O sofrimento das
crianças vende audiências e os terroristas sírios fazem-no até ao
cadáver. Por cá, Costa e Marcelo assobiam marchas militares e seguem o
chefe. Restam-nos a vergonha e o nojo.
Fotografia
do documentário de Vanessa Beeley sobre os «capacetes brancos», segundo
a agência SANA, que cita Beeley como tendo posto a descoberto que o
grupo é uma criação propagandística criado por James Le Mesurier,
ex-oficial de informações militares britânico. CréditosFonte: Beirut Press
Riam
Dalati é um produtor de informação internacional da circunspecta BBC
britânica, a trabalhar como enviado especial na Síria desde 2012. Em 11
de Abril, enquanto o mundo dito «informado» e «civilizado» esperava que
ilustres democratas como Trump, May e Macron ajustassem contas com os
autores do «grande massacre químico de Duma», que teria provocado um
número tão indefinido de vítimas que cabe algures entre 50 e 500, a
paciência de Dalati esgotou-se:
O
tweet esteve pouco tempo exposto, antes de se sumir nos subterrâneos
censórios da rede, o que não impediu a reprodução da mensagem à
velocidade da luz, através da internet. É certo que não chegou aos
consumidores da informação digna e com chancela de qualidade que a põe a
salvo de qualquer risco de contaminação pela «propaganda russa», mas
despertou milhões para uma realidade cada vez mais difícil de esconder.
Em
tweet anterior, Riam Dalati já mostrara o seu inconformismo perante as
versões oficiais postas a circular sobre o que acontecera em Duma, desmontando
então a foto do «último abraço», a chocante imagem com que os
«Capacetes Brancos», destacamento dos serviços secretos britânicos,
agitaram a opinião pública mundial. Os cadáveres de duas crianças
mortas em andares separados de um prédio que desabou em Duma – como
testemunham fotos captadas imediatamente a seguir à tragédia – foram
depois colocados lado-a-lado, em posição de dramático abraço, para as
fotos captadas no local de recolha e identificação das vítimas. É
difícil qualificar adequadamente os seres humanos capazes de tais
práticas necrófilas.
Os frequentadores do jornalismo sério,
profissional e independente já tinham posto os olhos numa extraordinária
reportagem do enviado da BBC, dada a conhecer em 13 de
Novembro passado, na qual expôs minuciosamente, sem margem para dúvidas
nem espaço para teses conspirativas, abundantes provas de que as
potências da NATO, tão expeditas em bombardear arsenais químicos sem
libertar um átomo de veneno para a atmosfera, estavam a mobilizar os
próprios meios militares para dar fuga e encaminhar para novas regiões
de acolhimento os terroristas do Estado Islâmico derrotados em Raqqa, o
seu quartel-general na Síria ocupada. «O segredo sujo de Raqqa» é o título dado por Dalati ao seu trabalho.
«Todos os génios que dizem
que Assad matou essas crianças saberão o que estão a dizer? Claro que
não sabem. Estão a inventar. Não fazem ideia nenhuma do que aconteceu».
Poderia
continuar esta caminhada, de caso em caso, de profissional em
profissional. Citar os vídeos e as fotos testemunhando que, nas zonas
sírias controladas por terroristas, «moderados» ou não, há lugares onde
as crianças são treinadas a simular os efeitos de ataques químicos, numa
espécie de concursos em que são distinguidas as que melhor interpretam,
por exemplo, os espasmos da agonia; ou então dar voz às declarações de
pessoas que participaram nessas encenações, identificando-se a elas
próprias nos vídeos em que foram figurantes.
Para muitos, através
do mundo, a verdade destas mentiras montadas para não deixar esmorecer a
guerra tornou-se um facto admissível, ou mesmo inquestionável.
Para
muitos outros subsiste o natural cepticismo. Os efeitos da tese da
teoria da conspiração são fortes e duradouros. Além disso, a guerra de
propagandas é inerente aos conflitos militares, muito mais em situações,
como a da Síria, onde se enfrentam, agora directamente, as mais
poderosas potências mundiais.
A posição cúmplice de Portugal: lamentável, confrangedora e ultrajante
Há
que distinguir, porém, entre o cidadão comum, certamente mais
dependente da comunicação social que lhe chega sem fazer qualquer
esforço, daqueles que têm outros níveis de responsabilidade política e
social, como os deputados, os ministros, o primeiro-ministro, o Chefe de
Estado.
É lamentável que a maioria dos eleitos da Assembleia da
República tenham dado como confirmada a história do suposto ataque
químico de Duma, apenas com base na versão dos «Capacetes Brancos», e
não se informassem mais pluralmente antes de votar – assumindo como
dogma as posições belicistas da NATO e da União Europeia, como seu braço
civil.
É
confrangedor que o primeiro-ministro António Costa tenha permitido que o
Chefe de Estado envolvesse o governo na sua grotesca e submissa
declaração de cumplicidade com uma agressão militar ilegal; e que, não
contente com isso, tenha adoptado o mesmo tom subserviente na sua
própria declaração. Como se estivesse a penitenciar-se aceitando
humildemente, e como merecidos, os puxões de orelhas que, pelos vistos,
recebeu por não ter expulsado diplomatas russos na sequência da história
de venenos e espiões que cheira a aldrabice de uma ponta à outra.
É
ultrajante e abusivo para os portugueses que o Presidente da República,
também renomado professor de Direito, tenha associado Portugal ao mais
descaradamente ilegal acto de guerra praticado por aqueles a quem
qualificou como «amigos e aliados», corresponsabilizando-se, deste modo,
por um acto criminoso contra um país e um povo soberanos que viola o
direito internacional da forma mais grosseira possível.
Maioria
de deputados, governo e Presidente da República assumiram-se assim como
cúmplices de um acto fora-de-lei na cena internacional; acataram, sem
reticências, pretextos e alegações que ou já se revelaram
inquestionáveis mentiras ou carecem de investigação por organismos
credíveis.
À hora a que o Chefe de Estado proferiu a
profissão de fé validando as razões da agressão contra a Síria já tinha
obrigação de saber que os agressores mentiram deliberadamente: os locais
alvejados não guardavam armas químicas, ao contrário do invocado,
porque não consta que deles tenha brotado sequer um átomo de veneno para
as imediações.
A irresponsabilidade de Marcelo Rebelo de Sousa ao
abusar da palavra em nome dos seus concidadãos foi mais longe: envolveu
o país num acto de guerra que, se tivesse corrido de acordo com os fins
e segundo as circunstâncias descritas pelos autores, provocaria, então
sim, um autêntico ataque químico susceptível de arrasar todas as formas
de vida em redor.
Um parênteses: a guerra humanitária de Theresa May
Tratou-se,
portanto, de um atentado de terrorismo de Estado praticado contra a
Síria, hipocritamente em nome dos direitos humanitários do povo sírio,
através de uma cruzada para atenuar «o seu sofrimento», como
beatificamente sentenciou Theresa May, a primeira-ministra britânica.
Que tem como marido e conselheiro um gestor de topo do Capital Group,
fundo de investimento que possui cerca de dez por cento da Lockheed
Martin, gigante da indústria da morte e fabricante dos mísseis de
cruzeiro JASSM, que se estrearam neste acto piedoso contra território
sírio, assim gerando um merecido reforço de lucros a quem os fabrica e
financia. Cada unidade desses mísseis custa a modesta quantia de milhão e
meio de euros. E cada acção da Lockheed Martin valorizou-se 2,3% na
primeira sessão de bolsa a seguir ao dia do bombardeamento.
Da Cimeira das Lajes à actualidade, vamos de mal a pior
Para
a História, e para que se interpretem objectivamente eventuais
acontecimentos vindouros que poderão não ocorrer por «azar» ou ser «obra
do acaso», fica o facto de as autoridades portuguesas em funções terem
conseguido ultrapassar, em cota de desprezo pelo direito internacional, o
comportamento das que, há 15 anos, arrastaram o país para a conivência
com a invasão terrorista do Iraque. Nesse caso, a guerra assentou em
mentiras, mas foi suportada por uma resolução do Conselho de Segurança
da ONU; nos dias que correm, a guerra baseia-se em mentiras, trava-se
sem mandato das Nações Unidas e mesmo contra a Carta das Nações Unidas.
Dentro das atitudes condenáveis, o país foi levado de mal a pior.
A
escassos dias das celebrações do 44º aniversário da Revolução de Abril,
Portugal surge enrodilhado numa teia vergonhosa e perigosa de
ilegalidade internacional, com expressões terroristas; uma teia tecida
pela NATO e pela União Europeia, assente na habitual invocação cínica
dos direitos humanos, da liberdade e da democracia. Valores reduzidos um
pouco mais a pó, dia após dia, mercê de tão vigorosos como permanentes
espezinhamentos.
Esqueçam
tudo quanto eventualmente ouviram dizer de mal a Macron, May, Juncker,
Merckel, Marcelo, Costa e muitos outros parceiros garbosamente
«atlantistas» e «europeístas», a propósito de Donald Trump; e que possam
soar como condenações, discordâncias, até reparos irónicos,
manifestações de dissidência, acusações contundentes sobre a pessoa e a
conduta do presidente norte-americano em exercício. Não passam de
exercícios políticos inconsequentes, palavras ditadas pelo oportunismo
do politicamente correcto, afinal sem conteúdo nem verdadeira acrimónia.
A
partir de agora, porém, quaisquer reparos críticos ao presidente
norte-americano dirigidos pelos seus «amigos e aliados» terão, logo que
proferidos, tanta consistência como as verdades oficiais em torno do
ataque químico em Duma, das tentativas de liquidação dos Skripal, ou dos
arsenais químicos aniquilados pelos mísseis que consumaram a agressão
de 14 de Abril contra a Síria, provavelmente o prólogo de algo mais
substancial e catastrófico que paira agora um pouco mais ameaçador sobre
o planeta. O grupo naval do porta-aviões norte-americano «Harry S.
Truman» saiu há poucos dias de Norfolk, provavelmente em direcção às
imediações da Síria, pelo que ainda são necessárias algumas semanas
antes de estar operacional para a nova missão. Qual será?
Coisa
pacífica e pacificadora não será, por certo. Porém, digníssimos
dirigentes como Macron, May, Merckel, Rajoy, Tusk, Orban, Costa e
Marcelo não precisam de se preocupar nem de se desviar das ocupações
diárias, por exemplo cortar décimas do défice, salários de quem
trabalha, direitos de cidadania.
Todos sabem, de cor e salteado, o
que fazer quando a altura chegar: tal como agora, basta-lhes seguir o
chefe, ainda que o chefe de turno se chame Donald Trump.