A "guerra humanitária" contra a Líbia assentou num
modelo querido dos corações liberais ocidentais, em especial dos
media. Em 1999, Bill Clinton e Tony Blair mandaram a NATO bombardear a
Sérvia, porque, mentiram eles, os sérvios estavam a praticar um
"genocídio" contra os albaneses étnicos na
província secessionista de Kosovo. David Scheffer, o embaixador
americano itinerante para crimes de guerra [sic], afirmou que podiam ter sido
mortos "225 mil albaneses étnicos entre os 14 e os 59 anos".
Clinton e Blair
evocaram o Holocausto e "o espírito da Segunda Guerra
Mundial". Os heróicos aliados do Ocidente eram o Exército de
Libertação do Kosovo (ELK), cujo registo criminal foi ignorado. O
secretário do Foreign Office, Robin Cook, disse-lhes para lhe ligarem
por telemóvel, sempre que quisessem.

Com os bombardeamentos da NATO e grande parte das infraestruturas da
Sérvia em ruínas, juntamente com escolas, hospitais, mosteiros e
a estação nacional da TV, equipas forenses internacionais
avançaram para Kosovo a fim de arranjar provas do
"holocausto". O FBI não conseguiu encontrar uma única
sepultura em massa e voltou para casa. A equipa forense espanhola fez o mesmo,
e o seu chefe denunciou irritado "uma pirueta semântica feita pelas
máquinas de propaganda da guerra". Um ano depois, um tribunal das
Nações Unidas na Jugoslávia anunciou o total de mortos no
Kosovo: 2788. Isto incluía combatentes dos dois lados e sérvios e
romenos assassinados pelo ELK. Não houvera qualquer genocídio. O
"holocausto" tinha sido uma mentira. O ataque da NATO fora
fraudulento.
Por detrás da mentira, havia um objectivo importante. A
Jugoslávia era uma federação singularmente independente,
multiétnica, que se tinha mantido como uma ponte política e
económica durante a Guerra-fria. A maior parte das suas
instalações e fábricas principais eram de propriedade
privada. Isso não era aceitável para a Comunidade Europeia em
expansão, especialmente para a Alemanha recém unida, que tinha
começado a avançar para leste a fim de captar o seu "mercado
natural" nas províncias jugoslavas da Croácia e da
Eslovénia. Na altura em que os europeus se encontraram em Maastricht em
1991 para traçar planos para a desastrosa eurozona, foi feito um acordo
secreto: a Alemanha iria reconhecer a Croácia. A Jugoslávia
estava condenada.
Em Washington, os EUA viam que à debilitada economia jugoslava foi
recusado um empréstimo do Banco Mundial. A NATO, na altura praticamente
uma relíquia quase defunta da Guerra-fria, foi reinventada como
polícia imperial. Numa conferência de "paz" do Kosovo,
em 1999, em Rambouillet, França, os sérvios foram submetidos
às tácticas traiçoeiras dessa polícia. O acordo de
Rambouillet incluía um Anexo B secreto, que a delegação
dos EUA inseriu no último dia. Este exigia a ocupação
militar de toda a Jugoslávia – um país com
recordações amargas da ocupação nazi – e a
implementação de uma "economia de mercado livre" e a
privatização de todos os activos governamentais. Nenhum estado
soberano podia assinar uma coisa daquelas. A punição seguiu-se
rapidamente: as bombas da NATO caíram sobre um país indefeso.
Foram as precursoras das catástrofes no Afeganistão e no Iraque,
na Síria e na Líbia, e na Ucrânia.
A partir de 1945, mais de um terço dos membros das Nações
Unidas – 69 países – sofreram parte ou tudo aquilo que se
segue às mãos do moderno fascismo da América. Foram
invadidos, os seus governos foram derrubados, os movimentos populares
suprimidos, as eleições subvertidas, as populações
bombardeadas e as economias despojadas de toda a protecção, as
sociedades sujeitas a um cerco debilitante designado por
"sanções". O historiador britânico Mark Curtis
avalia o total de mortes em milhões. Em todas as
situações, foi montada uma enorme mentira.
"Esta noite, pela primeira vez desde o 11 de Setembro, terminou a nossa
missão de combate no Afeganistão". Foram estas as palavras
de Obama, na abertura do discurso de o Estado da União, em 2015. Na
realidade, mantêm-se no Afeganistão 10 mil efectivos e 20 mil
contratados militares (mercenários) em missões indefinidas.
"A guerra americana mais longa da história está a chegar a
uma conclusão responsável", disse Obama. Na verdade, foram
mortos mais civis no Afeganistão em 2014 do que em qualquer outro ano
desde que as Nações Unidas passaram a manter registos. A maioria
foi morta – civis e soldados – durante a presidência de Obama.
A tragédia do Afeganistão só tem igual no crime monstruoso
da Indochina. No seu livro elogiado e muito citado "O grande tabuleiro de
xadrez: o primado americano e os seus imperativos geoestratégicos
(The Grand Chessboard: American Primacy and Its Geostrategic Imperatives),
Zbigniew Brzezinski, o padrinho das políticas dos EUA desde o
Afeganistão até aos dias de hoje, escreve que, se a
América quiser controlar a Eurásia e dominar o mundo, não
pode sustentar uma democracia popular porque "a busca do poder não
é um objectivo que comande a paixão popular… A democracia
é inimiga da mobilização imperialista". Tem toda a
razão. Como a WikiLeaks e Edward Snowden revelaram, o estado de
vigilância e policial está a usurpar a democracia. Em 1976,
Brzezinski, na altura conselheiro de Segurança Nacional do presidente
Carter, demonstrou o seu ponto de vista desferindo um golpe mortal contra a
primeira e única democracia do Afeganistão. Quem conhece esta
história vital?
Nos anos 60, uma revolução popular varreu o Afeganistão, o
país mais pobre da terra, acabando por derrubar os vestígios do
regime aristocrático em 1978. O Partido Popular Democrático do
Afeganistão (PPDA) formou um governo e declarou um programa de reformas
que incluía a abolição do feudalismo, a liberdade de todas
as religiões, direitos iguais para as mulheres e justiça social
para as minorias étnicas. Foram libertados mais de 13 mil prisioneiros
políticos e os arquivos policiais foram queimados em público.
O novo governo instituiu cuidados médicos gratuitos para os mais pobres;
foi abolida a servidão, foi lançado um amplo programa de
alfabetização. Para as mulheres, os ganhos foram inauditos. No
final dos anos 80, metade dos alunos da universidade eram raparigas e as
mulheres eram quase metade dos médicos do Afeganistão, um
terço dos funcionários públicos e a maioria dos
professores. "Todas as raparigas", recorda Saira Noorani, uma
cirurgiã, "podiam entrar na universidade. Podíamos ir onde
quiséssemos e usar o que quiséssemos. Costumávamos ir aos
cafés e ao cinema ver o último filme indiano à sexta-feira
e ouvir as últimas músicas. Tudo começou a correr mal
quando os mujaheddin começaram a ganhar. Matavam professoras e queimavam
escolas. Ficámos aterrorizadas. Era cómico e triste pensar que
eram estas as pessoas que o Ocidente apoiava".
O governo do PPDA era apoiado pela União Soviética, apesar de,
conforme posteriormente o antigo secretário de Estado Cyrus Vance
reconheceu, "não haver provas de qualquer cumplicidade
soviética [na revolução]". Alarmados pela crescente
confiança dos movimentos de libertação em todo o mundo,
Brzezinski decidiu que, se o Afeganistão conseguisse ter êxito com
o PPDA, com a sua independência e progresso, isso iria constituir a
"ameaça de um exemplo promissor".
A 3 de Julho de 1979, a Casa Branca, secretamente, autorizou o apoio aos grupos
tribais "fundamentalistas", conhecidos por mujaheddin, um programa
que acabou por aumentar para 500 milhões de dólares por ano em
armamento norte-americano e outro tipo de apoios. O objectivo era o derrube do
primeiro governo laico e reformista do Afeganistão. Em Agosto de 1979, a
embaixada dos EUA em Cabul, noticiou que "o principal interesse dos
Estados Unidos… seria atingido com a queda [do governo do PPDA],
apesar de quaisquer recuos que isso pudesse significar para as futuras reformas
sociais e económicas no Afeganistão".
Os itálicos são meus.

Os mujaheddins eram os antecessores da al-Qaeda e do Estado Islâmico.
Incluíam Gulbuddin Hekmatyar, que recebeu dezenas de milhões de
dólares em dinheiro da CIA. A especialidade de Hekmatyar era o
tráfico do ópio e atirar ácido à cara das mulheres
que se recusavam a usar o véu. Convidado em Londres, foi elogiado pela
primeira-ministra Thatcher como um "combatente pela liberdade".
Estes fanáticos podiam ter-se mantido no seu mundo tribal se Brzezinski
não tivesse desencadeado um movimento internacional para promover o
fundamentalismo islâmico na Ásia Central e corroer assim uma
libertação política secular e "desestabilizar" a
União Soviética, criando, conforme ele escreveu na sua
autobiografia, "alguns muçulmanos conflituosos". O seu grande
plano coincidia com as ambições do ditador paquistanês, o
general Zia ul-Hag, para dominar a região. Em 1986, a CIA e a
agência de inteligência do Paquistão, o ISI,
começaram a recrutar pessoas de todo o mundo para aderirem à
jihad afegã. O multimilionário saudita, Osama bin Laden foi um
deles. Operacionais que acabaram por se juntar aos talibãs e à
al-Qaeda, foram recrutados numa faculdade islâmica em Brooklyn, Nova
Iorque, e receberam formação militar num campo da CIA na
Virgínia. Chamaram-lhe a
"Operação Ciclone"
. O
seu êxito foi festejado em 1996, quando o último presidente PPDA
do Afeganistão, Mohammed Najibullah – que fora pessoalmente
à Assembleia Geral das Nações Unidas para pedir ajuda
– foi enforcado num candeeiro pelos talibãs.
O "ricochete" da Operação Ciclone e dos seus
"muçulmanos conflituosos" foi o 11 de Setembro de 2001. A
Operação Ciclone passou a ser a "guerra contra o
terrorismo", em que perderiam a vida inúmeros homens, mulheres e
crianças no mundo muçulmano, do Afeganistão ao Iraque, ao
Iémen, à Somália e à Síria. A mensagem dos
"polícias" foi e continua a ser: "Ou estão
connosco ou são contra nós".
A habitual ameaça do fascismo, no passado e no presente, é o
assassínio em massa. A invasão americana do Vietname teve as suas
"zonas livres de fogo", "contagem de corpos" e "danos
colaterais". Na província de Quang Ngai, de onde enviei
notícias, muitos milhares de civis
("gooks")
foram assassinados pelos EUA; mas só se recorda um massacre, em My Lai.
No Laos e no Camboja, o maior bombardeamento da história provocou uma
época de terror marcado hoje pelo espectáculo de crateras unidas
por bombas que, vistas do ar, parecem monstruosos colares. O bombardeamento deu
ao Camboja o seu ISIS, chefiado por Pol Pot.
Actualmente, a maior campanha de terror do mundo envolve a
execução de famílias inteiras, de convidados em
casamentos, de acompanhantes em funerais. Estas são as vítimas de
Obama. Segundo o
New York Times,
Obama faz a sua selecção a partir de uma "lista de
matança" da CIA que lhe é apresentada todas as
terças-feiras na Sala da Situação da Casa Branca. Ele
então decide, sem uma ponta de justificação legal, quem
viverá e quem morrerá. A sua arma de execução
é o míssil Hellfire transportado por um avião sem piloto
conhecido por "drone"; estes assam as vítimas e engalanam a
área com os seus despojos. Cada "ataque"
("hit")
é registado num ecrã duma longínqua consola conhecida por
"esmagador de insetos"
(bugsplat).
"Os passos-de-ganso", escreveu o historiador Norman Pollock,
"foram substituídos pela militarização aparentemente
mais inócua da cultura total. Para o líder bombástico,
temos o reformista falhado, a trabalhar jovialmente, planeando e executando
assassínios, sorrindo todo o tempo".
O que une o antigo fascismo e o novo é o culto da superioridade.
"Acredito na excelência americana com todas as fibras do meu
ser", disse Obama, fazendo lembrar declarações de fetichismo
nacional dos anos 30. Como assinalou o historiador Alfred W. McCoy, foi Car
Schmitt, admirador de Hitler, quem disse; "O soberano é ele que
decide a excepção". Isto resume o americanismo, a ideologia
dominante do mundo. Que isso continue a não ser reconhecido como uma
ideologia predatória é a façanha duma igualmente
não reconhecida lavagem ao cérebro. Insidiosa, não
declarada, apresentada inteligentemente como uma iluminação, este
conceito insinua-se na cultura ocidental. Eu cresci no meio duma dieta
cinéfila da glória americana, quase toda ela uma
distorção. Não tinha a menor ideia de que fora o
Exército Vermelho que destruíra a maior parte da máquina
de guerra nazi, com um custo de 13 milhões de soldados. Em contraste, as
perdas dos EUA, incluindo as do Pacífico, foram de 400 mil. Holywood
virou tudo ao contrário.
A diferença agora é que as audiências do cinema são
convidadas a retorcer as mãos com a "tragédia" de
psicopatas americanos terem que matar pessoas em locais distantes – tal
como o próprio Presidente as mata. A encarnação da
violência de Hollywood, o actor e director Clint Eastwood, foi nomeado
para um Óscar este ano pelo seu filme, "Sniper Americano", que
é sobre um assassino paranóico autorizado. O
New York Times
descreveu-o como um "filme patriótico, pró-família
que bateu todos os recordes de assistência nos primeiros dias de
exibição".
Não há filmes heróicos sobre a adesão da
América ao fascismo. Durante a Segunda Guerra Mundial, a América
(e a Grã-Bretanha) foram para a guerra contra os gregos que se tinham
batido heroicamente contra o nazismo e estavam a resistir à
progressão do fascismo grego. Em 1967, a CIA ajudou a subida ao poder
duma junta militar fascista em Atenas – tal como no Brasil e na maior
parte da América Latina. Os alemães e os europeus de leste que se
haviam conluiado com a agressão nazi e com os crimes contra a humanidade
receberam um porto de abrigo seguro nos EUA; muitos deles foram apaparicados e
os seus talentos recompensados. Wernher von Braun foi o "pai" da
bomba terrorista nazi V-2 e do programa espacial dos EUA.
Nos anos 90, quando as antigas repúblicas soviéticas, a Europa do
leste e os Balcãs passaram a ser postos militares avançados da
NATO, os herdeiros dum movimento nazi na Ucrânia tiveram a sua
oportunidade., Responsável pelas mortes de milhares de judeus, polacos e
russos, durante a invasão nazi da União Soviética, o
fascismo ucraniano foi reabilitado e a sua "nova vaga" saudada pelo
braço armado como "nacionalista".
Isso atingiu o seu apogeu em 2014, quando a administração Obama
gastou cinco mil milhões de dólares num golpe contra o governo
eleito. As tropas de choque eram neonazis conhecidos como o Setor de Direita e
Svoboda. Os seus líderes incluíam Oleh Tyahnybok, que apelou a um
expurgo da "máfia moscovita-judaica" e "outra
escumalha", incluindo homossexuais, feministas e os da esquerda
política.
Estes fascistas estão hoje integrados no governo golpista de Kiev. O
primeiro presidente do parlamento ucraniano, Andriy Parubiy, líder do
partido do governo, é cofundador do Svoboda. A 14 de Fevereiro, Parubly
anunciou que ia a Washington pedir que "os EUA nos dêem armamento
moderno de precisão". Se o conseguir, isso será considerado
um ato de guerra pela Rússia.

Nenhum líder ocidental comentou o reacender do fascismo no
coração da Europa – com excepção de Vladimir
Putin, cujo povo perdeu 22 milhões numa invasão nazi que entrou
pela fronteira da Ucrânia. Na recente Conferência de
Segurança de Munique, a subsecretária de Estado dos EUA para os
Assuntos Europeus e Euro-asiáticos, Victoria Nuland, considerou uma
ofensa que os líderes europeus se opusessem a que os EUA fornecessem
armamento ao regime de Kiev. Referiu-se ao ministro alemão da Defesa
como "o ministro para o derrotismo". Foi Nuland quem arquitectou o
golpe em Kiev. Mulher de Robert D. Kagan, uma importante luminária
neoconservadora e cofundadora do Projecto para um Novo Século Americano,
da ala de extrema-direita, foi conselheira de política externa de Dick
Cheney.
O golpe de Nuland não correu conforme o planeado. A NATO foi impedida de
se apoderar da base naval, histórica, legítima, de águas
tépidas, da Rússia, na Crimeia. A população da
Crimeia, de maioria russa – anexada ilegalmente à Ucrânia por
Nikita Krushchev em 1954 – votou esmagadoramente pelo regresso à
Rússia, conforme tinham feito nos anos 90. O referendo foi
voluntário, popular e observado internacionalmente. Não houve
qualquer invasão.
Simultaneamente, o regime de Kiev virou-se contra a população de
etnia russa no Leste com a ferocidade da limpeza étnica. Colocou
milícias neonazis ao estilo das Waffen-SS, que bombardearam e cercaram
vilas e cidades. Usaram a fome como arma, cortando a electricidade, congelando
contas bancárias, suspendendo a segurança social e as
pensões. Mais de um milhão de refugiados atravessaram a fronteira
em direcção à Rússia. Nos media ocidentais, foram
tratados como pessoas que fugiam da "violência" provocada pela
"invasão russa". O comandante da NATO, general Breedlove
– cujo nome e acções podiam ter sido inspirados pelo Dr.
Strangelove de Stanley Kubrik – anunciou que estavam a
"reunir-se" 40 mil tropas russas. Na era de provas forenses por
satélite, não apresentou nenhuma.
As pessoas de língua russa e as bilingues da Ucrânia – um
terço da população – há muito que procuram uma
federação que reflicta a diversidade étnica do país
e seja autónoma e independente de Moscovo. A maior parte não
são "separatistas" mas apenas cidadãos que querem viver
em segurança na sua pátria e se opõem à tomada de
poder verificada em Kiev. A sua revolta e a instituição de
"estados" autónomos são uma reacção aos
ataques de Kiev contra eles. Poucas destas coisas têm sido explicadas
às audiências ocidentais.
A 2 de Maio de 2014, em Odessa, 41 cidadãos de etnia russa foram
queimados vivos na sede dos sindicatos, guardada por polícias. O
líder do Sector de Direita, Dmytro Yarosh considerou o massacre como
"mais um dia de glória na nossa história nacional". Nos
media americanos e britânicos, foi noticiado como uma
"tragédia sombria" resultante dos "choques" entre
"nacionalistas (neonazis) e "separatistas" (pessoas que
recolhiam assinaturas para um referendo sobre uma Ucrânia federal).
O
New York Times
enterrou a notícia e reduziu a "propaganda russa" os alertas
sobre as políticas fascistas e anti-semitas dos novos clientes de
Washington. O
Wall Street Journal
condenou as vítimas – "Fogo ucraniano mortal provavelmente
ateado por rebeldes, diz o Governo". Obama felicitou a Junta pelo seu
"comedimento".
Se Putin puder ser provocado a ir em auxílio deles, o seu papel de
"pária" pré-encomendado no Ocidente justificará
a mentira de que a Rússia está a invadir a Ucrânia. A 29 de
Janeiro, o supremo comandante militar da Ucrânia, o general Viktor
Muzhemko, quase destruiu inadvertidamente a base das sanções dos
EUA e da UE à Rússia, quando disse enfaticamente numa
conferência de imprensa: "O exército ucraniano não
está a combater contra unidades regulares do Exército
russo". Havia "cidadãos individuais" que eram membros de
"grupos armados ilegais", mas não havia nenhuma invasão
russa. Não era novidade nenhuma. Vadym Prystaiko, o vice-ministro dos
Estrangeiros de Kiev, apelara a uma "guerra em grande escala" contra
a Rússia com armamento nuclear.
A 21 de Fevereiro, o senador americano James Inhofe, um Republicano de
Oklahoma, apresentou um projeto-de-lei que autorizaria armas americanas para o
regime de Kiev. Na apresentação ao Senado, Inhofe usou
fotografias que afirmou serem de tropas russas a entrar na Ucrânia, que
há muito tinham sido denunciadas como falsificações. Fez
recordar as fotos falsas de Ronald Reagan de uma instalação
soviética na Nicarágua, e as provas falsas de Colin Powell
à ONU de armas de destruição maciça no Iraque.
A intensidade da campanha de calúnias contra a Rússia e a
apresentação do seu presidente como o vilão duma pantomina
não tem paralelo com nada do que já vi até hoje enquanto
repórter. Robert Parry, um dos mais conhecidos jornalistas de
investigação da América, que revelou o escândalo
Irão-Contra, escreveu há pouco: "Nenhum governo europeu,
desde a Alemanha de Adolfo Hitler, achou justo enviar tropas de choque nazis
para entrar em guerra com uma população interna, mas o regime de
Kiev fez isso e fê-lo reconhecidamente. No entanto, por todo o espectro
media/político do Ocidente, tem sido feito um esforço brutal para
esconder esta realidade, chegando ao ponto de ignorar factos que já
estão solidamente estabelecidos… Se ficarem a pensar como é
que o mundo pode encontrar-se numa terceira guerra mundial – tal como se
encontrou na primeira guerra mundial há cem anos – basta olhar para
a loucura na Ucrânia que se tem mostrado impenetrável aos factos
ou à razão".
Em 1946, o promotor público do Tribunal de Nuremberga afirmou quanto aos
media alemães: "É bem conhecido o uso que os conspiradores
nazis fizeram da guerra psicológica. Antes de cada agressão
principal, com algumas excepções com base na conveniência,
iniciavam uma campanha de imprensa, destinada a enfraquecer as suas
vítimas e a preparar psicologicamente o povo alemão para o
ataque… No sistema de propaganda do Estado de Hitler, as armas mais
importantes foram a imprensa diária e a rádio". No
Guardian
de 2 de Fevereiro, Timothy Garton-Asg apelou mesmo à guerra mundial.
"É preciso fazer parar Putin", dizia o cabeçalho.
"Por vezes só canhões podem fazer calar
canhões". Reconhecia que a ameaça de guerra podia
"alimentar uma paranóia russa de cerco", mas tudo bem. Ele
mencionava o equipamento militar necessário para a tarefa e esclareceu
os leitores de que "a América tinha o melhor equipamento".
Em 2003, Garton-Ash, professor em Oxford, repetia a propaganda que levou
à chacina no Iraque. "Saddam Hussein", escreveu,
"armazenou, conforme [Colin] Powell documentou, grandes quantidades de
terríveis armas químicas e biológicas e está a
esconder o que resta delas. Continua a tentar arranjar as nucleares".
Elogiava Blair como um "intervencionista gladstoniano, liberal
cristão". Em 2006, escreveu: "Agora enfrentamos o maior teste
do Ocidente, depois do Iraque: o Irão".
As explosões [de entusiasmo] – ou, como Garton-Ash prefere, a sua
"torturada ambivalência liberal" – são
típicas daqueles que pertencem à elite liberal
transatlântica que fizeram um acordo faustiano. O criminoso de guerra
Blair é o seu líder perdido. O
Guardian,
onde apareceu o artigo de Garton-Ash, publicou um anúncio de
página inteira para um bombardeiro Stealth americano. Numa imagem
ameaçadora do monstro de Lockheed Martin havia as palavras: "O
F-35. ÓTIMO para a Grã-Bretanha". Este
"equipamento" americano custará aos contribuintes
britânicos 1,3 mil milhões de libras esterlinas, depois de os seus
antecessores modelo-F terem chacinado por todo o mundo. Em coro com o
anunciante, o editorial do
Guardian
defendia um aumento nas despesas militares.
Mais uma vez, há um objectivo profundo. Os dirigentes do mundo
não querem a Ucrânia só como uma base de mísseis.
Querem a sua economia. A nova ministra das Finanças de Kiev, Natalie
Jaresko, é uma antiga funcionária sénior do Departamento
de Estado dos EUA, encarregada do "investimento" dos EUA no ultramar.
Foi-lhe concedida à pressa a cidadania ucraniana. Querem a Ucrânia
por causa do gás abundante. O filho do vice-presidente Joe Biden faz
parte da administração da maior empresa de petróleo, de
gás e de refinação da Ucrânia. Os fabricantes de
sementes geneticamente modificadas, empresas como a pérfida Monsanto,
querem o rico solo agrícola da Ucrânia.
Sobretudo, querem o poderoso vizinho da Ucrânia, a Rússia. Querem
balcanizar ou desmembrar a Rússia e explorar a maior fonte de gás
natural do planeta. Enquanto o gelo do Árctico se derrete, querem
controlar o Oceano Árctico e as suas riquezas energéticas, e a
longa fronteira terrestre do Árctico na Rússia. O seu homem em
Moscovo era Boris Yeltsin, um bêbado, que entregou a economia do
país ao Ocidente. O seu sucessor, Putin, restabeleceu a Rússia
como uma nação soberana; o seu crime é esse.
A responsabilidade de todos nós é clara, É identificar e
denunciar as mentiras incessantes dos defensores da guerra e nunca pactuar com
elas. É reacender os grandes movimentos populares que trouxeram uma
frágil civilização aos modernos estados imperialistas.
Mais importante ainda, é impedir a conquista de nós mesmos: dos
nossos espíritos, da nossa humanidade, do nosso auto-respeito. Se nos
mantivermos calados, a vitória sobre nós é garantida e um
holocausto nos acena.