Quem destruiu o
aparelho do Estado para as Florestas portuguesas? E em nome de quê? E
por ordem de quem? Estando tudo ou quase tudo cadastrado neste país, os
homens, as casas, os carros, os contribuintes, porque nunca avançou o
cadastro florestal? Quem fez avançar a ideia de que o problema dos
incêndios florestais é da floresta abandonada? De terra sem dono? Dos
pequenos proprietários que não cuidam das suas terras?
Créditos / Associação Bombeiros para Sempre
Não
sei porque não posso espumar de raiva, pelos mortos queimados da
tragédia de sábado. E por isso cresce-me uma tal raiva capaz de pegar
fogo à água que habitualmente o apaga. Uma raiva de lágrimas e
palavrões, daqueles que arrebentam penedos…
Vamos ter missas de
pesar… comícios de soluções… conferências de imprensa de estudos e
planos…
Vamos ter tudo o que é habitual em casos que tais, comissões
parlamentares eventuais, investigações da PJ, declarações da Autoridade
Nacional de Protecção Civil (ANPC), discursos de ministros (por baixo,
do, da Agricultura e da, da Administração Interna), de ex-ministros e
até de ex-primeiros-ministros… Vamos ter tudo, tudo o que tivemos em
vezes que tais… (perdoa-me Gedeão, a mal amanhada paráfrase…).
Vamos
ter pena dos mortos, das árvores que arderam (até o eucalipto vai ter o
seu avé-maria), dos coelhos e raposas, e até dos calhaus que com o
calor racharam (só é pena que outros calhaus não rachem, mesmo de frio,
já servia!).
Senhores, senhores, já tudo foi dito e escrito. Há
muito. Há décadas. Já não posso mais ouvir falar de certas coisas. Já
não aguento tanta repetição. Tanto disco riscado! Tanto relatório. Tanta
comissão.
Tanta chuva onde já choveu. Tanto sol na eira e chuva no
nabal! Por que razão não se quer gritar alto, tão alto, que as trombetas
do Apocalipse parecerão ronronar de gato… que não se fez nem faz o que
se tem de fazer, porque isso custa pilim… porque isso no Orçamento do
Estado implica com o défice, com a dívida, com o grupo do euro, com o
Semestre Europeu e o Programa de Estabilidade, com o Moscovici e o
Juncker, com o Schäuble e a Merkel, com as e os… a todos!
Porque
isso, chegado Outubro, vêm umas pingas e tudo fica resolvido, cai no
borralho, e até serve para assar castanhas… E lá vêm mais umas reformas
da floresta, mais uma catrefa de decretos-leis, portarias e despachos,
oh sim muitos despachos, que a despachar para o dia de S. Nunca em
Fevereiro com 30 dias, é fácil, é barato e não chateia os senhores de
Bruxelas… Haverá até, para entreter os senhores deputados umas propostas
de lei, em assuntos que são da competência legislativa da Assembleia da
República… Senhores, não há paciência para tanto estrume…
Pobre
do Diário da República, que não há folhas que lhe cheguem para tanta
lei… para tanta decisão oficial e legal… para tanta recomendação… E
quatro vezes pobre, a floresta, que não lhe bastando os incêndios, ainda
tem o Diário da República nas suas três séries, mais o Diário da
Assembleia da República a consumir o papel das árvores que sobraram dos
incêndios para escrutinar e registar os incêndios florestais…
Vamos
repetir tudo de novo outra vez? Oiçam os dentes a ranger! Vejam os
olhos a deitar lume. Vejam a boca a espumar. Só não dou coices porque…
mas é o que apetecia. E o problema não é ser assemelhado ao animal… mas
porque não tenho à beira quem os merece.
Vamos ver:
Conhece-se
o que são os matos, os pinhais, as bouças, a dita floresta do Norte e
Centro de Portugal? Sabe-se que é uma floresta de pequenos
proprietários. Imbricada até ao sabugo com as também pequenas
explorações agrícolas. Sabe-se? Então se se sabe porque não se actua em
conformidade?
Sabe-se que é «abandonada» porque a madeira nada dá…
e sabe-se quem compra a «madeira», ou a cortiça… o Belmiro, o Queiroz
Pereira, o Amorim… E senhores, gastam-se milhões de euros de dinheiros
públicos – nacionais e comunitários – a subsidiar as fábricas desses
senhores, e depois não há massa para os sapadores florestais, para o
cadastro, para as equipas de análise do fogo, para as faixas de gestão
de combustível???
Por
favor, não brinquem com a gente, feitos sátrapas de meia tigela. Por
que razão não se recompõe o corpo de guardas florestais, constatado o
crime público que foi a sua liquidação? Custa dinheiro ao erário
público? Pois custa, que ninguém trabalha de borla. Nem os da Santa
Casa… Cresce o número de funcionários públicos, e isso mexe com a
despesa orçamental, e sobretudo com os bonzos de Bruxelas? Pois mexe,
mas a não ser que os convençam a ingressar nos corpos de bombeiros
voluntários – e podia ser uma forma da burocracia bruxelense fazer
férias activas – não há maneira…
Por que razão o número de Equipas
de Sapadores Florestais – 500 – previsto num Plano oficial de técnicos
florestais da passagem do século, 2000, se me não engano, há tanto tempo
foi, continua a meio pau? Porquê? Falta de graveto? Mas ele há tanto na
nossa floresta…
(Mas não se seja injusto. Os que liquidaram o
corpo de guardas florestais, os mesmos que nada fazem para que o número
de Equipas de Sapadores chegue aos 500, previsto há quase duas décadas,
gente que passa os dias a falar da qualificação dos portugueses, têm
avançado com a interessante hipótese de resolver o problema da carência
de recursos humanos da floresta portuguesa pelo recurso (repetição
adequada) a trabalhadores desempregados e reclusos! Como quem diz, para
quem é, (a floresta portuguesa) bacalhau basta, isto quando o bacalhau
era a pataco… É claro que nem os desempregados nem os reclusos têm
alguma responsabilidade nesta miserável instrumentalização…).
Por
que razão as faixas de gestão de combustível, as primárias pelo menos,
constando de sucessiva legislação – desde o Decreto-Lei 124/2006 – não
estão concretizadas? Não acham que 10 anos deviam chegar? Falta de quê?
De vontade? De verba? De um comando único e eficaz de todos estes
processos da floresta portuguesa, prevenção e combate, espartilhados por
não sei quantos ministérios, certamente para que ninguém
verdadeiramente possa assumir as responsabilidades dos desastres que,
fatais como o destino, fatais como dizem que era o fado, fatais como a
brutalidade da morte que tão brutalmente cortou cerce a vida a 64 homens
e mulheres deste país!
Quem destruiu o aparelho do Estado para as
Florestas portuguesas? E em nome de quê? E por ordem de quem? Estando
tudo ou quase tudo cadastrado neste país, os homens, as casas, os
carros, os contribuintes, porque nunca avançou o cadastro florestal, que
todos, suma hipocrisia, diziam e dizem ser condição necessária para a
boa gestão florestal. Quem fez avançar a ideia de que o problema dos
incêndios florestais é da floresta abandonada? De terra sem dono? Dos
pequenos proprietários que não cuidam das suas terras?
E
logo, faz-se uma lei para que essa terra possa ser roubada, faz-se
outra lei para criar uma bolsa ou banco de terras, dão-se uns
«incentivos fiscais» a uns fundos de investimento, que vem a correr da
Bolsa de Nova Iorque para a arrendar/comprar e plantar rosas e
orquídeas… (Senhor, Senhor porque lhes não dais juizinho!!!).
Poderão
alguns, com alguma razão, dizer que não se deve brincar com coisas
sérias. Mas o que dizer do sucedido com o anterior governo PSD/CDS e a
ministra Cristas que, depois de excluir do Regime Florestal total a
Herdade do Ribeiro do Freixo, de 320 hectares, e desanexá-la da tutela
pública para dar movimento (privatizá-la!) à sua bolsa de terras,
devolveu à tutela pública a Mata da Margaraça de 67,578 hectares de
propriedade pública para «compensar». Baralhados?
Como bem
percebem os especialistas em algoritmos, 320 hectares na Floresta 4.0
valem o mesmo que 67,578 hectares, dos antigos agrimensores. E que o
público se compensa com público, mesmo que em escala reduzida! Foi o
Decreto 9/2015, diploma que também ninguém sabe bem o que é…
Quem
são os responsáveis pela floresta em mancha contínua de pinheiro ou
eucalipto? (E agora parece que já não lhes serve esse eucalipto…) Quem
sacudiu os povos dos baldios do que era seu, para lá pôr pinheiro? Quem
defendeu uma política agrícola de liquidação da pequena agricultura para
lá pôr eucalipto? E o problema é que acham, continuam a achar, depois
de tudo o que aconteceu, e do que vai acontecer ainda, que estão com o
passo certo… E, contrariamente à bem conhecida anedota, sabem que não
vão com o passo trocado, mas a toque de caixa de quem considera a
floresta portuguesa o seu banco Fort Knox! A quem devem preito de
menagem…
Dizemos isto, mas não nos sai da boca este sabor a raiva e
lama, a raiva e carvão negro, a raiva e a um infinito lamento… Eram as
horas certas em todos os relógios (perdoa-me Garcia Lorca), mas nos
nossos relógios só podem rimar a raiva e a dor pelo que não podia ter
acontecido… no sábado 17 de Junho de 2017, em Pedrógão Grande.
Que raiva e dor não poder fazer nada, quando tanto podia ter sido feito!
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