terça-feira, 12 de novembro de 2019

Propaganda e Pós-verdade


Desde há 18 anos, debatemos a estranha evolução dos média que parecem dar cada vez menos valor aos factos. Atribuímos este fenómeno à sua democratização através das redes sociais. Isto acontecerá porque como agora um zé-qualquer pode improvisar-se jornalista a qualidade da informação teria afundado. Conviria, pois, reservar às elites o direito de falar. Mas, e se fosse exactamente o contrário ? Se a censura que se verifica não fosse a resposta ao fenómeno, mas antes a sua continuidade?

| Damasco (Síria)


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Sísifo iça penosamente a sua rocha para o alto da montanha das suas ambições, do outro lado, a pedra rola em seguida inexoravelmente em direcção aos infernos. Depois, ele recomeça esse trabalho sem fim.

 

Propaganda


Nos sistemas políticos onde o Poder tem necessidade de participação do Povo, a propaganda tem por objectivo fazer aderir o maior número a uma ideologia em particular e em mobilizá-lo para a aplicar.

Os métodos utilizados para convencer são os mesmos quer se esteja de boa ou má fé. Entretanto, no século XX, o uso da mentira e da repetição, a eliminação de pontos de vista diferentes, e a militância no seio de organizações de massas foram primeiro teorizadas pelo deputado britânico Charles Masterman, pelo jornalista norte-americano George Creel e principalmente pelo ministro alemão Joseph Goebbels com as consequências devastadoras que se conhecem [1]. Foi por isso que, na sequência de duas Guerras Mundiais, a Assembleia Geral das Nações Unidas adoptou três resoluções condenando o uso da mentira deliberada nos média (mídia-br) para suscitar a guerra, instando os Estados-Membros a velar pela livre circulação de ideias, única prevenção para a intoxicação [2].

Embora as técnicas de propaganda tenham sido aperfeiçoadas no decorrer dos últimos 75 anos e sejam utilizadas sistematicamente em todos os conflitos internacionais, elas dão progressivamente lugar a novas técnicas de manipulação em países em paz: já não se trata mais de fazer aderir o público a uma ideologia e de o fazer agir ao serviço do Poder, mas, pelo contrário, de o dissuadir de intervir, de o paralisar.

Esta estratégia corresponde a uma organização dita «democrática» da sociedade, onde o público dispõe de uma capacidade de sanção do Poder, o que raramente acontecia antes.
Ela expandiu-se, desde há 18 anos, com a «Guerra contra o Terrorismo». Inúmeros foram os intelectuais que sublinharam o absurdo desta expressão : o terrorismo não é um inimigo, é uma táctica militar. Ora, não seria possível travar a guerra contra a guerra. Mesmo que não o tenhamos compreendido à época, a invenção desta expressão paradoxal visava instituir a era da pós-verdade.

 

Pós-verdade


Tomemos o exemplo da recente execução de Abu Bakr al-Baghdadi. Todos sabemos que um esquadrão de helicópteros não pode atravessar rasando todo o Norte da Síria sem ser visto, nem pela população, nem sem ser detectado pelos sistemas russos de defesa aérea. A narrativa que nos é contada é manifestamente impossível. Ora, longe de por em causa o que julgamos ser mera propaganda, discute-se se o Califa, encurralado pelas Forças Especiais dos EUA, se fez explodir com dois ou três filhos.

No passado, teríamos concordado em afirmar que sendo um elemento essencial desta história impossível, não podemos levar a sério os outros elementos que nos são expostos, a começar pela morte do Califa. Agora, raciocinamos de maneira diferente. Aceitamos que este elemento factual tenha sido falsificado, a priori por razões de segurança nacional, e consideramos o resto da narrativa como autêntico. A prazo, esqueceremos o nossa desconfiança face a este elemento, ou a outros, e publicaremos enciclopédias que contarão esta fantástica história com os detalhes mais inacreditáveis.

Por outras palavras, compreendemos instintivamente que esta narração não relata factos, antes veicula uma mensagem. Não nos posicionamos, portanto, face aos factos, mas face à mensagem tal como a percebemos : como Osama Bin Laden, Abu Bakr al-Baghdadi foi executado ; A "Força" continua nos Estados Unidos da América.

Para deslocar a nossa consciência dos factos em direcção à mensagem, os speech writers (redactores de guiões-ndT) têm a obrigação de providenciar uma narrativa incoerente. Não é um lamentável erro da sua parte que se repete, mas, antes uma exigência técnica do seu trabalho.

Na propaganda clássica, buscava-se contar histórias coerentes, ocultando, se necessário, certos factos ou falsificando-os. Agora já não. Porque não mais se procura convencer através de histórias mirabolantes, para isso, se necessário, tomando as suas liberdades com a realidade. Antes se visa um estado de consciência intermédio pelo qual se faz passar mensagens. Estamos conscientes que este assunto dos helicópteros é impossível, mas podemos raciocinar eliminando-o do nosso campo de consciência. Assim, uma parte do nosso intelecto foi inibida.

Nós acabamos mentindo a nós próprios.

Podemos encontrar um grande número de exemplos de uso desta técnica de condicionamento no noticiário da actualidade dos últimos anos. Todos os que eu poderei citar vão por os cabelos em pé à maioria dos meus leitores, porque cada exemplo exige o reconhecimento de que nos deixamos levar com a nossa própria cumplicidade. Ora, nós detestamos que nos façam notar os nossos erros.

Um pequeno exemplo mesmo assim. Ele é antigo, mas fundamental. Ainda hoje desempenha um papel capital. Aquando dos atentados do 11-de-Setembro, as companhias de aviação divulgaram, imediatamente, listas de embarque completas de passageiros e pessoal que foram mortos. Dois dias mais tarde, o Director do FBI expôs a sua narração de 19 piratas do ar que tinham, segundo ele, realizado os atentados. Ora, nenhum deles, segundo o testemunho imediato das companhias de aviação, tinha embarcado nos quatro aviões. A sua versão é, pois, impossível. Dezoito anos depois, continuamos, no entanto, a dissertar sobre a personalidade destes indivíduos.

 

Antídoto


Desde há 18 anos, explicam-nos que, ao proporcionar a todos a capacidade de expressão num blogue ou nas redes sociais, os avanços da tecnologia desvalorizaram o discurso público. Qualquer um pode afirmar seja o que for. No passado, apenas os políticos e os jornalistas profissionais tinham a possibilidade de se expressar. Eles velavam pela qualidade das suas intervenções e dos seus escritos. Hoje em dia, o vulgum pecus, a multidão ignorante, toma as aparências por realidades e espalha fake news (notícias falsas-ndT).

Ora, é exactamente o contrário. Homens políticos de primeiro plano, a começar pelo Presidente George Bush Jr. e o Primeiro-ministro Tony Blair, assumiram discursos incoerentes para inibir as reações do público em geral e dos seus eleitores em particular. Esta técnica substitui a verdade pelo absurdo, tal como outros a substituíam pela mentira. Ela destruiu o funcionamento de sistemas democráticos que o comum dos mortais tenta restaurar pelos seus meios.

Os ecrãs (telas-br) de televisão catódica exibem imagens com 625 linhas. Basta que uma delas seja distorcida para que nós a possamos perceber na imagem. Dentro do mesmo princípio, basta ouvir apenas um ponto de vista diferente para que as mentiras de uma propaganda omnipresente saltem aos olhos. É por isso que a propaganda, quando mente, exige uma censura implacável. Mas se a mentira introduz uma incoerência no discurso, de tal modo que esta incoerência se torna intencionalmente evidente, já não basta censurar os pontos de vista alternativos. Pelo contrário, deve-se deixá-los exprimir-se e destacá-los denunciando publicamente alguns como fake news.

O antídoto para a pós-verdade não é a verificação dos fatos, essa foi desde sempre a base do trabalho de jornalistas e historiadores, mas o restabelecimento da lógica. É por isso que uma nova forma de censura se impõe hoje em dia. A maior parte dos utilizadores (usuários-br) do Facebook já foram desconectados num momento ou noutro. Em inúmeros casos, os utilizadores são incapazes de compreender por que foram censurados. Eles buscam, em vão, que palavra proibida teria sido detectada por um computador-robô, ou que tomada de posição anticívica teria sido interdita por um vigilante. Na realidade, o que lhes é muitas vezes reprovado, e arbitrariamente sancionado, é de restaurar a lógica no seu raciocínio.
Tradução
Alva
[1] “As Técnicas da moderna propaganda militar”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 17 de Maio de 2016.
[2] « Les journalistes qui pratiquent la propagande de guerre devront rendre des comptes » («Os jornalistas que fazem propaganda de guerra deverão prestar contas»-ndT), par Thierry Meyssan, Réseau Voltaire, 14 août 2011. Resoluções da Assembléia Geral das Nações Unidas 110 (II), 381 (V), 819 (IX).
Thierry Meyssan
Thierry Meyssan Intelectual francês, presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace. As suas análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe, latino-americana e russa. Última obra em francês: Sous nos yeux. Du 11-Septembre à Donald Trump. Outra obras : L’Effroyable imposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand, 2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II. Manipulación y desinformación en los medios de comunicación (Monte Ávila Editores, 2008).
 

domingo, 3 de novembro de 2019

A Wikileaks revela relatórios da OPCW falsificados com o objectivo de culpar o governo sírio ao invés dos jihadistas apoiados pelo ocidente!


por Federico Pieraccini [*]
 
Seda da OPCW. As revelações – cuidadosamente ignoradas pelos grandes media – lançaram uma luz sobre a teia emaranhada tecida pelos media cúmplices e pela hipocrisia descarada do Ocidente, envolvendo a OPCW, a Wikileaks e a detenção ilegal Julian Assange.

Um denunciante da Organização para a Proibição de Armas Químicas (OPCW) entregou à Wikileaks documentos autênticos relativos às investigações do bombardeio de Douma na Síria em 2018.

Estes documentos confirmaram o que muitos escreviam há meses, ou seja, que as investigações e conclusões da OPCW foram fabricadas a fim de alcançar um resultado premeditado que era desfavorável ao Exército Árabe da Síria e em consonância com os objectivos da política externa de Washington, Tel Aviv, Riad, Paris, Ancara, Doha e Londres.

Os EUA anteriormente utilizaram exactamente esta mesma fórmula, sob o pretexto de R2P (Responsibility to Protect, Responsabilidade de Proteger), para justificar o bombardeio de um país.

Um ataque químico a ser atribuído ao exército sírio parecia o meio mais directo de desencadear a R2P e alcançar os desejados objectivos de política externa. No entanto, o que sabemos agora através dos documentos publicados pela Wikileaks é que a organização internacional que supostamente deveria garantir imparcialidade e objectividade falsificou relatórios e procedimentos.

Nas palavras de José Bustani, o primeiro director-geral da OPCW e ex-embaixador do Brasil no Reino Unido e na França:
"A evidência convincente de comportamento irregular na investigação da OPCW do alegado ataque químico de Douma confirma as dúvidas e suspeitas que eu já tinha.

Eu não conseguia entender o que estava lendo na imprensa internacional. Mesmo relatórios oficiais de investigações pareciam incoerentes, na melhor das hipóteses.

O quadro certamente agora está mais claro, embora seja muito perturbador. Sempre esperei que a OPCW fosse um verdadeiro paradigma de multilateralismo. Minha esperança é que as preocupações expressas publicamente pelo Painel, em sua declaração conjunta de consenso, catalisarãom um processo pelo qual a Organização possa ressuscitar para se tornar o órgão independente e não discriminatório que costumava ser".
O órgão que deveria garantir imparcialidade conluiou-se para enquadrar Damasco por um crime que ele não cometeu, só para que o Ocidente tivesse desculpa para efectuar uma campanha de bombardeamento contra a Síria.

Neste mecanismo perverso, qualquer testemunho fora do roteiro dos sírios no terreno, jornalistas estrangeiros independentes ou quaisquer outras fontes não aprovadas foram sumariamente rejeitados pela imprensa europeia e americana como enviesados e não confiáveis.

Estas revelações do Wikileaks são uma rara oportunidade de olhar por trás da cortina e entender os mecanismos que levam a milhões de mortes, destruição de países e perda de gerações. Já vimos no passado como um poder hegemónico como os Estados Unidos actua, fabricando pretextos como "armas de destruição em massa", está disposto a tentar manter sua posição de domínio a qualquer preço numa região estratégica como o Médio Oriente.

Podemos perceber no ataque químico de Douma um ataque de bandeira falsa perpetrado por militantes da Al-Qaeda (retratados pelo Ocidente como rebeldes moderados a lutarem bravamente contra Assad), a OPCW a apresentar-se como árbitro imparcial e os grandes media a ampliarem as mentiras produzidas por este organismo supostamente imparcial, condicionando a opinião pública no processo a aceitar a utilização da força para pôr fim ao sofrimento na Síria, alegadamente perpetrado pelas forças de Assad.

A legitimidade estendida à Al-Qaeda e suas afiliadas permitiu que terroristas realizassem ataques civis na Síria usando armas químicas com o objectivo de culpar as tropas do governo, justificando assim um apoio internacional aberto de outros como EUA, o Reino Unido e a França. Para garantir o êxito desta conspiração, os relatórios fraudulentos da OPCW destinavam-se a fornecer a justificativa humanitária para a intervenção internacional.

Todo este assunto é ainda mais perturbador quando consideramos a questão da ética jornalística. Os jornalistas poderiam muito bem ter feito seu trabalho adequadamente e investigado o ataque químico de Douma, colectando depoimentos de testemunhas de civis e gravando imagens. Em vez disso, os media papaguearam a propaganda ocidental, ampliando a informação comprometidas da OPCW.

Foi relegado à Wikileaks exercer o jornalismo adequado, publicando as informações verificadas do denunciante da OPCW e, no processo, revelando um enorme escândalo que mina a credibilidade das proclamações altissonante do Ocidente.

Esta é a razão porque Assange está atrás das grades, enquanto os âncoras dos grandes media ganham milhões de dólares a transmitirem a propaganda oficialmente aprovada para o público. A Wikileaks conta a verdade com seu trabalho, revelando como as potências ocidentais estão dispostas a fazer tudo o que podem para iniciar novas guerras e prosseguir sua agenda imperialista.

Vemos nesta revelação da Wikileaks o que levou a actual ordem mundial a ser tão instável e a origem de tanta guerra e miséria. A máquina de propaganda ocidental conseguiu comprometer um organismo antes respeitado pela sua probidade, com o objectivo de infligir o máximo possível de danos à Síria.

Este escândalo é o exemplo mais recente de como os políticos ocidentais, os grandes media e as organizações internacionais são meras ferramentas imperialistas empregadas para ataques a oponentes geopolíticos.
29/Outubro/2019 
 
Ver também o caso anterior com a OPCW:

  • O Brasil, os EUA, a OPAQ e Bustani , 27/Abr/2002

    O original encontra-se em www.strategic-culture.org/...


    Este artigo encontra-se em https://resistir.info/ .
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