quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

O país das oportunidades perdidas.


                                                                                                  por Jorge Figueiredo

A história de Portugal é a história das oportunidades perdidas. Já no século XVIII, por exemplo, o ouro vindo do Brasil não serviu como acumulação primitiva para iniciar um processo de desenvolvimento: a classe dominante daquela época desperdiçou-o em inúteis obras de ostentação e esse recurso desvaneceu-se. Este desbarato foi antecedido pelo suícidio do seu representante e ideólogo mais lúcido e brilhante, o Conde da Ericeira. Logo a seguir a "elite" da época assinava o Tratado de Methween (1703) que enterrava a industrialização incipiente, confirmava a sua vassalagem aos interesses britânicos e posicionava-a como mera intermediária do ouro das Minas Gerais.

Em tempos mais modernos, houve outra grande oportunidade histórica. A Revolução de Abril criou as potencialidades para um belo projecto de desenvolvimento que retirasse Portugal do seu atraso secular. Dela nasceu um poderoso Sector Empresarial do Estado (SEE) que poderia e deveria ter sido o motor do desenvolvimento. Com o SEE Portugal tinha controle sobre os seus sectores fundamentais (energia, banca, cimentos, siderurgia, seguros, estaleiros navais, etc) e restava um espaço amplo para que o sector privado se expandisse. No campo, a Reforma Agrária absorvia mão-de-obra e criava uma dinâmica produtiva tendente à auto-suficiência alimentar. Mas, mais uma vez, a cupidez da classe dominante destruiu a nova oportunidade criada. A vitória da contra-revolução deitou tudo por terra, restabeleceu o domínio do capital monopolista e arruinou o país.

A contra-revolução portuguesa, capitaneada pelo PS, tratou de erguer barreiras a novos impulsos revolucionários. Foi por isso que solicitou a adesão à União Europeia (1986), aceitando de olhos fechados todo o acquis communautaire , como uma espécie de seguro contra "acidentes" de percurso. O Tratado de Maastricht (1992) confirmou e reforçou a submissão ao diktat da Europa dos monopólios e ao capital financeiro internacional. Seguiu-se a perda de soberania monetária com a adesão ao euro (2002) e a Constituição Europeia (2003). Esta, nunca referendada em Portugal, foi o grilhão final para atar o país de pés e mãos.

Para nada disto o povo português foi consultado. Nem para a adesão à UE, nem para o Tratado de Maastricht, nem para a adesão ao euro e nem para a aprovação da dita Constituição Europeia. Pior: através dos seus representantes políticos e nos media ditos "de referência", o capital monopolista e financeiro português mentiu descaradamente. Prometia desenvolvimento, abundância e modernidade quando estava a preparar um futuro de atraso, subdesenvolvimento e servidão pela dívida.

O fracasso do projecto executado pela contra-revolução portuguesa é hoje gritante. O país foi desindustrializado e está pior do que em 1975. Sectores inteiros da economia nacional foram destruídos e nada veio substituí-los. A estagnação perdura há mais de dez anos. O desemprego é avassalador, a juventude não tem perspectivas, a auto-suficiência alimentar foi eliminada (hoje Portugal importa 70% dos cereais que consome), instituições científicas nacionais foram desmanteladas, o aparelho de Estado foi severamente abalado, a economia real definhou. Tudo isso poderia ser um case study para demonstrar e confirmar a Lei do desenvolvimento desigual , formulada pela primeira vez por Lénine. A tendência à polarização, entre países e dentro de um mesmo país, é inelutável no capitalismo.

Dívida externa bruta em % do PIB. No fim de 1974 Portugal tinha uma situação financeira sólida. Em 31/Dezembro/1974 dispunha de 865.936 kg de ouro nas reservas do seu banco central. A dívida externa era insignificante. Hoje, os relatórios anuais do Banco de Portugal já nem se atrevem a informar o peso das reservas-ouro (em grande parte vendidas ou hipotecadas por Vitor Constâncio). Quanto à dívida externa (bruta) , em 31/Dezembro/2010 montava a 396,5 mil milhões de euros, ou seja, cerca de 229,4% do PIB. Para comparação: a dívida externa bruta da Grécia é de "apenas" 187% do PIB.

E AGORA?

O caminho ruinoso a que a classe dominante portuguesa – submissa e dependente do capital financeiro europeu – conduziu o país está à vista de todos. As consequências já se fazem sentir, de modo dramático. Já se viu que nada daquilo que eles fizeram correspondia aos interesses do povo português. O nível de desenvolvimento das forças produtivas do país andou para trás, hoje Portugal é mais subdesenvolvido do que já foi.

Além disso, com uma considerável dose de cinismo, os representantes políticos desta classe dominante afirmam que agora já não há qualquer saída senão a subordinação completa e total ao capital financeiro internacional. Querem entregar, inerme, o povo português à sua sanha. Para isso avolumam-se pressões gigantescas, por vezes quase histéricas, dos banqueiros daqui e lá de fora em favor da nova operação de "resgate" que está a ser tramada . Ao contrário do que pretende essa barragem de desinformação, mentiras e meias verdades despejadas todos os dias em todos os media, é preciso afirmar que, pelo menos conceptualmente, existe outra saída que não a escravização total do país no altar do capital financeiro internacional. Ela não é fácil, mas é possível. Não é preciso ser marxista para admiti-la, basta ser responsável, patriótico e ter coragem para olhar o problema de frente.

A depauperação do Estado pelo capital financeiro. A primeira condição para isso é Portugal recuperar a sua soberania monetária através do abandono do euro. Há quem defenda reformar a UE "por dentro" e considere que seria possível o BCE comprar directamente dívida aos Estados, sem intermediação da banca. Tal posição não é crível e não tem pernas para andar:   a proibição de o BCE comprar dívida aos Estados é estatutária. Para alterar disposições fundamentais da UE seria preciso ter o acordo dos 27 membros. Assim, a única opção que resta a um país individual é o abandono unilateral da zona euro. Os benefícios desta operação superam os seus custos face ao futuro sombrio que eles tramam para o país.

Juridicamente o abandono do euro não obriga ao abandono da UE, mas no plano das realidades é praticamente certo que esta ruptura também teria de verificar-se. Entretanto, ela permitiria a Portugal libertar-se da espessa teia de submissões a que teve de se vergar nas últimas décadas. As forças progressistas deveriam combater clara e frontalmente a UE, tal como já o fazem em relação à NATO, OMC, Banco Mundial e FMI.

Se a recuperação da soberania monetária é condição absolutamente necessária, ela não é no entanto suficiente. Nesse sentido, é preciso considerar como será emitida a nova moeda nacional que irá substituir o euro. Seria um erro deixar que a criação de moeda continuasse a ser feita através do crédito, como até agora, com o mecanismo perverso da reserva fraccionária. A alternativa é a sua emissão pelo Estado tal como propõe Rudo Ruijter . Dessa forma, o Estado não precisaria pagar juros pelos empréstimos para financiar-se e, ao mesmo tempo, combater-se-iam as actuais tendências sistémicas para a inflação e o endividamento.

Por outro lado, a saída do euro e do mercado comum permitiria proteger a economia nacional sob múltiplos aspectos. Ex.: livrar-se da actividade especulativa do capital financeiro internacional, proteger o mercado interno contra a concorrência predatória, abrir espaço para a produção nacional, controlar câmbios e movimentos de capital.

Como medida imediata após a saída do euro seria preciso declarar uma moratória nos pagamentos da dívida externa (em desafio à UE, que não a autoriza). O período da moratória seria utilizado para auditar a dívida com o apoio de economistas experientes . É evidente que, também de imediato, teriam de ser nacionalizados os bancos e as companhias de seguros, como propõe Jacques Nikonoff . No caso português, em que os bancos parasitam o Estado, as empresas e as famílias, isso seria saudável.

Todo este conjunto de acções exigiria uma grande mobilização popular e patriótica. Durante algum tempo o país seria declarado a besta negra a ser ostracizada pela comunidade internacional (eufemismo para capital financeiro internacional). Mas valeria a pena pois o futuro que eles nos propõem é muito pior como se verifica nos exemplos actuais da Grécia e da Irlanda. Em contrapartida, há também o exemplo altamente positivo da Islândia . Um povo que soube mobilizar-se e um Presidente da República digno tiveram a coragem e a lucidez de dizerem não à escravatura que o capital financeiro mundial lhe queria impor.

A alternativa portanto pode ser concebida. Seria triste que as forças progressistas portuguesas, por timidez, falta de imaginação ou possibilismos , não tivessem a coragem de propô-la e bater-se por ela – inclusive nas próximas eleições. Mesmo que saiam derrotadas, têm o dever de dizer a verdade: não há caminho alternativo porque todas as alternativas são piores como demonstram as medidas brutais agora sofridas pelos povos grego e irlandês. Hoje começa a haver um movimento à escala europeia pela liquidação das amarras que prendem os povos ao capital financeiro mundial, amarras de que o euro é instrumento. Meias medidas, como propostas acerca de uma eventual renegociação, nada resolvem. O capital financeiro não quer renegociar nada: ele dita as suas condições. A neo-escravização pela dívida é uma realidade antiga entre muitos países do Terceiro Mundo. Agora chega a vez dos europeus. Cedo ou tarde, em Portugal e nos demais países, isso será compreendido. Os momentos de crise também podem ser de novas oportunidades para o avanço das sociedades.
06/Abril/2011


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

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