Quando participei no primeiro debate televisivo realizado em Portugal sobre o euro ("Prós e Contras",
15 Abril 2013), afirmei que a moeda única iria acabar. Da mesma forma
que a Inglaterra de 1931 não aguentou a política de austeridade imposta
por um sistema monetário que excluía a desvalorização da moeda - no
padrão-ouro, o reequilíbrio externo teria de ser alcançado por redução
dos salários, a chamada "desvalorização interna" -, também nos nossos
dias, um dos países sujeitos à política cruel imposta pela UE acabará
por sair. O primeiro será a Grécia, os outros vão a seguir, ao ritmo do
respectivo ciclo político.
Entretanto, o
discurso do medo voltará às televisões. Dir-nos-ão que sair do euro é
uma calamidade porque perderemos metade do poder de compra, que os
bancos vão falir e perderemos as nossas poupanças, que o Estado não
pagará aos funcionários públicos e pensionistas, que seremos excluídos
dos mercados para todo o sempre e, argumento último de quem está
inseguro, que a Alemanha nos invadirá para restabelecer a ordem. Do
serviço público de televisão, gerido por comissários políticos, não se
pode esperar uma informação isenta e fundamentada. Não haverá recolha de
depoimentos de especialistas estrangeiros que ponham em causa o
pensamento dominante, não haverá debate honesto com uma participação
plural que ultrapasse o discurso partidário rotineiro. Dos canais
privados também não podemos esperar que cumpram as exigências básicas de
pluralismo, nem que as autoridades competentes o exijam. O que temos
visto fala por si. Aliás, os analistas que ocupam o palco estão no bolso
dos grupos económicos e da finança. Um governo de salvação nacional
também terá de resgatar a comunicação social e pô-la ao serviço do
interesse público.
Recordemos então algumas ideias simples que os portugueses não têm direito a debater nos media de
grande audiência. Quando Portugal sair do euro, todos os contratos
realizados sob jurisdição nacional ficam automaticamente redenominados
em novos escudos, segundo a jurisprudência internacional ( lex moneta ,
1 escudo = 1 euro). Assim, todos os empréstimos bancários, depósitos,
salários, pensões, preços nas lojas, etc., passam a escudos e, a partir
desse dia, o Estado apenas paga e recebe em escudos. O Estado fica sem
problemas de liquidez porque os seus défices - necessários para
estimular a economia - ficam cobertos por financiamento interno, quer do
sector privado, que procura obrigações do Tesouro para aplicações
seguras, quer do Banco de Portugal, a entidade pública que emite moeda.
Portanto, sair do euro significa a libertação do país dos humores dos
mercados financeiros. Quanto às necessidades de financiamento em outras
moedas, os últimos dias mostraram-nos que os EUA estão dispostos a
ajudar para evitar o recurso aos seus rivais. Note-se que os BRIC têm
agora um banco que é alternativa ao FMI.
Um governo
de ruptura deve, à cabeça, nacionalizar os bancos e instituir o controlo
dos movimentos de capitais. Seria vantajoso comprá-los em bolsa, à
cotação do momento, e proceder à sua recapitalização, tudo com emissão
monetária. A inflação será o custo a pagar para recuperarmos a
soberania. Mas será um custo transitório (inicialmente, cerca de 12%,
muito menos nos dois anos seguintes) que pode ser distribuído com
justiça social através de compensações a atribuir aos rendimentos mais
baixos. A classe média/alta, vendo os seus desempregados recuperarem a
dignidade de voltar a trabalhar em condições decentes, aceitará de bom
grado alguma perda temporária de poder de compra. Como seria de esperar,
o novo paradigma da política económica dará prioridade ao emprego, ao
contrário da finança, que diaboliza a inflação e acha inevitável este
desemprego típico dos anos trinta do século passado.
À medida que
se forem abrindo espaços de debate público informado sobre o que
significa sair do euro, os portugueses ficarão cada vez mais receptivos à
proposta de uma Europa de países soberanos. Por muito que custe aos
federalistas, não creio que os portugueses queiram viver num
protectorado sujeito a diktats.