quarta-feira, 24 de outubro de 2012

A dívida «pública» não é da responsabilidade dos trabalhadores

A chamada «dívida pública» do Estado português é na verdade, e na totalidade, um conjunto de dívidas privadas que foram socializadas. Não cabe aos trabalhadores pagar essa dívida – nem directa nem indirectamente. Não faz qualquer sentido colocar a questão da legitimidade pública duma dívida privada.

O conceito de «dívida ilegítima» tem causado algum embaraço em certos sectores da militância contra o pagamento da dívida pública. Este conceito, frequentemente referido por organizações cívicas, dirigentes políticos de esquerda e académicos, tem provocado dúvidas, hesitações e até a paralisia da militância – e portanto da acção pública.

Acontece que a tentativa de definição de uma «dívida ilegítima» sugere necessariamente a existência de uma parte «legítima» da dívida. Uma vez colocada a questão em cima da mesa, instala-se a confusão: como definir o que é legítimo e ilegítimo, como calcular ambas as partes da dívida, quando o processo de endividamento parece ser de uma opacidade impenetrável?

Para responder a esta dúvida vamos começar por verificar o que se passa com o balanço de contas das funções do Estado destinadas a atender às necessidades básicas da população em geral – as chamadas funções sociais do Estado.


O Estado-providência não é deficitário

A publicação do livro Quem Paga o Estado Social em Portugal?, no capítulo dedicado ao balanço de contas entre o Estado e os trabalhadores, vem esclarecer uma questão fundamental para a determinação das responsabilidades na contracção de dívida «pública». Partindo dos números oficiais fornecidos pelo Governo, pelo Banco de Portugal, pelo INE (Instituto Nacional de Estatística) e pelo Eurostat, conclui-se o seguinte (resumidamente):
  • A remuneração dos trabalhadores equivale a cerca de 50% do valor do PIB nacional.
  • Os trabalhadores contribuem com cerca de 75% do total de tributações1 arrecadadas pelo Estado.
  • Feito o balanço entre as contribuições dos trabalhadores para o Estado-providência e o custo das funções sociais do Estado2, conclui-se que os trabalhadores não devem nada a ninguém, tendo até um saldo positivo na maior parte dos anos.
Aparentemente, nos últimos 5 anos esse crédito dos trabalhadores perante o Estado foi caminhando de ligeiramente positivo (saldo equivalente a cerca de +4% do PIB) para ligeiramente negativo (cerca de –4% do PIB). Mas esta aparência não resiste à análise: as parcelas das despesas do Estado mostram-nos que o descalabro financeiro resulta do desmantelamento da previdência social para entregar os serviços públicos a empresas privadas e a PPP (parcerias público-privadas) e de várias manobras para garantir aos especuladores financeiros uma renda permanente e sem riscos. Estamos perante um défice (e consequente dívida) contraído em benefício de capitais privados.

Consideremos, por exemplo, o que aconteceu no SNS (Serviço Nacional de Saúde): ao mesmo tempo que a qualidade dos serviços prestados baixa – com encerramento de centros de saúde e hospitais, redução do pessoal médico e paramédico, do tipo de serviços prestados, da comparticipação em tratamentos e medicamentos, do número de camas, etc. –, os custos globais mantêm-se ou sobem. Como é isto possível? Os relatórios de contas mostram que o dinheiro pago pelos trabalhadores está a ser canalizado para os bolsos das empresas privadas a quem o Estado entregou os serviços; as verbas gastas com fornecedores, apesar dos enormes cortes no SNS, têm subido exponencialmente. Os custos da produção privada mercantil no SNS subiram de 1,8% do PIB em 1995 para 5,2% em 2010 – e sabe-se que continuaram a subir muito acentuadamente daí para cá, embora ainda não tenhamos acesso às contas consolidadas do Estado para o período mais recente.

A quebra do saldo positivo dos trabalhadores em relação ao Estado não se deve a uma suposta insustentabilidade da previdência social – resulta da desvio do dinheiro colectado aos trabalhadores para o bolso de interesses privados, para operações especulativas de alto risco (caso dos fundos de pensões), para as rendas sem risco das PPP, etc. É uma operação de saque na pior acepção da palavra.

A transformação da dívida privada em dívida pública

Recapitulando: as funções sociais do Estado são integralmente pagas pelos trabalhadores. Note-se que nestas contas entram os custos relativos aos funcionários públicos afectos a essas funções (médicos, professores, trabalhadores administrativos, etc.). Portanto os poderes públicos mentem quando afirmam que não há dinheiro para pagar os salários da função pública. Essa mentira foi o ponto de partida para justificar a intensificação do endividamento do Estado nos últimos 5 anos.

É da maior importância – em especial para as pessoas que até hoje se sentiam embaraçadas e tolhidas pela questão da «legitimidade» de algum parte da dívida – compreender que do ponto de vista dos trabalhadores (ou seja da população que suporta com 40 a 60% dos seus rendimentos os gastos do Estado) toda a dívida em causa é ilegítima no sentido mais simples e comum do termo – que outro nome poderemos dar a uma dívida cujo pagamento nos é imposto, apesar de não a termos contraído nem beneficiarmos dela?

Mas então, se o Estado não necessita de se endividar para manter as suas funções sociais, a quem beneficia a dívida pública?

Uma parte desta resposta já é do domínio público: o próprio Governo declara que salvou pelo menos dois bancos privados e que está disposto a recapitalizar e financiar todos os outros. Na proposta de Orçamento de Estado para 2013 encontramos 1500 milhões de euros do erário público que serão depositados no Banco de Portugal para financiar a banca. Este montante vem juntar-se aos 12.000 milhões anteriormente emprestados pela Troika ao Estado português para financiar a banca.

Outra parte da resposta, mais obscura, vamos encontrá-la nos contratos das PPP, que são esquemas de financiamento e renda privada sem risco, custeados pelo erário público; na venda ao desbarato de bens públicos, móveis e imóveis, indústrias e serviços que foram montados e financiados com dinheiro dos trabalhadores; na espiral sempre ascendente dos juros da dívida, que são uma renda usurária entregue de barato ao capital financeiro; etc.

Deixemos para outra ocasião a questão de saber se o Estado deve ou não financiar o capital privado. O que nos importa agora sublinhar é que essa ajuda existe de facto, dando origem a uma dívida real. Os trabalhadores pagam a maior parte da dívida contraída em benefício das empresas privadas e da banca, mas... não recebem dividendos dos lucros daí resultantes.

Perante estes factos e a exposição nua e crua das contas do Estado, os trabalhadores têm de deixar bem claro, por todos os meios ao seu dispor, que não aceitam a transformação de dívida privada em dívida social. Têm de afirmar, sem medos nem hesitações: ESTA DÍVIDA NÃO É NOSSA – até que a factura seja entregue aos verdadeiros responsáveis e beneficiários do endividamento do Estado.



1 A tributação inclui impostos, contribuições e taxas. As contribuições e as taxas não são impostos com fins genéricos, mas sim colectas destinadas a fins específicos – por exemplo a Segurança Social ou a produção de cinema nacional. As contribuições para a previdência extraídas directamente do salário dos trabalhadores não são portanto erário público que o Governo possa utilizar segundo os seus critérios políticos (como acontece com o IVA ou o imposto de selo), mas sim uma espécie de depósito dos trabalhadores nos cofres do Estado, que deve geri-lo em proveito dos depositantes e de boa-fé.
2 Funções sociais: protecção social, saúde, educação, cultura, desporto, habitação, serviços colectivos, formação, espaços públicos, comunicações, transportes e vias de comunicação. O método de trabalho seguido em Quem Paga o Estado Social em Portugal? foi o de aceitar esta definição oficial das tarefas sociais, ainda que uma parte delas seja politicamente discutível. Ver: COFOG (Classification of Functions of Government), Manual on sources and methods for the compilation of COFOG Statistics, Eurostat Methodologies and working papers, European Communities, 2007.

Agradecimentos: este texto deve muito às observações e anotações de Maria João Behran e António Paço.

http://bilioso.blogspot.pt/2012/10/a-divida-publica-nao-e-da.html 

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Sair da "Crise".


por  Adriano Benayon [*]

O jornal Valor publicou, em setembro, artigos de dez "renomados" economistas sobre a "crise" mundial e seus desdobramentos. Na realidade, trata-se de depressão econômica, caracterizada por queda, desde 2008, de emprego, produção, consumo e investimentos, em quase todos os países "desenvolvidos".

2. Pior que esconder a depressão nas estatísticas oficiais é não apontar-lhe a causa essencial: a concentração dos meios de produção e das finanças sob o comando de um grupo de pessoas contáveis nos dedos, coadjuvadas por executivos cujo total não passa de 0,001% da população (mil vezes menos que o falado 1%).

3. A concentração determina as causas imediatas do colapso e da depressão:

a) desregulamentação (falta de controles públicos e supressão dos que havia) dos mercados financeiros, deixados ao bel prazer dos alavancadores dos títulos podres, como derivativos de 600 trilhões de dólares (nessa moeda e em euros);

b) os bancos e financeiras, manipuladores e aproveitadores da criação de títulos, não arcarem com os ônus dos estragos que produziram, postos nos ombros dos Estados, que viraram devedores de créditos de que não se beneficiaram.

4. Ainda mais importante que entender as causas é atentar para o fato de a depressão continuar, porque isso interessa à oligarquia financeira, detentora do real governo nas "democracias" ocidentais.

5. De fato, a depressão serve para tornar ainda maior a concentração do capital, e mais absoluto o poder oligárquico. Serve como? Enfraquecendo ainda mais os Estados nacionais, dos quais a oligarquia se havia apoderado.

6. Com o Estado subordinado aos oligarcas, quem irá conter os abusos tirânicos e quem propiciará algum espaço à verdadeira economia de mercado, capaz de viabilizar o desenvolvimento tecnológico através da competição e da demanda em economias livres da concentração?

7. Depois do colapso financeiro originado nos derivativos, em vez de se liquidarem os bancos metidos neles - como de direito, se as sociedades tivessem governos a seu serviço -, os colossais prejuízos decorrentes da especulação foram transferidos para os Estados, que passaram a ser os grandes endividados.

8. A partir das dívidas públicas assim engendradas, as políticas sob o comando dos bancos levam à falsa austeridade e às privatizações favorecedoras dos carteis dos oligarcas. Através delas desaparecem não só estatais, mas também grande massa de empresas médias e pequenas.

9. No setor "privado" reinam os grandes bancos e os carteis transnacionais, cada vez mais abrangentes. Fecham-se as portas do capitalismo a ingressantes da classe média alta. A oligarquia consolida seu status de tirania.

10. Diferentemente do que muitos dizem, a crise econômica atual não provém somente do liberalismo, mas, sim, de o mundo estar dirigido e regulado pelos concentradores. Só os oligarcas ficam livres da regulamentação.

11. A depressão nos EUA, Europa e Japão leva à queda das exportações da China, a qual pretende acelerar a expansão do mercado interno e reduzir o ritmo de crescimento dos investimentos em favor da elevação do consumo.

12. Assim, a função de locomotiva do dinamismo mundial, desempenhada ultimamente pela China, não deverá prosseguir na mesma intensidade, prevendo-se queda nas importações de minérios e, portanto, das exportações do Brasil e da Austrália.

13. Em conclusão, nada se vê no horizonte capaz de interromper o presente círculo vicioso, na maioria dos países, de deterioração das condições sociais e da infraestrutura econômica.

14. EUA e Europa prosseguem emitindo moeda para comprar títulos podres, o que reduz quedas no valor dos ativos financeiros e das commodities. Mas isso só adia nova recaída, enquanto avilta, ainda mais, o dólar e o euro, moedas que não mais deveriam ser aceitas como divisas internacionais.

15. Muitos recordam que a grande depressão mundial dos anos 30 somente acabou devido ao choque de procura da Segunda Guerra Mundial, a partir de 1942/43.

16. Mas, então, só nos EUA, foram mobilizadas 14 milhões de pessoas e, agora, os conflitos armados não mais geram tantos empregos, nem mesmo nas indústrias de armamentos e nas básicas. Só matam aos milhões, com armas intensivas de tecnologia.

17. As agressões a diversos países desde 2001, as quais contribuíram para elevadíssimos déficits orçamentários, visam elevar os lucros da indústria bélica, um dos grandes feudos da oligarquia, ademais dos objetivos imperiais.

18. A guerra em grande escala seria muito mais dispendiosa e tornou-se menos provável, porque surge uma superpotência, a China, além de ocorrer alguma recuperação do poder bélico da Rússia, ex-superpotência que propiciou o equilíbrio desaparecido no final dos anos 80.

19. Por fim, não há necessidade de novas guerras monstruosas, além de inúteis para sair da "crise". A saída não é difícil, se se puser cobro à tirania política da oligarquia financeira.

20. Bastaria os Estados assumirem o controle de seus Tesouros e dos bancos centrais, extinguirem o grosso das dívidas que inviabilizam a sanidade das economias e promoverem investimentos produtivos estatais e privados no âmbito de uma economia descartelizada.

21. Fora disso, i.e., sem transformação das relações de poder, o cenário é mais depressão, e a dificuldade para essa transformação decorre da deterioração, em todos os aspectos, da vida dos povos subjugados pelo império.

22. Com efeito, a tirania conta, para afastar a revolução, com os frutos de investimentos, desde há um século, nas indústrias da comunicação social e do entretenimento e nos sistemas de "educação", para destruir valores e culturas e embotar o discernimento, tudo isso potencializado por mais tecnologia.

23. A destruição das Torres Gêmeas em Nova York e o ataque ao Pentágono, realizados pelo Estado policial, há onze anos, são exemplos notáveis da produção de terror para justificar agressões imperiais e reforçar leis repressoras totalitárias.

24. É em cima dessas realidades, desconhecidas da maioria, que se monta nos EUA o megaespetáculo das eleições presidenciais.

25. A eleição para presidente da maior superpotência mundial deveria ser evento de capital importância, merecedor da cobertura que tem, se houvesse real opção para os eleitores.

26. Trata-se, porém, de algo irrelevante, já que, como de hábito, os candidatos dos dois partidos estão igualmente vinculados à oligarquia concentradora, sediada em Wall Street, Londres e outras praças-chave da finança mundial.
12/Outubro/2012
[*] Doutor em Economia, brasileiro, autor de Globalização versus Desenvolvimento.

O original encontra-se em Correio da Cidadania


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

sábado, 20 de outubro de 2012

Mentiras mediáticas sobre as eleições na Venezuela

A imprensa ocidental procurou mais uma vez denegrir e influenciar a eleição de Hugo Chavez descrevendo-o como um ditador e a Venezuela um caos. Em França, jornais como Le Monde, Libération ou Le Figaro colocaram essa eleição nas primeiras páginas, hoje depois da sua reeleição, a sua vitória foi relegada para as últimas páginas.
Um "progressista" contra Chavez.
O media ocidentais apresentaram Capriles Radonski como um democrata progressista, alguns não hesitaram em qualificá-lo como um candidato de "centro esquerda". Muito poucos jornais ou televisões falaram do seu programa eleitoral, pudera, esse programa de 166 páginas é um programa tipicamente neoliberal que nada tem de progressista.
Nele consta a privatização da companhia petrolífera nacional, mas foi justamente à custa da redistribuição do dinheiro do petróleo que Hugo Chavez conseguiu em poucos anos financiar a saúde e a educação para todos, acabar com o analfabetismo, apoiar as pequenas e médias empresas, promover o crescimento económico, aumentar o salário mínimo, ...As reformas foram aumentadas, essas mesmas reformas que o programa de Capriles queria ver privatizadas.
Capriles, o "progressista", queria desmantelar o Estado social o qual permitiu tirar da pobreza 80% da população enquanto a elite beneficiava no antigo regime de fortunas colossais com o dinheiro do petróleo, da qual faz parte a família de Capriles.
Um candidato financiado pelos Estados Unidos.
Quem é Capriles que os media ocidentais consideram uma alternativa democrática? Em 1998 foi eleito deputado pelo então partido democrata cristão, partido ultra-neoliberal, depois fundou o "Primeiro Justicia", partido de direita financiado pela CIA através da National Endowment for Democracy (NED) e o International Republican Institute (IRI).
Em 2002, aquando da tentativa de golpe estado para derrubar Chavez, financiado e desenhado pelos Estados Unidos, ele próprio participou no ataque à embaixada de Cuba.
Chavez "o louco".
Os media ocidentais utilizam contra Chavez a mesma táctica que utilizaram e utilizam noutras ocasiões: diabolizar. Nunca falam dos extraordinários progressos sociais, fazem constantemente questão de apresentar Chavez como um louco, um ditador e um anti-semita. Hugo Chavez é dos poucos dirigentes que faz frente aos Estados Unidos, o que incomoda muita gente, e cometeu o "pecado" de criticar publicamente Israel.
Todos conhecemos a retórica: quem é contra o sionismo é apontado com o dedo como sendo contra os judeus e portanto racista. Ora, é o Estado de Israel que é racista e não os que o criticam, alias muito judeus criticam Israel.
Chavez "o ditador".
Frequentemente os media ocidentais falam de restricções à liberdade de expressão na Venezuela, por estar nas mão do estado, a verdade é que o sector privado, hostil a Chávez, controla amplamente os meios de comunicação. De 111 canais de televisão, 61 são privados, 37 são comunitários e 13 públicos. Com a particularidade de que a audiência dos canais públicos não passa de 5,4% enquanto a dos privados supera 61%. O mesmo para os meios radiofónicos. 80% da imprensa escrita está nas mãos da oposição, sendo os dois diários mais influentes – El Universal e El Nacional –, adversos ao governo.
Fala-se em manipulação eleitoral num regime ditatorial, mas alguém já viu um “regime ditatorial” ampliar os limites da democracia em vez de os restringir? E outorgar o direito de voto a milhões de pessoas até então excluídas? As eleições na Venezuela só ocorriam a cada quatro anos, mas Chavez passou a organizar mais de uma por ano (14 em 13 anos), em condições de legalidade democrática, reconhecidas pela própria ONU, pela União Europeia, pela OEA, e pelo Centro Carter.
13 anos de governo de Chavez:
- a taxa de pobreza passou de 50% para 24%
- a taxa de extrema pobreza passou de 22% para 10%
- a má-nutrição infantil de 8% para 3%
- analfabetismo de 9% para 5%
- 83% dos jovens frequentam o ensino superior
- a saúde e a educação são gratuitas
- o crescimento anual do PIB de 4,2%
- taxa de desemprego de 6,5%
mas também:
- a economia é baseada quase na sua totalidade no petróleo
- importa 2/3 do que consume
- a inflação ronda os 30%
- fecho de 170 000 empresas
- expropriação de 3 milhões de hectares
- 30 milhões de terras cultiváveis ao abandono
- importa 80% do seu consumo alimentar
- taxa de homicídios é elevada (50 por 100 000 habitantes)
http://octopedia.blogspot.pt/

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Programa Foral

O projecto aprovado em 2004, no valor de 1,2 milhões de euros, destinava-se a formar centenas de técnicos municipais para trabalharem em sete pistas de aviação, parte delas fechadas, e em dois heliportos da região Centro. No total, estas pistas tinham dez funcionários, agora têm sete.

A Tecnoforma, empresa de que Passos Coelho foi consultor e depois gestor, conseguiu fazer aprovar na Comissão de Coordenação Regional do Centro (CCDRC), em 2004, um projecto financiado pelo programa Foral para formar centenas de funcionários municipais para funções em aeródromos daquela região que não existiam e nada previa que viessem a existir. Nas restantes quatro regiões do país a empresa apresentou projectos com o mesmo objectivo, mas foram todos rejeitados por não cumprirem os requisitos legais. As cinco candidaturas tinham como justificação principal as acrescidas exigências de segurança resultantes dos ataques às torres gémeas de Setembro de 2001.

O programa Foral era tutelado por Miguel Relvas, então secretário de Estado da Administração Local, e na região Centro o gestor do programa Foral (e presidente da CCDRC) era o antigo deputado do PSD Paulo Pereira Coelho, que foi contemporâneo de Passos Coelho e de Relvas na direcção da Juventude Social Democrata (ver PÚBLICO de segunda-feira).

O projecto da Tecnoforma destinado a formar técnicos para os aeródromos e heliportos municipais espalhados pelo país começou a ser preparado no início de 2003, deparando-se desde logo com dificuldades várias ao nível da aprovação dos cursos pelo Instituto Nacional de Aviação Civil (INAC), a única entidade que os podia homologar, e da possibilidade de ser financiado pelos fundos europeus do programa Foral.

No Verão desse ano, a administração da Tecnoforma negociou o assunto com a secretaria de Estado da Administração Local e a 31 de Julho escreveu ao seu titular, Miguel Relvas, ao cuidado da sua então secretário pessoal (Helena Belmar), que agora ocupa as mesmas funções no gabinete de Passos Coelho. “Na sequência das reuniões que têm vindo a ser realizadas com a área dos Transportes e com a Secretaria de Estado da Administração Local fomos incumbidos de apresentar um projecto nacional” de formação de técnicos de aeródromos e heliportos municipais, lê-se no ofício.

Seis meses depois, a 23 de Janeiro de 2003, Miguel Relvas e Jorge Costa, então secretário de Estado das Obras Públicas (com a tutela do INAC) assinaram um protocolo que visava criar as condições para que o INAC aprovasse um conjunto de cursos para técnicos de aeródromos e heliportos municipais, que eram, palavra por palavra, os anteriormente propostos pelas Tecnoforma; e arranjar maneira de o programa Foral os pagar.

O documento estipulava também que o gabinete de Miguel Relvas deveria sensibilizar as empresas privadas de formação profissional, para se envolverem na formação desses técnicos, e autarquias que possuíam aeródromos e helipistas, para inscreverem os seus funcionários nos cursos.

Dezassete dias depois, a 9 de Fevereiro, a Tecnoforma, invocando aquele protocolo, candidatou-se, com dossiers de centenas de páginas, a financiamentos do Foral para realizar aqueles mesmos cursos nas cinco regiões do país. A candidatura maior, que previa 1063 formandos (correspondentes a um total entre 300 e 400 pessoas distintas, porque algumas poderiam frequentar vários cursos) foi entregue na região Centro e apontava para um custo global de 1,2 milhões de euros. E foi a única, que foi aprovada.

Foi aliás a mais cara de todas as que foram financiadas no quadro do programa Foral nos seis anos que este durou (2002-2008). O protocolo patrocinado por Miguel Relvas não foi objecto de qualquer espécie de divulgação e nenhuma empresa, além da Tecnoforma, se candidatou formar os tão necessários técnicos de aeródromos e heliportos municipais.

A execução do projecto da Tecnoforma, cujas contas finais foram assinadas por Pedro Passos Coelho em Março de 2007 (já com o PS no Governo), acabou por não ver aprovada a última das várias prorrogações solicitadas e revelou-se um fracasso. Dos 1063 formandos, a empresa acabou por formar apenas 425 (embora a esmagadora maioria deles tenha participado apenas em sessões de apresentação dos cursos) e em vez dos 1,2 milhões de euros recebeu cerca de 311 mil euros. Nenhum dos cursos que foram ministrados foi concluído e os 36 funcionários que municipais que os frequentaram nunca foram certificados pelo INAC.

 http://www.publico.pt/Pol%C3%ADtica/relvas-apoiou-empresa-ligada-a-passos-a-ter-monopolio-de-formacao-em-aerodromos-do-centro-1566812?p=2


A Tecnoforma, durante o tempo em que Passos Coelho foi seu consultor e administrador, ficou com a maior parte dos contratos celebrados na região Centro, no âmbito do programa Foral, destinado a funcionários das autarquias, avança “Público”
Recorde-se que, na altura, Miguel Relvas era o responsável político pelo programa, na qualidade de secretário de Estado da Administração Local de Durão Barroso. Além disso, Paulo Pereira era o seu gestor na região Centro, Pedro Passos Coelho consultor da Tecnoforma, entre 2002 e 2004, João Luís Gonçalves sócio e administrador da empresa, e António Silva seu director comercial e vereador da Câmara de Mangualde. Todos foram destacados dirigentes da JSD e, parte deles, deputados do PSD.
O programa Foral financiado pela União Europeia e pelo Estado português estava sob a alçada do secretário de Estado da Administração Local, mas a aprovação dos projectos apresentados por empresas privadas na região Centro era feita pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro, liderada por Paulo Pereiro Coelho.
A maior parte do negócio de formação profissional da Região Centro foi para Tecnoforma, que ficou com 86% dos fundos destinados à região, conseguindo 63% dos contratos celebrados. Ou seja, em comparação com todos os que foram realizados em Portugal, esta empresa que não tinha qualquer tipo de destaque no mercado da formação, conseguiu 26% dos contratos, apurou o mesmo jornal.
O programa Foral, criado por António Guterres, em 2001, absorveu cerca de 100 milhões de euros, mas só uma parte foi para os privados. As autarquias foram as maiores beneficiadas.
Confrontados com a situação, tanto Passos Coelho como Miguel Relvas e os actuais e antigos responsáveis da Tecnoforma negam que tenham beneficiado favorecimento devido às ligações políticas existentes entre eles.
Ao “Público”, o primeiro-ministro disse mesmo que essa ideia é um “absurdo”. Por sua vez, o presidente do Conselho de Administração da empresa, que já desempenhava essas funções entre 2002 e 2004, garante que até “já perdeu contratos por dizerem que a Tecnoforma é do Passos Coelho”.
Porém, Passos Coelho afirma nunca ter sido accionista da Tecnoforma, omitindo mesmo no seu CV que foi administrador da mesma entre 2005 e 2007. Chegou, inclusive, a garantir várias vezes ao diário em questão que se desligou dela em 2004, admitindo apenas que a tinha gerido em 2003 e 2004. Contudo, em 2007 ainda a geria. Para além disso, em Agosto passado ainda estava em vigor uma procuração dos seus donos dando-lhe poderes para administrá-la.
Confrontado pelo jornal com estes factos, Passos mostrou-se surpreendido. Por fim, acabou por confirmá-los e afirmou que a omissão dos mesmos tinha sido um “engano” seu.


Helena Roseta já tinha denunciado caso de corrupção que ligava Passos, Relvas e o programa Foral
A eventualidade de uma empresa a que Passos Coelho esteve ligado ter sido favorecida no quadro do programa Foral foi sugerida em Junho por Helena Roseta, antiga presidente da Ordem dos Arquitetos.
Num programa de televisão, na Sic Notícias (ver vídeo)*, a atual vereadora da Câmara de Lisboa disse não se lembrar do nome da empresa, mas garantiu que Miguel Relvas lhe propôs um acordo, quando era secretário de Estado da Administração Local, com o objetivo de a Ordem se candidatar a um programa de formação destinado aos seus membros com dinheiro do Foral. A condição, disse Helena Roseta, era a de esse programa ser depois subcontratado a “uma empresa do Dr. Passos Coelho”. A arquiteta garantiu que rejeitou de imediato a proposta

*.http://youtu.be/ZH2xvCUSBuo


segunda-feira, 15 de outubro de 2012

A Islândia mostrou o caminho: recusar a austeridade

– Recusou receituário do FMI, deixou bancos falirem e condenou responsáveis pela crise
– Por que pouco se fala da Islândia nos media portugueses que se auto-proclamam como "referência"?


por Salim Lamrani [*]
Manifestação frente ao Parlamento da Islândia. Quando, em Setembro de 2008, a crise económica e financeira atingiu a Islândia – pequena ilha no Atlântico com 320 mil habitantes –, o impacto foi desastroso, tal como no resto do continente. A especulação financeira levou à falência os três principais bancos, cujo total de activos era dez vezes superior ao PIB do país. A uma perda líquida foi de 85 mil milhões de dólares. A taxa de desemprego aumentou nove vezes entre 2008 e 2010, ao passo que antes o país gozava de pleno emprego.

A dívida da Islândia representava 900% do PIB e a moeda nacional desvalorizou-se 80% em relação ao euro. O país caiu numa profunda recessão, com uma diminuição do PIB de 11% em dois anos. [1]

Diante da crise

Em 2009, quando o governo pretendeu aplicar as medidas de austeridade exigidas pelo FMI em troca de uma ajuda financeira de 2,1 mil milhões de euros, uma forte mobilização popular o obrigou a renunciar. Nas eleições antecipadas, a esquerda ganhou a maioria absoluta no Parlamento. [2]

No entanto, o novo poder adoptou a lei Icesave – cujo nome provém do banco online que foi à bancarrota e cujos depositantes eram, na maioria, holandeses e britânicos – destinada a reembolsar os clientes estrangeiros. Essa legislação obrigava os islandeses a reembolsarem uma dívida de 3,5 mil milhões de euros (40% de seu PIB) – nove mil euros por habitante – ao longo de quinze anos e com uma taxa de juros de 5%. Diante dos novos protestos populares, o presidente recusou-se a promulgar a lei aprovada pelo parlamento e submeteu-a a um referendo. Em Março de 2010, 93% dos islandeses recusaram a lei do reembolso das perdas do Icesave. Quando submetida novamente a referendo, em Abril de 2011, 63% dos cidadãos voltaram a rejeitá-la. [3]

Uma nova Constituição, redigida por uma Assembleia Constituinte de 25 cidadãos eleitos por sufrágio universal entre 522 candidatos, composta por nove capítulos e 114 artigos, foi adoptada em 2011. Ela prevê o direito à informação, com acesso público aos documentos oficiais (Artigo 15), a criação de uma Comissão de Controle da Responsabilidade do Governo (Artigo 63), o direito à consulta directa (Artigo 65) – 10% dos eleitores podem pedir um referendo sobre as leis votadas pelo Parlamento –, assim como a nomeação do primeiro-ministro pelo Parlamento. [4]

Assim, ao contrário das outras nações da União Europeia na mesma situação, que aplicaram ao pé da letra as instruções do FMI exigindo medidas de austeridade severas, como na Grécia, Irlanda, Itália ou Espanha, a Islândia escolheu uma via alternativa. Quando, em 2008, os três principais bancos do país – Glitnir, Landsbankinn e Kaupthing – desmoronaram, o Estado islandês recusou-se a neles injectar fundos públicos, tal como havia feito o resto da Europa. Em vez disso, efectuou sua nacionalização.

Do mesmo modo, os bancos privados tiveram que cancelar todos os créditos hipotecários com taxas variáveis que superassem 110% do valor dos bens imobiliários, o que evitou uma crise de subprime como nos Estados Unidos. Por outro lado, a Corte Suprema declarou ilegais todos os empréstimos indexados a divisas estrangeiras que haviam sido concedidos a particulares, obrigando assim os bancos a renunciarem a seus créditos em benefício da população. [5]

Quanto aos responsáveis pelo desastre – os banqueiros especuladores que provocaram o desmoronamento do sistema financeiro islandês –, não foram beneficiados com a mansidão verificada no resto da Europa, onde foram sistematicamente absolvidos. Com efeito, Olafur Thor Hauksson, Procurador Especial nomeado pelo Parlamento, processou-os e prendeu-os, inclusive ao ex-primeiro-ministro Geir Haarde. [6]

Uma alternativa à austeridade

Os resultados da política económica e social islandesa têm sido espectaculares. Enquanto a União Europeia se encontra em plena recessão, a Islândia apresentou uma taxa de crescimento de 2,1% em 2011 e prevê uma taxa de 2,7% para 2012, além de uma taxa de desemprego de 6%. [7] O país até se deu ao luxo de realizar o reembolso antecipado de suas dívidas ao FMI. [8]

O presidente islandês Olafur Grímsson explicou este milagre económico: "A diferença é que, na Islândia, deixamos os bancos quebrarem. Eram instituições privadas. Não injectámos dinheiro para salvá-las. O Estado não tem porque assumir essa responsabilidade". [9]

Agindo contra seus próprios prognósticos, o FMI saudou a política do governo islandês – o qual aplicou medidas totalmente contrárias àquelass que o Fundo preconiza –, que permitiu preservar "o precioso modelo nórdico de protecção social". De fato, a Islândia dispõe de um índice de desenvolvimento humano elevado. "O FMI declara que o plano de resgate ao modo islandês oferece lições nos tempos de crise". A instituição acrescenta que "o facto de que a Islândia tenha conseguido preservar o bem-estar social das unidades familiares e conseguir uma consolidação fiscal de grande envergadura é uma das maiores conquistas do programa e do governo islandês".

No entanto, o FMI omitiu a informação de que tais resultados só foram possíveis porque a Islândia recusou sua terapia de choque neoliberal e elaborou um programa de estímulo económico alternativo e eficaz. [10]

O caso da Islândia demonstra que existe uma alternativa crível às políticas de austeridade que são impostas na Europa. Estas, além de serem economicamente ineficazes, são politicamente custosas e socialmente insustentáveis. Ao colocar o interesse geral acima do interesse dos mercados, a Islândia mostrou ao resto do continente o caminho para escapar do beco sem saída.
11/Outubro/2012
Referências bibliográficas
(1) Paul M. Poulsen, ''Como a Islândia, uma vez à beira do precipício, se restabeleceu'', Fundo Monetário Internacional, 26/Outubro/2011. http://www.imf.org/external/french/np/blog/2011/102611f.htm (site acessado em 11/Setembro/2012).
(2) Marie-Joëlle Gros, ''Islândia: a retomada de uma dívida suja'', Libération, 15/Abril/2012.
(3) Comissão de cancelamento da dívida do Terceiro Mundo, "Quando a Islândia reinventa a democracia", 4/Dezembro/2010.
(4) Constituição da Islândia, 29/Junho/2011. http://stjornlagarad.is/other_files/stjornlagarad/Frumvarp-enska.pdf (site acessado em 11/Setembro/2012).
(5) Marie-Joëlle Gros, "Islândia: a retomada de uma dívida suja", op. cit.
(6) Caroline Bruneau, "Crise islandesa: o ex-primeiro-ministro não está aprovado", 13/Maio/2012.
(7) Ambrose Evans-Pritchard, "A Islândia ganhou no fim", The Daily Telegraph, 28/Novembro/2011.
(8) Le Figaro, "A Islândia já reembolsou o FMI", 16/Março/2012.
(9) Ambrose Evans-Pritchard, "Islândia oferece uma tentação arriscada à Irlanda terminada a recessão", The Daily Telegraph, 8/Dezembro/2010.
(10) Omar R. Valdimarsson, "FMI diz que resgate ao estilo da Islândia traz lições em tempos de crise", Business Week, 13/Agosto/2012.

[*] Doutor em Estudos Ibéricos e Latino-americanos pela Universidade Paris Sorbonne-Paris IV, professor responsável por cursos na Universidade Paris-Sorbonne-Paris IV e na Universidade Paris-Est Marne-la-Valée, jornalista especializado nas relações entre Cuba e Estados Unidos. Seu último livro é Etat de siège. Les sanctions économiques des Etats-Unis contre Cuba, Paris, Ed. Estrella, 2011.   Contacto: Salim.Lamrani@univ-mlv.fr.   Página no Facebook:
https://www.facebook.com/SalimLamraniOfficiel

O original encontra-se em operamundi.uol.com.br/...


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

Nobel da Paz 2012


Quants: Os Alquimistas de Wall Street

terça-feira, 9 de outubro de 2012

O regresso do povo

Depois das manifestações de 15 e 29 de Setembro, que reuniram nas ruas do país entre quinhentas mil e um milhão de pessoas, a crise em Portugal entrou numa nova fase. O povo regressou, disse basta. Doravante é muito improvável que os governantes – os nacionais e os externos – possam continuar a excluí-lo da equação. O papel que ao povo estava reservado era o de simples objecto das políticas, devendo suportar, com resignação expiatória e salvífica, todos os sacrifícios. Mas, perante mais uma escalada nos cortes austeritários que continuam a amputar as vidas dos trabalhadores, dos desempregados e dos pensionistas, em Setembro atingiu-se um ponto de saturação.

As mobilizações populares sinalizaram o estilhaçar da narrativa dominante associada à austeridade europeia: necessidade, inevitabilidade e eficácia. Foi preciso fazer alguma coisa de extraordinário, porque se deixou de acreditar que as medidas de austeridade fossem limitadas no tempo, ou que melhorassem as contas públicas, diminuíssem o desemprego, detivessem a espiral da dívida e colocassem o país numa rota de crescimento.

Nenhum desses objectivos era real, nunca foi. A austeridade não é um parêntesis findo o qual se vá regressar à realidade anterior (mesmo com todos os problemas que ela tinha, a começar pelas desigualdades). Os sacrifícios a que a esmagadora maioria da população está a ser sujeita não são úteis, pelo menos não para a própria população. Os beneficiários da austeridade são os detentores dos mais elevados rendimentos, os credores, os especuladores, os rentistas. Mais do que da crise do século, conviria falar do negócio do século. Um negócio que está a destruir as sociedades, as economias e a própria democracia.

Para os leitores do Le Monde diplomatique, este falhanço da receita da austeridade não tem nada de imprevisível – muito mais imprevisível era saber que ponto de saturação poderia trazer o regresso do povo, como sujeito histórico. Também não confundem o falhanço das políticas de austeridade (a inadequação dos resultados destas políticas aos seus objectivos enunciados) com o fracasso do «regime austeritário» (que seria a inadequação dos resultados aos verdadeiros propósitos desta política imposta à escala europeia).

Com efeito, a expressão «regime austeritário» é usada nestas páginas desde Novembro de 2010 [1] para designar uma suspensão sem fim à vista do contrato social em que assenta a democracia e os direitos a ela associados, invocando uma emergência económico- -financeira que se torna uma profecia auto- -realizada e desencadeia uma espiral recessiva, com todas as suas consequências. Estas análises são herdeiras das que o Le Monde diplomatique faz há décadas sobre o neoliberalismo e sobre os programas de ajustamento estrutural impostos por instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI) na América Latina ou na Europa de Leste. Não acordámos agora, como tantos órgãos de comunicação social, para os verdadeiros efeitos que decorrem desta receita neoliberal; nem adormeceremos na primeira volta em que a austeridade seja obrigada pela mobilização popular a ser um pouco menos escandalosa.

Já o dissemos num livro sobre a crise e a «economia de austeridade» que colige artigos de autores portugueses publicados nestas páginas desde 2008 [2]: o austeritarismo é a mais recente mutação do pensamento único e, enquanto ele não for compreendido pela maioria como um poderoso mecanismo de delimitação do campo do que é pensável e possível, será muito mais difícil contrariar as suas desastrosas, mas absolutamente previsíveis, consequências.

Enquanto se afirmar, como agora se ouve e lê em grande parte da comunicação social, que neste momento é a matemática, e já não a política nem a ideologia, que demonstram que estas medidas de austeridade estão a ser uma má resposta à crise, estar-se-á a mascarar questões importantes e a delimitar o campo da discussão. Em primeiro lugar, porque os números concretos (e trágicos) da austeridade têm valor empírico argumentativo, é certo, mas não podem ser apresentados por toda a gente, e muito menos por especialistas e responsáveis por áreas económicas, como uma surpresa de que ninguém estava à espera. Em segundo lugar, porque fazer uma leitura da austeridade que ignore a sua vocação política e ideológica, ainda por cima invocando uma pretensa pureza técnica e neutralidade política da argumentação, é uma forma de manter o debate num terreno pretensamente asséptico, mas na realidade empobrecido. Sobretudo quando a população está perante uma solução governativa esgotada, é fundamental colocar à discussão as escolhas de caminhos alternativos que podem ser seguidos e que não são meramente técnicos, mas políticos.

Por muito que pareça que a gravidade da situação nacional e o colapso do modelo de integração europeia abriram um pouco o debate público, a verdade é que o campo do que é pensável e possível continua muito delimitado. Na edição portuguesa do Le Monde diplomatique, apesar de todas as dificuldades que uma crise como esta nos impõe [3], continuaremos a contribuir para o alargamento dos termos do debate. Colocando cenários, convidando à reflexão. São disso exemplo as páginas que este mês publicamos, da autoria dos economistas Alexandre Abreu e Eugénio Rosa, sobre as consequências de uma denúncia do Memorando de Entendimento com a Troika [4] e sobre os rumos do financiamento sustentável da economia, tendo em conta que os sacrifícios impostos pela austeridade são incompatíveis com o crescimento económico.

Neste projecto jornalístico estamos convencidos de que um povo, para poder ser sujeito das suas escolhas, tem de ter fontes de informação independentes que alimentem uma reflexão aprofundada e sejam úteis para fazer escolhas. É uma tarefa difícil nas condições do campo mediático. A generalidade da comunicação social insiste numa informação superficial e num estreitamento do pluralismo que contribui para criar um povo muito subalternizado. Isso foi bem visível recentemente, com a distribuição de elogios (era esse o tom) a um povo «crédulo», que mostrou capacidade de «confiar» e de aceitar com «boa fé» os sacrifícios, até ver que eles não resultam.

Quanto sofrimento individual, destruição social e da economia, e quanta quebra de confiança na democracia teriam já sido evitados se entre a população, em vez de perda de credulidade e quebra de confiança, tivéssemos uma compreensão do funcionamento da crise, uma confrontação crítica de pontos de vista e uma capacidade para formular alternativas sustentáveis? O regresso do povo que importa construir é este.


quinta-feira 4 de Outubro de 2012

por Sandra Monteiro

http://pt.mondediplo.com/spip.php?article885

Curso de chiens de garde

Adiantam-se duas das vinte lições do Curso de uma imaginária Universidade de Verão.
O livro será lançado, no próximo dia 12, pelas 19 horas.
A apresentação caberá a Manuel Pinto, docente universitário, ex-jornalista e ex-provedor do Leitor. Será na Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto (R. Rodrigues Sampaio, 140).

por César Príncipe 
 
 

Aula de Abertura

DEPOIS DA CENSURA OFICIAL
Propõe-se uma pedagogia provocatória, no sentido de não temer (antes eleger) focagens/linguagens desestabilizadoras da Pax Mediática. Para decepção de aprendizes de primeiro grau e mestres anglo-saxonizados, desconstrói-se o Discurso Consensual. Não se hesita em tirar o véu à noiva/Liberdade de Imprensa. Denuncia-se a Censura em Regime Democrático. A contradição é aparente. O comprovatório é evidente. A Censura move-se pelos quatro cantos de Portugal e pelas sete partidas da Aldeia Global . Apenas lança mão de novos condicionamentos/instrumentos/novo léxico. Apenas não incorre na imprudência ou na impudência de actuar sob a denomi(nação) de Direcção/Comissão dos Serviços de Censura/Exame Prévio. Mas qualquer cidadão-telespectador/radiouvinte/leitor, se usar os olhos e os ouvidos para ver e ouvir e não só para olhar e escutar, poderá identificar dispositivos/objectivos censórios/manipulatórios. Notará o apagar/avivar de acon(tecimentos)/pontos de vista. Bastará parar/ver e escutar nas Passagens de Nível da Informação Sem Guarda. Para alguns, a matéria será controversa; para outros, perversa. Estou entre os que consideram o grosso dos média Unidades de Produção de Agitprop & Showpop do Sistema. Em suma: os Meios de Informação são um Meio de Ex(pressão)/Infor(matação). O autor das reflexões entendeu cooperar na descodificação da Nova Censura, que, para melhor censurar, nega a sua existência. Em 1979, trouxe à Praça da Informação Os Segredos da Censura /Jornal Póstumo de noticiário salazarista-marcelista (1967-1974), não havendo, na era democratizante, feito voto de silêncio, já que o Processo de Garantização das Liberdades é um contínuo dialéctico. Também, na Esfera Mediática, o Fim da História não se operou. Assim, posta a nu a Velha Senhora, haverá que ir levantando a burka da Nova Senhora: após Os Segredos da Censura do Fascismo/Os Segredos da Censura do Farsismo.

Daí esta colectânea de constatações/contundências, entre o Estudo e a Crónica. Achega para desassossegar Discípulos & Rebanhos dos Senhores. As vozes dissonantes enriquecem a música. Seria promissor que a maioria dessas vozes irrompesse do seio red(actorial). Não apenas por auto-reparação corporativa/reinvenção de valores profissionais. Há uma dimensão nacional e universal na autocrítica. E o desalinhamento também oferece prazer est(ético). É excitante violar o PRBCM/Pacto de Regime do Bloco Central Mediático. Com tal disposição de pronúncia/denúncia se elaborou este Curso Intensivo de Vinte Lições, tendo por base o Cadastro dos Onze & de alguns Centros de Citação. O programa da Universidade de Verão divide-se/por razões metodológicas/em dois painéis: Ordem Mediática Interna/Ordem Mediática Internacional. A esquemática é relativamente autónoma. As malhas de interesses cruzam posições accionistas & guiões editoriais.

Ler Curso de Chiens de Garde e reler Os Segredos da Censura resultará num exercício de identificação de raças lusitanas/euro-americanas, desvelando hábitos da Canilândia e cruzamentos de pedigree. Como se chegou a tal apuramento na casota lusitana? Através do simplex: o dono domestica o cão e o cão domestica o homem. Ler e reler servirá também de alarme co(lectivo): após a acção dos Capitães da Liberdade, foi emergindo uma casta de coronéis, também reconhecíveis como bacharéis, pessoal, já não formatado em academias castrenses/tarimbado em quartéis da metrópole/picadas africanas, mas em Estabelecimentos de Ensino Superior (Estatal/Privado)/na Cultura da Empresa/na Guerra Colonial da Opinião Publicada. Na verdade, sob a retórica da Ordem Democrática, existe uma Ordem Mediática/subsiste uma cartilha dirigista/proibicionista, cujo recorte ideológico nos leva a entidades políticas/empresariais/profissionais, as primeiras eleitoralmente sufragadas, mas promovidas/capturadas por instâncias que não se sujeitam às urnas.

Um dos acentos pedagógicos prende-se com o regime e o modelo de gestão da propriedade/os condicionadores sistémicos, instalados com armas e bagagens na Esfera Mediática, sector que requereria apetência de serviço público/particular capacitação/efectiva regulação. No entanto, as Corporações Multimédia actuam em linha com a Lei dos Dividendos & da Guarda do Sistema e não com as Leis da República ou dos Direitos do Homem & do Planeta. Como está inscrito no bronze da Constituição Portuguesa/nos volumes que enobrecem as instituições. Evoluindo na continuidade, como no Velho Estado Novo, a Censura do Novo Estado lê o presente/reescreve o passado/prescreve o futuro, intervém numa dinâmica de proteccionismo estatal/falsa concorrência/reproduzindo enlaces/modelos mercadológicos/instruindo chiens de garde /fidelizando públicos: uma Verdadeira Canicultura/ Quadratura do Círculo.

Independentemente dos Livros de Estilo dos Negócios, as empresas socorrem-se da Hierarquia Censória/Agenda do Corte e da Morte Cívica da Mensagem. Se fosse possível editar as deturpações/mutilações do Novo Jornalismo de Encomenda & Campanha, fundar-se-ia um Banco de Não-Notícias/um verdadeiro Banco de Portugal/Novo Portugal Amordaçado. [1] Que terá a ver noticiário com Informação? Diremos, sem receio de grandes desautorizações, que a primeira preocupação informal de um órgão noticioso é não dar notícias e a segunda/a formal/ é fingir que as dá. Importa manter os consumidores disciplinados pela Agenda da Aparência & da Conveniência/de olhar fixo nos Painéis Propagandísticos & Publicitários. Assim, a estratégia mediática passa pela comunicação/mercadorização/não pela diversinformação conteudística/espectogramação crítica. Para optimizar o binómio, os Grupos interactivam plataformas red(actoriais), recorrendo a balcões próprios/ratos de colheita internet/colaboradores de grelha apertada/subcontratadas de comunicação. Este modelo reduz o preço da produção-redacção. Reduz também a iniciativa dos red(actores). A tendência para o uniformismo vertiginoso/ruidoso está à vista. O selector/potenciador sinergético deixa de fora, por razões de preconceito/lucro, um rol de matérias/uma lista de intocáveis. Revelar-se-ia pródiga a edição de um Jornal da Censura Democrática. Tal matutino/vespertino bateria em estupor o Jornalismo de Sarjeta / Jornalismo de Referência.

Na ausência de um rasgo empreendedor do Grupo dos Onze, controlador do Portugal Mediático, disponibilizar-se-á uma bateria de alertas sobre o acesso aos media (propriedade/feitura/consumo). Facultar-se-ão também alguns expedientes de auto-defesa. Na retaguarda de cada notícia está montada uma metralhadora ideológica. Na manga de cada comunicador jaz um truque mobilizador/desmobilizador. Estamos sob bombardeamento das forças de filtração do ocorrido/segmentação do reflectido/globalização hegemónica/das Lavandarias de Cérebros de Manada. Sob uma batuta e uma batota telecomandadas interna/internacionalmente, actua, mais ou menos afinada/refinada, uma Régie Mediática. Na generalidade, os nossos produtores são mais consumidores do que produtores. Raramente transcendem a função repercussionista/telecopiadora/de pés-de-microfone/recitadores de teleponto. Daí que as Agências/os agentes actuem segundo o Princípio da Circularidade. Daí o crescente cansaço do Uniforme, que os programadores procuram refrescar com números de circo/dra(matizações) que façam crer que o artigo é puro porque é cativante. O empresariado/asssim/pela doutri(nação) e pela di(versão): a Agenda Double Face /um Jornalismo de Artes Marciais/Jornalismo-Spa. Eis como se foi impondo a Lusofonia Mediática/traduzida no eduquês/ economês/ politiquês/ militarês/ futebolês/ sexês/ americanês: DJ/Dicionário de Jornalês.

Neste curso/desvalorizaremos/desincentivaremos a vocação templária: situacionista/unanimista. Enalteceremos a Soberania da Diversidade & da Divergência/do Choque Frontal. Accionaremos sensores anti-censores/anti-Novo Exame Prévio, travestido de Prioridade da Agenda/Primado da Concorrência/Gosto do Público. O peso da factura/preço da fractura estão a tornar-se perniciosos/penosos/indecorosos. Devolver a factura é inadiável. Fracturar é preciso. Uma situação a extremar-se pede uma oposição de contundência/emergência. O mal du pays e o diagnóstico planetário recomendam uma operação de cabeça aberta. O défice mediático-democrático é astronómico. Igual ou superior ao das finanças. Os responsáveis da gover(nação) económico-política & os seus agentes-comunicadores têm uma colossal dívida para com a Liberdade de Informação. A Liberdade de Imprensa pouco tem a ver com a Liberdade de Empresa. A Futura Ordem Democrática terá contas a ajustar com a Presente Ordem Mediática.

É inadiável antecipar o futuro.

[1] Soares, Mário, Le Portugal bailloné, Calman-Levy, 1972. Portugal Amordaçado, Arcádia, 1974. Na versão portuguesa, o autor suprimiu as alusões ao comprometimento da Igreja Católica com a ditadura. Em 1972, estava exilado em Paris; em 1974, compunha o Governo em Lisboa.


Aula de Encerramento

DECOMÉDIA

 
[1] Com o tempo, uma imprensa cínica, mercenária, demagógica e corrupta formará um público tão vil como ela mesma. [1]
Joseph Pulitzer

O xonarlismo non morreu. De certeza, cada vez está máis presente. O que morreu e é unha verdadeira desgraza - é o xornalista tradicional, comprometido, axitador, inconformista, crítico… Hoxe vivemos tempos de consensos esmagadores. [2]
Carlos Reigosa
Dispomos de centenas de canais/estações de TV/Rádio. Têm um preço. Facultam-nos milhares de publicações em suporte de papel/ on-line. Têm um preço. Estamos cercados por condicionários da inteligência/da vontade/dos desejos/da sensibilidade/dos impulsos (políticos/comerciais/sociais/culturais). Convidam-nos a comprar o nosso cativeiro/a nossa pulseira mediática. São realmente muitos mas são demasiado semelhantes. Têm dono. Quase todos se declaram objectivos/ isentos/ imparciais/ independentes. Utilizam muita cor e muito som para seduzir/estontear: conduzir os rebanhos. Programam os dias e as noites como os cabos de guerra planeiam as ofensivas: nós, telespectadores, nós, radiouvintes, nós, leitores, não passamos de consumidores de refeições preparadas com todos os aperitivos/condimentos/aditivos das Indústrias da Infor(matação) Controlada-Publicidade Dirigida. Comecemos por desconfiar dos que têm necessidade de espectacularizar a imparcialidade e de nos envolver nos seus cenários. Tratemos de os sopesar como amigos de ocasião ou inimigos de camuflado, que nos prestam algum serviço ou dão algum alvitre ou montam emboscadas. Lúdicas, por vezes. Tratemos de os ouvir como vendedores de mercadorias emocionais/mentais, além do seu grande empenho em nos caninizar/fidelizar como clientes/crentes do Grande Bazar Mediático-Teologia do Mercado.

Acima de tudo, recomenda-se estado de alerta máximo perante a maior arma de destruição (massiva/maciça) de personalidades/colectividades, municiada pelo Neoliberalismo Globalizante: o televisor. Para manter o estado de prontidão, face a esta Ogiva de Cabeça Múltipla, é indispensável conservar o comando sempre em posição correcta: dedo no gatilho. Alguém nos quer constantemente ordeirizar/abater. Exerçamos o direito de defesa/contra-ataque. Façamos zapping como snipers da GEU/Guerrilha Electrónica Universal. Disparemos à queima-roupa na direcção dos pivots com semblante de Estado ou com ar de privada/de comentadores de aparência contestatária ou de bobos WC.

Limpemos o écran do Sistema com sabão Radical. Para grandes males, grandes remédios Deixemos de dizer: É a hora do noticiário. Não. É a hora do propagandiário. É ur(gente) que cada cidadão do mundo tire um curso intensivo de minas/armadilhas/espingardas com mira telescópica. Precisamos de um Diploma de Atirador Multimédia/de Unidades Móveis de Glo(balística). Assim, embora dispensando à TV a atenção devida ao estatuto de instrumento-mor de clonagem de seres humanos em carneiros, jamais deveremos descurar a Rádio/Imprensa escrita/oferta livreira/as redes- net. Adaptemos a cada produtor/produto a especificidade da carga balística/do alvo certeiro. Na nossa viseira deveremos, sem grandes compassos de espera, actualizar as estatísticas: somos um país do pelotão da frente em número de consumidores de resíduos audiovisuais e de relva de estádio e somos um país da lanterna vermelha a consumir livros e, quando consumimos, tendemos para a Literatura das Doenças Infantis do Capitalismo/dos Chiclets Culturais de Hipermercado. Best-seller, na generalidade, quer dizer Linha Editorial de Cabeleireiro.

No entanto, como consumidores, deveríamos promover a organização da resistência pessoal/nacional/global, corporizável num novo tipo de associativismo, a que daremos um nome neo: DECOMÉDIA. [3] Como? Desde já, disparando o telecomando/sintonizador/abandonando nas bancas e prateleiras o lixo do Sistema. Desde já, usando máscara no mercado audiovisual e luvas no mercado impresso/abordando relutantemente qualquer produto das ETAR`s do Poder/Saber. Desde já, cooperando na formação de novos conteúdos/novos públicos, pois se nos mantivermos como escaravelhos-bosteiros, arrastando os detritos da Sociedade da Abundância e se não ampliarmos o Levantamento de Rancho, restaremos na Pré-História Alimentar das Cons(ciências).

Arrojemos, na primeira aula de ginástica cívica, um Livro Proibido e outras publicações marginais contra os vazadouros digitais/parabólicos/por satélite. Façamos um esforço para não ofender demasiado a vista com a Imprensa de Referência/Sarjeta, faces do mesmo sujeito, o capitalismo selvagem, que finge comer com faca/garfo/guardanapo, fazendo, um, as necessidades debaixo da mesa/outro, em cima da mesa. Não consumir é uma opção de grande ascese democrática. Os telespectadores/radiouvintes/leitores só ganharão em não acumular resíduos no Sistema nervoso central. A Declaração de uma Greve Geral por tempo indeterminado a produtos informativos/culturais avariados talvez se revele uma Forma Superior de Contestação. Haverá que exaltar a Ideal Liberdade de Imprensa e problematizar a Real Liberdade de Empresa. Esta última tão receptiva a choques tecnológicos como avessa a choques sociológicos.

Por outro lado, a auto-legendada Classe Jornalística não deve ficar à espera de um questionamento ao retardador e do exterior. A Comunicação é Social mas também comporta uma dimensão de Sector e uma dimensão de actor. Existem volumes de dossiers atirados pelo patronato privado/estatal para a berma da estrada das negociações. Existem atropelos à Liberdade de Imprensa e ao Pluralismo que davam para congestionar um Tribunal de Delitos Censórios-Laborais. A Comunicação Social está a pedir um buzi(não). Alguma da energia do pseudo-jornalismo musculado da Nossa Praça faria bem em ser aplicada em causa própria. E tem prementes/pungentes motivos face às condições profissionais/assistenciais. Seria uma excelente cacha acordarmos com uma vaga de inconformismo vinda de dentro. Teremos, contudo, de manter a expectativa em limiares típicos de uma classe que só é francamente mobilizável quando os motores sociais aquecem o ambiente e se desencadeiam disputas de amplificadores. As associações ambientalistas deveriam integrar, sem tibiezas, na sua Agenda, a maioria das publicações periódias e não-periódicas e das emissões sonoras e visuais: para além das mentes, quantas florestas não são devastadas e quantas atmosferas não se degradam com as edições do Sistema?

Há, entretanto, que conferir significado a uma concertação/direcção de pequenos passos. O tempo não está para conversões em massa mas para conversões à massa. O que leva uns a entregar-se ao inimigo/outros a enveredar pela resig(nação). Atitudes que podem resolver aspirações ou cobrir indolências particulares/esconder amarguras idealistas mas que nada contribuem para um ab(anão) nos recintos do publicado e dos públicos. Contribuir para um meio ambiente mais saneado implica uma auto-desintoxicação mediática e um desinquinamento das fontes. Seria bem necessário um Protocolo de Quioto para atenuar a carga tóxica do Pla net da Informação. Mas quem o celebra? Não poderemos confiar na grande maioria dos Estados nem na grande maioria dos empresários nem na grande maioria dos assalariados nem na grande maioria dos infogaseados. Como é do contudo move-se de Galileo Galilei, evoluir-se-á do consenso esmagador para o consenso emancipador, a partir de Pequenas Células de Infocidadania/Redes de Contra-Projecto.

Eis o Estado da Nação dos Onze.

Os Donos do Showinfo passeiam-se sobre a espinha dorsal de numerosos red(actores) – chiens de garde que se reviram com as cócegas ventrais. São mesmo sujeitos para fingir que nada têm a ver com o retratado/cadastrado. É com este Jornalismo Ordeirista & Diversionista que temos de nos haver em todos os debates/combates. É com um ambiente político-jurídico cada vez mais criminalizador das opiniões anti-sistémicas e da investigação de fundo que teremos de nos posicionar como cidadãos-consumidores. De certa maneira/havia mais liberdade de Imprensa no fim do séc. XIX/princípio do séc. XX em Portugal do que no fim do séc. XX/princípio do séc. XXI. Se ressuscitasse/Rafael Bordalo Pinheiro passaria a vida de tribunal em tribunal, para não dizer de cadeia em cadeia. Provavelmente teria de se refugiar nas Caldas da Rainha a moldar falos e batráquios em nome do Zé Povo e da Patroika/antiga Pátria. De facto e de jure, a pressão penal paira no clima de trabalho e contribui para o défice de transparência. Quando é que Bordalo voltará a chamar porco ao rei? O honrado red(actor) terá de se precaver. Está de volta o Jornalismo de Entrelinhas. O ludibriado leitor terá de se defender e treinar a vista. Na verdade e na generalidade, se gastamos mais de dez minutos com um diário ou mais de quinze minutos com um semanário da Uniformédia, é de recear um problema de fixação doentia/amarração. Procuremos um consultório perscrutador/respeitador de segredos íntimos. Acomodemos as partes no divã e desvendemos o que nos vai na alma. Ler jornais poderá significar saber menos? A desconfiança tornou-se digna de caricatura.

Às vezes, a única coisa verdadeira num jornal é a data. [4]

Neste panorama de mentiras e omissões programadas/dúvidas armadilhadas/verdades superficializadas, é ur(gente) pugnar por um Jornalismo Inqui(ético), que não se submeta a consensos esmagadores. Por este Jornalismo valerá a pena clamar e terçar como Ribine, sinalizador de leituras essenciais:

Ajuda-me! Dá-me livros, daqueles que um homem, depois de lê-los, não encontre sossego. [5]

Este Curso pretendeu alertar alunos/adestrar candidatos/desiludir estagiários/reescolarizar profissionais. Também teve a intenção de intranquilizar telespectadores/radiouvintes/leitores. Fez o possível por reintroduzir o espírito de verão no inverno do nosso descontentamento. [6] Encerraremos o presente ciclo com um apelo/que gostaríamos de ver retransmitido nos aparelhos de Comunicação ao abrigo do Direito de Resposta.

Cuidado.

Acima de tudo e de todos/a lidar com a Televisão. Nunca será demais reflectir sobre o poder fascinador/ regulador/ normalizador/ malfeitor deste equipamento. Foi transformado numa prótese biológica/numa arma ideológica e numa fábrica de teledependências. Tornou-se sofisticada(mente) mediocratizada/mediocratizante. Os Espaços Retóricos & Cénicos do Sistema estão empenhados em transmitir/com abundantes e cativantes meios técnicos/a mesma coisa/defender a mesma causa com caras de cartaz ou fortuitos convidados, mais ou menos à mesma hora. O telespectador já não suporta o rancho do dia nem os enlatados da noite? Zapping. Mude-se para um canal dito Segundo. Poderá conter menos carga tóxica/até gratificantes surpresas. Mude-se para a Mezzo. Declare-se exilado político-musical. Zapping. Mude-se para as manhãs de domingo. As televisões também obrigam os inocentes a madrugar. Regresse ao parque infantil. É menos custoso suportar horários nobres do que horários nobres. Zapping. Mude-se para o National Geographic. Qualquer paisagem é menos hostil/qualquer selva é menos feroz. Zapping. Mude-se para a CNN. Ficará a saber o que pensa o patrão. Evite perder tempo com intermediários. Tempo é dinheiro. Money. Corte nos gastos.

Inscreva-se na RAMG/Resistência Anti-Mediática Global.
1. Joseph Pulitzer (1847-1911). Jornalista-empresário.
2. Reigosa, Carlos, jornalista, escritor. Citação: in editorial Galaxia novidades: www. editorialgalaxia. com (Primavera/Verão '07).
3. DECOMÉDIA/Defesa do Consumidor dos Média.
4. Veríssimo, Luís Fernando, jornalista, escritor ( odiario.info, José Paulo Gascão, 24/05/2008).
5. Ribine, citado por Francisco Mangas, jornalista, escritor, Notícias Sábado/ NS, 31/05/2008. Fonte original: A Mãe, Máximo Gorki (1868-1936).
6. This is the winter of our discontent made glorious summer by this sun of York /Richard III/1592-1593/Shakespeare/ The Winter of Our Discontent /1961/Steinbeck, John (1902-1968).


Estes textos encontram-se em http://resistir.info/ .
 

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

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«Serei rigorosamente imparcial no tratamento das diversas forças políticas, mantendo neutralidade e equidistância relativamente ao Governo e à oposição. (...) A nossa sociedade não pode continuar adormecida. (...) É altura dos Portugueses despertarem da letargia em que têm vivido (...) Muitos dos nossos agentes políticos não conhecem o país real, só conhecem um país virtual e mediático. Precisamos de uma política humana, orientada para as pessoas concretas, para famílias inteiras que enfrentam privações absolutamente inadmissíveis num país europeu do século XXI. (...) Os Portugueses não são uma estatística abstracta. (...) Há limites para os sacrifícios que se podem exigir ao comum dos cidadãos.» (Aníbal Cavaco Silva, a 9 de Março de 2011).

«Queria fazer-vos uma declaração em relação às medidas anunciadas hoje. (...) Vão aumentar as taxas do IRS, em termos práticos, mais 10 ou 15%, face ao que as pessoas pagam todos os meses. O aumento é duplo: chamo à atenção que agora sobem as taxas e há um mês tinham anunciado o corte nas deduções. O que significa que se vai pagar mais ao Estado todos os meses e que se pode deduzir menos, muito menos, em educação e saúde. (...) E, embora o primeiro-ministro não o tenha clarificado, temo que não sejam apenas os trabalhadores que estão no activo, mas também os pensionistas, que vejam o seu IRS agravado. (...) Isto é um bombardeamento fiscal que é negativo para a nossa economia. (...) Eu mantenho a palavra que dei ao eleitorado: o caminho é fazer uma compressão da despesa. É reduzir a despesa que pode ser reduzida. E não é ir pelo aumento de impostos, por aumentos de impostos sucessivos. (...) Eu dei a minha palavra ao eleitorado e mantenho-a: pedi confiança às pessoas para outro modelo fiscal. Não me deram confiança para estar a votar aumento de impostos. (...) Lamento profundamente que os portugueses cheguem cada vez mais à conclusão que o governo não tem palavra, relativamente à questão fiscal, como a muitas outras matérias.» (Paulo Portas, a 13 de Maio de 2010).

 «Ao longo dos últimos meses, o governo [PS] adoptou, em diversos momentos, medidas gravosas, visando a redução do défice orçamental, que tiveram e têm consequências directas sobre o rendimento das pessoas e das famílias, sobre a actividade das empresas e sobre o desempenho da economia portuguesa como um todo. Sempre que tal aconteceu, o governo garantiu, pela voz dos seus mais altos responsáveis nesta matéria - o primeiro-ministro e o ministro das finanças - que as medidas em causa eram as adequadas e suficientes para a realização dos objectivos pretendidos em matéria de finanças públicas. Impor agora novos aumentos de impostos, cortes nas pensões, no Serviço Nacional de Saúde ou na rede escolar, confirma a estratégia do governo de transformar medidas de emergência - que pelos sacrifícios que impõem aos cidadãos - apenas devem ser assumidas em situações extraordinárias e de modo conjuntural. (...) Ao agir dessa forma, o governo está também a evidenciar, perante o país inteiro, quer a sua incapacidade para cumprir adequadamente aquela que é a sua responsabilidade, quer o seu despudor em transferir para os portugueses  o custo dos seus sucessivos erros. Se estas medidas adicionais são necessárias, é porque o governo não soube, ou não quis fazer, aquilo que a ele - e só a ele - lhe compete.» (Pedro Passos Coelho, a 11 de Março de 2011)

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