terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Notas acerca de uma década perdida

Guterres pediu sacrifícios aos portugueses prometendo dias melhores para um futuro próximo, em nome da necessidade da adesão ao Euro e da necessidade de se cumprir o "Pacto de Estabilidade e Crescimento". Acabou no "pântano". Seguiu-se-lhe Durão Barroso com o discurso da "tanga", mais sacrifícios pedidos, acabou na doçura do Conselho Europeu. Seguiu-se-lhe o parêntesis de Santana Lopes e depois Sócrates que com a ajuda do Banco de Portugal se serviu outra vez do défice orçamental, para continuar a política de privatizações, de austeridade para com os trabalhadores e de generosos apoios ao grande capital, designadamente ao capital financeiro. Foram mais dez anos de política de concentração de riqueza nas mãos de meia dúzia de famílias e sempre com a lenga lenga do "menos Estado", isto é, menos Estado para os trabalhadores e camadas médias e mais Estado para os grandes senhores do dinheiro.


Em 1987, o PIB per capita em paridade do poder de compra era no nosso país de 76,1 tomando a UE a 27 como 100. Em 2008, o PIB per capita é inferior ao de 1987. Ficou-se em 75,3. Mas isto é apenas uma média. Vejamos então a distribuição desta média, ou seja a distribuição Rendimento Nacional.


Em 1953 esta distribuição era de 55% para o capital e 45% para o trabalho. Entre 1974 e 1976 a distribuição foi a seguinte: 59,5 para o trabalho e 40,5% para o capital. Em 2005 segundo os últimos números disponibilizados, a distribuição foi de 59,4% para o capital e de 40,6% para o trabalho. Isto é, inverteu-se a situação verificada com o 25 de Abril. Estes dados valem por mil palavras. Se paralelamente olharmos para os lucros dos principais grupos financeiros (CGD, BCP, Santander Totta, BES, BPI) verificamos que o total de lucros acumulados entre 2005 e 2008, ultrapassou os 1 545 milhões de euros! No primeiro semestre do ano passado o total de lucros destes Bancos atingiu os 988 milhões de euros! E tudo isto no quadro de crise e da arenga governamental de que todos temos que fazer sacrifícios!

Por sua vez a variação do salário real da Função Pública entre 2000 e 2009 foi sempre negativa à excepção de 2009, ano de eleições e ano em que houve uma previsão errada da evolução da inflação favorável aos trabalhadores! É a lei do funil, larga para uns e estreita para outros!

A evolução desta década nos indicadores oficiais mais relevantes evidência com clareza o que estamos a afirmar.


Entre 2005 e 2009 tivemos um crescimento médio do PIB metade do da zona euro o que significa que em vez de nos aproximarmos da média nos afastámos. Se olharmos para a estrutura do PIB verificamos que em 1986 a indústria contribuía para o PIB com 28,3% e a agricultura e pescas com 9,9% enquanto às actividades financeiras e imobiliárias correspondia uns 10,1%. Qual foi a evolução?

Em 2008 a indústria contribuía apenas com 14,9% e a agricultura e pescas com 2,5%. Paralelamente as actividades financeiras e imobiliárias subiram para 15,3%.

A financeirização da economia, as privatizações e a liquidação do aparelho produtivo traduziu-se num défice da Balança Corrente e de Capital de 9% do PIB em média entre 2005 e 2008! E num endividamento externo líquido em percentagem do PIB que passou de 10,4% em 1996 para 108,5% em 2009!

Estes números falam por si e são, na sua frieza, a condenação de uma política e das teorias económicas que a suportaram.

A taxa de desemprego que era de 3,9% em 2000 atingiu os 9,4% em 2009 e será de 13,1% para 2010, segundo as previsões oficiais.


No plano de emprego constata-se que a população empregada é agora menor do que no início da década. Resumindo: esta década foi também em termos de emprego, como não poderia deixar de ser, uma década perdida já que não houve criação líquida de emprego e o desemprego duplicou. Paralelamente na última década o endividamento das famílias passou de 60% do PIB em 2000, para 96% em 2009, isto é, um aumento de 50%!

Os que afirmam que é necessário desde já reduzir o défice público e que isso passa pela redução da Despesa Corrente, o que estão a pensar é na diminuição dos salários reais dos trabalhadores da Função Pública e nas privatizações das funções sociais do Estado. Nunca se lembram do corte dos benefícios fiscais inaceitáveis, ou nas verbas orçamentadas para a consultoria dos escritórios dos amigos, correligionários e afilhados, ou nas descomunais derrapagens de milhões nas obras públicas.


E quando falam de impostos se se trata de aumentos é para os impostos indirectos e nunca para impostos directos que incidam sobre as mais valias bolsistas, as transacções financeiras ou as grandes fortunas. Se se trata de diminuição no que pensam é no imposto sobre os lucros.

Também nunca se lembram dos offshores: 15 mil milhões de euros, foi quanto os portugueses investiram em offshores desde 1996. Só em 2009, entre Janeiro e Novembro, esse investimento foi de 2 mil milhões de euros!

Não há nenhuma razão para a redução dos défices ser uma urgência europeia. Respondem-nos, mas os mercados reagem mal! E o que é isso dos mercados? Será que os mercados não têm bilhete de identidade? Os mercados, leia-se a banca, o capital financeiro... Como já alguém disse, o procedimento dos "mercados financeiros em relação à Grécia, Portugal e Espanha, faz lembrar a operação George Soros em relação à libra britânica em 1992. [6]




Mas esta operação contra Portugal podia ser abortada imediatamente se a União Europeia ou o BCE quisessem. É de lembrar que a FED pode comprar a dívida pública norteamericana e que o Banco Central Europeu está impedido de o fazer estatutariamente por pressão fundamentalmente da Alemanha! Mas este impedimento pode alterar-se.

Como escreveu o economista Paul Krugman, Nobel de 2008 "se lermos muito do que se tem dito por pessoas respeitáveis, acreditaríamos que os défices são sempre, e em todo o lado, a principal fonte de problemas económicos. Mas, sabemos, que isso não é verdade". Veja-se o caso do Japão e vamos ver qual a sua evolução este ano.

Neste particular também vale a pena convocar a opinião do economista Stiglitz que declarou esta semana na Grécia em 02/02/2010, que a União Europeia e o BCE deveriam criar um mecanismo de crise para ajudar os países mais endividados. O BCE empresta regularmente dinheiro aos Bancos nacionais, a taxas mais baixas do que a dos mercados internacionais mas a mesma opção não se verifica para os governos e, sublinhou Stiglitz "se vós estais disponíveis para emprestar aos Bancos porque não emprestar aos governos?". "A Europa não tem confiança nos governos que a constituem?". E acrescentou que essa ajuda poderia vir por intermédio do BEI ou do BCE, com a emissão de euro-obrigações. Também o Primeiro Ministro Grego defendeu o lançamento de títulos obrigacionistas da União Europeia. Um instrumento deste tipo segundo este, permitia a países como a Grécia e Portugal obter financiamentos a taxas muito mais baixas e muito mais próximas das grandes potências como a Alemanha. Esta proposta do Governo grego não mereceu do Governo português qualquer comentário! Significativo!

A defesa dos interesses nacionais não se concretiza com uma política de subserviência mas com uma política de firmeza na UE e com uma política de ruptura com os dogmas neoliberais, com a política de concentração de riqueza e com as teorias elevadas à categoria de ciência económica e que não passam de charlatanices ao serviço das classes dominantes.


por Carlos Carvalhas







Sem comentários:

Publicação em destaque

Marionetas russas

por Serge Halimi A 9 de Fevereiro de 1950, no auge da Guerra Fria, um senador republicano ainda desconhecido exclama o seguinte: «Tenh...