domingo, 16 de fevereiro de 2020

Por trás da ideologia verde

– Os piores projectos das elites mundializadas


por Pierre Lévy [*]
 
A nova santa da religião aquecimentista. O "Pacto verde" ("Green Deal" no jargão bruxelense) é doravante o eixo principal das instituições europeias. Ele foi apresentado por Bruxelas em Dezembro último. No dia 14 de Janeiro, a presidente da Comissão, Ursula von der Leyen precisou o financiamento, antes de ser lançada, na Primavera, uma "grande lei climática" que será imposta aos Estados membros. Estão em causa milhões de milhões de euros. Este vasto "plano de batalha ecológica" vai-se tornar, segundo a sra. Von der Leyen, a "marca de fábrica" da UE.

Naturalmente, encontram-se numerosas vozes que consideram que tudo isto não iria suficientemente longe. Outros, ou os mesmos, acusaram a Comissão de vigarice, de "parecer" converter-se à ecologia cedendo ao ar dos tempos.

O discurso ambientalista estrutura a ideologia das elites mundializadas, de que Bruxelas é um dos mais belos espécimes

Não é o caso. O discurso ambientalista estrutura em profundidade a ideologia das elites mundializadas, de que Bruxelas é um dos mais belos espécimes. Ela encontra suas raízes há várias décadas. Assim, um cenáculo saído da OCDE (organização dos países ocidentais mais ricos), conhecido sob o nome de Clube de Roma, publicou em 1972 um relatório tornado célebre intitulado "Os limites do crescimento".

Este texto foi vivamente apoiado por Sicco Mansholt, presidente da Comissão Europeia em 1972-1973. O sr. Mansholt, geralmente considerado como um dos "pais da Europa", já defendia o decrescimento.

E se houver dúvida quanto ao papel motor dos dirigentes, políticos, financeiros e oligárquicos, na promoção das teses pró clima e pró ambiente, não é proibido observar que o emblemático multimiliardário americano Michaël Bloomberg até recentemente era o representante da ONU para o clima. Ele acaba de ser substituído neste posto pelo canadiano Mark Carney, que foi presidente do Banco da Inglaterra até Janeiro de 2020. O homem tornou-se célebre pelas suas previsões apocalípticas em caso de Brexit. Ela agora tem um novo emprego para exibir seus talentos de profeta de catástrofes anunciadas mas fantasistas.

Distinguir dois planos

Convém à partida distinguir dois planos de reflexão quanto ao "aquecimento climático": por um lado, a investigação e a confrontação científica; por outro, a análise e a compreensão das questões que lhe estão ligadas: económicas, sociais, políticas, geopolíticas, democráticas, mesmo filosóficas.

O primeiro debate, sobre a realidade das ditas alterações climáticas e sobre suas possíveis causas, cabe aos próprios cientistas. Não será abordado aqui. Neste momento pode-se recordar que não há uma unanimidade entre os investigadores que estabelecesse sem contestação a existência do aquecimento de origem antrópica – a não ser que se trate todos os cientistas dissidentes como fantasistas, ignorantes ou impostores.

Um espírito racional deveria estar assustado pela omnipresença totalitária da tese dominante, tão martelada que se torna difícil sair do quadro do pensamento imposto

Em contrapartida, todos os cidadãos são perfeitamente legítimos para se inscreverem no outro debate, aqueles que tentam discernir os meandros das campanhas actuais. De resto, um espírito racional e crítico deveria ficar assustado pela omnipresença totalitária da tese dominante, pregada da manhã à noite na imprensa escrita e audiovisual, até ao ponto em que se torna difícil sair do quadro de pensamento imposto. Se se ouvir bem certos militantes ecologistas, não se estaria muito longe da execução do crime de "negacionismo climático" e mesmo das sanções penais correspondentes.

Cinco dossiers, pelo menos, podem ser evocados. Eles põem à luz a ligação intrínseca entre os interesses da oligarquia ocidental mundializada e a ideologia pró clima. Não se pode citar aqui senão os títulos de capítulo, cada um deles merecendo evidentemente desenvolvimentos mais amplos.

Primeiro dossier: o social

O primeiro poderia assim ser resumido: a sobriedade julgada necessária para "salvar o planeta" é na realidade o subterfúgio da austeridade que as forças do dinheiro entendem impor aos povos. Ela tem seus agentes, evidentemente, em numerosas sucursais da "esquerda" e por vezes é exaltada sob o nome de "sobriedade feliz". Para todos aqueles que se inquietam quanto à maneira de colmatar seu fim de mês, agita-se a ameaça do fim do mundo. O "super-consumo", inclusive de energia, é apontado a dedo com o lema: "mais vale ser melhor do que ter mais.

Será de notar que este estado de espírito não é novo na ideologia dominante. O outrora mediático jornalista François de Closets construiu o essencial da sua carreira editorial a denunciar as pessoas que desejariam "Sempre mais", título de uma da vintena de obras aparecidas desde 1970 sobre este mesmo tema.

O antagonismo entre aqueles que se angustiam quanto ao "fim do mês" e aqueles que alertam sobre o "fim do mundo" irrompeu em Novembro de 2018: o movimento dos Coletes amarelo nasceu da recusa ao tributo que o governo tentou impor sobre os combustíveis, com o fim confessado de "modificar os comportamentos".

Centenas de milhares de empregos directos estão ameaçados, em nome do enverdecimento da economia

O poder de compra de milhões de trabalhadores não está apenas ameaçado. Centenas de milhares de empregos directos estão igualmente ameaçados, em nome do enverdecimento da economia – projectado para criar outros postos de trabalho, mas mais tarde. Uma realidade que se encontra nos quatro cantos da União Europeia. Não é por acaso que a Comissão prevê um Fundo destinado especialmente a "acompanhar" os futuros trabalhadores privados do seu emprego e as futuras regiões sinistradas.

Sem dúvida não é inócuo observar que as categorias mais ameaçadas são as mais emblemáticas da força e da história operárias: mineiros (em França, encontraram outros pretextos para liquidar esta actividade anteriormente), siderurgistas, operários das indústrias química e do automóvel... Um pouco como se no inconsciente dos dominantes se tratasse de se desembaraçarem das fábricas demasiado "carbónicas"... e ao mesmo tempo das classes perigosas, sobretudo ali onde elas estão concentradas e combativas.

Segundo dossier: a geopolítica

O segundo domínio é de outra natureza. Tem a ver com uma imperícia do Todo Poderoso: este teve o mau gosto de repartir os hidrocarbonetos confiando uma grande parte aos Estados não alinhados com o Ocidente... Assim, a Rússia, o Irão, a Venezuela, para citar apenas três exemplos, são os países onde estão concentradas as maiores reservas petrolíferas e/ou gasistas.

Portanto pode-se imaginar que nas esferas dominantes, não se ficaria forçosamente descontente em que estes Estados fossem pouco a pouco privados dos recursos proporcionados pelas exportações de energia carbónica. Ao diabolizar esta última enfraquecem-se assim as posições e os meios financeiros dos adversários ou dos inimigos designados.

Terceiro dossier: a governação mundial

O terceiro dossier tem forte conotação ideológica. Repetem-nos continuamente: a catástrofe climática não pode ser combatida senão à escala mundial. Uma lenga lenga providencial para todos aqueles que militam, há décadas, por uma governação mundializada (sonho final dos poderosos) e suas declinações em grandes blocos regionais tais como a UE.

Logo, isto vem mesmo a propósito: para resolver os grandes problemas do nosso tempo, a escala dos Estados-nação estaria ultrapassada. De repente, a tese tem todas as aparências da evidência: o aquecimento não tem fronteiras, é preciso portanto esquecer as velhas ideias da soberania nacional.

Quarto dossier: a democracia

A quarta dimensão dos imperativos climáticos impostos refere-se a uma questão que não é decididamente anódino: a democracia. Pois os exemplos o mostram: as classes populares, os povos, parecem não aceitar submeter-se à doxa ambientalista, em todo o caso não suficientemente rápido para evitar as catástrofes anunciadas.

Pior, estariam prontos a punir eleitoralmente os governos demasiado zelosos em matéria de luta contra o CO2. E como estes teriam a fraqueza de temerem as reacções dos seus eleitores, as medidas necessárias – resumidas na fórmula: "é preciso mudar radicalmente nosso modo de vida" – são eternamente retardadas...

A conclusão se impõe: a democracia tornou-se um obstáculo à sobrevivência do planeta. Alguns afirmam-no abertamente. Outros, que não podem ser tão brutais, interrogam-se gravemente. Pois se a nossa sobrevivência colectiva está realmente ameaçada, a democracia deve ceder. Isto é imparável – e é sobretudo, miraculosamente, uma aurora para os poderosos do mundo, que fazem cada vez menos boa convivência com a soberania popular (a Comissão Trilateral já havia apontado os "problemas" da democracia na década de 1970 – a época do Clube de Roma).

Último dossier: a colocação em causa do progresso

Finalmente, a quinta questão é provavelmente a mais fundamental e refere-se ao progresso. Não pode passar desapercebido a ninguém que o "estilo da época" põe-no fundamentalmente. O progresso sob todas as suas dimensões – social (poder de compra, protecção social, serviços públicos...), económico (crescimento), cultural, científico, tecnológico... – seria, pode-se escolher, suspeito, culpável, arriscado ou arrogante.

Aqui e ali, interroga-se gravemente: não se teria ido demasiado longe? O dogma dominante poderia ser enunciado assim: "queira deixar o planeta no estado em que o encontrou". E para dar uma dimensão emocional suplementar ao caso, convocam-se "nossos filhos", "nossos netos" em relação aos quais arcamos com uma pesada responsabilidade. Exactamente o mesmo argumento que para a dívida...

O leque é vasto, desde os colapsólogos a defenderem abertamente o retorno à charrua (quando não ao suicídio preventivo da humanidade, único método para deixar o planeta sobreviver) até aos mais prudentes que se contentam em por em causa cada novo projecto de infraestrutura (ferroviária, rodoviária, aeroportuário, hidráulica – há sempre um castor dos pampas que é preciso salvar). Teremos nós realmente necessidade de tudo isto? murmura-se de diferentes lados.

Naturalmente, a querela entre partidários de uma visão prometéica da humanidade os defensores de uma antiga idade de ouro (que nunca existiu) não é nada nova. Mas a incapacidade progressiva do actual sistema dominante em criar riqueza (outra que não seja para os seus accionistas) tem como consequência que este sistema segregue ideologias regressivas, tal como o decrescimento, que não é senão o vestuário bio da recessão.

A concepção da relação entre o homem e a natureza é o terreno privilegiado desta evolução literalmente reaccionária. Seria preciso "preservar", "defender", "respeitar" a natureza. Pior: a ideologia dominante de agora em diante estabelece uma equivalência entre "natural" e "bom" (a nauseante abundância publicitária neste sentido o ilustra). Será preciso recordar que este culto do "natural" nem sempre foi celebrado?

Será que se mede o absurdo de semelhante injunção? A natureza regorgita de produtos tóxicos, ao passo que produtos dos mais artificiais (medicamentos, química) representam um trunfo insubstituível para o bem-estar colectivo e individual. Ainda que, evidentemente, se deva opor às poluições decorrentes da busca desenfreada de lucro – e não do progresso enquanto tal.

Não se pode conceber a epopeia da humanidade como uma sequência de combates para descobrir e inventar, para se emancipar dos "constrangimentos da natureza"?

Mais generalizadamente, não de pode conceber a epopeia humana como uma sequência de combates para descobrir e inventar, para se emancipar dos "constrangimentos da natureza"? Desde os primeiros humanos que constroem um tecto protector para se porem ao abrigo dos caprichos da natureza, à época actual onde se envia uma sonda para examinar o sol, o homem sempre procurou libertar-se dos constrangimentos para tornar possível o que era impossível.

Não tem a humanidade precisamente como característica agira contra a natureza?

Não é isto que poderia definir a humanidade? Esta última não tem como característica agir contra-natura ? A começar por esta luta milenar para repor em causa uma das principais características da natureza: a lei da selva.

Portanto, de um lado há aqueles que respeitam a natureza, em particular uma das suas constantes (ainda que não exclusiva): os mais fortes dominam os mais fracos, os predadores alimentam-se das presas. E do outro aqueles que têm no coração o combate pela igualdade – combate que decorre, se se ousa resumir, desde o levantamento dos escravos com Espártaco aos assalariados actuais em luta pelas pensões de reforma.

Ao pretenderem "salvar o planeta" das ameaças que a actividade humana, sob a forma de CO2, faria pairar sobre ele, as instituições europeias escolheram o seu campo. Temos o direito de escolher o oposto, que pretende não limitar o campo dos possíveis ao existente. Ou, pelo menos, aceitar o debate sem invectivas e sem delírios apocalípticos.
12/Fevereiro/2020
 

Ver também:

  • Acerca do chamado "aquecimento global"

    [*] Redactor-chefe de Ruptures

    O original encontra-se em ruptures-presse.fr/opinions/pacte-vert-progres-climat-environnement/


    Este artigo encontra-se em https://resistir.info/ .
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