por Paulo Pinto, em 16.02.13
Tive uma vez um professor que nos
explicou que a Humanidade anda há séculos a fazer batota, falseando os
dados da seleção natural com avanços na medicina que permitem aos
fracos, aos que estavam destinados a morrer à nascença ou na primeira
infância, sobreviver, resistir, crescer e reproduzir-se. Ele próprio e
muitos dos que se encontravam naquela sala não estariam ali se não
houvesse campanhas de vacinação, antibióticos ou assepsia. Os genes
deixaram de ser lei. Simultaneamente, ou um pouco depois, a Humanidade
aceitou-se como igual nas suas partes. Deixou de haver raças superiores e
inferiores. Nas sociedades, o "determinismo genético", aquele que dizia
que há quem nasça com predisposição para a filantropia e quem venha a
este mundo destinado a ser criminoso, esvaiu-se. Percebeu-se - ou alguns
perceberam - que é o fator cultural que dita a diferença. Já antes
disso se haviam abolido as desigualdades na lei que faziam com que o
estatuto social fosse marcado, à nascença, pela progenitura. Passámos
todos a ser cidadãos com direitos e deveres. Porém, na economia,
pensámos que o que fazia a diferença era a capacidade de trabalho e de
inovação, a produção de bens ou serviços úteis e de valor acrescido,
afinal o Estado serviria para garantir o funcionamento de regras justas,
para salvaguardar deslealdades concorrenciais, para evitar que os
tubarões comessem o peixe miúdo. Ao nível individual, julgo não ter
necessidade de comprar um revólver para me proteger porque creio que
existem forças de segurança que o fazem e uma justiça que o cumpre. Mas
começo a pensar se não tenho que fazê-lo, utilizando a batota genética
dos meus antepassados e um colt .45 para me defender de quem é mais
forte do que eu.
A que vem isto a propósito? Das declarações no nosso Primeiro-Ministro: «o
País já ultrapassou o momento em que, por selecção natural faliram as
empresas mais fracas restando somente as mais economicamente fortes.
“Esta selecção natural das empresas que podem melhor sobreviver está
feita”, disse.» Entendamo-nos, pois. As Sonaes, Jerónimos
Martins, Galps, EDPs, BES ou BPIs sobreviveram porque são naturalmente
fortes, os muitos milhares de pequenas empresas que encerram e lançam
uma massa cada vez mais espessa de gente para o desemprego e o desespero
não sobreviveram porque são fracas. É simples, é a lei da vida. Não
importa se toda a estratégia governamental mete a uns a mão por baixo
com injeções de capital, perdões fiscais e favorecimento "estratégico"
e, a outros, sufoca com aumentos de IVA, perda de condições de
funcionamento e de sobrevivência e contração económica geral. A "batota
genética" da Humanidade permitiu aos mais fracos sobreviver. A "batota
económica" laranja faz o oposto. E o Primeiro Ministro já ganhou
despudor suficiente para dizê-lo sem lhe saltar um olho ou lhe descair
um testículo. Eu pergunto: faltará muito para passarmos deste
"darwinismo económico" ao individual? Quando for dito aos cidadãos,
preto no branco, que tudo não passa de uma seleção natural que faz os
mais fracos cair no desemprego, adoecer, morrer, serem espoliados,
injustiçados e assaltados?
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