domingo, 17 de fevereiro de 2013

Darwinismo Laranja

                                                                                                                      por Paulo Pinto, em 16.02.13

Tive uma vez um professor que nos explicou que a Humanidade anda há séculos a fazer batota, falseando os dados da seleção natural com avanços na medicina que permitem aos fracos, aos que estavam destinados a morrer à nascença ou na primeira infância, sobreviver, resistir, crescer e reproduzir-se. Ele próprio e muitos dos que se encontravam naquela sala não estariam ali se não houvesse campanhas de vacinação, antibióticos ou assepsia. Os genes deixaram de ser lei. Simultaneamente, ou um pouco depois, a Humanidade aceitou-se como igual nas suas partes. Deixou de haver raças superiores e inferiores. Nas sociedades, o "determinismo genético", aquele que dizia que há quem nasça com predisposição para a filantropia e quem venha a este mundo destinado a ser criminoso, esvaiu-se. Percebeu-se - ou alguns perceberam - que é o fator cultural que dita a diferença. Já antes disso se haviam abolido as desigualdades na lei que faziam com que o estatuto social fosse marcado, à nascença, pela progenitura. Passámos todos a ser cidadãos com direitos e deveres. Porém, na economia, pensámos que o que fazia a diferença era a capacidade de trabalho e de inovação, a produção de bens ou serviços úteis e de valor acrescido, afinal o Estado serviria para garantir o funcionamento de regras justas, para salvaguardar deslealdades concorrenciais, para evitar que os tubarões comessem o peixe miúdo. Ao nível individual, julgo não ter necessidade de comprar um revólver para me proteger porque creio que existem forças de segurança que o fazem e uma justiça que o cumpre. Mas começo a pensar se não tenho que fazê-lo, utilizando a batota genética dos meus antepassados e um colt .45 para me defender de quem é mais forte do que eu.

A que vem isto a propósito? Das declarações no nosso Primeiro-Ministro: «o País já ultrapassou o momento em que, por selecção natural faliram as empresas mais fracas restando somente as mais economicamente fortes. “Esta selecção natural das empresas que podem melhor sobreviver está feita”, disse.» Entendamo-nos, pois. As Sonaes, Jerónimos Martins, Galps, EDPs, BES ou BPIs sobreviveram porque são naturalmente fortes, os muitos milhares de pequenas empresas que encerram e lançam uma massa cada vez mais espessa de gente para o desemprego e o desespero não sobreviveram porque são fracas. É simples, é a lei da vida. Não importa se toda a estratégia governamental mete a uns a mão por baixo com injeções de capital, perdões fiscais e favorecimento "estratégico" e, a outros, sufoca com aumentos de IVA, perda de condições de funcionamento e de sobrevivência e contração económica geral. A "batota genética" da Humanidade permitiu aos mais fracos sobreviver. A "batota económica" laranja faz o oposto. E o Primeiro Ministro já ganhou despudor suficiente para dizê-lo sem lhe saltar um olho ou lhe descair um testículo. Eu pergunto: faltará muito para passarmos deste "darwinismo económico" ao individual? Quando for dito aos cidadãos, preto no branco, que tudo não passa de uma seleção natural que faz os mais fracos cair no desemprego, adoecer, morrer, serem espoliados, injustiçados e assaltados?

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