quinta-feira, 4 de março de 2021

A construção da realidade

 por  Josep Cónsola [*]


"Perante a realidade podem-se adoptar várias atitudes, a saber:   1) ignorá-la, evadir-se dela;  2) reproduzi-la;  3) descobrir seu outro lado: a verdade
Alfonso Sastre.  Manifiesto contra el pensamiento débil.

"Quando aprendí as respostas, foram alteradas todas as minhas perguntas".
Mario Benedetti

Tragédia de Gruaro.O verdadeiro depende da criação mental do homem chamada lógica. Entretanto, real refere-se ao que alguém crê que é real apesar de qualquer lógica que se utilize ou do que se raciocine, ou sem saber como funciona este algo. No instante que vemos, ou nos fazem ver, cremos que é real sem ainda questionarmos se é verdadeiro ou falso.

René Descartes cunhou a frase Cogito ergo sum ("penso, portanto sou") mas perante o descalabro mundial orquestrado com origem na propaganda pandémica poderíamos estabelecer outra frase: Ego sum, sed non cogito ("sou, mas não penso") à vista da credibilidade dada ao discurso oficial por uma parte importante da população.

Será real que milhares de pessoas idosas e com patologias prévias tenham falecido durante o segundo trimestre de 2020? Podemos dizer que sim. Será verdade que estes milhares de pessoas tenham falecido por causa de um vírus catalogado como SARS-Cov2? Podemos dizer que não.

Será real que um pânico insano se tenha desencadeado entre a população? Podemos dizer que sim. O referido pânico é resultado da verdade? Podemos dizer que não.

Mas, como na metáfora escrita por Robert Havemann: "Quando quero acertar num alvo, tenho um procedimento muito simples para aumentar a possibilidade de atingi-lo, a saber: o procedimento de engrandecer o alvo, e se declaro que tudo o que me rodeia é alvo, terei a miserável satisfação de não errá-lo nunca" [1] .

O catedrático de Sociología da Universidade de Oviedo, José Mª García Blanco, no seu interessante artgo "La construcción de la realidad y la realidad de su construcción" [2] destaca que: "A cada manhã, ao ligar nosso aparelho de radio, a televisão ou ao ler nosso diario habitual, nos pomos ao corrente do que se passa no mundo. Todos estes meios estão a reproduzir incessantemente a rede de noticias que configura nossa imagem da realidade. São eles, seguindo sua propia lógica operativa, que proporcionam hoje à sociedade sua própria imagem e a do mundo em que ela se produz e reproduz como sistema de comunicação… O produto deste funcionamento recursivo dos mass media é a constituição da única coisa que hoje se pode denominar com fundamento empírico suficiente Opinião Pública, a saber: una imensa redundância informativa, que torna desnecessário perguntar o que cada concreto individuo sabe e pensa".

A partir daqui o conhecimento que possuímos da realidade é limitado e acostumamo-nos a ver a "realidade" a partir das mensagens subjectivas que chegam ao nosso conhecimento sobre esta realidade. A construção dos referidos conhecimentos tem, entre outros, os objectivo de criar "confiança" para com as estruturas de poder que são em definitivo as que concebem o discurso para tornar possível que um determinado objecto ou objectivo exista, cumpra certas funções e estabeleça o que é positivo ou negativo, bom ou mau.

Bertrand Russell dizia que para chegar a estabelecer uma lei científica são necessárias três etapas: a primeira consiste em observar os factos significativos; a segunda, assentar hipóteses que, se forem verdadeiras, explicam aqueles factos; a terceira, deduzir destas hipóteses consequências que possam ser postas a prova para a observação. Significa que o processo da sua formulação deve ser justificado e explicado passo a passo, para desta forma construir e formular hipóteses que sejam contrastáveis.

"INFOXICAÇÃO"

Ao invés disto temos sofrido, estamos a sofrer e, se não houver uma resposta contundente, continuaremos a sofrer não uma intoxicação por um vírus e sim uma "infoxicação" mediática resultante da construção da realidade, afastada do que deveria ser uma busca da verdade. Não há ciência nas versões mediáticas hegemónicas e sim percepções, especulações, opiniões e espectáculos visuais montados à imagem e semelhança de uma grande farsa teatral.

O Dr. Carlos Alberto Díaz, professor Titular da Universidade Isalud de Buenos Aires [3] , é contundente: "As burocracias profissionais geraram-se para conter e reproduzir os conhecimentos gerados nas suas próprias organizações. Nos rincões de toda a administração existem alguns reservatórios que, quando purgas, encontras inteligências e opiniões que nunca foram ouvidas. Não é a saúde um tema de agenda. Sim quais são os números de contagiados, de mortos ou de vacinas".

Encontramo-nos perante a necessidade de analisar a sociedade e os fenómenos sociais que estamos a viver com os estados de sítio, emergência, alarme, etc e os consequentes confinamentos domiciliares, sanções, repressões... a partir de um conhecimento que não se apoia num determinismo e num reducionismo do conhecimento, no sentido de que um conhecimento do todo sirva de ponto de partida para um conhecimento das partes que o compõem. Edgar Morin sugere a "necessidade de recompor o todo", ou seja, o questionar da racionalidade abstracta e unidimensional hegemónica" [4] . Numa multidão de ocasiões nossa realidade não é senão a nossa ideia da realidade cunhada por uma educação baseada na aceitação de um conformismo cognitivo no qual é normalizada a eliminação do que possa discutir-se ou contrapor-se ao discurso hegemónico.

Giulio Girardi, uma referência da Teologia da Libertação, membro do Tribunal Russell II sobre a América Latina desde 1974 até a sua morte em 2012, membro do Tribunal dos Povos, a partir da sua perspectiva do conhecimento como instrumento de transformação social, denuncia a falsa neutralidade da ciência e do conhecimento, uma vez que todo sujeito no momento da observação faz parte de uma série de condicionantes internalizadas: "Não há interesse teórico que esteja desvinculado da interesses práticos. O ocultamento de interesses que não se querem confessar" [5] .

Quanto ao ocultamento destes interesses a que Girardi faz referência, numa tentativa de buscar uma possível explicação Máximo Sandin pergunta-se que "talvez seja que não se pode esperar que alguém compreenda algo quando o seu salário depende da sua não compreensão" [6] .

Como se constrói o 'real'?

María-Celina Ramos-Álvarez, aproxima-nos uma reflexão sobre os papel dos meios de comunicação com as seguintes palavras: "Na medida em que os meios mostram-me suas construções de significado como um ser natural das coisas, tendo a pensar que as coisas são assim, como eles as apresentam e portanto concedo-lhes um estatuto ontológico independente do labor humano, já que eu não tenho opção alguma para actuar em outro sentido senão o assinalado ao meu status que me foi criado, o qual impede-me de exercer a dialéctica entre o que faço e o que penso... Os meios de comunicação seleccionam aspectos do mundo que desta forma aparece filtrado diante dos meus sentidos. O conhecimento que me proporcionam não só põe em jogo minhas capacidades cognoscitivas como também emocionais... Minha realidade subjectiva em determinadas situações choca-se frontalmente com aquela objectiva que os media me apresentam. Sou uma pessoa adulta e possuo capacidade de crítica e discernimento, mas em situações nas quais não posso exercer tais capacidades por não possuir os dados suficientes para isso, ou em situações que os significados mediáticos não são relevantes para mim, a realidade que se me apresenta constitui-se na minha realidade" [7] .

Os media jornalísticos actuam como mediadores entre a fabricação de uma recriação manipulada da realidade e a audiência. Os media nos preparam, nos elaboram e nos apresentam uma realidade social determinada. Mas quais são os critérios para formar essa realidade? Em que se baseia a interpretação jornalística?

Hoje sabemos tanto do vírus e da pandemia e estamos tão "infoxicados" que não sabemos nada, não há diálogo nem debate científico com evidências em mãos, só hipóteses, ocorrências, suposições, opiniões ou percepções. A justificação pandémica avança, a economia quebra e a gente vive com medo e incerteza. Em síntese, a verdade sobre a pandemia do Covid-19 é a seguinte: "Instrumentalizou-se a enfermidade de modo político e eleitoral; 2) Sabemos muito e nada ao mesmo tempo, não há ciência e sim percepções, teorias falsas e especulação; 3) Ignorou-se a história e os antecedentes médicos e epidemiológicos. Esta é a grande verdade da qual não duvidamos" [8] .

A realidade social constrói-se por meio de declarações, as que tornam possível que um determinado objecto exista, cumpra certas funções e disponha de certos poderes positivos e negativos de maneira convencional. "A força que se assinala a esses actos permite que surjam no mundo entidades que, sem mediar estas declarações mediáticas, não chegariam a existir" [9] .

Nas XXII Jornadas de Investigación e XI Encuentro de Investigadores en Psicología del Mercosur organizados pela Faculdade de Psicologia da Universidade de Buenos Aires, Romina Ailín Urios, realiza uma análise acerca da "criminologia mediática" que agora podemos aproveitar à luz dos estereótipos concebidos para estabelecer o perfil das pessoas perigosas na voragem pandémica (reuniões de mais de seis pessoas, não usar máscara, por em causa a bondade das vacinas, ignorar os toques de recolher, romper o confinamento domiciliar, etc), os apelos à delação a partir das "polícias de varanda", a criação de "patrulhas sanitárias" semelhantes à antiga guarda de Franco nos tempos da ditadura para perseguir e denunciar os contraventores das leis ditadas, por irracionais que sejam.

Podemos dizer que o que faz a "criminologia mediática" é criar uma realidade e apresentá-la como "a" realidade, onde aparecem confrontadas as "pessoas decentes" e o grupo de "criminosos", os quais são identificados pelo estereótipo que permite essa distinção. E para que esta diferenciação se sustenha no tempo e se torne crível, não resta outra opção senão "inchar" as características negativas de quem porta o estereótipo na base da periculosidade e é aí em que o conceito de perigo se une ao de segurança. "Como reverter os efeitos na subjectividade da população e, sobretudo, de certos sectores que foram seleccionados pelos meios de comunicação como os futuros criminalizados? Se tivermos em conta o que coloca Foucault quanto à complexa malha em que uma pequena mudança num extremo gera um movimento em toda a trama, podemos pensar que para gerar uma modificação que chegue até todos os extremos faz-se necessário que a mudança seja suficientemente forte para que chegue a toda a estrutura. Do contrário, a modificação não será nem total nem duradoura" [10] .

Assim, como dizia Gabriel Celaya no seu poema "La poesía es un arma cargada de futuro":

Às ruas! que já é hora
de passearmos a corpo inteiro
e mostrar que, como vivemos,
anunciamos algo novo.
¡A la calle! que ya es hora
de pasearnos a cuerpo
y mostrar que, pues vivimos,
anunciamos algo nuevo.



(1) Robert Havemann. Dialéctica sin dogma. Ariel. 1967. pág. 142
(2) repositorioinstitucional.ceu.es/bitstream/10637/6036/1/N_I_pp149_170.pdf
(3) saludbydiaz.com/...
(4) Edgar Morin. Los siete saberes para una educación del futuro, 2000
(5) Fede cristiana e materialismo storico, Edizioni Borla, 1977. pág.101.
(6) Máximo Sandín. Trilogía del coronavirus. Cauac. 2020
(7) María-Celina Ramos-Álvarez. Los medios de comunicación, constructores de lo real, www.revistacomunicar.com/indice/articulo.php?numero=05-1995-20
(8) Óscar Picardo www.disruptiva.media/la-verdad-detras-del-covid-19/
(9) María S. Krause Muñoz y Rodrigo González Fernández. La confianza en la construcción de la realidad social. Revista de Filosofía Universidad católica de Chile. vol. 41, núm. 1. 2016
(10) www.aacademica.org/000-015/553.pdf


[*] da Universitat Comunista dels Països Catalans.

O original encontra-se em mpr21.info/la-construccion-de-la-realidad/


Este artigo encontra-se em https://resistir.info/ .



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