(...) Em Portugal, a poupança de energia é algo quase malvisto, como se poupar fosse um sinal de pobreza. A construção de edifícios raramente tem preocupações energéticas. Nos serviços, os edifícios envidraçados tornaram-se uma moda bacoca, com consequentes aumentos dos gastos energéticos. Os construtores e as imobiliárias preocupam-se mais em equipar as casas com aquecimentos centrais a gás e electricidade ou com a instalação de equipamentos de ar condicionado do que em utilizar materiais isolantes. Num país com imenso sol, o aproveitamento de energia solar para aquecimento de águas é mais baixa do que na maioria dos países nórdicos. E os apoios e sensibilização para a aposta em soluções técnicas de poupança ou uso de energias alternativas são tão escassas que dificilmente têm condições para se generalizarem. Mesmo agora que os sucessivos Governos dizem apostar em força nas energias renováveis – por força de imposições comunitárias, saliente-se –, pouco se vê de concreto. Numa publicação recente da Comissão Europeia ficou-se a saber que durante a década de 90 a produção de energia por via de fontes renováveis apenas cresceu 7,5 por cento, o que contrasta com um acréscimo global dos consumos energéticos da ordem dos 53 por cento. (...)
Quem não conseguir, com medidas internas, alcançar esses objectivos terá de comprar «créditos de poluição» que, embora ainda em negociação, deverão atingir os 33 euros por tonelada. Ora, como Portugal poderá, segundo os dados da Faculdade de Ciências e Tecnologia, ultrapassar os limites do protocolo de Quioto entre um mínimo de 17 milhões de toneladas de dióxido de carbono e um máximo de 20 milhões de toneladas por ano em 2010, a factura para a economia nacional poderá atingir os 660 milhões de euros, ou seja, cerca de sete por cento do nosso produto interno bruto. Desta vez, o «crime» não vai compensar. Contudo, recordemos que, em última análise, esse dinheiro sairá dos bolsos dos contribuintes. (...)
In «O Estrago da Nação», capítulo «Poluir para não crescer» (pp. 47-49)
(...) Com a lei das finanças locais, criada em 1987 e com sucessivas alterações, foram definidas as fontes de receitas dos municípios. Além do Orçamento Geral do Estado – por via do Fundo Geral e de Coesão Municipais (antigo Fundo de Equilíbrio Financeiro) –, as autarquias passaram a ter a faca e o queijo para a obtenção de receitas suplementares de cariz urbanístico, através da contribuição autárquica e sisa que passou a ir integralmente para os seus cofres. Daí que, rapidamente, quase todas as autarquias das Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto e do Algarve onde a pressão imobiliário surgia em força descobriram a mina de ouro: a sisa e a contribuição autárquica, os chamados impostos do betão.
E, para mal dos nossos pecados, em pouco tempo o Estado e as autarquias souberam explorá-los até à exaustão. Em 1995, quando já a construção civil apresentava ritmos bastante elevados, aqueles dois impostos representavam, na média nacional, cerca de 18 por cento das receitas dos municípios portugueses. Quatro anos depois já atingiam os 22 por cento. Actualmente, quase alcançam um quarto do total das receitas autárquicas. Sobretudo por via da sisa – que, aliás, é o imposto cuja evolução é o melhor indicador da especulação e dinâmica construtiva de qualquer concelho – que passou de cerca de 290 milhões de euros em 1995 para uns impressionantes 645 milhões de euros por ano no final da década de 90. Mais que duplicou.
Se então se analisar com detalhe a evolução registada em alguns concelhos do país, ainda se tornam mais evidentes as razões porque os empreiteiros são tão bem-vindos em muitas autarquias. E também se fica a saber porque as autarquias beneficiam – e até gostam – que haja especulação e preços elevados nos terrenos e habitações dos seus concelhos. A autarquia de Loulé é um dos casos mais doentios de dependência no betão. (...)
Examinando a origem das receitas municipais dos últimos anos, verifica-se que em cerca de três dezenas de concelhos em Portugal mais de um terço das entradas vêm directamente dos “impostos do betão”. De entre estes, destacam-se quase todos os concelhos da Grande Lisboa e Grande Porto, cinco algarvios (além de Loulé, também Portimão, Albufeira, Lagos e Lagoa) e Benavente. (...) Neste lote de 30 municípios rendidos às “virtudes” do betão, constata-se que apenas os montantes de sisa arrecadados por cada um em 1999 foram superiores a qualquer um dos orçamentos globais dos 50 municípios mais pobres do país. (...)
In «O Estrago da Nação», capítulo «Construir para massificar» (pp. 110-111)
Ao contrário de outros escaldantes e incendiados Verões, esquecidos rapidamente na memória, o ano de 2003 será certamente recordado durante muito mais tempo. Tal como a queda da ponte de Entre-os-Rios, que em Março de 2001 pôs a nu as deficiências da gestão e manutenção das obras públicas do país e o esquecimento a que o interior estava votado, os últimos dias de Julho e as primeiras quinzenas de Agosto e Setembro de 2003 transformaram Portugal num mar de chamas, revelando ao extremo o abandono da floresta nacional. Em apenas duas semanas, 18 pessoas morreram, quase uma centena de casas de habitação foram destruídas e mais de 400 mil hectares de floresta foram dizimados por incêndios inclementes.
A memória está ainda fresca, mas tem sido curta em outros anos. Portugal não teve azar em 2003; teve foi sorte nos anos anteriores. Com efeito, 2003 nem foi muito diferente de 2002, nem de 2001, nem de todos os anos das últimas décadas; na freqência dos incêndios. Até 14 de Setembro de 2003 registaram-se menos cerca de 10 mil ocorrências do que em período homólogo do ano anterior. Mesmo o número de incêndios – focos com área ardida superior a um hectare – ocorridos em 2003 foi de apenas 60% em comparação com a média verificada no quinquénio de 1998 a 2002. As únicas diferenças são que, desta vez, morreram mais pessoas, vilas e aldeias foram literalmente lambidas pelas chamas e alguns dos fogos tornaram-se de tal modo destrutivos que a mancha de deserto se tornou bem visível até aos «olhos» dos satélites da NASA. No rescaldo desta vaga de incêndios, o país pôs-se finalmente a discutir a saga dos incêndios florestais, as suas causas, as consequências e questões relacionadas com a prevenção e os métodos de combate.
Pode ser que tudo mude a partir de agora. E assim se espera, pois os próximos anos repetir-se-ão se os políticos, gestores e cidadãos em geral julgarem que os incêndios são uma calamidade natural, em vez do resultado da reiterada má gestão da floresta portuguesa. Portugal tem um clima mediterrânico – embora o próprio primeiro-ministro Durão Barroso tenha parecido esquecer-se dessa característica – e, assim sendo, o Verão é sempre quente e seco. E cada vez com mais ondas de calor. Quando assim é, se nada se fizer para evitar os incêndios, estes aparecem e a floresta arde. Tão simples quanto isto.
O ano de 2003 poderá – por razões lastimáveis, é certo – ter, contudo, um efeito positivo: o da pedagogia da catástrofe, infelizmente um dos poucos eficazes métodos de aprendizagem em Portugal, mas que é sempre um preço demasiado elevado a pagar. (...)
In «O Estrago da Nação», capítulo «Árvores num deserto de ideias» (pp. 213-214)
CRÍTICAS DO LIVRO NA IMPRENSA
"Tal como nos jogos de observação, há livros que tornam possível detectar as diferenças entre o país real e o país imaginário. O Estrago da Nação (...) é uma dessas obras, infelizmente raras.", Vítor Quelhas, Expresso.
"O Estrago da Nação deve ler-se como um imperativo de cidadania. Não é um diagnóstico do Portugal ambiental, é, acima de tudo um retrato socio-económico e cultural onde, por tabela, a Natureza grita a plenos pulmões.", Jornal de Notícias
"Obra fundamental e contundente, indispensável para quem não queira passar ao lado das verdadeiras questões onde se arrisca, hoje e amanhã, o futuro de Portugal.", Viriato Soromenho-Marques, Jornal de Letras.
Considerado por dois críticos literários do semanário do Expresso (L.M. Faria e Vítor Quelhas) como um dos 10 melhores livros do ano de 2003.
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