Da coligação portuguesa proposta por Amado, à moralidade alemã, passando pelas expectativas europeias sobre a capitulação irlandesa: três ficções sobre a crise.
Em Lisboa, alguns políticos parecem ter descoberto que, sem um acordo parlamentar, o duro ajustamento orçamental que nos aguarda - condição base para sairmos do buraco - será inviável. Pena que se tenha chegado a esta conclusão com mais de um ano de atraso. Agora, num hábil "desabafo de alma", o ministro Amado pede mais do que um acordo de cavalheiros: chega até a falar de coligação. Ficção portuguesa. Sócrates vai manter-se agarrado ao leme do PS até ao fim - e, com "o animal feroz", não há acordos (é aqui que está o veneno de Amado). De resto, como demonstrou a lamentável novela da aprovação do Orçamento, tal acordo seria sempre impossível - o PSD já farejou sangue e Passos está só à espera de um pretexto para provocar eleições. A cada vez mais certa intervenção de Bruxelas e do FMI será uma boa desculpa. Mesmo entre cálculo político e mau timing será sempre bom ter eleições: o actual governo ganhou em 2009 com base num programa entretanto volatilizado pela realidade. Seja qual for o resultado dessas legislativas, resolve-se pelo menos o problema de legitimidade, elegendo um governo com um mandato claro para arrumar a casa.
Em Berlim, a "senhora Merkel" - como é agora tratada em Portugal por alguns senhores - quer dar uma lição aos investidores e à irresponsável periferia do euro, portugueses incluídos. Transporta a moral para a política e faz eco da justa indignação do alemão (e eleitor) comum: "Nós trabalhamos e poupamos, por isso não temos que pagar os gastos irresponsáveis dos outros". Ficção perigosa. Merkel deve dizer aos alemães que os seus bancos - aproveitando juros em mínimos recorde, impostos pelo BCE tendo em conta a economia germânica - fizeram parte da festa dos empréstimos aos países periféricos (estando agora expostos). Ao ajudar os países do euro em maior dificuldade, Alemanha e França estarão a impedir problemas maiores para os seus bancos. A Chanceler deve também explicar como foi possível chegar até este ponto - pode começar pelos problemas de fiscalização e de governo na Europa e passar pela mensagem que as fintas feitas no passado ao Pacto de Estabilidade pela Alemanha e França enviaram aos governantes irresponsáveis do Sul.
Em Dublin, o governo irlandês aceitou a pressão europeia para ajudar o sector financeiro e Bruxelas espera que este segundo resgate, a seguir ao da Grécia, seja suficiente para acalmar os mercados. Mais ficção. Os credores receiam que com economias fracas e uma moeda forte os países periféricos não consigam fazer o enorme ajustamento que se exige. Uma intervenção do FMI daria alguma credibilidade (Portugal bem precisa), mas o problema é mais profundo. Até que alguém na Europa admita que há dívidas cujo pagamento terá que ser adiado (explicando como isso será feito), a pressão vai continuar. A seguir será Portugal, depois a Espanha, cuja dimensão é preocupante. Como sugere o economista Gavyn Davies, blogger no Financial Times, "se os políticos europeus quiserem salvar o euro precisam de chegar a acordo para mais cooperação orçamental". Isto em troca de regras e sanções mais duras no futuro - ou seja, o início de uma verdadeira política orçamental europeia.
por Bruno Faria Lopes, Publicado em 19 de Novembro de 2010
jornal i , 11/2010
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