segunda-feira, 17 de junho de 2013

A cegueira e a incapacidade de Vitor Gaspar e do governo para compreender o funcionamento da economia real e os problemas do país


por Eugénio Rosa [*]

Numa conferência de imprensa realizada em 23/5/2013, Vítor Gaspar, com aquele ar convencido que o carateriza, afirmou solenemente: "Chegou o momento do investimento. Repito, depois do ajustamento chegou o momento do investimento". E a medida que, segundo ele e Álvaro Santos, também presente, determinaria o milagre seria uma dedução no IRC, por investimentos até 5 milhões realizados até ao fim deste ano, de 20% do valor investido até ao máximo de 70%. Esta medida, segundo estes ministros, poderia determinar que a empresa pagasse, nos anos em que conseguisse aproveitar a dedução máxima permitida pela lei a ser publicada mas que ainda não foi, uma taxa de IRC de apenas 7,5%. E com base em tal incentivo fiscal Vítor Gaspar e o governo esperam que o milagre surja, ou seja, que o investimento dispare assim como a criação de emprego.

Mas uma coisa são as previsões/desejos fantasiosos de Vítor Gaspar e do governo, que já estamos habituados, e outra coisa muito diferente é a economia real. Para que o leitor possa avaliar se é ou não mais uma mentira de Vítor Gaspar e do governo para enganar a opinião pública, é importante ter presentes os seguintes factos e dados oficiais.

Em primeiro lugar, é preciso lembrar que já existe em Portugal o crédito fiscal com uma redução na taxa de IRC muito semelhante à agora anunciada pelo governo, e que isso não provocou um milagre a nível de investimentos, nomeadamente estrangeiro. A diferença é que a norma que existe aplica-se a investimentos superiores a 5 milhões €. Por ex., a Petrogal no investimento que realizou na renovação das refinarias obteve um crédito fiscal de 190,6 milhões €, ou seja, teve uma redução no IRC a pagar naquele montante; a Embraer, um grupo brasileiro, nos investimentos que realizou em Portugal obteve um crédito fiscal (redução) de 61,9 milhões € a nível de IRC. E mesmo com tais benefícios fiscais o investimento não disparou.

Mas será que a carga fiscal, e nomeadamente a atual taxa de IRC, é o obstáculo mais importante ao investimento em Portugal? Os gráficos seguintes retirados do Relatório do Banco de Portugal de 2012 respondem a essa questão.

Gráfico 1- Taxa de utilização da capacidade produtiva e fatores que impedem o investimento
Como mostra o gráfico da esquerda, em 2011 menos de 75% da capacidade produtiva do pais estava a ser utilizada (e a situação atual é certamente mais grave), portanto, em Portugal a capacidade produtiva é já excessiva para a atual procura agregada solvente tanto interna e como externa (não para as necessidades, nomeadamente internas). Por outro lado, e como revela o gráfico da direita, o principal fator limitativo que impede atualmente o investimento em Portugal, de acordo com os próprios empresários, é a " deterioração das perspetivas de venda ", as quais se agravaram de uma forma continua entre 2010 e 2012, sendo no último ano indicado por mais de 65% dos empresários para não investir.

É esclarecedor que, entre as razões apresentadas pelos empresários para não investir, não apareça a carga fiscal, e muito menos o IRC. Vítor Gaspar e Alvaro Santos ao procurar criar a ilusão de que com o "supercrédito fiscal", como a despropósito o Secretário de Estado de Assuntos Fiscais chamou, se verificaria uma inversão na situação de quebra continuada do investimento, estavam a substituir a realidade pelos desejos o que apenas mostra a sua incompetência ou então tinham o propósito de enganar a opinião pública. Toda esta trama torna-se mais clara quando se analisam as previsões oficiais do investimento em Portugal. Na proposta de alteração do Orçamento do Estado de 2013 que o governo apresentou em 31.5.2013 prevê, para este ano, mais uma redução no investimento (FBCF) de -7,6% (a OCDE prevê uma quebra de -10,6%), portanto o próprio governo não acredita no que diz. Em 2014, a OCDE prevê nova quebra. E isto, quando o investimento diminuiu em 2010/2012 mais de 30%.

Uma das causas mais importantes que está a levar à quebra brutal e continuada do investimento em Portugal, referida pelos próprios empresários, é precisamente a quebra na procura agregada determinada pela redução do consumo. Esta redução é causada pela diminuição do poder de compra da população, do consumo e do investimento público.

Perante tal situação, como pode o governo ter a "lata" de afirmar, como fizeram Vítor Gaspar e Álvaro Santos, que espera que o investimento aumente agora significativamente com a simples introdução do credito fiscal, quando o governo aumenta enormemente os impostos, como afirmou Vítor Gaspar, que reduz significativamente o rendimento disponível das famílias, chegando ao ponto de insistir em criar, como consta da proposta de orçamento retificativo apresentado, um imposto de 5% sobre o subsidio de doença e de 6% sobre o subsidio de desemprego o que significa um corte de quase 180 milhões € por ano no rendimento dos desempregados, e de mais de 20 milhões € por ano no rendimento dos trabalhadores atingidos pela doença. As próprias previsões do governo constantes da proposta de alteração do OE-2013 que acabou de apresentar apontam para mais uma redução, em 2013, do consumo privado em -3,2% e de -4,2% no consumo público. E a OCDE que acabou de apresentar novas previsões para Portugal, prevê que a procura interna diminua -5,1% em 2013, e -1,5% em 2014. E isto depois da procura interna ter diminuído em Portugal em 2011-2012, ou seja, com a"troika" e com o governo PSD/CDS, mais de 12%.

APÓS A ENTRADA DA "TROIKA" E DO GOVERNO PSD/CDS, E MESMO COM CRISE, AS DESIGUALDADES AUMENTARAM EM PORTUGAL

O gráfico seguinte, construído com dados do Relatório do Banco de Portugal de 2012 (pág. 112), mostra que, com a crise, as desigualdades aumentaram ainda mais em Portugal.


Segundo o próprio Banco de Portugal, após a entrada da "troika" e do governo PSD/CS verificou-se um aumento acentuado dos rendimentos de empresa e propriedade (Capital) e uma quebra significativa das remunerações nominais, sendo a quebra das remunerações reais muito maior. E isto porque o Estado transformou-se num instrumento de agravamento das desigualdades, na medida que suga os rendimentos aos que menos têm (trabalhadores, pensionistas,desempregados) para os dar aos credores, poupando os rendimentos do capital.
02/Junho/2013
[*] Economista, edr2@netcabo.pt , www.eugeniorosa.com

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

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