terça-feira, 11 de março de 2014

Crises, os desenlaces possíveis


 por Jorge Figueiredo

 Ninguém a culpar pelas crises!
Sobre nós, imutáveis e inescrutáveis, dominam
As leis da teoria económica.
E catástrofes naturais repetem-se
Em ciclos terríveis. 
 
Bertold Brecht, Santa Joana dos Matadouros

Na linguagem corrente, quando se fala em saída da crise a maioria das pessoas pensa na recuperação dos níveis de emprego e de crescimento. No entanto, na óptica da classe dominante, saída da crise significa outra coisa:   trata-se, sim, do restabelecimento da taxa de lucro para os níveis que consideram normais. Esta ambiguidade de linguagem tem sido útil para os comentaristas económicos que grassam na TV portuguesa: tais confusões facilitam o trabalho deles de desinformação.

Há numerosas saídas possíveis de uma crise económica mas isso raramente é mencionado. Uma boa tipologia para caracterizar as possíveis saídas de uma crise é examinar o que se segue à descida ao "fundo do poço". Grosso modo, os gráficos assemelham-se às seguintes letras:

. A saída em V é a clássica dos ciclos de conjuntura normais do capitalismo. Depois de atingir o mínimo há uma vigorosa retomada das taxas de lucro (e consequentemente do produto e do emprego). Foi este tipo de saída que se verificou ao longo dos 30 anos gloriosos que se seguiram à II Guerra. Era o tempo em que os economistas do sistema tinham a pretensão de poder controlá-lo e a arrogância de pensarem que o mérito das saídas era deles próprios. Assemelhavam-se à história daquele galo que pretendia que o Sol nascia pela manhã porque ele emitia o seu cocoricó. Na época dos ciclos "certinhos", alguns economistas do sistema até ousavam afirmar que tinham o poder de fazer a "sintonia fina" (fine tuning) da economia nacional. As realidades que se seguiram aos anos 70 desmentiram tais basófias.

. A saída em L é a longa depressão. Foi o que sucedeu a partir da crise de 1929, uma crise da taxa de lucro. Não havia investimento porque os retornos não atraíam os capitalistas investidores. A longa depressão só acabou devido à II Guerra. A gigantesca destruição de activos fixos verificada – e a contenção forçada da procura de bens civis – possibilitou, no pós guerra, a tão almejada recuperação da taxa de lucro sobre o investimento. Isto não significa dizer que só uma guerra possa restabelecer a taxa de lucro e por fim à crise (a grande crise de 1870 acabou sem guerra). No entanto, a actuação prática do imperialismo após o fim da URSS não descarta esta possibilidade. As provocações contra a Rússia (cerco pelos mísseis da NATO, Ucrânia, ...) e contra a China (o que Hillary Clinton chama de "contenção" na Ásia-Pacífico) apontam nesse sentido: mostram que a classe dominante das potências imperiais não põe de lado esta saída de emergência.

. A saída em W é surpreendente e frustrante. Após o fundo do poço há uma retomada que dá a esperança de uma saída em V. Mas logo a seguir, por vezes sem chegar a recuperar o nível anterior da crise, há um novo mergulho. É assim que após o colapso de 2008 (bancarrota do Lehman Brothers, subprimes, crise hipotecária, etc) em 2011 houve uma ligeira recuperação que deixou muita gente eufórica – e a seguir novo afundamento. Diga-se de passagem que a actual recuperação será mais complicada e difícil que a dos anos 30 do século XX pois não basta destruir activos fixos para acabar com ela: será necessário também destruir o capital fictício acumulado pela financiarização do capitalismo (financiarização essa determinada pela queda da taxa de lucro nas actividades da economia real). A luta pela paz continua portanto na ordem do dia.

. A saída em raiz quadrada é outra possibilidade preocupante. Depois de chegar ao fundo do poço há uma recuperação que deixa todos eufóricos – mas esta recuperação é muito pequena e não consegue sequer atingir os níveis de produção anteriores à crise. Ou seja, a economia permanece estagnada num nível apenas um pouco superior ao do fundo do poço. Actualmente esta parece uma possibilidade bastante real. A classe dominante não consegue restabelecer as taxas de lucro dos "bons tempos" e portanto continua a retrair-se no investimento e a desviar recursos para a financiarização (o que aumenta o stock de capital fictício).

Tudo indica que esta perspectiva é a que mais se aproxima do panorama actual. Ela vem confirmar a grande descoberta de Paul Sweezy de que a tendência imanente do capitalismo na sua fase monopolista é no sentido da estagnação. Assim, o que realmente deve ser explicado não é porque há estagnação e sim porque há crescimento. A descoberta notabilíssima de Sweezy foi feita numa época em que a tendência estagnacionista mal se manifestara, o que aumenta o seu mérito científico.

. Uma variação possível da saída anterior poderia ser chamada de raiz ondulante . Isso significa que na fase da recuperação haverá fortes e contínuas oscilações. Esta possibilidade parece bastante real quando se considera o Pico Petrolífero (Peak Oil). A estagnação da produção de petróleo levará a um aumento tendencial do preço do barril pois as reservas do petróleo de baixo custo (o convencional) que estão agora a ser exploradas já estão na fase de esgotamento. Os novos petróleos de alto custo (deep offshore, shale, etc) têm de ser vendidos a preços mais altos. Mas há um limite para o preço mais alto que a economia pode suportar. Assim, poderá verificar-se uma situação de para-arranca (stop & go): cada ligeiro início de recuperação poderá ser travado por nova alta do barril, o pequeno afundamento que se segue travará esta alta e assim por diante.

Em suma: o capitalismo já ultrapassou a sua data de validade e está agora em metásteses, em meio a convulsões. Nesta fase de decadência todas as saídas são más para os povos. O sistema já não pode ser consertado, apenas prolongado por meio de cuidados cada vez mais intensivos. O mundo velho está podre, mas o mundo novo – o socialismo – ainda não tem forças para nascer. As tentativas desesperadas da classe dominante de restabelecer a taxa de lucro – e ela é capaz dos maiores crimes para alcançar esse objectivo – ameaçam de extermínio a maior parte da humanidade. A Terceira Guerra Mundial pode não ser um cenário de ficção.
 
Ver também:

  • Tendências, disparadores e tulipas , Michael Roberts

  • Por que caem as taxas de juro das obrigações do tesouro? , Manuel Brotas
    Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .  
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