sábado, 2 de julho de 2011

O horror em que vivemos

O século XX assistiu ao que Hannah Arendt classificou de "a banalidade do mal."


A violência extrema, a barbaridade sem nome, consubstanciada nos campos de concentração nazis e no projecto "solução final"; mas, também, nos gulagues estalinistas, nas perseguições aos dissidentes, no aniquilamento de quem não aceitasse as normas impostas - todo esse desfile de horrores forneceu-nos a imagem do que o homem é capaz. Porque foram homens, e não monstros, como nos quiseram inculcar, os autores das maiores atrocidades de que reza a História.

Os processos inventados e aperfeiçoados para a destruição do humano são arrepiantes. E este século XXI parece não amainar o ódio e o terror. Contra esta onda de perversidades ergue-se, um pouco por todo o lado, a contestação daqueles que não aceitam este mundo. Os partidos, incendiados pela corrupção e minados pelos interesses cavilosos que defendem, sofrem uma erosão nunca vista. A crise estrebuchante do capitalismo, a batalha pela hegemonia planetária e a consequente oposição das nações e dos povos são características assustadoras desta época.

O que acontece na Grécia deveria representar uma situação exemplar, para nossa reflexão. É simples e tolo, além de manipulador, a ideia que nos induz a que a crise grega resulta de uma política megalómana e facilitista. Claro que a corrupção desempenhou e desempenha um papel fundamental. Mas a corrosão do sistema foi preparada, com minúcia e eficácia. Não se esperava e resposta dos gregos. E, até agora, as coisas não melhoram. É preciso não esquecer que as exigências do FMI, do Banco Central e da própria União, dominada pelo Partido Popular Europeu, organização de direita e de extrema-direita, têm sido factores decisivos nesta crise.

A violência implica reacção violenta. Nada está definitivamente resolvido, e nada parece solucionado, em termos de sistema económico. Os gregos, no fundo, dizem o que todos nós pensamos: isto não pode continuar. E o absurdo do nosso viver colectivo vulgariza-se de tal forma que a própria violência nos parece normal. Não é. E temos de nos insurgir contra essa inversão de valores que corrói os laços sociais e a harmonia desejável entre as pessoas.

Há dias, uma notícia aterradora, acaso mais aterradora do que outras, fez estremecer de aversão e medo as pessoas de bem. Ei-la, na sua cruel nudez: uma menina de oito anos morreu, no Sul do Afeganistão, ao ser usada como correio de uma bomba accionada remotamente. Terroristas deram um saco carregado de explosivos à menina e pediram-lhe para o pousar junto a um carro da polícia em Char Cheno, uma longínqua povoação. A criança ainda não tinha chegado à viatura quando fizeram explodir o engenho. Na semana passada, a polícia conseguiu deter outra menina que transportava uma bomba, conseguindo desactivar o mecanismo explosivo. Os terroristas têm usado mulheres e crianças como correios bombistas.

É uma brutalidade sem nome. Mas corresponde à brutalidade sem nome que percorre a nossa época. Um jornalista francês de "Le Figaro" perguntava: até onde isto vai parar? Quais as causas desta imensa desgraça? Uma política anti-civilização e anti-humana construiu um novo laço social baseado no egoísmo, no individualismo e na ganância. Marx explicou que o capitalismo chegaria a um estádio tão horroroso que seria necessário criar uma outra concepção de vida e de destino. Não é preciso ser marxista ou acusado de comunista para se perceber que as perdas de referências morais foram-nos incutidas por uma astuta manipulação informativa. Basta recordar as teses de Fukuyama (ainda há pouco entrevistado, em Portugal, por uma jornalista medíocre) sobre o fim da História. Temos, creio, de adaptar os nossos velhos conceitos a uma batalha mais geral, cujos indícios estão à vista.


01 Julho2011
12:08

Baptista Bastos - b.bastos@netcabo.pt


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