É importante, para
memória futura e inevitável exigência de responsabilidades políticas e
humanitárias, anotar os governos que, na Venezuela, virão a ser
responsáveis por uma chacina de vidas humanas.
Encontro
do Ministro dos Negócios Estrangeiros português, Augusto Santos Silva, e
do Secretário de Estado norte-americano Michael Pompeo, em Washington,
Junho de 2018. Créditos / US Department of State
Uma
semana de atraso é caricata para funcionar como disfarce para uma
subserviência rasteira anunciada. A União Europeia, com o governo
português bem na linha da frente, segue a estratégia intervencionista e
potencialmente fascista de Donald Trump na Venezuela. É importante, para
memória futura e inevitável exigência de responsabilidades políticas e
humanitárias, começar a anotar, um por um, os governos que virão a ser
responsáveis por uma chacina de vidas humanas que poderá ser o resultado
de uma de duas vias: a guerra civil, na esteira da Síria; ou uma
ditadura fascista, a exemplo de Pinochet e alguns outros.
No
seguidismo em relação à estratégia de Trump, a União Europeia assume a
sua conivência com o golpe na Venezuela de uma maneira que contraria a maioria dos Estados membros da Organização dos Estados Americanos,
apesar de esta entidade ser habitualmente considerada uma simples
correia de transmissão dos desejos e interesses de Washington.
Do alto dos seus púlpitos ou na telegrafia dos seus twitters,
os dirigentes da União Europeia dirão que não, nada têm com a decisão
de Trump, porque o presidente norte-americano reconheceu Juan Guaidó ao
mesmo tempo que este se autoproclamou, enquanto eles têm a boa vontade
de dar uma semana a Nicolás Maduro para convocar eleições presidenciais.
Caso contrário… reconhecerão Guaidó. Uma posição muito diferente, como
se percebe; sabendo desde logo que Maduro não aceitará um ultimato para
abdicar de um mandato constitucionalmente legítimo, assente em eleições democráticas, livres, não contestadas institucionalmente e realizadas apenas há oito meses. Poderiam até ter sido mais recentes, mas foram antecipadas para Maio de 2018 por exigência da oposição.
É
interessante ouvir o titular das Necessidades exigir eleições
democráticas e livres a Maduro. Sobretudo por ser o mesmo ministro a
quem não consegue ouvir-se qualquer reparo ao actual governo fascista da
Ucrânia, nascido de eleições com abstenção idêntica às presidenciais da
Venezuela. Não por ter havido um qualquer «boicote» de qualquer
oposição; tão só porque a Ucrânia estava – como está – em situação de
guerra e cerca de meio país vive acossado pelo poder de forças armadas e milícias fascistas, razão de peso para os cidadãos não irem às urnas.
Se
o senhor ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal e alguns dos
seus parceiros, entre eles alguns com as mãos sujas de sangue na Síria,
entendem que a liberdade e a democracia da Ucrânia são exemplares e a
solução é repetir em Caracas o famoso golpe de Maidan, em Kiev1, não precisam de fingir que entre eles e Trump ainda vai uma semana de diferença.
Nada de novo a rolar
A linguagem própria da comunicação mainstream recusa-se
a usar a expressão «golpe de Estado» para identificar o que está a
passar-se em Caracas como resultado das tramas urdidas em Washington. Trata-se apenas, como dizem Trump, Bolton e Pompeo, enormes vultos das
liberdades e dos valores democráticos, de «restaurar a democracia» na
Venezuela. Um passo absolutamente necessário porque o presidente
democraticamente eleito é «um usurpador», enquanto um autoproclamado
«presidente interino», invocando a Constituição do país para a violar,
é um «legítimo» chefe de Estado – mesmo que nunca se tenha candidatado a
presidente e use o cargo de presidente do Parlamento, em que também se
autodesignou, para se apropriar de atribuições de outros órgãos
institucionais. Uma verdadeira lição de separação de poderes.
Nada é novo neste mecanismo tão democrático. Passando, deste feita, ao lado da Ucrânia e fixando-nos apenas no «quintal das traseiras» dos Estados Unidos
– a doutrina Monroe está de boa saúde e recomenda-se – «restaurações
democráticas» assim sucedem-se há mais de dez anos na região.
Honduras
Muitos
ainda terão na memória o caso das Honduras, em 2009, onde o presidente
democraticamente eleito foi deportado para a Costa Rica, deposto pelo
presidente do Parlamento com assessoria de outro grande democrata, John
Negroponte – uma vida ao serviço do intervencionismo de sucessivos
presidentes norte-americanos. Alguém que, também nas Honduras, mas
noutra fase da democracia recomendada pelo Departamento de Estado, tinha
aconselhado a criação de esquadrões da morte, mostrando assim uma vasta
amplitude de meios ao dispor para atingir os fins pretendidos.
A
partir de então, as Honduras vivem uma história de eleições
falsificadas, mas todas elas aceites em Washington, Bruxelas, Paris,
Berlim ou Lisboa como perfeitamente válidas, segundo os cânones da
democracia. Viveu-se recentemente mais um episódio da saga, em que a manipulação foi tão grosseira
que Washington e a Organização dos Estados Americanos demoraram um mês a
validar os resultados. Mas validaram-nos – e nisso não verá o ministro
Santos Silva qualquer ofensa à democracia, a legítima, a que proporciona
os resultados que os democratas sem mácula consideram apropriados ao
país.
Paraguai
Depois, em 2011, chegou a vez do Paraguai,
onde um ex-bispo católico, à frente de uma vasta coligação progressista,
teve a inusitada coragem de enfrentar séculos de poder dos terratenientes, os latifundiários.
O
que foi ele fazer!?... Sob a batuta da embaixadora norte-americana,
logo no Parlamento houve quem encontrasse maneira de transformar
maiorias em minorias, legitimidade em impeachment presidencial;
o ex-bispo retirou-se, substituído pelo seu vice-presidente, e o
fascismo banqueiro e latifundiário reinstalou-se, um pouco mais benévolo
que o do carniceiro Stroessner, mas fascismo social, militar, sob capa
política «democrática». Nada que ofenda as sensibilidades do homem das
Necessidades e dos seus parceiros de Lisboa a Budapeste, de Bruxelas a
Varsóvia.
Equador, Brasil
A embaixadora norte-americana
transitou de Assunción para Brasília e em terras brasileiras o
Congresso, sintonizado com uma justiça muito justiceira, declarou o impeachment da presidenta e o vice-presidente subiu de posto.
Os
acontecimentos daí resultantes, iniciados em fins de 2015, ainda estão
em curso com novas e profícuas benfeitorias para a democracia, moldada
esta em forma de Bolsonaro com o mesmo barro de que foi feito Trump. E
para isso foi mesmo preciso prender Lula da Silva para não ganhar as
eleições, uma vez que não tinha rival por próximo.
Em paralelo, o
presidente progressista do Equador foi posto de lado e a contas com a
justiça enquanto o seu vice-presidente assumia funções e foi agora um
dos primeiros a dar a mão a Guaidó contra Maduro, o «usurpador».
Verdadeiramente
independentes e soberanos, sobraram, na América Latina, a Bolívia –
sempre sob várias ameaças – Nicarágua, Cuba e a Venezuela. A «troika da
tirania», como tão apropriadamente a baptizou, recentemente,
o conselheiro para a Segurança Nacional da administração de Donald
Trump, John Bolton.
É contra esses países, e também contra o
México, que agora se desviou perigosamente do guião, que está em curso a
operação «restaurar a democracia». E o Brasil, o Paraguai, as Honduras e
o Equador são bons exemplos de «democracias restauradas».
Petróleo e democracia
É
um dogma: petróleo e democracia andam sempre de mãos dadas. E a relação
é directamente proporcional, portanto quanto mais petróleo, mais
democracia.
Sabemos bem que assim é. Na Arábia Saudita, por
exemplo, onde existem as segundas maiores reservas petrolíferas; e no
Koweit e Emirados Árabes Unidos, sétimo e oitavo no ranking dos mais
dotados, como pode apurar-se na página 12 da publicação BP Statistical.
Conhecemos
igualmente os casos de países onde não havia democracia e agora ela
jorra abundantemente, para não haver infracções ao dogma que rege as
coisas do mundo. Por exemplo, no Iraque e na Líbia, quintas e nonas
maiores reservas mundiais, onde apropriadas guerras «restauraram a
democracia» para franquear o acesso livre às riquezas do subsolo.
Mas
houve e há casos onde abunda o petróleo e faltava, ou ainda falta, a
inerente democracia que determina a sua partilha segundo o modelo
transnacional.
Era assim no Brasil e no Equador, mas o problema
está em vias de resolução. Sobretudo no Brasil, onde nos tempos de Lula
da Silva foram detectadas reservas de petróleo que catapultaram o país
para um surpreendente e apetitoso terceiro lugar do ranking – 200 mil
milhões de barris, menos 66 mil milhões que a Arábia Saudita. Uma
riqueza fabulosa que corria o risco de ficar ao serviço dos interesses
egoístas do povo do Brasil, e não da grande irmandade mundial.
Como
todos acabamos de perceber, agora que a Petrobrás vai a caminho do
grande leilão mundial, a democracia e o petróleo deram as mãos também no
Brasil. Tal como no Equador, pouco falado mas ainda assim o 19º país em
reservas petrolíferas, do mesmo nível das que estão detectadas no
México – onde a empresa pública petroleira, a Pemex, continua sob
pressão para deixar de o ser.
Mas há um país onde existe uma
situação intolerável, um caso em que o governo teima em manter nas mãos
da população o usufruto das riquezas petrolíferas. E que riquezas!
Nada
mais, nada menos, que a maior potência do mundo em reservas
petrolíferas, com 300 mil milhões de barris, mais 37 mil milhões que a
famosíssima Arábia Saudita, mais cem mil milhões que o Brasil.
A Venezuela!
Tanta
riqueza não pode estar apenas na mão do povo de um país. É reparti-la,
entregá-la às transnacionais que verdadeiramente conhecem o sector e o
fazem verter para o mundo inteiro, tão democraticamente como ordenam o
mercado e a inquestionável ordem neoliberal.
E o mercado é
oprimido na Venezuela. Torna-se necessário «restaurar a democracia» para
que ele se sinta livre e o petróleo jorre para todos. É simplesmente o
que está a acontecer pelas mãos do eleito Guaidó, embora ninguém o tenha
elegido para o cargo que ocupa e do qual se permite fazer ultimatos aos
«usurpadores».
Lei eleitoral à medida
Juan Guaidó
demonstrou, nas últimas horas, estar compenetrado do seu papel. E também
ele dá ordens ao governo legítimo, tal como os senhores do mundo e da
democracia, mas a genuína: ele exige eleições, mas que não sejam
realizadas segundo o sistema legal em vigor mas com outro – que ele e os
mentores externos ditarão, tal como mandam que se realizem eleições
para que o golpe seja perfeito, isto é, não pareça um golpe.
Pelo
que tem vindo a perceber-se, os interesses que fizeram avançar Guaidó já
demonstraram que a sua democracia se constrói à base de ultimatos,
arbitrariedades e jogos fraudulentos entre os conceitos de legitimidade e
ilegitimidade.
Deduz-se, por isso, que não excluirão quaisquer meios para atingir os objectivos que já estabeleceram entre si.
Um
deles é o recurso à agressão militar. Não tardará que Guaidó, fazendo
uso dos poderes que lhe foram conferidos por interesses externos, chame
países «amigos» como o Brasil, a Colômbia – que é parceiro da NATO – ou o
Paraguai, para que reponham a «ordem democrática».
Talvez, por este caminho, as pretendidas eleições decorram manu militari, como na Ucrânia, onde os resultados foram tão bons.
Ou talvez não.
Pode
acontecer que as instâncias legítimas da Venezuela e o povo resistam às
agressões, sejam elas políticas ou militares. E que não entreguem sem
lutar o que tanto custou a conquistar.
Se os poderes externos
insistirem, no horizonte está o pior dos pesadelos de um país, a guerra
civil.
Daí à carnificina não será preciso dar mais qualquer passo. Temos
ainda diante de nós o caso da Síria, que se iniciou na sequência de
ultimatos impostos a um governo legítimo e soberano, na sequência de
manifestações orquestradas do exterior – como está abundantemente
provado.
Ou, em alternativa, no horizonte está também a imposição de um regime fascista de onde nascerá, radiosa, a democracia.
Pode
ainda acontecer, no limite, que o presidente legitimamente em funções
na Venezuela, fazendo uso dos poderes que a Constituição lhe confere,
peça socorro a países amigos, que os tem.
Não será difícil vaticinar que tempos dolorosos se avizinham da Venezuela e dos povos da América Latina.
Mais
difícil será prever como tudo irá acabar. E que nunca mais nenhum
governo da União Europeia tenha o desplante e a ousadia de queixar-se
dos crimes de Donald Trump.
Para todos os efeitos, já são
conhecidos alguns responsáveis pelo que vier a acontecer. E o governo
português não estará isento da sua quota-parte. A comunidade portuguesa
na Venezuela bem poderá queixar-se da armadilha que lhe foi montada
pelos que mandam em Lisboa.
1.
Em 2017 passou desapercebida uma notícia transmitida pela Reuters sobre
a realização na Venezuela, nos meios ligados à oposição de direita, de
sessões de cinema onde se passava um documentário favorável ao golpe de
Maidan, com o objectivo de ensinar aos jovens direitistas venezuelanos
as técnicas de armamento e a táctica de luta de rua utilizada pelos
grupos pró-Maidan. A notícia não informa a mão generosa que propiciou tal peça formativa, mas não é difícil adivinhar.
A investidura de Nicolas Maduro, em 10 de janeiro, provoca turbulências
políticas e mediáticas. Eleito em 20 de maio de 2018, o
presidente da Venezuela enfrenta uma operação planeada e
concertada pelos Estados Unidos e seus aliados. Tomando como pretexto inicial
as condições eleitorais que permitiram a vitória de
Maduro, um punhado de governos, repintado para a ocasião em
"comunidade internacional", através das transnacionais da
comunicação, decidiu aumentar a pressão sobre a Venezuela
Bolivariana.
Como se tornou hábito no caso da Venezuela, a maioria da grande
comunicação envolve-se com prazer nas falsas notícias e
esquece o próprio significado da ética jornalística.
É conveniente para o leitor escrupuloso e desejoso de separar a verdade
do falso expor os fatos e voltar às condições da
eleição de Maduro, analisando a estratégia de Washington
para punir um povo julgado, desde há 20 anos, demasiado rebelde e
incómodo.
Os pretextos falaciosos para uma nova ofensiva política
Nesse novo cenário de desestabilização da Venezuela, as
principais justificações invocadas pelos governos que se
opõem a Caracas andam à volta das condições da
eleição de Nicolas Maduro em maio passado.
Para entender esses pretextos falaciosos, precisamos voltar um pouco
atrás. Em maio de 2016, alguns meses após a vitória da
oposição nas eleições legislativas, iniciou-se um
processo de diálogo entre o Chavismo e seus opositores na
República Dominicana. Uma série de 150 reuniões, lideradas
pelo ex-primeiro-ministro espanhol José Luis Rodriguez Zapatero, o
ex-presidente da República Dominicana Leonel Fernandez e o ex-presidente
do Panamá, Martin Torrijos, resultou em janeiro de 2018, na
elaboração de um acordo sobre a convocação de uma
eleição presidencial antecipada e suas garantias eleitorais.
Como ressaltou Jorge Rodriguez, chefe da comissão de diálogo do
governo:
"Tudo estava pronto [para a assinatura do acordo] até a mesa onde
devíamos fazer nossas declarações oficiais. À
tarde, Julio Borges, ex-presidente de direita da Assembleia Nacional, recebeu
um telefonema da Colômbia do ex-secretário de Estado
norte-americano Rex Tillerson (...). A oposição então
anunciou-nos que não assinaria o acordo. De volta a Caracas, José
Luis Rodríguez Zapatero enviou uma carta à oposição
perguntando-lhe qual era a sua alternativa para se recusar a participar numa
eleição que apresentava as garantias sobre as quais ela mesma
tinha trabalhado.”
[1]
A oposição venezuelana dividiu-se sobre a estratégia a
adotar. Enquanto a ala mais radical decidia não participar, parte da
oposição que não desistiu de recuperar o poder
através do caminho democrático apresentou um candidato, Henri
Falcon. Dois outros candidatos participariam nesta eleição
[2]
. Por conseguinte, é simplesmente falso afirmar que a
oposição boicotou este voto ou que Nicolas Maduro se apresentou
sozinho
[3]
. Esta é uma narrativa com intenções políticas
não democráticas.
Um sistema eleitoral transparente e democrático
Uma das ladainhas de Washington e dos seus satélites da América
Latina ou europeus é dizer que as eleições na Venezuela
não estão alinhadas com os padrões internacionais. O que
é obviamente falso, mas necessário neste processo
político-mediático que visa não reconhecer a legalidade da
eleição de 20 de maio de 2018 e a legitimidade do seu resultado.
Para ver a hipocrisia daqueles governos sobre este conflito, vamos deter-nos
por um momento sobre as condições eleitorais oferecidas ao povo
venezuelano desde a aprovação por referendo da
Constituição Bolivariana, em 15 de dezembro de 1999. O leitor
pode facilmente ter uma ideia da transparência das eleições
na Venezuela, comparando esses mecanismos eleitorais com os postos em
prática no seu próprio país.
Na Venezuela, para evitar fraudes, as eleições não
são organizadas pelo executivo através do Ministério do
Interior. A Constituição de 1999, que reconhece a
existência de cinco poderes independentes – o executivo, o
legislativo, o judiciário, o moral e o poder eleitoral – deixa a
este a tarefa de organizar os processos eleitorais, de acordo com a lei
orgânica dos processos eleitorais.
Este quadro legal, adotado em 2009, não foi modificado desde
então
[4]
. Em particular, permitiu a eleição de múltiplos
representantes da oposição para poderes públicos. Nenhum
deles duvidou do sucesso do voto que conquistou e a própria
oposição nunca questionou a estrutura legal do processo
eleitoral. O que ela poderia no entanto ter feito por meio de um referendo de
iniciativa cidadã, previsto para revogar por leis o artigo 74 da
Constituição. Sempre se limitou a denunciar os resultados das
eleições quando perdeu, ou preventivamente quando sabia que ia
perder.
Relativamente ao voto dos cidadãos
[5]
, a Venezuela utiliza um sistema eletrónico e manual duplo. Quando
alguém entra no gabinete de voto, identifica-se aos assessores com a sua
cartão de identidade e ativa a máquina para votar por meio de um
reconhecimento biométrico. Portanto, é impossível votar
duas vezes. Depois de escolher o candidato de sua escolha, a urna
eletrónica emite um bilhete com o nome do candidato, que o eleitor
coloca num envelope e deposita numa urna. Finalmente, depois de assinar o
registo eleitoral, mergulha o dedo mindinho em tinta indelével para
garantir que não repetirá seu voto.
Nos dias que antecedem a eleição, o Centro Nacional Eleitoral
(CNE), órgão que rege o poder eleitoral, convoca todos os
partidos políticos participantes nas eleições para uma
série de 14 auditorias prévias. Assim são postos à
prova, listas de eleitores, o software usado para coletar dados eleitorais,
máquinas de votação e seu método de montagem, o
sistema biométrico para o reconhecimento do eleitor, tinta
indelével, rede de transmissão de dados eleitorais e sistema de
totalização de dados
[6]
. Observadores de cada partido político participam nestas várias
auditorias que antecedem o voto dos cidadãos.
Cada passo deve ser aprovado previamente por todos os participantes para
garantir a maior transparência da eleição. E, de fato, eles
sempre foram aceites até agora. Acrescente-se que todos os partidos
políticos têm o direito de enviar apoiantes como assessores, bem
como envolver observadores nacionais e internacionais de sua escolha na
monitorização das sessões eleitorais.
Na noite dos resultados, a CNE procede a uma nova auditoria perante
responsáveis dos partidos, onde 54,4% (pelo menos, de acordo com a lei)
das assembleias de voto serão sorteadas, em que o resultado
eletrónico será verificado. Trata-se então de comparar os
resultados obtidos na urna com os resultados eletrónicos. Nunca foi
detetado um erro durante os múltiplos processos eleitorais.
Estas garantias para proteger o resultado levaram o ex-presidente dos EUA Jimmy
Carter a definir o sistema eleitoral venezuelano como "o melhor do
mundo"
[7]
. Foram os mesmos procedimentos que garantiram a transparência de todas
as eleições na Venezuela, seja, por exemplo, para as
eleições parlamentares de 5 de dezembro de 2015 (vencidas pela
oposição) ou para as eleições presidenciais de 20
de maio de 2018 (vencidas pelo Chavismo).
Como se pode ver, a Venezuela tem mais garantias eleitorais do que muitos
países ocidentais, para não falar dos países do grupo de
Lima. A transparência da eleição de Nicolas Maduro foi,
além disso, validada por mais de 2 000 observadores internacionais da
Comunidade do Caribe (Caricom), da União Africana e do Conselho de
Peritos Eleitorais Latino-Americanos (Ceela).
Perante este sistema, entendemos por que uma parte da oposição se
recusou a concorrer a uma eleição que teria perdido. Aceitar
participar em eleições significa participar nas auditorias e
validar a transparência do sistema eleitoral venezuelano. Essa recusa em
participar do processo democrático preparou o caminho para a tentativa
desestabilizadora que vemos hoje.
Na noite da eleição presidencial
Para além das garantias eleitorais, os países que questionam a
legitimidade do presidente venezuelano tentam criticar os resultados da
eleição presidencial. Mais uma vez, este é apenas um
pretexto para legitimar a desestabilização da Venezuela. Vamo-nos
deter por um momento nestes resultados.
A eleição presidencial na Venezuela é uma
eleição por sufrágio universal direto. O presidente
é eleito não conforme acordos parlamentares ou pela escolha de
"grandes eleitores", mas diretamente pelo povo.
Em 20 de maio de 2018, 9 389 056 eleitores votaram nas urnas, ou 46.07% dos
cidadãos registados nas listas eleitorais. A alta taxa de
abstenção ainda é usada hoje por oponentes da
Revolução Bolivariana para desqualificar a vitória de
Nicolas Maduro. É claro que nenhum desses críticos
mencionará as dezenas de penalidades financeiras e
retaliações à economia do país desde 2014
[8]
. Uma perseguição que desencorajou muitos venezuelanos e aumentou
a sua desconfiança numa solução eleitoral para acabar com
a crise. Além disso, o pedido de boicote das urnas por vários
partidos da oposição também teve consequências sobre
a taxa de participação.
Apesar disso, 30,45% dos eleitores registados votaram em Nicolas Maduro. Este
valor é superior ao do presidente chileno Sebastián Piñera
(26,5%), do presidente argentino Mauricio Macri (26,8%) e do presidente Donald
Trump (27,20%). Sem mencionar as percentagens obtidas na primeira volta pelo
presidente colombiano (21%) ou pelo presidente Emmanuel Macron (18,19%).
Obviamente, ninguém contesta a legitimidade de suas
eleições apesar da baixa proporção de eleitores que
os escolheram.
Uma estratégia coordenada e planificada a partir de Washington
Após a eleição de Nicolas Maduro, os Estados Unidos
fortaleceram a coligação contra a Venezuela na região. Em
27 de junho de 2018, o vice-presidente dos Estados Unidos, Mike Pence, anunciou
o seu tom no Brasil: "A liberdade e a democracia serão restauradas
na Venezuela. Os Estados Unidos pedem ao Brasil que tome uma
posição firme contra o regime de Nicolas Maduro"
[9]
. Fazendo eco, o secretário de Estado Mike Pompeo afirmou em 21 de
setembro de 2018, que os Estados Unidos "continuarão a aumentar o
nível de pressão" contra o país bolivariano. Este
mesmo Pompeo realizou várias reuniões com os chefes dos governos
brasileiro, peruano e colombiano para preparar a operação de 10
de janeiro.
Foi na reunião do Grupo Lima, realizada em 4 de janeiro de 2019, que
realmente foi definido o cenário. Durante este cenáculo, os
governos membros dessa internacional anticomunista
[10]
concordaram numa série de ações contra Caracas. Note-se
que o governo mexicano, agora chefiado pelo presidente progressista
Andrés Manuel López Obrador, não subscreveu este documento
e reafirmou a vontade do seu país de não interferir nos assuntos
internos de outra nação, cortando com as posições
belicistas do governo precedente e do grupo de Lima.
O documento aprovado em Lima é uma verdadeira declaração
de guerra
[11]
. Na presença do secretário de Estado dos EUA (por
videoconferência), os governos que se opunham à
Revolução Bolivariana concordaram em aumentar a pressão
diplomática contra a Venezuela e perseverar na intenção de
abrir uma investigação na Tribunal Penal Internacional contra o
Estado venezuelano. Ação apoiada além disso pela
França
[12]
.
Os membros do grupo de Lima condenam a crise económica na Venezuela, mas
adotam uma resolução para reforçar o bloqueio financeiro
contra aquele país. O texto adotado prevê listas de personalidades
legais com as quais esses países "não deverão
trabalhar, terão que impedir o acesso ao seu sistema financeiro e, se
necessário, congelar os seus ativos e recursos económicos".
Do mesmo modo, a resolução obriga os países membros do
grupo de Lima a pressionar os organismos financeiros internacionais a que
pertencem para impedir a concessão de novos créditos à
República Bolivariana da Venezuela.
Mais surpreendente ainda, esta declaração conjunta exige que o
governo
"de Nicolas Maduro e as Forças Armadas da Venezuela renunciem a
todos os tipos de ações que violariam a soberania de seus
vizinhos"
. Essa acusação é baseada numa recente
reação venezuelana a uma exploração de
petróleo autorizada pela Guiana numa área territorial exigida
pelos dois países vizinhos
[13]
. Trata-se novamente de um pretexto que faz eco de factos denunciados pelo
presidente da Venezuela em 12 de dezembro de 2018.
Num discurso na televisão, Nicolas Maduro revelou a presença de
734 mercenários nas bases militares de Eglin, na Flórida, e
Tolemaida, na Colômbia. O seu objetivo é atacar a Venezuela ou
preparar um ataque sob falsa bandeira para justificar uma
intervenção militar contra a nação bolivariana.
Maduro também revelou que o assessor de segurança nacional dos
EUA, John Bolton, pediu ao novo vice-presidente brasileiro, Hamilton
Mourão, que organize provocações militares na fronteira
com a Venezuela
[14]
. A declaração do Grupo Lima, portanto, parece reforçar as
suspeitas de agressão emitidas pelo Estado venezuelano.
Depois de ter qualificado a eleição de Nicolas Maduro como
ilegítima, o grupo de Lima instou o presidente venezuelano a não
assumir a presidência e a
"transferir provisoriamente o poder executivo para a Assembleia
Nacional".
Não importa que Nicolas Maduro tenha sido eleito graças ao
mesmo sistema eleitoral que permitiu a eleição do poder
legislativo. O objetivo procurado por Washington e seus aliados não
é democrático, é político: colocar a
oposição à frente do país produtor de
petróleo.
Esta tentativa de golpe institucional, já implementada noutros
países da região
[15]
, faz parte da estratégia de substituição de poderes
políticos legítimos. Em julho de 2017, a oposição
criou ilegalmente um Supremo Tribunal de Justiça "no
exílio", com sede no Panamá, e um cargo de Procurador-Geral
da Nação "no exílio" em Bogotá. Essas
autoridades fantoches tentam, desde então, substituir-se aos
legítimos poderes venezuelanos.
Em ligação com uma Assembleia Nacional, declarada em atentado
judicial em março de 2017
[16]
, essas paródias de poderes públicos realizaram um julgamento
simulado na sede do Parlamento colombiano (sic) e condenaram o presidente
venezuelano Nicolas Maduro a uma pena de 18 anos e 3 meses de prisão.
[17]
Para ilustrar esta situação absurda, imagine-se por um momento
que um grupo de "coletes amarelos" franceses designava um ministro da
Justiça e um Procurador Geral "no exílio" e que eles
organizavam na Duma russa um julgamento simulado para condenar Emmanuel Macron
a 18 anos de prisão. Isto faria sorrir, mas o que aconteceria se
vários Estados em todo o mundo reconhecessem como legítimos esses
poderes judiciais "no exílio"? Ouviríamos certamente um
grande número de vozes gritando, e com razão, contra a
interferência estrangeira ou mesmo uma tentativa de golpe. O exemplo que
acabamos de mencionar pode parecer ridículo, mas é o que
está a acontecer na Venezuela.
Estas manobras não são feitas de ânimo leve. O ataque
fracassado por meio de um drone carregado de explosivos C4, que ocorreu em 4 de
agosto de 2018, não visava apenas eliminar Nicolas Maduro, mas todas as
autoridades públicas da nação, com o objetivo de os
substituir pelos seus fantoches ilegais
[18]
. A constituição de poderes paralelos não é um
circo político-mediático, mas parte integrante de um golpe
institucional em preparação.
Da mesma forma, declarar Nicolas Maduro ilegítimo é uma mensagem
virulenta para os principais parceiros económicos de Caracas (China,
Rússia ou Turquia), notificando-os que os acordos assinados com o
governo bolivariano não serão reconhecidos quando Nicolas Maduro
for derrubado. Um conflito com o país poderia ter repercussões
muito além de suas fronteiras. Sergei Riabkov, vice-ministro dos
Negócios Estrangeiros russo, advertiu "os entusiastas de Washington
a não cair na tentação da intervenção
militar" na Venezuela
[19]
.
Por outro lado, é também uma mensagem para as forças
armadas nacionais porque, se o presidente Maduro é ilegítimo,
isso equivale a decapitar o poder militar do seu comandante em chefe.
É nesta perspetiva que o cenário desenvolvido pelos Estados
Unidos e seus aliados deve ser decifrado. De acordo com a
resolução do Grupo de Lima, a Assembleia Nacional da Venezuela,
em desacato ao tribunal e cujas decisões são nulas e sem efeito
[20]
, declarou que a tomada de posse de Nicolas Maduro é uma
"usurpação de poder" . Como resultado, está a
prepara-se para ilegalmente assumir o poder executivo durante um
"período de transição". Em 8 de janeiro, uma lei
sobre a transição foi discutida no hemiciclo venezuelano com o
objetivo de tomar o poder executivo a partir de 10 de janeiro.
Durante as discussões, Américo de Grazia apelou a todos os
setores para se alinharem com as autoridades paralelas criadas pela
oposição e tomarem as ruas
"em coordenação com as ações internacionais,
nacionais e institucionais"
[21]
.
Quanto ao novo presidente do órgão legislativo, Juan
Guaidó, apelou aos militares venezuelanos para derrubarem o governo a
partir de 10 de janeiro
[22]
.
O cenário está montado. A prova de força iminente. Resta
saber que personalidades políticas e dos media justificarão a
violação da soberania da Venezuela e a falta de respeito por suas
instituições.
[1] Cathy Dos Santos, "Venezuela. «Il faut diversifier notre
économie sans toucher au social»",
L´Humanité,
03/04/2018,
www.humanite.fr/...
[2] Bertucci, pastor evangélico envolvido no escândalo dos Panama
Papers, foi candidato independente, assim como Reynaldo Quijada, apoiado por
uma fração do trotskismo venezuelano. Eles receberam
respetivamente 10,82% e 0,39% dos votos.
Notemos que a percentagem de Bertucci é explicada mais pela novidade
dessa oferta eleitoral num clima de desconfiança em
relação aos partidos políticos do que por um avanço
do evangelismo político na Venezuela. De facto, o voto dos evangelistas
está dividido. O Partido Evangelista Organización Renovadora
Auténtica (ORA) apoiou Nicolas Maduro.
[3] Sobre as notícias falsas de proibição de partidos
políticos na Venezuela, ler Thierry Deronne, "L'interdiction d'un
parti qui n'existe pas", Venezuela Infos, 29/01/2018,
venezuelainfos.wordpress.com/...
[4] Esta lei complementa a Lei Orgânica do Poder Eleitoral aprovada em
2002
[5] O autor dessas linhas já participou nas eleições
municipais e regionais de 2013
[6] Ler a lista de auditorias no site do National Electo Center
www.cne.gov.ve/web/sistema_electoral/tecnologia_electoral_auditorias.php
Convidamos os leitores corajosos a aprofundar os sistemas de auditoria lendo os
longos relatórios técnicos da CNE (em espanhol)
www.cne.gov.ve/...
[7] "Jimmy Carter: "El sistema electoral venezolano es el mejor del
mundo", RT, 20/09/2012,
actualidad.rt.com/...
[8] Romain Migus, "Chronologie des sanctions économiques contre le
Venezuela", Venezuela en Vivo, atualizado em 07/01/2019,
www.romainmigus.info/2019/01/chronologie-des-sanctions-economiques.html
[9] "Mike Pence : La libertad será restaurada en
Venezuela",
El Nacional,
27/06/2018,
www.el-nacional.com/...
[10] Os governos membros do grupo Lima são os da Argentina, Brasil,
Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Guatemala, Guiana, Honduras,
Panamá, Paraguai, Peru e Santa Lúcia. Assim como o México,
que se recusou a assinar a última declaração.
[11] Documento disponivel em
www.gob.pe/institucion/rree/noticias/24270-declaracion-del-grupo-de-lima
[12] Palais de l'Elysée, "Communiqué relatif à la
situation au Venezuela", 30/09/2018, disponível em
www.elysee.fr/...
[13] Manuel Palma, "Los buques de la discordia: Venezuela y Guyana
reavivan la disputa por su diferendo territorial", RT, 28/12/2018,
actualidad.rt.com/...
[14] Luigino Bracci, "Maduro denuncia: Más de 700 paramilitares
entrenan en Colombia para ejecutar golpe de Estado en su contra",
AlbaCiudad,12/12/2018,
albaciudad.org/2018/12/maduro-golpe-de-estado-john-bolton/
[15] Designadamente nas Honduras (2009), no Paraguay (2012), no Brésil
(2016) ou no Equateur (2017).
[16] Após a eleição dos deputados em dezembro de 2015, uma
denúncia foi apresentada pelos candidatos de PSUV no Estado da
Amazónia pela compra de votos pelos seus opositores eleitos. O tribunal
de justiça tendo sancionado esta fraude, o tribunal do poder eleitoral
exigiu que a eleição destes três cargos de deputados fosse
feita novamente. Como a presidência da Assembleia Nacional recusou
submeter-se aos poderes judiciais e eleitorais, a Assembleia Nacional foi
declarada em ultraje ao tribunal. As decisões e votos que emanam do
poder legislativo são, portanto, nulos e sem efeito, desde que a
presidência da Assembleia Nacional não autorize o retorno
às urnas. Deve-se notar que a oposição tem uma maioria
absoluta de 122 deputados em 167 lugares.
[17] "TSJ en el exilio condenó a Maduro a 18 años y 3 meses
de prisión", El Nacional, 15/08/2018,
www.el-nacional.com/...
[18] Romain Migus, "Le drone médiatique explose en plein vol",
Venezuela en Vivo, 08/08/2018,
www.romainmigus.info/...
[19] "El Gobierno ruso advirtió a Estados Unidos contra una posible
intervención militar en Venezuela", SputnikNews, 09/01/2019,
mundo.sputniknews.com/
[20] Ver explicação no ponto 16.
[21] Maritza Villaroel, "Asamblea Nacional arranca proceso para Ley de
Transición", Site de l'Assemblée Nationale du Venezuela,
08/01/2019,
www.asambleanacional.gob.ve/...
[22] "El golpismo venezolano no descansa", Pagina12, 05/01/2019,
www.pagina12.com.ar/...
(tradução francesa disponivel em
venesol.org/...
)
Na
altura em que o Presidente Trump anunciou a retirada das tropas de
combate dos EUA do «Médio-Oriente Alargado», o Pentágono prossegue a
implementação do plano Rumsfeld-Cebrowski. Trata-se, desta vez, de
destruir os Estados da «Bacia das Caraíbas». Não do derrube de regimes
pró-soviéticos, como nos anos 70, mas da destruição de todas as
estruturas estatais regionais, sem levar em consideração se são amigos
ou inimigos políticos. Thierry Meyssan analisa a preparação desta nova
série de guerras.
Numa série de artigos precedentes, tínhamos
apresentado o plano do SouthCom visando provocar uma guerra entre
Latino-americanos a fim de destruir as estruturas de Estado de todos os
países da «Bacia das Caraíbas» [1].
Preparar uma tal guerra, que deveria suceder aos conflitos do
«Médio-Oriente Alargado», no quadro da estratégia Rumsfeld-Cebrowski,
exige uma década [2].
Após o período de desestabilização económica [3]
e o de preparação militar, a operação propriamente dita deveria
começar, nos anos a seguir, por um ataque à Venezuela desde o Brasil
(apoiado por Israel), da Colômbia (aliada dos Estados Unidos) e da
Guiana (ou seja, do Reino Unido). Ele seria seguido por outros, a
começar contra Cuba e a Nicarágua (a «troïka da tirania» segundo John
Bolton).
No entanto o plano inicial é susceptível de modificações,
nomeadamente em razão do regresso das ambições imperiais do Reino
Unido [4], que poderia influir sobre o Pentágono.
Eis aqui onde nos encontramos:
Evolução da Venezuela
O Presidente venezuelano, Hugo Chávez, desenvolvera relações com o
«Médio-Oriente Alargado» dentro de uma base ideológica. Ele tinha-se
aproximado particularmente do Presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, e
do Presidente sírio, Bashar al-Assad. Juntos, haviam imaginado a
possibilidade de fundar uma organização intergovernamental, o «Movimento
dos Aliados Livres», sobre o modelo do «Movimento dos Não-Alinhados»,
ao encontrar-se este paralisado, no decorrer do tempo, pelo alinhamento
de alguns dos seus membros com os Estados Unidos [5].
Se Nicolas Maduro mantém o mesmo discurso que Hugo Chávez, ele
escolheu, no entanto, uma política externa completamente diferente.
Prosseguiu, é certo, a aproximação com a Rússia e acolheu, por sua vez,
bombardeiros russos na Venezuela. Assinou um contrato de importação de
600 000 toneladas de trigo para fazer face à escassez no seu país. Acima
de tudo, prepara-se para receber US $ 6 mil milhões (bilhões-br) de
dólares em investimentos, dos quais 5 no sector petrolífero. Os
engenheiros russos irão tomar o lugar que pertencia aos venezuelanos,
mas que estes deixaram vago.
Nicolas Maduro reorganizou as alianças do seu país sobre novas bases.
Assim, forjou laços estreitos com a Turquia que é membro da OTAN, e
cujo exército ocupa actualmente o Norte da Síria. Maduro deslocou-se
quatro vezes a Istambul e Erdoğan uma vez a Caracas.
A Suíça era uma aliada de Hugo Chávez, que ele havia consultado a fim
de redigir a sua Constituição. Temendo não poder mais refinar o ouro do
seu país na Suíça, Nicolas Maduro encaminha-o agora para a Turquia que
transforma o minério bruto em lingotes. No passado, este ouro ficava nos
bancos suíços a fim de garantir os contratos petrolíferos. Agora, a
liquidez foi igualmente transferida para a Turquia, enquanto o novo ouro
tratado regressa à Venezuela. Esta orientação pode ser interpretada
como estando baseada não mais em ideologia, mas, sim em interesses.
Resta definir quais.
Simultaneamente, a Venezuela é alvo de uma campanha de desestabilização que começou com as manifestações das guarimbas,
prosseguiu com a tentativa de Golpe de Estado de 12 de Fevereiro de
2015 («Operação Jericó»), depois por ataques sobre a moeda nacional e a
organização da emigração.
Neste contexto, a Turquia forneceu à Venezuela
a oportunidade de contornar as sanções dos EUA. As trocas comerciais
entre os dois países multiplicaram-se por quinze em 2018.
Qualquer que seja a evolução do regime venezuelano, nada justifica o que se prepara contra a sua população.
Coordenação de meios logísticos
De 31 de Julho a 12 de Agosto de 2017, o SouthCom organizou um vasto
exercício com mais de 3 000 homens vindos de 25 Estados aliados, entre
os quais a França e o Reino Unido. Tratava-se de preparar um desembarque
rápido de tropas na Venezuela [6].
A Colômbia
A Colômbia é um Estado, mas não uma nação. Nela, a sua população vive
geograficamente separada segundo classes sociais, com enormes
diferenças de nível de de vida. Quase nenhum colombiano se aventurou num
bairro destinado a outra classe social que não a sua. Essa estrita
separação tornou possível a multiplicação de forças paramilitares e,
consequentemente, dos conflitos armados internos que fizeram mais de 220
000 vítimas numa trintena de anos.
No poder desde Agosto de 2018, o Presidente Iván Duque pôs em causa a
frágil paz interna, concluída por seu predecessor, Juan Manuel Santos,
com as FARC (mas não com o ELN). Ele não descartou a opção de uma
intervenção militar contra a Venezuela. Segundo Nicolas Maduro,
actualmente os Estados Unidos treinam 734 mercenários num campo de
treino situado em Tona, tendo em vista uma acção de bandeira-falsa para
desencadear a guerra contra a Venezuela. Tendo em vista as
particularidades sociológicas da Colômbia, não é possível dizer, com
certeza, se este campo de treino é controlado ou não por Bogotá.
Rex
Tillerson era o Director da ExxonMobil no momento da descoberta das
jazidas petrolíferas da Guiana. Pouco depois, tornou-se no Secretário de
Estado dos Estados Unidos.
A Guiana
No século XIX, as potências coloniais acordaram a fronteira entre a
Guiana britânica (a actual Guiana) e a Guiana holandesa (actual
Suriname), mas nenhum texto fixou a fronteira entre a zona britânica e a
zona espanhola (actual Venezuela). De facto, a Guiana administra 160
000 km2 de florestas que continuam em disputa com o seu grande vizinho.
Em virtude do Acordo de Genebra, de 17 de Fevereiro de 1966, os dois
Estados recorreram ao Secretário-Geral das Nações Unidas (à época o
birmanês U Thant). Mas, nada mudou desde aí, propondo-se a Guiana levar o
assunto ao Tribunal (Corte-br) de Arbitragem da ONU, enquanto a
Venezuela privilegia negociações directas.
Este diferendo territorial não parecia de urgente resolução porque a
área contestada é uma floresta despovoada que se acreditava sem valor,
mas é um imenso espaço que representa dois terços da Guiana. O acordo de
Genebra foi violado 15 vezes pela Guiana, a qual autorizou,
nomeadamente, a exploração de uma mina de ouro. Acima de tudo, surgiu em
2015 um grande desafio com a descoberta, pela ExxonMobil, de jazidas
petrolíferas no Oceano Atlântico, precisamente nas águas territoriais da
área contestada.
A população da Guiana é composta por 40% de Indianos, 30% de
Africanos, 20% de Mestiços e por 10% de Ameríndios. Os Indianos estão
muito presentes na função pública civil e os Africanos no exército.
Em 21 de Dezembro, uma moção de censura foi apresentada contra o
governo do Presidente David Granger, um General pró-britânico e
anti-venezuelano, no Poder desde 2015. Para surpresa geral, um deputado,
Charrandas Persaud, votou contra o seu próprio partido e, numa
indescritível barracada (bagunça-br), provocou a queda do governo, que
apenas dispunha de um voto de maioria. Desde aí, reina a maior
instabilidade: não se sabe se o Presidente Granger, que recebe
tratamento de quimioterapia, estará à altura de assegurar a gestão dos
assuntos correntes, enquanto, por uma porta traseira, Charrandas Persaud
deixou o Parlamento com uma escolta e se escapou para o Canadá.
A 22 de Dezembro de 2018, na ausência de governo, o Ramform Thethys (arvorando o pavilhão das Baamas) e o Delta Monarch
(Trinidad e Tobago) realizaram explorações submarinas na zona
contestada por conta da Exxon-Mobil. Considerando que esta intrusão
viola o acordo de Genebra, o exército da Venezuela perseguiu os dois
navios. O Ministério guianês dos Negócios Estrangeiros (Relações
Exteriores-br), em mera gestão corrente, denunciou o acto como hostil.
O Ministro da Defesa do Reino Unido, Gavin Williamson, declarou por outro lado ao Sunday Telegraph,
de 30 de Dezembro de 2018, que a Coroa punha fim a filosofia de
descolonização que, desde o caso do Suez em 1956, era a doutrina de
Whitehall. Londres prepara-se para abrir uma nova base militar nas
Caraíbas (de momento o Reino está apenas presente em Gibraltar, Chipre,
Diego Garcia e nas Ilhas Falklands). Esta poderia ser em Montserrat
(Antilhas) ou, mais provavelmente, na Guiana e deveria estar operacional
em 2022 [7].
A Guiana é vizinha do Suriname (a Guiana Holandesa). O seu
Presidente, Dési Bouterse, é acusado na Europa por tráfico de drogas; um
caso anterior à sua eleição. Mas o seu filho, Dino, foi preso no
Panamá, em 2013, muito embora tenha entrado com um passaporte
diplomático. Ele foi extraditado para os Estados Unidos onde foi
condenado a 16 anos de prisão por tráfico de drogas; na realidade porque
acolheu o Hezbolla libanês no Suriname.
O baptismo de Jair Bolsonaro nas águas do Jordão (Israel)
O Brasil
Em Maio de 2016, o Ministro das Finanças (Fazenda-br) do Governo de
transição do líbano-brasileiro Michel Temer, Henrique Meirelles,
designou o israelo-brasileiro Ilan Goldfajn como Director do Banco
Central. Mereilles, ao presidir ao Comité Preparatório dos Jogos
Olímpicos, também apelou ao Tsahal (FDI-ndT) para coordenar a Polícia e o
Exército brasileiros e garantir, assim, a segurança dos Jogos.
Controlando, ao mesmo tempo, o Banco Central, o Exército e a Polícia
brasileiros, Israel não teve dificuldade em dinamizar o movimento de
contestação face à incúria do Partido dos Trabalhadores.
Crendo que a Presidente Dilma Rousseff havia maquilhado (maquiado-br)
as contas públicas, no quadro do escândalo Petrobras, muito embora sem
que nenhum facto ficasse provado, os parlamentares destituíram-na em
Agosto de 2016.
Eduardo e Carlos, os filhos do Presidente Jair Bolsonaro.
Aquando da eleição presidencial de 2018, o candidato Jair Bolsonaro
foi a Israel para ser baptizado nas águas do Jordão. Assim conquistou de
forma massiva os votos dos evangélicos.
Ele fez-se eleger tendo o General Hamilton Mourão como
Vice-presidente. Este último declarou, durante o período de transição,
que o Brasil deveria preparar-se para enviar homens para a Venezuela
como «força de manutenção de paz», assim que o Presidente Maduro fosse
derrubado; declarações que constituem uma ameaça pouco velada e que o
Presidente Bolsonaro tentou minorar.
Entretanto, numa entrevista, a 3 de Janeiro de 2019, ao canal SBT, o
Presidente Bolsonaro referiu negociações com o Pentágono tendo em vista
acolher uma base militar dos EUA no Brasil [8]. Esta declaração levantou uma forte oposição no seio das Forças Armadas para quem o país é capaz de se defender sozinho.
Benjamin Netanyahu aquando da investidura do Presidente Bolsonaro. Israel tomou posições no Brasil.
Durante a sua investidura, a 2 de Janeiro de 2019, o novo Presidente
acolheu o Primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu. Foi a
primeira vez que uma personalidade israelita desta importância visitou o
Brasil. Na ocasião, o Presidente Bolsonaro anunciou a próxima
transferência da embaixada brasileira de Telavive para Jerusalém.
O Secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, que também esteve
presente na investidura, anunciou junto com o Presidente Bolsonaro a sua
intenção de lutar contra os «regimes autoritários» da Venezuela e de
Cuba. De regresso aos Estados Unidos, ele fez escala em Bogotá para se
encontrar com o Presidente colombiano, Iván Duque. Os dois homens
acordaram em trabalhar para isolar diplomaticamente a Venezuela. A 4 de
Janeiro de 2019, os 14 Países do Grupo Lima (entre os quais o Brasil, a
Colômbia e a Guiana) reuniram-se para declarar como «ilegítimo» o novo
mandato de Nicolas Maduro, que começa a 10 de Janeiro [9];
um comunicado que não foi subscrito pelo México. Além disso, seis dos
Estados-membros apresentarão uma queixa ao Tribunal Penal Internacional
contra o Presidente Nicolas Maduro por crimes contra a humanidade.
É hoje perfeitamente claro que está já em marcha o processo para a
guerra. Forças enormes estão em jogo e, agora, pouco há que possa
pará-las. É neste contexto que a Rússia estuda a possibilidade de
estabelecer uma base aeronaval permanente na Venezuela. A ilha de La
Orchila —onde o Presidente Hugo Chávez fora mantido prisioneiro durante
o Golpe de Estado de Abril de 2002— permitiria estacionar bombardeiros
estratégicos. O que seria uma ameaça muito maior para os Estados Unidos
do que foram, em 1962, os mísseis soviéticos estacionados em Cuba.
por John Pilger
[*]
Entrevistado por Jipson John e Jitheesh P.M.
[**]
O seu recente documentário,
The Coming War on China
, mostra como os Estados Unidos estão em guerra com a China. Pode
explicar o mecanismo dessa guerra secreta? Acha que a
Ásia-Pacífico será a próxima região de
intervenção imperialista? Como ocorrerá essa
intervenção e quais serão as consequências?
É uma "guerra secreta" apenas porque a nossa
percepção é moldada para ignorar a realidade. Em 2010, a
secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, viajou a Manila e
incumbiu o recém-empossado presidente filipino, Benigno Aquino, de tomar
posição contra a China pela sua ocupação das Ilhas
Spratly e de aceitar a presença de cinco bases de Marines dos EUA.
Manila entendia-se bem com Pequim, tendo negociado empréstimos
bonificados para infraestruturas que necessitava muito. Aquino fez o que lhe
foi dito e aceitou que uma equipa jurídica liderada pelos EUA
contestasse as reivindicações territoriais da China no Tribunal
Arbitral da ONU em Haia. O tribunal concluiu que a China não tinha
qualquer jurisdição sobre as ilhas; um julgamento que a China
categoricamente rejeitou. Foi uma pequena vitória numa campanha de
propaganda americana visando retratar a China mais como territorialmente rapace
do que como defensiva na sua própria região. O motivo foi o
crescente receio da elite de segurança nacional/militar/mediática
dos EUA de ter deixado de ser a potência dominante no mundo.
No ano seguinte, em 2011, o presidente Obama declarou uma "viragem para a
China". Isso marcou a transferência da maioria das forças
navais e aéreas dos EUA para a região da
Ásia-Pacífico, o maior movimento de equipamentos militares desde
a Segunda Guerra Mundial. O novo inimigo de Washington – ou melhor, um
inimigo de novo – era a China, que atingira extraordinários
patamares económicos em menos de uma geração.
Os Estados Unidos têm há muito tempo uma série de bases em
torno da China, da Austrália às ilhas do Pacífico,
passando pelo Japão, Coreia e Eurásia. Estas estão em vias
de ser reforçadas e modernizadas. Quase metade da rede global dos EUA,
que conta mais de 800 bases, cerca a China "como o laço corredio
perfeito", disse um responsável do Departamento de Estado. Sob o
pretexto do "direito à liberdade de navegação",
navios de baixo calado dos EUA entram nas águas chinesas. Os drones
americanos sobrevoam o território chinês. A ilha japonesa de
Okinawa é uma vasta base americana, com os seus contingentes preparados
para um ataque à China. Na ilha coreana de Jeju, os mísseis da
classe Aegis são apontados a Xangai, a 640 quilómetros de
distância. A provocação é constante.
Em 3 de outubro, pela primeira vez desde a Guerra Fria, os Estados Unidos
ameaçaram abertamente atacar a Rússia, a aliada mais
próxima da China, com quem esta tem um pacto de defesa mútua. Os
media interessaram-se pouco pela questão. A China está a armar-se
rapidamente; de acordo com a literatura especializada, Pequim mudou sua postura
nuclear, passando de um alerta baixo para um alerta alto.
Pessoas como Noam Chomsky dizem que o império americano está em
declínio. Pensa realmente isso? Nos últimos tempos, vimos os
Estados Unidos tentarem chegar a um acordo com a Coreia do Norte; antes, eles
tentaram reestabelecer relações diplomáticas com Cuba. O
que indicam esses episódios? Acha que o mundo se está a
diversificar?
O império americano enquanto ideia pode estar em declínio, a
ideia de uma única potência dominante e a
dolarização da economia mundial, mas o poder militar dos EUA
nunca foi tão ameaçador. Uma nova guerra fria conduz ao
isolamento dos Estados Unidos e é um perigo para todos nós. No
início do século XXI, Norman Mailer [jornalista e romancista
norte-americano] escreveu que o poder americano havia entrado em uma era
"pré-fascista". Outros sugeriram que já estamos
lá.
Disse que um dos triunfos do século XXI em matéria de
relações públicas foi o slogan de Obama "a
mudança em que acreditamos". Disse também que a campanha
mundial de assassínios de Obama foi sem dúvida a mais dispendiosa
campanha de terrorismo desde o 11 de Setembro de 2001. Por que foi tão
duro com Obama, que ganhou o Prêmio Nobel da Paz? Que acha de Donald
Trump e da sua presidência?
Eu não fui duro com Obama. Foi Obama quem foi duro com grande parte da
humanidade, ao contrário da sua muitas vezes absurda imagem
mediática. Obama foi um dos mais violentos presidentes americanos.
Lançou ou apoiou sete guerras e deixou o poder sem que nenhuma delas
fosse resolvida: um recorde. Durante o seu último ano como presidente,
em 2016, lançou 26.171 bombas, segundo o Conselho de
Relações Exteriores. É uma estatística
interessante; trata-se de três bombas a cada hora, 24 horas por dia,
principalmente sobre civis. A técnica de bombardeamento adoptada por
Obama foi o assassínio por meio de drones. Todas as
terças-feiras, relatava o
New York Times,
ele escolhia os nomes daqueles que iriam morrer num "programa" de
execuções extrajudiciais. Todos os homens em idade militar no
Iémen e nas fronteiras do Paquistão eram considerados
inteiramente como animais. Ele multiplicou as operações das
forças especiais dos EUA no mundo, especialmente em África.
Juntamente com a França e a Grã-Bretanha ele e sua
secretária de Estado, Hillary Clinton, destruíram a Líbia
como Estado moderno com o falso e familiar pretexto de que o seu líder
estava prestes a cometer um massacre de "inocentes". Isso conduziu
directamente ao crescimento dos medievalistas Daesh [ou Estado Islâmico]
e uma vaga de emigração de África para a Europa. Ele
derrubou o presidente democraticamente eleito da Ucrânia e instalou um
regime abertamente apoiado pelo fascismo – como uma
provocação deliberada à Rússia.
A concessão do Prémio Nobel da Paz a Obama foi uma impostura. Em
2009, esteve no centro de Praga e prometeu ali ajudar a criar um mundo
"livre de armas nucleares". Na verdade, aumentou o número de
ogivas nucleares americanas e autorizou um programa de construção
nuclear de longo prazo de US$1000 milhões. Processou mais denunciantes,
reveladores da verdade, do que todos os presidentes dos EUA juntos. O seu
principal êxito, pode dizer-se, foi pôr fim ao movimento
anti-guerra norte-americano. Os manifestantes regressaram a casa dando
crédito às mensagens de 'esperança' e 'paz' de Obama e
começaram a acreditar nisso. A única diferença de Obama
foi ter sido o primeiro presidente negro na terra da escravidão. Em
quase todos os outros aspectos, ele era apenas outro presidente americano cuja
constante afirmação era que os Estados Unidos eram "a
única nação indispensável", o que presumia que
outras nações seriam dispensáveis.
Talvez a inteligência de Obama residisse na imagem que ele próprio
e outros fabricaram e cultivaram com sucesso. Donald Trump também pode
ser descrito como apenas outro presidente americano (violento). O que o
distingue é que ele é uma caricatura. Muitos membros da elite
americana detestam Trump, não por causa de seu comportamento pessoal,
mas por causa de um embaraço muito mais profundo; ele é a imagem
crua da América, sem a máscara.
O seu filme
The War on Democracy
documenta o golpe de Estado orquestrado pelos Estados Unidos contra Hugo
Chávez, que se opunha ao imperialismo, com a ajuda da burguesia de
direita e capitalista da Venezuela. Isso não era novo para a maioria dos
países latino-americanos. Hoje, porém, vemos cada vez mais
países do continente resistindo ao imperialismo americano. Fora de Cuba
e da Venezuela, governos de esquerda estão no poder em países
como a Bolívia e o Equador. Qual é o significado disso? Hoje em
dia, também ouvimos histórias de ofensivas de direita em
países como a Venezuela e o Brasil. Como avalia o actual cenário
político latino-americano?
Não concordo que "mais e mais países [na América
Latina] estejam a resistir ao imperialismo dos EUA". Pode ter sido verdade
quando Hugo Chávez ainda estava vivo; mas mesmo então, os Estados
Unidos nunca desistiram da sua influência no continente. Hoje, há
apenas Bolívia, Nicarágua e, claro, Venezuela, a Venezuela em
luta pela sobrevivência. A maior parte da América Latina
está de volta à influência de Washington, especialmente o
Brasil. O Equador, anteriormente esclarecido, é outro exemplo eloquente.
O governo obsequioso de Lénine Moreno convidou as tropas
norte-americanas a voltarem e ameaçou abandonar Julian Assange. A
opressão económica do FMI está novamente a prejudicar a
Argentina. Versões do Consenso de Washington, conhecido como
neoliberalismo, dominam quase todo o continente. Cuba está calma, o que
é compreensível.
Nos últimos anos, vimos denunciantes como Julian Assange e Edward
Snowden revelarem documentos confidenciais que mostravam como funciona o
sistema de poder. Notará que o WikiLeaks não fez nada mais do que
The New York Times
e
The Washington Post
haviam feito num celebrado passado – revelaram a verdade sobre guerras de
rapina e as maquinações de uma elite corrupta.
Disse que "o WikiLeaks é um marco no jornalismo". Qual
é a importância dessas revelações? O que é
que elas nos ensinam?
O WikiLeaks fez muito mais do que o
New York Times
e o
Washington Post
com todos os louros que estes têm. Nenhum jornal conseguiu igualar
– ou chegar perto – os segredos e mentiras do poder que Assange e
Snowden revelaram. O facto de os dois homens serem fugitivos testemunha o recuo
das democracias liberais em relação aos princípios da
liberdade e da justiça. Por que o WikiLeaks é um marco no
jornalismo? Porque as suas revelações nos disseram, com 100% de
precisão, como e porquê uma grande parte do mundo é
dividida e dirigida.
Como analisa a evolução do panorama dos media na era digital? Por
um lado, a Internet abriu uma vasta via de espaço livre ou de plataforma
independente. A Internet oferece um espaço contra-narrativo, ao qual os
grandes media corporativos não prestam atenção. Mas, por
outro lado, grandes monopólios digitais controlam o espaço
digital. Como vê a situação? Quais são os desafios a
enfrentar?
Os desafios são tão grandes quanto os povos o permitem. Os dados
digitais são a nova corrida ao ouro do capitalismo; a vigilância
digital é o novo adversário da democracia. Ambos diferem apenas
na forma e na escala das infinitas variedades de poder a que os povos tiveram
de resistir desde o início da história. Hoje, todos nós
temos um pé no mundo digital; temos a Internet, que é poder. A
maneira como aplicamos este poder, ao invés de o banalizar, depende da
nossa vontade de adoptar princípios imemoriais de resistência.
Está envolvido em reportagens de guerra há mais de cinco
décadas. Cobriu a maioria das grandes guerras, incluindo a Guerra do
Vietname, a guerra no Iraque e a guerra no Afeganistão. Um certo
número de países pratica uma política de armamento
crescente como política económica. O papel das grandes empresas
de venda armas também é importante. O que é a economia
política da guerra?
A economia política da guerra na era moderna é a economia
política dos Estados Unidos. Os Estados Unidos privam cerca de 80
milhões dos seus cidadãos de cuidados de saúde adequados e
gastam quase 60% do seu orçamento discricionário federal na
preparação para a guerra. A Índia também tem uma
economia de guerra. Em 2018, a Índia ficou entre os cinco países
que mais gastaram no campo militar, com um orçamento militar de US$63,9
mil milhões, o que supera o da França. Quase metade do
orçamento nacional é dedicado a gastos militares. Quando fui
à Índia pela primeira vez, descobri outro mundo dentro de bases
militares, habitado por pessoas saudáveis e bem nutridas, com
água potável e crianças educadas. No exterior dessas
bolhas magníficas, a Índia conta mais crianças subnutridas
do que qualquer outro país do mundo.
Síndrome do Vietname
A Guerra do Vietname foi um dos capítulos mais sangrentos e
mortíferos do pós-guerra. Começou as suas reportagens de
guerra no Vietname. Esta foi a primeira guerra televisionada. A Guerra do
Vietname é a história do massacre de mais de três
milhões de pessoas. Poderia falar-nos do horror que viu no Vietname?
Qual foi o papel dos media ocidentais no Vietname? Recentemente, captou a
tentativa de reescrever a história da Guerra do Vietname em manuais
escolares norte-americanos. A própria recordação do
Vietname assombra o Estado mais poderoso do mundo?
Não tenho certeza de que "assombrar" seja a palavra certa. O
que incomoda os apologistas americanos é que o exército de
"nação indispensável" foi expulso da Ásia
por uma nação de camponeses, que ela sofreu uma derrota
humilhante. Desde então, eles têm procurado um "melhor
resultado", reescrevendo o que chamaram de "síndrome do
Vietname", um eufemismo para o embaraço prolongado causado por uma
catástrofe.
A série de documentários épicos de Ken Burns para a Public
Broadcasting em 2017 começou com a seguinte declaração:
"A guerra foi desencadeada de boa-fé por pessoas honestas como
resultado de mal-entendidos fatais, do excesso de confiança dos
norte-americanos e dos mal-entendidos da guerra fria". A desonestidade
desta declaração ignora os muitos falsos pretextos que levaram
à invasão do Vietname, como o "incidente" do golfo de
Tonquim em 1964. Não houve boa-fé. A fé era podre e
cancerosa e mais de quatro milhões de pessoas morreram.
Vi algo do sofrimento: o facto de o comandante norte-americano, general William
Westmoreland, ter tomado por alvo civis a quem chamava "baratas". No
delta do Mekong, após um bombardeamento, havia um cheiro de napalm e
árvores petrificadas enfeitadas com pedaços de corpos.
Também testemunhei heroísmo. Em 1975, encontrei a única
sobrevivente de uma bateria antiaérea vietnamita, todas adolescentes;
estava ajoelhada diante dos novos túmulos de seus camaradas.
O terrorismo é o produto de Estados
Questionou a guerra dos EUA contra o terrorismo como um exemplo de hipocrisia e
de duplicidade. Porque diz isso? Se assim for, a questão é de
saber como parar o terrorismo. Até que ponto a ameaça do
terrorismo é um desafio para uma vida moderna e cívica?
A grande maioria do terrorismo é o produto de Estados. O Iémen
é actualmente vítima de incessantes actos de terrorismo por parte
do Estado saudita, que patrocinou outras formas de terrorismo, nomeadamente os
ataques de 11 de Setembro. A "guerra contra o terrorismo"
lançada em 2001 pelo presidente dos EUA, George W. Bush, foi na verdade,
uma guerra de terror, matando milhões de pessoas, na sua maioria
muçulmanos. Estados poderosos, como os Estados Unidos e a
Grã-Bretanha, tornaram o terrorismo uma arma
"estratégica"; o apoio ao jihadismo na Líbia e na
Síria é um exemplo notável disso. A conclusão
é ou deveria ser óbvia: quando os governos pararem de promover o
terrorismo, os ataques sangrentos nas suas próprias cidades
provavelmente acabarão.
Disse que os Estados Unidos têm ao mesmo tempo "bons
terroristas" e "maus terroristas". Quem são os bons e os
maus terroristas da América?
A designação pode mudar sem aviso prévio. Actualmente, os
sauditas são "bons terroristas"; na verdade, nem são
chamados de terroristas. Os extremos terroristas maus – Al Qaeda –
são agora bons terroristas que lutam ao lado dos Estados Unidos na sua
longa guerra contra os xiítas. Historicamente, os curdos sempre foram ao
mesmo tempo bons e maus terroristas; no Iraque, os curdos eram bons; na
Turquia, eram maus. A designação assentava em eles estarem ou
não lutando contra o mais recente inimigo dos Estados Unidos.
Nas últimas décadas do século XX, o mundo viu a
região da Ásia Ocidental tornar-se o ponto quente da
intervenção ocidental. Depois do 11 de Setembro de 2001, essa
intervenção tomou a forma de duas guerras: a guerra no
Afeganistão e a guerra no Iraque. A islamofobia atingiu novos picos no
Ocidente. A teoria do choque de civilizações encontrou
campeões na máquina estatal, sendo George Bush o melhor exemplo.
Como situa historicamente os interesses ocidentais no Médio Oriente e a
ascensão da islamofobia no Ocidente?
Recomendo o trabalho do historiador britânico Mark Curtis, cujo livro
Secret Affairs
relata a estreita relação entre o estado britânico e o
islamismo extremista. O que está claro é que
organizações como Daesh e Al-Qaeda eram o produto dos governos
imperiais ocidentais.
No Afeganistão, os
mujahidin
poderiam ter permanecido como uma influência tribal se não fosse
a Operação Ciclone, um plano liderado pelos Estados Unidos para
transformar o Islão extremista numa força que expulsaria a
União Soviética e derrubaria o estado soviético. O que o
Ocidente temia no Médio Oriente era o que Gamal Abdel Nasser, no Egipto,
chamava "pan-arabismo". Temia que os povos árabes se
desembaraçassem das cadeias do tribalismo e do feudalismo e controlassem
e desenvolvessem os seus próprios recursos. Por esta razão, o
único governo progressista no Afeganistão foi declarado
"comunista" e destruído. Pela mesma razão, os
palestinos são mantidos num estado de opressão
interminável.
Com os Estados Unidos reconhecendo Jerusalém como capital de Israel em 9
de Dezembro de 2017, o sofrimento e o medo dos palestinos aumentaram. Como
disse, eles são refugiados no seu próprio território.
Descreveu a agressão contra a Palestina como a ocupação
militar mais longa da história moderna. poderia dizer-nos algo mais
sobre a questão palestina? Quais são os interesses
estratégicos e geopolíticos dos Estados Unidos na região?
Qual é o caminho para ser feita justiça aos palestinos?
Um dos principais objectivos dos Estados Unidos é manter o Médio
Oriente num estado de incerteza, instável e dividido por guerras
tribais. John Bolton, o conselheiro de segurança nacional dos EUA,
disse-o com grande satisfação. Foi assim que os britânicos
controlaram a região. O centro de concepção dessa
"política" é Israel, um anacronismo imperial imposto ao
Médio Oriente quando o mundo se descolonizava. Como o historiador
israelense Ilan Pappe documenta no seu último livro, Israel foi
concebido como uma prisão para seus povos autóctones, os
palestinos. Toda a hipocrisia ocidental reside em Israel. Bashar al-Assad
é designado como um monstro, mas Benjamin Netanyahu, um monstro supremo,
goza de impunidade para controlar os palestinos e, em grande medida, o
Congresso dos EUA, a Casa Branca e as Câmaras do Parlamento em Londres.
Essa impunidade manifestou-se recentemente quando Jeremy Corbyn, o líder
trabalhista britânico que pode vir a ser o próximo
primeiro-ministro britânico, foi alvo de uma campanha inteiramente falsa
que o difama como anti-semita. Em vez de a rejeitar com desprezo, Corbyn
curvou-se a ela e traiu os seus muitos anos de apoio aos direitos dos
palestinos aceitando uma definição de sionismo que negava a
Israel o seu verdadeiro estatuto de estado racista. No momento em que escrevo,
os soldados israelenses massacram regularmente palestinos em Gaza, incluindo
crianças. Desde março [2018], 77 palestinos desarmados tiveram
que ser amputados, incluindo 14 crianças; 12 ficaram paralisadas por
toda a vida após serem baleados nas costas. Nem um único
israelense ficou ferido.
Aquilo a que chamamos globalização é, na verdade, o
capitalismo neoliberal. Você provavelmente foi o primeiro a revelar o
primeiro experimento de programa de ajustamento estrutural na Indonésia
na década de 1960. Diz que não há diferença entre a
implacável intervenção do capital internacional nos
mercados estrangeiros hoje e os de antes, quando eram apoiados por canhoneiras.
Como jornalista familiarizado com o funcionamento do Estado profundo, poderia
falar-nos sobre a evolução das experiências
económicas neoliberais? Como funciona isso hoje em dia?
O neoliberalismo é uma extensão do que antes era chamado
monetarismo, as duas versões exóticas ou extremas do capitalismo
dominante. No Ocidente, sob a liderança de Margaret Thatcher e Ronald
Reagan e seus homólogos europeus, foi declarada uma "sociedade a
dois terços". O terço superior seria enriquecido e pagaria
pouco ou nenhum imposto. O terço médio seria
"ambicioso", alguns de entre eles seriam "bem-sucedidos"
num mundo impiedosamente competitivo e outros ficariam irrevogavelmente
endividados. O terço inferior seria abandonado ou ser-lhe-ia oferecido
um empobrecimento estável em troca da sua obediência. A
relação entre as pessoas e o Estado mudaria de benigna para
maligna. Uma nova classe de gestores educados no espírito empresarial
dos Estados Unidos, com a sua própria "cultura" e
vocabulário, supervisionaria a conversão da social-democracia
numa autocracia de empresa. O "debate" público, gerido por
meios de comunicação totalmente integrados, seria dominado por
"políticas de identidade", todas as noções de
classe banidas como "falsidades". Falsos demónios estrangeiros
(liderados pela Rússia, seguidos de perto pela China) seriam designados
como "inimigos necessários".
A unidade europeia é propaganda
A experiência da União Europeia foi saudada como um sinal de
unidade dos europeus e um modelo na era pós-socialista. Mas o Brexit foi
um grande golpe que atingiu essa propaganda. Qual é o seu ponto de vista
sobre a UE? Como analisa o Brexit e reivindicações semelhantes?
A União Europeia é basicamente um cartel. Não há
"livre comércio". Existem regras de exclusividade
estabelecidas e controladas pelos bancos centrais, principalmente o banco
central alemão, com benefícios para os membros mais fracos,
nomeadamente o movimento transfronteiriço de mão-de-obra, embora
isso seja agora posto em causa. O objectivo central da UE é a
protecção e o fortalecimento do poder económico dos mais
fortes. Bruxelas é uma burocracia centralizada; a democracia é
mínima. A "unidade europeia" de que fala é propaganda,
promovida por aqueles que mais recebem da UE. O esmagamento da Grécia
é uma lição que a maioria dos britânicos parece ter
entendido.
O seu trabalho concentra-se em quem controla o destino da humanidade, de que
forma nações poderosas, grandes empresas, a burguesia, lobbies
poderosos fazem as leis e regras do mundo. A democracia parece ser a
vítima. Apesar disso, temos histórias inspiradoras em todo o
mundo sobre a resistência contra essas forças poderosas.
Está optimista e com esperança quanto a um mundo melhor?
Existem forças inspiradoras de resistência em muitos
países, incluindo a Índia. Desde a minha primeira reportagem na
Índia, na década de 1960, emocionou-me o desejo das pessoas
comuns, especialmente dos agricultores, de defender a justiça na sua
vida. A recente grande marcha [de 23 de Setembro a 2 de Outubro] de 50 mil
agricultores de [Haridwar] em Uttar Pradesh, em Nova Deli, era típica.
Disciplinados, políticos e engenhosos, eles têm muito a ensinar
àqueles de nós que no Ocidente imaginam que o protesto consiste
em gozar com Trump ou assinar uma petição dirigida ao deputado da
sua zona. Quando o governo de Deli permitiu que a polícia atacasse os
agricultores no aniversário de Mahatma Gandhi, eles reagiram. A promessa
política destes movimentos talvez seja a mais notável
evocação revolucionária no mundo hoje.
Eles representam a luta dos povos e da agricultura em todo o mundo contra os
bulldozer neoliberais do "desenvolvimento urbano": o roubo do
espaço humano e a sua conversão numa mercadoria grotesca e
lucrativa. O facto de os governos indianos não terem reagido aos
suicídios de mais de 300 mil agricultores é uma tragédia
histórica, mas pode ser revertida a qualquer momento. De certo modo, os
agricultores indianos representam-nos a todos. Como escreve Vandana Shiva, a
sua difícil situação e a sua resistência constituem
uma advertência: a menos que a segurança sobre a terra, a
segurança sobre as sementes e a agricultura pertençam ao povo, a
colonização dos campos do mundo por gente como a Monsanto
é uma ameaça tão séria para a existência
humana quanto
as alterações climáticas
[NR]
. Claro que as pessoas nunca estão paradas. Eles
"levantar-se-ão como um leão depois de acordar…",
como escreveu Percy Bysshe Shelley… Quando a resistência não
é visível, é ainda uma "semente sob a neve".
Nunca conheci tanta sensibilização do público como hoje,
mas reina também a confusão. O "populismo" dos
ocidentais, tantas vezes deturpado como reaccionário, exprima ao mesmo
tempo a disposição de resistir e uma desorientação
sobre como o fazer. Isso vai mudar. O que nunca muda é o medo dos
poderosos do poder das pessoas comuns.
O tipo de jornalismo que pratica é realmente um desafio, e
difícil. Através de seus documentários, artigos e outros
trabalhos jornalísticos, questionou os Estados mais poderosos do mundo e
suas fraudes democráticas. O que moldou o seu ponto de vista para se
tornar uma voz dissidente no jornalismo? Quais são as suas
influências e o que é que o mantém atento?
Hoje, a maioria dos jornalistas estabelecidos são estafetas do poder.
Não são o
mainstream,
que é uma palavra orwelliana. Um
mainstream
real tolera a dissidência, não a censura. O que é que
moldou o meu ponto de vista? O facto de relatar a luta das sociedades pelo
mundo afora, incluindo os seus triunfos, por mínimos que sejam, continua
sendo uma influência duradoura. Ou talvez essas influências tenham
início cedo na vida. "Apoiamos os oprimidos", disse-me minha
mãe um dia, quando eu era pequeno. Eu gosto disso.