios libertos de regulações, sejam quais forem as consequências sociais ou ambientes.

Enquanto essa reapropriação não acontecer, haverá uma escalada de palavras e actos que nos chocam e oprimem. Liberta de alguma autocensura moral pela consolidação do seu poder, parte das «elites» vai dando voz ao seu desprezo pelo mais frágeis. Foi o que aconteceu com Fernando Ulrich, presidente do BPI. Amplos sectores da sociedade insurgiram-se contra as suas afirmações, apelou-se ao boicote do banco.
 Mas não parece possível envergonhá-lo nem mudá-lo. Em Outubro de 2012 dizia que é claro que os portugueses «aguentam» mais austeridade; no fim de Janeiro, ao apresentar lucros de 249 milhões de euros do BPI – depois de ter pedir ao Estado uma «ajuda» de 1,5 milhões de euros [2] –, voltou à carga. Acha que promover a extrema pobreza não faz mal nenhum, que as pessoas sobrevivem. A mensagem para os governantes é clara: vão no bom caminho.

Para pessoas como Ulrich está tudo a correr bem. A banca ganha sempre. Os gregos e os portugueses que «aguentam», muitos deles sem tecto, são o outro lado da moeda. É por isso que o uso que faz do «nós» é obsceno. Quando pergunta «isso não lhe pode acontecer a si ou a mim porquê?», e responde que sim, «também nos pode acontecer» [3], sabe que é mentira. Não somos todos iguais, e a manter-se este rumo sê-lo-emos cada vez menos. Erguem-se os muros entre as classes, as barreiras a uma mobilidade que eleve as condições de vida da população. No topo, o enriquecimento consolida-se; nas classes médias e baixas, a mobilidade é apenas descendente.

Quando o primeiro-ministro Pedro Passos Coelho se recusa a comentar as declarações de Ulrich invocando não ser cliente nem accionista do BPI, dá-nos uma imagem real do apagamento, face ao poder financeiro, da identidade de governante e até de cidadão. Não é um lapso; é um traço do projecto neoliberal na era da financeirização. Este projecto vive de conluios, capturas e parasitismos. A acumulação de lucros alimenta-se do que o poder político lhe permite fazer, dentro e fora da lei. Vive de colocar as pessoas certas nos cargos certos, e não ouvir críticas.

Recordemos a reacção de Passos Coelho às críticas à nomeação do antigo administrador do BPN – Sociedade Lusa de Negócios (SLN), Franquelim Alves, para secretário de Estado do Empreendedorismo, Competitividade e Inovação: ele «sempre agiu de forma correcta nos locais onde passou». O ministro da Economia Álvaro Santos Pereira garantiu a sua «idoneidade»: ele «foi convidado exactamente pelo seu 
 percurso profissional» [4]. Ambos sabiam que Franquelim Alves conhecia e ocultou do Banco de Portugal os prejuízos da gestão de Oliveira e Costa, como o próprio admitiu à Comissão de Inquérito ao BPN [5]. Ambos escolheram um gestor que não hesita em recorrer a meios pouco escrupulosos, senão ilegais, para defender interesses privados, lesando os cidadãos por mais de uma década. A rede de SLN agradece; a ética de serviço público é escorraçada.

A arrogância do poder financeiro não existiria sem a segurança e a rédea solta que lhe dá o poder político. A sua solidez mostra o crescente fosso que separa a riqueza da pobreza. É o rosto do aprofundamento da tragédia das desigualdades. O inqualificável abuso da resiliência das vítimas da austeridade faz parte da mesma narrativa sacrificial que desde 2008 culpa os cidadãos pela crise do sistema financeiro. Mas estes têm em breve duas oportunidades para se unirem e recusar este estado de excepção que lhes rouba a vida: a 16 de Fevereiro, na manifestação convocada pela CGTP, e a 2 de Março, num uníssono que afirmará que o povo é quem mais ordena. Já no passado isto não agradou nada aos que concentram a riqueza.

quinta-feira 7 de Fevereiro de 2013

Notas

[1] Expresso, 2 de Fevereiro de 2013.
[2] «Estado injecta 6150 milhões de euros no BCP, BPI e CGD», i online, 5 de Junho de 2012.
[3] «Ulrich: “Se os sem-abrigo aguentam porque é que nós não aguentamos?”», Expresso online, 31 de Janeiro de 2013.
[4] «Passos Coelho: Estou tranquilo quanto à “idoneidade” e “experiência” de Franquelim Alves», Jornal de Negócios online, 4 de Fevereiro de 2013.
[5] «Ministro da Economia chamado de urgência à AR sobre Franquelim Alves», Público online, 4 de Fevereiro de 2013

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

JFK, RFK e MLKJr


É a procura, estúpido!

Os economistas e os comentadores económicos que vêm defendendo a austeridade e a desvalorização interna como forma de sair da crise continuam a ignorar os avisos dos empresários. Não deixa de ser caricato que os maiores defensores da livre iniciativa e dos “empreendedores” não levem a sério estes apelos. Que achem que os trabalhadores e os desempregados tenham de aguentar as consequências da austeridade, à luz do que defendem, ainda se percebe.

No entanto, já é mais difícil entender que ignorem o que dizem os empresários. Em mais um inquérito semestral do INE a milhares de responsáveis empresariais ficámos a saber que, depois de uma quebra de 26,4% no investimento empresarial durante o ano de 2012, se perspectiva uma nova queda de 4,2%.

Quando é pedido às empresas que elenquem as principais razões da redução do seu investimento, 63% respondem com a deterioração das perspectivas de vendas, 12% com a incerteza sobre a rentabilidade dos investimentos e apenas 9% mencionam a dificuldade em obter crédito bancário. Assim, ao contrário do que apregoam o primeiro-ministro e todos os economistas e comentadores económicos ao serviço da estratégia da desgraça, a razão principal da queda do investimento privado é a redução da procura e não a dificuldade em obter financiamento bancário. Numa economia em que dois terços do que se produz é dirigido ao mercado interno, o dinamismo da procura interna é determinante para a viabilidade e a sobrevivência do nosso país.

O estrangulamento a que está a ser sujeita a nossa economia interna, através da austeridade e da desvalorização salarial, é estúpido e criminoso. Não é a destruição do mercado interno que vai aumentar as exportações portuguesas; apenas destrói empresas e emprego. E algumas dessas empresas, que ontem viviam do mercado interno, amanhã poderiam tornar-se exportadoras. Infelizmente, com esta estratégia, acabaram por morrer antes de poderem viver essa oportunidade.


(crónica publicada às quartas-feiras no jornal i)

por Pedro Nuno Santos

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

A invasão real da África não está nos noticiários

– Uma licença para mentir como prenda de Hollywood

por John Pilger
Uma invasão da África de grandes proporções está em andamento. Os Estados Unidos estão a instalar tropas em 35 países africanos, a começar pela Líbia, Sudão, Argélia e Níger. Isto foi informado pela Associated Press no Dia de Natal, mas ficou omisso na maior parte dos media anglo-americanos.

A invasão pouco tem a ver com "islamismo" e, quase tudo a ver com a aquisição de recursos, nomeadamente minérios, e com um acelerar da rivalidade com a China. Ao contrário da China, os EUA e seus aliados estão preparados para utilizar um grau de violência já demonstrado no Iraque, Afeganistão, Paquistão, Iémen e Palestina. Tal como na guerra-fria, uma divisão de trabalho exige que o jornalismo ocidental e a cultura popular providenciem a cobertura de uma guerra sagrada contra um "arco ameaçador" de extremismo islâmico, não diferente da falsa "ameaça vermelha" de uma conspiração comunista mundial.

A recordar a Luta pela África no fim do século XIX, o US African Command ( Africom ) construiu uma rede de pedintes entre regimes colaboracionistas africanos ansiosos por subornos e armamentos americanos. No ano passado, o Africom ensaiou a Operação Esforço Africano (Operation African Endeavor), com as forças armadas de 34 países africanos a nela tomarem parte, comandadas por militares estado-unidenses. A doutrina "soldado para soldado" do Africom insere oficiais dos EUA a todo nível de comando, desde o general até o primeiro-sargento.

É como se a orgulhosa história de libertação da África, desde Patrice Lumumba até Nelson Mandela, estivesse destinada ao esquecimento por uma nova elite colonial negra ao serviço do mestre cuja "missão histórica", advertiu Frantz Fanon há meio século, é a promoção de "um capitalismo desenfreado embora camuflado".

Um exemplo gritante é o Congo Oriental, um tesouro de minerais estratégicos, controlado por um grupo rebelde atroz conhecido como M23, o qual por sua vez é dirigido pelo Uganda e o Ruanda, os procuradores de Washington.

Planeada há muito como uma "missão" para a NATO, para não mencionar os franceses sempre zelosos, cujas causas coloniais perdidas continuam em prontidão permanente, a guerra à África tornou-se urgente em 2011 quando o mundo árabe parecia estar a libertar-se dos Mubaraks e outros clientes de Washington e da Europa. A histeria que isto provocou em capitais imperiais não pode ser exagerado. Bombardeiros da NATO foram despachados não para Tunis ou Cairo mas sim para Líbia, onde Muammar Kadafi dominava as maiores reservas petrolíferas da África. Com a cidade líbia de Sirte reduzida a escombros, as SAS britânicas dirigiram as milícias "rebeldes" para o que se revelou como um banho de sangue racista.

O povo nativo do Saara, os tuaregues, cujos combatentes berberes Kadafi havia protegido, fugiu através da Argélia para o Mali, onde os tuaregues desde a década de 1960 reivindicam um estado separado. Como destaca o sempre vigilante Patrick Cockburn, é esta disputa local, não a Al-Qaida, que o Ocidente mais teme no Noroeste da África... "por pobres que possam ser, muitas vezes os tuaregues vivem em cima de grandes reservas de petróleo, gás, urânio e outros minérios valiosos".

Quase certamente a consequência do ataque francês/estado-unidense ao Mali em 13 de Janeiro, o cerco a um complexo de gás na Argélia que acabou de forma sangrenta, inspirou em David Cameron um momento 11/Set. O antigo relações públicas da Carlton TV enfureceu-se acerca de uma "ameaça global" que exigiria "décadas" de violência ocidental. Ele queria dizer a implementação dos planos de negócios do Ocidente para a África, juntamente com a violação da Síria multi étnica e a conquista do Irão independente.

Cameron agora ordenou o envio de tropas britânicas para o Mali e enviou para lá um drone da RAF, enquanto o seu prolixo chefe militar, general sir David Richards, dirigiu "uma mensagem muito clara a jihadistas de todo o mundo:   não nos provoquem e não nos embaracem. Trataremos disto de forma robusta" – exactamente o que jihadistas querem ouvir. O rastro de sangue de vítimas do terror do exército britânico, todos muçulmanos, seus "sistémicos" casos de torturas actualmente a caminho do tribunal, acrescenta ironia às palavras do general. Certa vez experimentei os meios "robustos" de sir David quando lhe perguntei se lera a descrição da corajosa feminista afegã Malalai Joya do comportamento bárbaro de ocidentais e seus clientes no seu país. "O senhor é um apologista do Taliban" foi a sua resposta (posteriormente desculpou-se).

Estes comediantes lúgubres são extraídos directamente [do escritor] Evelyn Waugh e permitem-nos sentir a estimulante aragem da história e da hipocrisia. O "terrorismo islâmico", que é a sua desculpa para o roubo continuado das riquezas da África, foi praticamente inventado por eles. Já não há qualquer desculpa para engolir a linha da BBC/CNN e não conhecer a verdade. Leiam Secret Affairs: Britain's Collusion with Radical Islam de Mark Curtis (Serpent's Tail) ou Unholy Wars: Afghanistan, America and International Terrorism, de John Cooley (Pluto Press) ou The Grand Chessboard de Zbigniew Brzezinski (HarperCollins) que foi o parteiro do nascimento do moderno terror fundamentalista. Com efeito, os mujahedin da Al-Qaida e os Talibans foram criados pela CIA, o seu equivalente paquistanês, o Inter-Services Intelligence, e o MI6 britânico.

Brzezinski, conselheiro de segurança nacional do presidente Jimmy Carter, descreve uma directiva presidencial secreta em 1979 que principiou aquilo que se tornou a actual "guerra ao terror". Durante 17 anos, os EUA deliberadamente cultivaram, financiaram, armaram e fizeram lavagem cerebral a extremistas da jihad que "saturaram de violência uma geração". Com o nome de código Operation Cyclone, este foi o "grande jogo" para deitar abaixo a União Soviética mas que deitou abaixo as Torres Gémeas.

Desde então, as notícias que pessoas inteligentes e educadas tanto distribuem como ingerem tornou-se uma espécie de jornalismo Disney, fortalecido, como sempre, pela licença de Hollywood para mentir e mentir. Está para ser lançado o filme Dreamworks sobre a WikiLeaks, uma trama inspirada por um livro de tagarelices pérfidas de dois jornalistas do Guardian que se enriqueceram, e há também o Hora negra (Zero Dark Thirty), filme que estimula a tortura e o assassínio, dirigido pela ganhadora do Oscar Kathryn Bigelow, a Leni Riefenstahl do nosso tempo, que promove a voz do seu mestre tal como fez a realizadora de estimação do Fuhrer. Este é o espelho de sentido único através do qual nós mal vislumbramos aquilo que o poder faz em nosso nome.
31/Janeiro/2013
O original encontra-se em http://johnpilger.com/...

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

EUA: Índice de Injustiça 2013

No momento em que o primeiro presidente afro-americano inicia o seu segundo mandato, não podemos esquecer o quão longe ainda temos de ir para combater a opressão do racismo, materialismo e militarismo. 
 
Por Bill Quigley Jr.
Sem-abrigo nos Estados Unidos. Fotografia de Franco Folini

Nós como nação precisamos de passar por uma revolução radical de valores… quando máquinas e computadores, motivação para o lucro e direitos de propriedade, são considerados mais importantes que as pessoas, os trigémeos gigantes, racismo, materialismo e militarismo, são impossíveis de ser derrotados.” Martin Luther King, Jr. (MLK), 4 de Abril de 1967

No momento em que os Estados Unidos da América celebram a reeleição do primeiro presidente afro-americano e os sucessos de numerosos outros afro-americanos em várias situações da vida, permanecem desafios problemáticos.

Recordando o quão longe esta nação chegou desde os tempos em que o Dr. King ainda era vivo, não podemos esquecer o quão longe ainda temos de ir para combater a opressão do racismo, materialismo e militarismo.
 
Racismo

Segundo o programa CNN Money e o Gabinete de Censos, os brancos têm 22 vezes mais riqueza que os negros e 15 vezes mais que os hispânicos. O rendimento médio líquido de um agregado familiar branco foi de 110.000 dólares contra 4.900 de um agregado negro e 7.424 de um agregado latino.

Os afro-americanos representam 12,3% da população mas apenas 4,7% dos advogados.

Os latinos representam 15,8% da população mas apenas 2,8% dos advogados.

De acordo com o inquérito nacional, patrocinado pelo governo, feito a 72.000 escolas, os estudantes afro-americanos enfrentam uma disciplina mais dura, têm menos acesso a aulas do ensino secundário de qualidade e têm maior probabilidade de serem ensinados por professores com menos experiência e menos bem pagos.

13% dos brancos, 21% dos negros e 32% dos hispânicos não têm seguro de saúde, de acordo com a Kaiser Foundation.

A análise do último Censo mostra que 9% das famílias brancas vive abaixo do nível de pobreza norte-americano e 23% de negros e hispânicos vivem abaixo dos mesmos níveis.
 
Materialismo

Segundo o Wall Street Journal, em 2012, o presidente da Goldman Sachs recebeu um total de vencimentos no valor de 21 milhões de dólares.

Entre 1978 e 2011, o aumento salarial para trabalhadores cresceu 5,7%. Durante o mesmo período, o aumento para os diretores-executivos (CEO) foi de 725%. Em 1965, um diretor-executivo ganhava 20 vezes mais que um trabalhador. Em 2011, um diretor-executivo “ganha” mais de 200 vezes do que um trabalhador.

De acordo com o Prémio Nobel Joseph Stiglitz, 1% dos que ganham mais levaram para casa 93% do crescimento de rendimentos em 2010; ao mesmo tempo, o rendimento de um agregado médio é menor do que em 1996.

Segundo a Associação Americana de Produtos para Animais de Estimação, foram gastos de 52 mil milhões com animais domésticos. Os últimos números do Gabinete dos Censos indicam que os EUA gastam menos de 50 mil milhões/ano em ajuda não militar a países estrangeiros.

A dívida dos estudantes é agora mais elevada do que o total da dívida dos cartões de crédito e do que a dívida total de empréstimos para carros.

Mais de 2,8 milhões de crianças nos EUA vivem em lares em pobreza extrema, menos de 2 dólares por pessoa por dia antes dos benefícios sociais do governo. É o dobro do que era 15 anos atrás.

De acordo com o Censo, quase uma em seis pessoas nos EUA vive na pobreza. Um em cinco crianças vive na pobreza. A última informação mostra que 17% das crianças brancas, 32% das crianças hispânicas e 35% das crianças negras são pobres.
 
Militarismo

Os EUA gastaram mais na sua defesa do que qualquer outro país no mundo. Os EUA gastam mais na sua defesa do que os seguintes 10 países juntos: mais do que a China, Rússia, Reino Unido, França, Japão, Índia, Arábia Saudita, Alemanha e Brasil juntos.

O orçamento de 2013 prevê gastos de 633 mil milhões de dólares na defesa militar, sem incluir os fundos para a Administração de Veteranos (AV). A rubrica orçamental de 2013 para a AV é de 140 mil milhões de dólares. Para termo de comparação, o total de gastos federais para a Segurança Social em 2012 foi de 773 mil milhões de dólares.

Os EUA têm 737 bases militares fora do território nacional e mais de 2 milhões de pessoal militar, incluindo o Departamento da Defesa e os contratados locais.

Os EUA lideram as vendas no mercado global de armas. Em 2011, os EUA triplicaram as suas vendas para 66 mil milhões, perfazendo 75% do mercado global. A Rússia está em segundo lugar, com menos de 5 mil milhões de dólares em vendas.

45% dos 1,6 milhões de veteranos das Guerras do Iraque e do Afeganistão estão a candidatar-se a benefícios de incapacidade resultante de danos mentais e físicos sofridos em serviço.

De acordo com a Associated Press, os suicídios nos militares ativos, 349 em 2012, excederam o total de 295 mortes em combate no Afeganistão no mesmo ano.
 
Conclusão
Enquanto comemoramos os seus feitos e a sua inspiração, estes são os desafios que devemos enfrentar com a esperança e a coragem que o Dr. King e tantos outros nos ensinaram.
 
Bill Quigley é um advogado de direitos humanos, é professor na Universidade de Loyola em Nova Orleães e Director Associado do Centro para o Direitos Constitucionais. É um dos autores de “Hopeless: Barack Obama and the Politics of Illusion” (AK Press). Pode ser contactado em quigley77@gmail.com

Publicado em Counterpunch
 
Tradução de Sofia Gomes para o Esquerda.net

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Os lucros do BPI

Portugal não é suficientemente rico para sustentar esta banca privada

por José Alberto Lourenço [*]
Cartoon de Fernão Campos, em 'O sítio dos desenhos'. 
O BPI apresentou há dois dias os seus resultados de 2012.

Teve 249 milhões de euros de lucros líquidos depois de em 2011 ter apresentado prejuízos de 285 milhões.

Afinal o que aconteceu de extraordinário em 2012, já que o crédito concedido em geral pelo BPI caíu 3,8% e o crédito às empresas caíu 10,3%?

O que aconteceu foi que o BPI teve, em 2012, 401 milhões de euros de ganhos em operações financeiras – mais 95% do que em 2011 – e destes 292 milhões de euros foram lucros com a venda de títulos da dívida pública na sua esmagadora maioria portuguesa.

Ao que chegámos, temos agora uma Banca que depois de salva e recapitalizada pelo Estado retira lucros fabulosos utilizando os títulos do Estado como garantia dos empréstimos que obtém a taxas baixíssimas do BCE e especulando com os mesmos títulos no mercado primário e secundário.

Afinal com ou sem regresso aos mercados, a nossa Banca não parou de ganhar milhões e milhões de euros no último ano com a especulação em torno da nossa Dívida Pública.

E desta forma ao mesmo tempo que os lucros da Banca crescem, a Dívida Pública Portuguesa de ano para ano não para de crescer e já passou os 120% do PIB.

Portugal não precisa de um sistema financeiro, nem pode estar a recapitalizar o sistema financeiro, para este sistema de seguida fazer da especulação em torno da dívida pública a sua principal actividade e foi isso que aconteceu com o BPI em 2012. Foi recapitalizado pelo Estado Português em 1500 milhões de euros e em vez de utilizar essa recapitalização para financiar a economia, aumentando o financiamento às empresas e às famílias, o que fez foi apostar em operações financeiras, fundamentalmente compra e venda de Dívida Pública Portuguesa.

Portugal precisa de um sistema financeiro para financiar a economia e em especial as micro pequenas e médias empresas e isso é o que acontece cada vez menos.

Depois dos resultados do BPI, na próxima semana teremos os resultados do BES e do BCP que irão confirmar certamente esta recente vocação da Banca Nacional, a obtenção de lucros fáceis em torno da nossa dívida pública, ao mesmo tempo que prossegue o estrangulamento financeiro da nossa actividade produtiva.
01/Fevereiro/2013
[*] Deputado. Intervenção na Assembleia da República.

O original encontra-se em http://foicebook.blogspot.pt/2013/02/os-lucros-do-bpi.html


Este texto encontra-se em http://resistir.info/ .

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Princípios elementares da propaganda de guerra

- A ler tendo em mente a campanha de calúnias que o imperialismo desenvolve contra o governo sírio


por Michel Collon

.
Os dez "mandamentos" constituem sobretudo uma grelha de análise que se pretende pedagógica e crítica. O seu objectivo não é tomar partido, ou defender "ditadores", mas sim constatar a regularidade destes princípios no campo mediático e social. Entre os acusados encontram-se tanto os vencidos como os vencedores.
Princípios elementares de propaganda de guerra (utilizáveis em caso de guerra fria, quente ou morna) é um livro de Anne Morelli publicado em 2001 e reeditado em 2010, para acrescentar à primeira edição as guerras do Iraque e do Afeganistão, assim como uma análise do discurso de Obama como "Prémio Nobel da Paz".

"Eu não tentaria sondar a pureza das intenções de uns ou outros. Não procuro saber aqui quem mente e quem diz a verdade, quem está de boa fé e quem não está. Meu único propósito é ilustrar os princípios de propaganda, utilizados unanimemente, e descrever os mecanismos". [1]

Entretanto, é inegável que desde as últimas guerra que marcaram nossa época (Kosovo, guerras do Golfo, Afeganistão, Iraque) as chamadas democracias ocidentais e os media são postos em causa.

Anne Morelli reactualiza, graças a este pequeno manual do cidadão crítico, formas invariáveis para conteúdos diversos. A propaganda é exercida sempre através das mesmas invariantes qualquer que seja a guerra, daí a grande pertinência da grelha proposta. Parece igualmente essencial nesta introdução citar Lord Ponsonby , a quem Anne Morelli agradece desde as primeiras páginas da sua obra. Com efeito, Ponsonby contribuiu amplamente para a elaboração dos princípios. Lord Ponsonby era um trabalhista inglês que se opôs radicalmente à guerra. Já durante a Primeira Guerra Mundial notabilizou-se por diversos panfletos e acabou por escrever um livro sobre estes mecanismos de propaganda. Livro esse que Anne Morelli retoma, reactualiza e sistematiza em dez princípios elementares.

1) Nós não queremos a guerra

"Arthur Ponsonby já havia notado que os homens de Estado de todos os países, antes de declararem a guerra ou no momento mesmo desta declaração, sempre asseguravam solenemente como preliminar que não queriam a guerra". [2]

A guerra nunca é desejada, apenas raramente é vista como positiva pela população. Como o advento das nossas democracias, o consentimento da população torna-se essencial, não é possível querer a guerra e ter uma alma de pacifista. Ao contrário da Idade Média, onde a opinião da população tinha pouca importância e a questão social não era significativa.

"Assim, o governo francês já mobiliza tudo proclamando que a mobilização não é a guerra mas, ao contrário, o melhor meio de assegurar a paz". [3]

"Se todos os chefes de Estado e de governo são animados de semelhantes vontades de paz, pode-se evidentemente perguntar-se inocentemente porque por vezes (e mesmo frequentemente), estouram guerra mesmo assim? [4] Mas o segundo princípio responde a esta pergunta.

2) O campo adversário é o único responsável pela guerra

Este segundo princípio decorre do facto de que cada campo assegura ter sido constrangido a declarar a guerra para impedir o outro de destruir os nossos valores, por em perigo nossas liberdades, ou mesmo destruir-nos totalmente. Trata-se portanto da aporia de uma guerra para por fim às guerras. [5] Chega-se quase à frase mítica de George Orwell: "War is Peace".

Assim, os Estados Unidos foram "constrangidos" a fazer a guerra contra o Iraque que não lhes deixou outra opção. Portanto não fazemos senão "reagir", defender-nos das provocações do inimigo que é inteiramente responsável pela guerra que vem aí.

"Assim, já Daladier, no seu "apelo à nação" – contornando as responsabilidades francesas na situação criada pelo Tratado de Versalhes – assegura em 3 de Setembro de 1939: a Alemanha já havia recusado a todos os homens sensíveis cuja voz se havia elevado nestes últimos tempos em favor da paz do mundo. [...] Nós fazemos a guerra porque ela nos foi imposta". [6]

Ribbentrop justifica a guerra contra a Polónia nestes termos:
"O Führer não quer a guerra. Ele não se resolverá por ela senão a contragosto. Mas não é dele que depende a decisão em favor da guerra ou da paz. Ela depende da Polónia. Acerca de certas questões de um interesse vital para o Reich, a Polónia deve ceder e actuar correctamente em relação a reivindicações às quais não podemos renunciar. Se ela se recusar, é sobre ela que recairá a responsabilidade de um conflito, e não sobre a Alemanha". [7]

Pode-se igualmente ler, aquando da Guerra do Golfo, em Le Soir de 9 de Janeiro de 1991:

"A paz, que todo o mundo deseja acima de tudo, não pode ser construída sobre simples concessão a um acto de pirataria. (...) Estando o fardo essencialmente, é preciso dizer, no campo do Iraque". [8]

Idem para a guerra no Iraque, mesmo antes de a guerra começar, Le Parisien titulava em 12 de Setembro de 2002: "Como Saddam se prepara para a guerra".

3) O chefe do campo adversário tem a cara do diabo (ou "o odioso de serviço")

"Não se pode odiar um grupo humano no seu conjunto, mesm apresentado como inimigo. Portanto é mais eficaz concentrar este ódio do inimigo sobre o líder adversário. O inimigo terá assim um rosto e este rosto será obviamente odioso". [9]

"O vencedor apresentar-se-á sempre (ver Bush e Blair recentemente) como um pacifista desejoso de conciliação mas levado à guerra pelo campo adversário. Este campo adversário é certamente dirigido por um louco, um monstro (Milosevic, Ben Laden, Saddam Hussein, ...) que nos desafia e de que convém livrar a humanidade". [10]

A primeira operação de uma campanha de demonização consiste pois em reduzir um país a um único homem. Em fazer portanto como se ninguém vivesse no Iraque, que unicamente Saddam Hussein, sua "temível" guarda republicana e suas "terríveis" armas de destruição maciça vivessem ali. [11]

Personalizar o conflito é muito típico de uma certa concepção da história, que seria feita por "heróis", a obra das grandes personagens. [12] Concepção da história que Anne Morelli recusa ao escrever incansavelmente sobre os "abandonados" da história legítima. Esta visão é particularmente idealista e metafísica, uma visão em que a história é o fruto das ideias dos seus "grandes" homens. A esta concepção da história opõe-se uma concepção dialéctica e materialista que define a história em termos de relações e de movimentos sociais.

Assim ao adversário são atribuídos todos os males possíveis. Isso vai desde o seu físico aos seus costumes sexuais. Assim, Le Vif-L'Express de 2-8 de Abril de 1999 apresenta "O horripilante Milosevic". " Le Vif-L'Express não cita nenhum discurso, nenhum escrito, do "mestre de Belgrado" mas em contrapartida destaca seus saltos de humor anormais, suas explosões de cólera, doentias e brutais: Quando estava encolerizado, seu rosto se torcia. Depois, instantaneamente, recuperava o seu sangue-frio". [13] Este tipo de demonização não é utilizado unicamente pela propaganda de guerra (como todos os outros princípios, igualmente).

Assim, Pierre Bourdieu constatava que, nos Estados Unidos, numerosos professores universitários, exasperados com a popularidade de Michel Foucault entre os seus colegas, escreviam bom número de livros sobre a vida íntima do autor. Assim, Michel Foucault, "o homossexual masoquista e louco" tinha prática "contra natura", "escandalosas" e "inaceitáveis". Com este expediente, já não há necessidade de debater o pensamento do autor ou os discursos de um homem político, mas sim de refutá-lo com base em julgamentos morais às ditas práticas do indivíduo.

4) Defendemos uma causa nobre e não interesses particulares

Os objectivos económicos e geopolíticos da guerra devem ser mascarados sob um ideia, valores moralmente justos e legítimos. Assim já se podia ouvir George Bush pai declarar:

"Há pessoa que não compreendem nunca. O combate não se refere a petróleo, o combate refere-se a uma agressão brutal". [14]

ou Le Monde de 22 de Janeiro de 1991: "Os objectivos de guerra americanos e franceses são em primeiro lugar os objectivos do Conselho de Segurança. Estamos lá devido a decisões tomadas pelo Conselho de Segurança e o objectivo essencial é a libertação do Kuwait". [15]

De facto, nas nossas sociedades modernas, ao contrário da de Luís XIV, uma guerra não se pode realizar senão com um certo consentimento da população. Gramsci já havia mostrado até que ponto a hegemonia cultural e o consentimento são indispensáveis ao poder. Este consentimento será facilmente adquirido se a população pensar que desta guerra depende sua liberdade, sua vida, sua honra. [16]

Os objectivos da Primeira Guerra Mundial, por exemplo, resumem-se a três pontos:
"- esmagar o militarismo
- defender as pequenas nações
- preparar o mundo para a democracia.

Este objectivos, muito honrosos, são desde então recopiados quase textualmente na véspera de cada conflito, mesmo que não se enquadrem senão muito pouco ou absolutamente nada com os seus objectivos reais". [17]

"É preciso persuadir a opinião pública que nós – ao contrário dos nossos inimigos – fazemos a guerra por motivos infinitamente honrosos". [18]

"Na guerra da NATO contra a Jugoslávia encontra-se o mesmo afastamento entre objectivos oficiais e inconfessados do conflito. Oficialmente a NATO intervém para preservar o carácter multi-étnico do Kosovo, para impedir que minorias sejam ali maltratadas, para ali impor a democracia e para acabar com o ditador. Trata-se de defender a causa sagrada dos direitos humanos. Bem antes do fim da guerra, foi possível constatar que nenhum destes objectivos foi atingido, que se está nomeadamente longe de uma sociedade multi-étnica e que as violências contra as minorias – sérvios e ciganos desta vez – são quotidianas, mas ainda perceber que os objectivos económicos e geopolíticos da guerra, de que nunca se havia falado, foram – eles sim – atingidos". [19]

Este princípio implica o seu corolário: o inimigo é um monstro sanguinário que representa a sociedade da barbárie.

5) O inimigo provoca atrocidades conscientemente mas se nós cometemos sujeiras isso é involuntário

Os relatos das atrocidades cometidas pelo inimigo constituem um elemento essencial da propaganda de guerra. Isso evidentemente não quer dizer que não haja atrocidades durante as guerras. Muito pelo contrário, os assassinatos, os roubos a mão armada, os incêndios, a pilhagens e as violações parecem – infelizmente – recorrentes na história das guerras. Mas faz-se crer que só o inimigo comete tais atrocidades e que o nosso exército é amado pela população, que é um exército "humanitário".

Mas a propaganda de guerra raramente detém-se aí. Não contente com violações e pilhagens reais, é preciso muitas vezes criar atrocidades "desumanas" para encarnar no inimigo o alter-ego de Hitler (Hitlerosevic, ...). Podemos assim por lado a lado várias passagens referentes a guerras diferentes sem nelas encontrar grandes diferenças.

Durante a Primeira Guerra Mundial, Ponsonby relata esta história:

"Trinta ou trinta e cinco soldados alemães entraram na casa de David Tordens, carroceiro em Sempst (hoje Zempst). Eles ataram o homem e depois cinco ou seis deles lançaram-se sob os seus olhos sobre a filha de treze anos e lhe fizeram violência, a seguir trespassaram-na com suas baionetas. Depois desta acção horrível furaram com golpes de baionetas seu filho de nove anos e fuzilaram sua mulher".

Não se esquecerá tão pouco o episódio das crianças com mãos cortadas, que parece mais um rumor infundado do que um facto histórico. [20]

Na Guerra do Golfo em Le Monde de 3 de Março de 1990: "Se eles nada provam quanto ao número, os corpos mutilados da morgue do hospital Moubarak advogam a certeza da crueldade dos sete meses de ocupação iraquiana. Olhos arrancados, gargantas cortadas, cabeças esmagadas, crânios cortados cujo cérebro escapa, corpos meio carbonizados, queimaduras de cigarros..."

Sem esquecer igualmente o episódio das incubadoras roubadas e dos bebés mortos atrozmente... Que revelaram ser uma mistificação.

Quanto ao Afeganistão, no Herald Tribune de 7 de Agosto de 1999: "Alguns foram mortos nas ruas. Muitos foram executados nas suas casas, após bloqueio e busca das zonas reputadas por serem habitadas na maioria por certos grupos étnicos. Alguns foram escaldados até à morte ou asfixiados em contentores metálicos selados, colocados em pleno sol. Num hospital pelo menos, 30 pacientes foram mortos a bala na sua cama. Os corpos das vítimas foram abandonados nas ruas ou nas casas, para intimidar o resto dos habitantes. Testemunhas em pânico puderam ver cães a competirem pelos restos dos cadáveres, mas foi-lhes imposta por megafone ou por rádio que não os tocassem e não os enterrassem".

Os talibãs, aqui responsáveis de atrocidades, na maior parte não puderam ser presos, e nenhuma notícia de Ben Laden...

Na guerra do Iraque, as histórias foram, mais uma vez, semelhante – e as mentiras sobre armas de destruição maciça também. Pode-se portanto extrair facilmente certas tendências nestas histórias. Trata-se antes de tudo de tocar a corda "sentimental" do leitor. Para isso é preciso, antes de tudo, "boas histórias" e se não forem encontradas são inventadas. Os pormenores "crispantes" totalmente inúteis à vista das consequências reais das guerras do ponto de vista humano são contudo moeda corrente nestas histórias – e fazem do inimigo um monstro mais horrível que nunca, que mata sobretudo por prazer ou vício.

No Kosovo, "houve evidentemente, na Primavera de 1999, assassínios, pilhagens, torturas e incêndios de casas albanesas, mas "esquece-se" de salientar com a mesma acuidade as mesmas atrocidades cometidas a partir do Verão sobre sérvios, bósnios, ciganos e outras pessoas não albanesas [21] . O seu êxodo será mantido sob silêncio ao passo que as imagens de refugiados albaneses do Kosovo e sua acolhida no estrangeiro haviam sido objecto de emissões completas na televisão. É que este quinto princípio da propaganda de guerra quer que só o inimigo cometa atrocidades, o nosso campo não pode senão cometer "erros". A propaganda da NATO popularizará, na guerra contra a Jugoslávia, a expressão "danos colaterais" e apresentará como tais os bombardeamentos de populações civis e de hospitais, que teriam feito, conforme as fontes, entre 1200 e 5000 vítimas. "Erro" portanto o bombardeamento da embaixada chinesa [22] , de um comboio de refugiados albaneses, ou de um comboio a passar sobre uma ponte. Já o inimigo, não comete erros, comete o mal conscientemente". [23]

Para concluir, uma citação de Jean-Claude Guillebaud:

"Tornámo-nos, nós jornalistas, uma espécie de mercadores do horror e esperava-se dos nossos artigos que comovessem, raramente que explicassem".

6) O inimigo utiliza armas não autorizadas

Este princípio é corolário do anterior.

"Não só não cometemos atrocidades como fazemos a guerra de maneira cavalheiresca, respeitando – como se se tratasse de um jogo, certamente duro mas viril! – as regras". [24]

Assim, já durante a Primeira Guerra Mundial, a polémica proliferava quanto à utilização dos gases asfixiantes. Cada campo acusava o outro por começar a utilizá-los [25] . Se bem que os dois campos houvessem utilizado o gás e que houvessem efectuado todas as investigações neste domínio, esta arma era o reflexo simbólico da guerra "desumana". Convém assim atribuí-la ao inimigo. É de alguma forma a arma "desonesta", a arma enganosa.

7) Sofremos muito poucas perdas, as perdas do inimigo são enormes

"Com raras excepções, os seres humanos geralmente preferem aderir a causas vitoriosas. Em casos de guerra a adesão da opinião pública depende portanto dos resultados aparentes do conflito. Se os resultados não forem bons, a propaganda deverá ocultar as nossas perdas e exagerar as do inimigo". [26]

Já na Primeira Guerra Mundial, um mês após o começo das operações, as perdas elevavam-se a 313 mil mortos. Mas o estado-maior francês jamais confessou a perda de um cavalo e não publicava a lista nominativa dos mortos. [27]

Ultimamente, a guerra no Iraque fornece um exemplo do mesmo género, em que se proibiu a publicação das fotos dos caixões de soldados americanos na imprensa. As perdas do inimigo, em contrapartida, são enormes, o seu exército não resiste. "Nos dois campos estas informações fazem subir a moral das tropas e persuadem a opinião pública da utilidade do conflito". [28]

8) Os artistas e intelectuais apoiam nossa causa

Aquando da Primeira Guerra Mundial, salvo raras excepções, os intelectuais apoiaram maciçamente o seu próprio campo. Cada beligerante podia em grande medida contar com o apoio dos pintores, poetas, músicos que apoiavam, por iniciativas no seu domínio, a causa do seu país. [29]

Os caricaturistas são amplamente utilizados, para justificar a guerra e pintar o "carniceiro" e suas atrocidades, ao passo que outros artistas vão trabalhar, com a câmara no punho, para produzir documentos edificantes sobre os refugiados, sempre cuidadosamente tomados nas fileiras albanesas e escolhidos os mais realísticos possíveis em relação ao público ao qual se dirigem, como esta bela criança loura com olhar nostálgico, destinada a evocar as vítimas albanesas.

Podem-se ver assim os "manifestos" a desenvolverem-se por toda a parte. O manifesto dos cem, para apoiar a França durante a Primeira Guerra Mundial (André Gide, Claude Monet, Claude Debussy, Paul Claudel). Mais recentemente, o "manifesto dos 12" contra o "novo totalitarismo" [30] que é o islamismo. Estes "colectivos" de intelectuais, artistas e homens notáveis põem-se portanto a legitimar a acção do poder político instalado.

9) Nossa causa tem um carácter sagrado

Este critério pode ser tomado nos dois sentidos, quer literal, quer geral. No sentido literal, a guerra apresenta-se como uma cruzada, portanto a vontade é divina. Não se pode subtrair à vontade de Deus, mas apenas cumpri-la. Este discurso retomou grande importância desde a chegada de George Bush filho ao poder e, com ele, toda uma série de ultra-conservadores integristas. Assim, a guerra no Iraque manifesta-se como uma cruzada contra "o Eixo do Mal", uma luta do "bem" contra o "mal". Era nosso dever "dar" a democracia ao Iraque, a democracia sendo um dom saído directamente da vontade divina. Assim, fazer a guerra é realizar a vontade divina. Escolhas políticas tomar um carácter bíblico que apaga toda realidade social e económica. As referências a Deus sempre foram numerosas (In God We Trust, God Save the Queen, Gott mit Uns, …) e servem para legitimar sem rodeios as acções do soberano.

10) Aqueles (e aquelas) que põem em dúvida a nossa propaganda são traidores

Este último princípio é o corolário de todos anteriores. Toda pessoa que ponha em dúvida um único dos princípios enunciados acima é forçosamente um colaborador do inimigo. Assim, a visão mediática limita-se aos dois campos citados acima. O campo do bem, da vontade divina, e o do mal, dos ditadores. Assim, é-se "por ou contra" o mal. Neste sentido, os oponentes à guerra do Kosovo viram-se tratar no L'Évènement de 29 de Abril a 5 de Maio de 1999 como "cúmplices de Milosevic". O semanário chega mesmo a sistematizar várias "famílias". Encontra-se assim a família "anti-americana" com Pierre Bourdieu, Régis Debray, Serge Halimi, Noam Chomsky ou Harold Pinter. A família "pacifista integrista" com Gisèle Halimi, Renaud, o abade Pierre… e seus órgãos respectivos, o Monde diplomatique, o PCF.

Torna-se portanto impossível fazer surgir uma opinião dissidente sem sofrer um linchamento mediático. O pluralismo das opiniões já não existe, é reduzido a nada, toda oposição ao governo é reduzida ao silêncio e ao descrédito por argumentos fraudulentos.

Esta mesma argumentação foi novamente aplicada aquando da guerra no Iraque. Como a opinião pública internacional estava mais dividida, isso é menos ressentido. Mas estar contra a guerra é estar a favor de Saddam Hussein... O mesmo esquema foi aplicado num contexto muito diferente, que era o referendo sobre a constituição europeia: "ser contra a constituição é ser contra a Europa!".
 

Notas e referências
1. Morelli, Anne, "Principes élémentaires de propagande de guerre", Bruxelles, Aden, 2010
2. Ibid, p. 7.
3. Ibidem
4. Ibid, p. 10
5. Ibid, p. 11.
6. Ibid, p. 14.
7. Ibid, p. 16.
8. Collon, Michel, "attention médias!", Bruxelles, éditions EPO, 1992, p. 34.
9. Morelli, Anne, op. cit., p. 21.
10. Morelli, Anne, "L'histoire selon les vainqueurs, l'histoire selon les vaincus", 8 décembre 2003 in : http://www.brusselstribunal.org/8de...;;[archive].
11. Collon, Michel, op. cit., p. 60.
12. Ibidem.
13. Morelli, Anne, op. cit., p. 25.
14. Collon, Michel, op. cit., p. 32.
15. Ibidem.
16. Morelli, Anne, op. cit., p. 27.
17. Ibid, p. 28.
18. Ibid, p. 28.
19. Ibid, p. 34.
20. A criança com mãos cortadas [arquivo] 1914, nova guerra entre os dois países. Contava-se com insistência, do lado francês, que os soldados alemães eram brutos ignóbeis que cortavam as mãos das crianças.
21. Sérvia: Após o fracasso das negociações sobre o Kosovo, a palavra esta com a ONU [arquivo] O Kosovo, considerado por Belgrado como o berço da sua cultura e da sua religião, conta 5% dos sérvios após o êxodo de mais de 200 mil deles.
22. Revelação: a NATO bombardeou voluntariamente a embaixada da China em Belgrado [arquivo] Segundo um inquérito do semanário britânico The Observer, efectuado com o jornal dinamarquês Politike, a NATO teria bombardeado conscientemente a embaixada chinesa de Belgrado em 7 de Maio último (ver também nosso artigo de 10/05/99). Responsáveis militares e das informações teriam declarado que a embaixada chinesa abrigava um sistema de retransmissão das emissões do exército juguslavo. De repente, ela teria sido eliminada da lista dos "alvos interditos" e bombardeada.
23. Ibid, pp. 37-47.
24. Ibid, p. 48.
25. Ibid, p. 49.
26. Ibid, p. 54.
27. Ibidem.
28. Ibid, p. 56.
29. Morelli, Anne, "les 10 commandements de Ponsonby", sur le site de Zaléa TV : [1] [archive].
30. Sua utilização para com o terrorismo por Jack Straw parece imprópria. O "terrorismo" em geral não pode ser considerado como um "totalitarismo" no sentido original do termo. Ele não preenche os critérios necessários. A utilização do conceito requer uma análise aprofundada da sociedade ou da estrutura do grupo estudado, é preciso destacar as categorias essenciais e os processos de des-diferenciação próprios do totalitarismo. Contudo, não parece que Jack Straw tenha realizado uma tal análise para poder dar uma verdadeira base teórica à sua asserção. A utilização do termo neste caso tem um fim político ou de propaganda de guerra.


20/Março/2011
O original encontra-se em http://www.michelcollon.info/Principes-elementaires-de.html?lang=fr

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

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