quinta-feira, 2 de maio de 2013

Gaaaaasssppaaaaaaaarrrrrr!!!

Opinião por Daniel Deusdado

1Conselho de Ministros de terça-feira - último dia do prazo para que a troika receba um compromisso do Governo. Decisão: haverá 6,5 mil milhões de euros de cortes até 2016. Os números gerais mostram que os impostos não descem, vai haver despedimentos na Função Pública (em que setores?), menores prestações sociais e uma projeção muito otimista de investimento e exportações (acima dos cinco por cento...).

Há uma tática subjacente ao momento. Gaspar e os assessores do Governo explicarão o que isto significa na prática, mas apenas quando quiserem. O Governo servirá os "cortes" às fatias, através de máquinas de guerra (propaganda) buscando a turbulência mediática sobreposta - combate aos "interesses instalados", defesa das "reformas estruturais", "crescimento", tudo em simultâneo, sem que se consiga discutir a fundo nada em concreto. Daqui resulta outro absurdo: a falta de informação para os cidadãos, nomeadamente o direito a saberem o conteúdo dos cortes de forma transparente e imediata, como se isto fosse uma democracia. Tem razão Gaspar: ele não foi "eleito coisíssima nenhuma".

2. Um exemplo de como os números podem ser geridos à medida do que se pretende. No último "Expresso" o economista Paul de Grauwe recordava os seguintes factos: o Banco Central Europeu (BCE) fez um inquérito no qual "descobriu" que as famílias do Sul da Europa são mais ricas do que as famílias da Alemanha... Ora, alguém acredita que as famílias dos PIIGS (Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha), onde está concentrado quase metade do desemprego europeu, tenham mais rendimento que as germânicas? Paul de Grauwe explica a desonestidade da análise: "Os 20% de lares alemães mais ricos têm rendimentos 74 vezes superiores aos 20% mais pobres". (Em Portugal os lares com rendimento muito superior à média são apenas 5% do total). A concentração de riqueza nas famílias do topo alemãs é a mais desigual de toda a Europa.

Assim sendo, querem melhores e mais "credíveis" argumentos para o alemão médio pensar que está a ser roubado (através dos impostos) por causa da dívida dos PIIGS? E na verdade, o problema não é apenas esse. O trabalhador médio alemão não está a ter acesso à extraordinária riqueza criada na Alemanha (por exemplo, através das exportações, de que a Alemanha é a 3.ª maior do Mundo, logo a seguir aos Estados Unidos e China). Ou seja, a riqueza do trabalho alemão fica essencialmente nos acionistas, proprietários das empresas e na despesa do próprio Estado.

São números como estes, devidamente manipulados, que podem acentuar esta nossa vida de guerra. Económica. Sem a solidariedade de um país cujo nazismo, há menos de 70 anos, arrasou toda a Europa. A Alemanha tem, aliás, uma imprensa tabloide que vende nacionalismo tóxico a alemães médios tão desinformados como o grosso dos portugueses (e europeus). O "credibilíssimo" BCE, ainda por cima, deitou enxofre para a fogueira do fim do euro.

3. E de manipulação em manipulação chegamos às swap. A engenharia financeira é muitas vezes um jogo de prestidigitação. Sobem taxas? Descem? Defendemo-nos? Atacamos? Não se percebe, aliás, que algumas empresas públicas tenham levado o uso de produtos financeiros complexos até ao nível de risco "tóxico", uma escala de gravidade que francamente pareciam não entender. Mas sobretudo é vexatório que, estando o problema em análise, ninguém tenha a coragem de o assumir. Os gestores usaram "produtos normais". Os autarcas ou secretários de Estado com a tutela das empresas dizem nada ter a ver com o assunto. A pergunta permanece: quem é o pai da criança? Afinal não é o pai legítimo (decisores e gestores públicos). É o enganador do costume - o "mercado". E quem fica com a criança? A mãe (os contribuintes).

Mas há outra questão mais central: as swap revelam até que ponto as empresas públicas (e autárquicas) varrem para debaixo do tapete dívida colossal que não têm no horizonte pagar. E fica a pergunta: quando se vai limpar, a sério, o passivo destas empresas? E como organizar o país para que, por exemplo, os transportes públicos não sejam estruturalmente deficitários, chamando o transporte individual a comparticipar no seu "não-uso"? Aqui está uma boa reforma de que todos os governos tiveram medo até hoje.

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