sexta-feira, 23 de maio de 2014

Às vésperas das eleições ao PE : Os mediocres fundadores da União Europeia

por Jacques-Marie Bourget
Annie Lacroix-Riz.
 
Annie Lacroix-Riz lembra Eric Hobsbawm, o gigante inglês da história, especialista em nações e em nacionalismo. Um exemplo: em 1994 este sábio escreveu "A era dos extremos", um livro que nos fixa à verdade, sem dúvida como Arquimedes no instante de gritar "Eureka". Para Hobsbawm, o século XX não durou cem anos mas apenas 75, de 1914 a 1991. Antes da "Grande Guerra", o século XIX acaba o seu tempo a espezinhar seu sucessor e, após a "Guerra do Golfo", o XXI já está a chamar. O historiador inglês é aborrecido com os calendários ainda que tenha o seu modo de os por em dia. E o que aconteceu a este livro que se deve ter sempre na mala em caso de êxodo? Em França, nada. Foi preciso que Le Monde Diplomatique se mobilizasse para que Hobsbawm fosse traduzido e editado pela Complexe. Em Paris, a camarilha que domina a publicação dos livros de história não queria mostrar o ponto de vista deste britânico. Para eles era desqualificado uma vez que marxista, portanto paleolítico e forçosamente cúmplice do Gulag.

Annie Lacroix-Riz vive a mesma desventura no próprio seio de uma "comunidade" reduzida ao palavreado, a dos nossos historiadores oficiais que escrevem as suas obras directamente para a televisão – sentados ao colo de BHL . Em geral eles têm um passado de duros militantes do PCF e, como todos os convertidos, tornaram-se Savonarolas . Tanto pior, a investigadora tem uma boa reputação no resto do planeta e junto aos anglo-saxónicos, até mesmo junto aos seus colegas mais reaças. O que os investigadores apreciam é a capacidade de trabalho desta dama que come uma sande nos arquivos e acaba por ali dormir. Ela lê tudo em todas as línguas, com Lacroix-Riz estamos na brutalidade dos factos, suas citações fazem dos seus leitores testemunhas da história.

. Ela acaba de publicar um livro que, estamos certos, jamais ouvirão falar: "Aux origines du carcan européen (1900-1960)" [1] ("Nas origens da sujeição europeia (1900-1960)") publicado pelas edições Le Temps des Cerises. Neste período em que nos pedem para votar sobre a Europa, suas palavras têm sentido. Recordemos o postulado, aquele que justifica a União como uma evidência: "A Europa é o meio de evitar a guerra"... Em algumas frases Lacroix-Riz arruma este slogan lembrando as guerras da Jugoslávia, as divisões violentas e hoje a Ucrânia que é um drama exemplar. Sua motivação é sempre a mesma, para avançar seus interesses os Estados Unidos continuam a utilizar a Europa como uma ferramenta. Desta vez para combater a Rússia.

O trabalho da historiadora remonta à fonte deste esquema, daquilo que se poderia chamar "Euramérica". Pois esta Europa de hoje, seu germe, ou seu ovo, é bem mais antiga que os mano-a-mano de De Gaulle ou de Mitterrand com os chanceleres alemães. No fim deste livro, o balanço das investigações: a Europa é apenas uma sucessão de ententes oportunas entre os grandes grupos financeiros alemães e franceses, com os Estados Unidos a velarem pelo respeito do contrato de casamento. Primeiro um idílio escondido, na fase mais brutal da guerra de 1914. Um conflito que faria matar os homens mais prósperos da indústria. Assim, lembra-nos Lacroix-Riz, em Agosto de 1914, após a entrada dos alemães em Briey, foi feito um acordo secreto de "não bombardeamento" dos estabelecimentos do Senhor de Wendel. Cartazes "a proteger" foram mesmo afixados a fim de que um mariola com capacete de ponta não viesse prejudicar o património sagrado desta família. Outro exemplo de entente muito cordial, o de Henry Gall e seu trust químico Ugine. Este, por intermédio da sua fábrica suíça de La Lonza, fornecerá à Alemanha toda a sua produção eléctrica e os produtos químicos necessários ao fabrico de armas terríveis como a cinamida. Entre firmas, durante a guerra continua a paz.

Outra demonstração desta estratégia transfronteiriça: a invalidação do tratado de Versalhes. Este, que punha fim à guerra de 1914 e constrangia a Alemanha a sanções, é conscienciosamente sabotado pelos Estados Unidos que temiam "o imperialismo" de uma França demasiado forte e demasiado laica. A 13 de Novembro de 1923 Raymond Poincaré é constrangido a ceder à pressão de Washington. O acordo é o seguinte: vocês se retiram do Ruhr, aceitam um Comité de peritos e financeiros americanos, e nós cessamos de especular contra o vosso franco. É o secretário de Estado Hugues que apresenta este ultimato em nome do banqueiro JP Morgan, este mesmo banco que encontramos hoje na origem da crise financeira mundial. Neste ukase do lado de lá do Atlântico encontra-se a mão na sombra que, pouco a pouco, vai modelar a Europa tal qual ela é.

Uma anedota: em Agosto de 1928, quando Raymond Poincaré propõe a Gustav Stresemann, o ministro alemão dos Negócios Estrangeiros (que em 1923, por breve tempo, foi chanceler) fazer uma "frente comum" contra "a religião americana do dinheiro e os perigos do bolchevismo", há uma recusa. Para Lacroix-Riz, Stresemann é um "pai da Europa" demasiado desconhecido, o peão dos bancos da Wall Street e exactamente do JP Morgan ou do Young. Em 1925, aquando da assinatura do pacto de Locarno, que redesenha a Europa do após guerra, é o mesmo Stresemann que Washington alcunha como grande arquitecto, ao passo que Aristide Briand e a França são assentados na ponta das nádegas sobre um trampolim. Stresemann assina o que ele qualifica secretamente de "pedaço de papel enfeitado com numerosos carimbos". O governo do Reich já assinou acordos secretos com os nacionalistas estrangeiros, amigos.   Stresemann sabe que este Pacto é obsoleto à nascença. No entanto "Locarno", quando Hitler bate às portas, permanecerá nos discursos dos partidos de direita e aqueles das Ligas, a palavra sagrada. Um sinónimo de paz quando não é senão uma máscara do nazismo.

. Tendo a França perdido seu domínio sobre o Ruhr, é tempo de assinar a verdadeira paz, a dos negócios. É o nascimento da "Entente internacional do aço", que dará o "Pool carvão-aço", ou seja, nossa Europa feita em bancos. A Alemanha obtém 40,45% da Entente, a França 31,8%:   a guerra está acabada e uma outra pode começar. E ela vem. Em 1943 os Estados Unidos e a Inglaterra modelam o "estatuto monetário" que deverá ser executado uma vez terminado o conflito. O vencedor (os Estados Unidos) "imporá às nações aderentes o abandono de uma parte da sua soberania por fixação das paridades monetárias". Este desejo demorou algum tempo para se realizar mas, com os papéis desempenhados hoje pelas agências de notação e pela obrigação que os Estados da Europa têm de não contrair empréstimos senão no mercado privado, o plano está a ser finalmente respeitado.

A 12 de Julho de 1947 abre-se em Paris a "Conferência dos dezasseis". Os canhões nazis ainda estão quentes quando a Alemanha e os Estados Unidos choram novamente sobre o destino do Ruhr. Ainda que à margem da Conferência, anglo-americanos e alemães têm reuniões paralelas a fim de liquidar os desejos da França. Por uma vez Paris mantém-se firme. Furiosos, os americanos enviam um emissário a fim de "reescrever o relatório geral da Conferência". No bom sentido. Em particular seis pontos são ditados por Clayton, o secretário de Estado do Comércio. Eles resumem o programa comercial e financeiro mundial, e portanto europeu, de Washington. Os Estados Unidos exigem a constituição de uma "organização europeia permanente encarregada de examinar a execução do programa europeu". Esta máquina será a OECE. Ela prefigura "nossa" Europa. E Charles-Henri Spaak, primeiro presidente da Organização Europeia de Cooperação Económica não é senão um secretário que aplica as instruções americanas.

Quanto aos heróis que celebramos, eleições europeias obrigam, "os pais da Europa", ao ler Lacroix-Riz não se tem vontade de sermos seus filhos. Jean Monnet? Primeiro reformado em 1914, mercador de álcool durante a Lei Seca, fundador da Bancarmerica em São Francisco, conselheiro de Tchang Kai-Chek por conta dos americanos. Depois, em Londres em 1940, Monet recusa-se a associar-se à France Libre para, em 1945, tornar-se o enviado de Roosevelt junto ao general Giraud ... Eis aqui um homem com o perfil ideal para por de pé uma Europa livre. Neste jogo de família quer um outro "Pai"? Eis aqui Robert Schuman, outro ícone. Um pormenor da vida do herói é suficiente para qualificá-lo:   no Verão de 1940 ele vota a favor de plenos poderes para Pétain e aceita como prémio ser membro do seu governo. Após a guerra, Schuman será posto em penitência, o que é uma prática habitual para um tão bom católico. Depois, esquecido o passado, ele vai pressionar por uma Euro-América: capitalista, cristã e a desenvolver-se na estufa da NATO.

Antes das eleições "europeia" de 25 de Maio próximo ainda há tempo para ler "Aux origines du carcan européen", um livro deixa o rei nu. Aqueles que, como François Hollande, estão convencidos de que "Deixar a Europa é deixar a história" poderão constatar que o Presidente diz a verdade. Deixar uma história escrita pelos banqueiros americanos.
16/Maio/2014

[1] Aux origines du carcan européen (1900-1960), co-edição Delga-Le temps des cerises, Abril 2014, 15 euros

O original encontra-se em www.afrique-asie.fr/...

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aqui:http://resistir.info/europa/fundadores.html                   

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