sexta-feira, 29 de julho de 2011

As matrizes da cumplicidade

Portugal está num quarto escuro, cercado por todos os medos. Diariamente, a surpresa toca no batente. Aumentos de tudo, desemprego cavalgante, empresas encerradas, perspectivas nulas. O ministro Vítor Gaspar, que me parece uma pessoa séria, independentemente do seu extravagante sentido de humor, avisa-nos de que o futuro será cada vez mais pesado e trágico. As pessoas queixam-se, amargamente, nos jornais, nas rádios e nas televisões do insuportável da vida. A emigração cresce, a esperança mingua. A perfeição da democracia é proporcional à sua liberdade, que é proporcional à sua extensão.


Ante a tragédia na Noruega, o primeiro-ministro daquele país afirmou que vai melhorar, cada vez mais, as instituições democráticas e aumentar o conceito de sociedade aberta. Aquele político entende (e bem) que um povo formado na liberdade sabe evitar o medo e o egoísmo que restringem a sua acção e o seu comportamento.

Exactamente o contrário do que sucede em Portugal. As indicações governamentais, de que vamos tomando conta, impõem uma definição de democracia restritiva, com leis do trabalho retrógradas, alterações à Constituição extremamente redutoras, penalizações sociais cada vez mais graves. A diferença entre um socialista e um ultraliberal consiste na forma de entender a liberdade como um todo, ou na ausência desse todo.

Afinal, Pedro Passos Coelho imita, com ligeiras modificações de estilo, o que condenava a José Sócrates. Diz uma coisa e faz outra, persegue quem o contraria, cria a legalidade racional com os despautérios políticos mais imprevistos. Acontece um porém: ele advertiu-nos do que ia fazer. Como os portugueses estavam fartos do "socialismo moderno", apressaram-se a votar na mudança, sem atentar muito bem no que os esperava. A concepção de poder de Passos Coelho não possui nada de original: limita-se a resumir tudo o que seja Estado, ligado à repressão directa e indirecta do social, através de leis iníquas, mas validadas pela "maioria."

O poder de que Passos Coelho está a conquistar conduz às aberrações mais fatídicas, porque imprime a sua marca nos corpos e nos espíritos: controla-os, disciplina-os e normaliza-os. O aparelho político com o qual se apoia, justifica todos os absurdos. Não tenhamos dúvidas: o que se propõe é uma vigilância total sobre todas as nossas acções, mas uma vigilância sem ser vista.

As análises consagradas a este poder, que se produzem na Europa (estou a lembrar-me de Alain Badiou, por exemplo), e cujos ecos nem sequer chegam ao nosso país, revelam a extensão preocupante do problema. Enquanto aqui e ali, como na Noruega, o aprofundamento democrático não renunciou a desenvolver-se, a democracia de superfície ganha terreno e adeptos numa dimensão significativa.


O silêncio e a indiferença constituem matrizes da cumplicidade.


por BAPTISTA-BASTOS , 27 Julho 2011





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