por Daniel Vaz de Carvalho
"Se quisermos compreender a realidade íntima e o movimento profundo
da economia capitalista não se pode ficar ao nível das
aparências, deve-se igualmente descobrir e explorar a face oculta dos
fenómenos. Os fenómenos visíveis são os
rendimentos obtidos por diferentes pessoas ou empresas. A realidade
oculta é a maneira como estes rendimentos são criados".
Jacques Gouverneur, Compreender a Economia , Ed. Avante, p. 14 e 16. |
1 – UMA HISTÓRIA SOBRE COMO SE FAZEM CONTAS
Acontecia os navios que cruzavam o Atlântico carregados de escravos negros a caminho das Américas demorarem mais que o previsto devido a tempestades ou calmarias. O comandante tinha então de fazer as seguintes contas: X dias de viagem que faltam, para Y quantidade de água e mantimentos, dão para Z pessoas, temos Z+N. Há pois N negros a mais. N negros eram então atirados borda fora servindo de refeição aos tubarões que, animais inteligentes e normalmente pacíficos (como se pode ver no Oceanário), se tornavam companhia habitual destes navios, os "negreiros".
As contas do comandante estavam erradas? Ninguém o poderia dizer considerando inalteráveis os navios mal equipados, mal abastecidos, com lotação insuficiente para a "carga" remotamente humana. Além disso, os que os atiravam ao mar bem poderiam dizer que eram defensores dos escravos… e da escravatura. Esta a metáfora da "austeridade".
Ninguém pensava, pois, utilizar navios maiores, devidamente abastecidos ou alterar o curso para rotas mais previsíveis, até porque os mais fortes sobreviviam e se diminuía a quantidade aumentava a qualidade e o preço, pelo que o resultado final do "negócio" não ficaria desfavorecido, muito pelo contrário. As contas estavam portanto certas… abstraindo que falamos de pessoas, algo que os escravos só muito remotamente eram considerados como tal e apenas para trabalhar.
Há portanto várias formas de fazer contas e todas elas certas em termos matemáticos. Mas a matemática e a econometria sua derivada nada têm que ver com a ética, a economia política sim e é esta que abordamos ao fazer contas.
2 – AS CONTAS DA DESPESA
Conforme apresentado pelo sr. Medina Carreira [1] , entre 1970 e 1990 o PIB cresceu a uma média anual de 4,3%, mas a despesa primária 6,8%; entre 1990 e 2010 o PIB cresceu a 1,9% e a despesa a 4,0%. As despesas sociais cresceram entre 1970 e 2010, a uma média anual de 6,5%, mas o PIB 3,0%. Assim em percentagem do PIB as despesas sociais passam de 7,8% em 1970 para 30,2% em 2010, representando em 1970, 39% dos impostos, em 2010, 88%. Há assim um excesso de despesas sobre as receitas sendo necessário cortar 6 000 M€ até 2018 (com crescimento de 1,5%), segundo o DEO 7 000 M€ até 2019.
Quando se diz que 38% dos impostos são para pagar pensões está-se a ignorar que reformas e pensões pagam impostos e são o resultado de anterior regime contributivo entregue ao Estado, não podendo ser tratadas como esmolas ou, pior, como "roubo". "Roubo", mas ao capital rentista das PPP e concessões, aos monopolistas das privatizações, aos especuladores dos SWAP, à agiotagem internacional que recebe do BCE a 0,5 ou 0,25% e empresta sem risco a 3%, 4% ou mais.
A questão da não sustentabilidade da Segurança Social é uma falácia como bem demonstrado nos livros coordenados por Raquel Varela [2] ou nos textos de Eugénio Rosa, entre outros. Só o ambiente de não contraditório em que as opiniões são difundidas permitem ignorar estes trabalhos.
Quanto às prestações do Sistema de Proteção Social de Cidadania (não contributivo) (por ex. complemento para idosos, antigos combatentes, etc) representa solidariedade cidadã – e não caridade. Mas mesmo assim é uma solidariedade interessada (não interesseira…) pois é também um contributo a dinamização económica, que em 2011 correspondia a 3 620 M€. Contra isto se voltam os defensores do "rigor", dizendo que não há dinheiro, ao mesmo tempo que de repente aparecem 4 900 M€ para fingir que se "salva" o BES. Formas diferentes de fazer contas e ser "rigoroso".
Sem prestações sociais quase 50% da população estaria na pobreza, mesmo assim Portugal foi o país da UE onde em 2013 mais aumentou a "severa privação material". Apesar disto, o valor das prestações sociais é apresentado como uma causa da estagnação e endividamento, quando é uma consequência de políticas erradas que a isso conduziram: o modelo de integração na UE e no euro, a ruir nos seus pés de barro.
Sem se temer a grosseria, as prestações sociais são qualificadas de "eleitoralismo" para satisfazer "interesses limitados", "para agradar a funcionários, reformados, doentes" (!?). É a moral do navio negreiro, moram os que não podem pagar saúde, incluindo a alimentação adequada. Fazer comparações elogiosas com o salazarismo ofende o simples bom senso, mesmo que não se disponha de conceitos humanistas. Acaba por ser a sedução por uma sociedade oprimida, analfabeta, com fome, vegetando no obscurantismo e na repressão, com a inteligência perseguida, mortalidade infantil e materna ao nível de países do "terceiro mundo". [3]
3 – ACERCA DA DESPESA SOCIAL
Em 2011, a despesa com prestações sociais em Portugal correspondia a 26,5% do PIB quando a média na UE-28 era de 29% do PIB; em euros por habitante, era na UE-28 de 6.666 €, em Portugal, apenas de 3.890€, ou seja, 58% da média da UE. Note-se que a produtividade (PIB por trabalhador) era 62% da média da UE (dados AMECO).
Despesas sociais são consumo e investimento. Educação e saúde são também investimentos, fundamentais para o futuro do país e seu desenvolvimento. Pelo seu efeito multiplicador na economia estas despesas transformar-se-iam em novo investimento, assim houvesse como determina a Constituição um Plano Económico voltado para o desenvolvimento da produção nacional.
Há despesas reprodutivas e não reprodutivas. O investimento e as prestações sociais são (podem ser) reprodutivos, mas os "contratos leoninos" das PPP (prof. Carlos Moreno), a especulação dos SWAP, os juros de dívida ilegítima, ilegal ou odiosa [4] , os lucros das SPGS colocados em paraísos fiscais, as rendas monopolistas, não são reprodutivos.
Não há uma compreensão do que representam as despesas sociais como fatores de equilíbrio económico e social. Na realidade os cortes destinam-se a permitir satisfazer a gula dos "mercados", máscara que a oligarquia nacional e estrangeira assume para oprimir e explorar os povos da UE, respaldada em tratados iníquos e num conjunto de dogmas totalmente desacreditados.
Por ação da crise em 2008 o crescimento real foi nulo, em 2009 caiu 2,9%. Há um enorme aumento da despesa e uma diminuição da receita, em 2009 de 3 970 M€. Assim, de 2006 para 2010 o défice público passou de 7 400 para 17 000 M€, a dívida de 102 000 para 162 000 M€.
Embora a despesa em salários da função pública em 2010 fosse apenas 0,7% superior à de 2006. As despesas sociais tiveram significativo aumento devido ao número de trabalhadores empurrados para reformas antecipadas na função pública e nas empresas privadas, pois a palavra de ordem era reduzir pessoal, com o argumento da "eficiência"! Bem alertava a CGTP para o que se estava a criar. O crescente desemprego e os apoios à pobreza foram fontes adicionais de encargos. Além disto, de 2005 para 2010, as despesas com juros, consumos intermédios, subsídios e outras despesas correntes aumentaram 26,8%.
Com a troika, em quatro anos, de 2011 a 2014, a austeridade somou 28 247 M€, os juros 28 528,8 M€, os défices orçamentais 34.646,2 M€; a dívida pública passou de 94% em 2010 para 133% do PIB no 1º trimestre de 2014. Estes números configuram uma economia totalmente fora de controlo. Perante este descalabro, não se descortina mais do que prosseguir na via caótica da "austeridade".
4 – PARA ONDE VAI O DINHEIRO
Dizer-se que não podemos influenciar a economia, aumentar mais o nível de impostos, fazer moeda, pedir mais dinheiro emprestado, só há para cortar salários e prestações sociais, não passa de tautologia, um raciocínio redundante e falacioso, cuja lógica interna é à partida definida sem saídas. Tudo está perfeito na UE, imutável como leis divinas, este assim é o melhor dos mundos possíveis, temos é que nos adaptar a ele e… cortar nos salários e prestações sociais. Pelos vistos há quem nunca tenha ouvido falar em renegociação da dívida…
A responsabilidade da situação cabe então ao TC que se baseia em "ideias vagas e nebulosas" como o princípio da "igualdade e da confiança e não deixa baixar a despesa" (?!). É espantoso considerar "ideias vagas e nebulosas", "coisas esquisitas", princípios validados desde o século XVIII…
Nenhuma análise é válida se não tiver em conta os contextos quer internos quer externos. Conhecer apenas um lado da questão é, como disse Espinosa, não a conhecer de todo. Com base nos relatórios do Banco de Portugal o saldo do que sai do país em juros de privados, dividendos, lucros e transferências com a UE atingiu de 2000 a 2013 um valor negativo de cerca de 11 mil milhões de euros, uma média anual de 766 M€, que de 2007 a 2013, atingiu 1 430 M€.
A estes valores devemos somar os juros pagos pelo Estado: entre 2000 e 2013, 69 500 M€, uma média anual de 4 964 M€ ano, que se agravou nos anos da troika para 7 130 M€. O "ajustamento" é tão só um processo de garantir transferência de riqueza para a oligarquia usurária e monopolista.
Segundo a CMVM, entre 2010 e 2013, o valor das ações das empresas cotadas na bolsa subiu de 193 224 milhões de euros para 229 285 milhões de euros, os seus proprietários aumentaram 36 061 M€ as suas fortunas (21,7% do PIB). O Governo recusa-se a lançar impostos sobre estas gigantescas mais-valias que, excluindo as pequenas poupanças, são transferidas para paraísos fiscais.
As dívidas à Segurança Social, muitas delas referentes a descontos feitos nos salários dos trabalhadores, faz perder todos os anos mais de 3.000 M€ de receitas. [6] A renegociação da dívida permitiria libertar até 5 600 M€; em 2013 foram entregues por conta das SWAP 1 008 M€ existindo 1 200 M€ de perdas potenciais que o Supremo Tribunal de Justiça confirmou ser uma dívida ilegítima. Em 2012 os benefícios fiscais às SPGS, escondidos pelo governo, mas revelado pelo Tribunal de Contas, ascenderam a 1 045 M€.
Relativamente ao orçamento de 2014, a CGTP elaborou um estudo em que sem austeridade poderia haver um aumento de receita do Estado de 10 313,5 M€. Tratava-se de tributar o grande capital, grandes lucros, transferências financeiras, progressividade do IRC. O documento previa também um desagravamento fiscal no IRS e no IVA permitindo aumentar o rendimento disponível das famílias em 3.482,4 M€, ou seja, um saldo de 6.831,1 M€. [7]
Mesmo que apenas 80% daquele montante se concretizasse, não seria necessária mais austeridade, seria possível repor o que foi anteriormente cortado e concretizar investimento público produtivo. Em abril de 2013 a CGTP calculava uma redução da despesa, no valor de 10.373 M€, nomeadamente com poupança nos juros da dívida, eliminação da sobretaxa da "ajuda" da troika (1.744,9 M€), eliminação de potenciais perdas do Estado com o BPN, eliminação dos benefícios fiscais e da dedução de prejuízos no sector financeiro, redução da TIR das PPP rodoviárias. [8]
A economia de um país deve ser avaliada pela forma como procede para a maioria da população. O seu nível civilizacional pela forma como trata os seus velhos, as suas crianças, os seus jovens. São estes, e os "doentes", que são considerados "interesses limitados".
Depois de uma década de estagnação, brutal agravamento dos défices da Balança Comercial, acumular de dívida, perda de potencial produtivo, a situação tornava-se insustentável como foi desde logo clarificado, sendo ridicularizado como "a cassete". A "solução" dos partidos da troika interna, perdidos no naufrágio neoliberal, foi aprovarem sucessivos PEC até ao pedido de intervenção da troika externa que só agravou o que então se propunha sanear.
Como no caso do navio negreiro, mantendo tudo igual era necessário atirar ao mar gente viva. O caminho seria evidentemente outro, mas quem põe de parte a análise marxista dificilmente entende que as conjunturas resultam das estruturas produtivas e modos de produção existentes.
Acontecia os navios que cruzavam o Atlântico carregados de escravos negros a caminho das Américas demorarem mais que o previsto devido a tempestades ou calmarias. O comandante tinha então de fazer as seguintes contas: X dias de viagem que faltam, para Y quantidade de água e mantimentos, dão para Z pessoas, temos Z+N. Há pois N negros a mais. N negros eram então atirados borda fora servindo de refeição aos tubarões que, animais inteligentes e normalmente pacíficos (como se pode ver no Oceanário), se tornavam companhia habitual destes navios, os "negreiros".
As contas do comandante estavam erradas? Ninguém o poderia dizer considerando inalteráveis os navios mal equipados, mal abastecidos, com lotação insuficiente para a "carga" remotamente humana. Além disso, os que os atiravam ao mar bem poderiam dizer que eram defensores dos escravos… e da escravatura. Esta a metáfora da "austeridade".
Ninguém pensava, pois, utilizar navios maiores, devidamente abastecidos ou alterar o curso para rotas mais previsíveis, até porque os mais fortes sobreviviam e se diminuía a quantidade aumentava a qualidade e o preço, pelo que o resultado final do "negócio" não ficaria desfavorecido, muito pelo contrário. As contas estavam portanto certas… abstraindo que falamos de pessoas, algo que os escravos só muito remotamente eram considerados como tal e apenas para trabalhar.
Há portanto várias formas de fazer contas e todas elas certas em termos matemáticos. Mas a matemática e a econometria sua derivada nada têm que ver com a ética, a economia política sim e é esta que abordamos ao fazer contas.
2 – AS CONTAS DA DESPESA
Conforme apresentado pelo sr. Medina Carreira [1] , entre 1970 e 1990 o PIB cresceu a uma média anual de 4,3%, mas a despesa primária 6,8%; entre 1990 e 2010 o PIB cresceu a 1,9% e a despesa a 4,0%. As despesas sociais cresceram entre 1970 e 2010, a uma média anual de 6,5%, mas o PIB 3,0%. Assim em percentagem do PIB as despesas sociais passam de 7,8% em 1970 para 30,2% em 2010, representando em 1970, 39% dos impostos, em 2010, 88%. Há assim um excesso de despesas sobre as receitas sendo necessário cortar 6 000 M€ até 2018 (com crescimento de 1,5%), segundo o DEO 7 000 M€ até 2019.
Quando se diz que 38% dos impostos são para pagar pensões está-se a ignorar que reformas e pensões pagam impostos e são o resultado de anterior regime contributivo entregue ao Estado, não podendo ser tratadas como esmolas ou, pior, como "roubo". "Roubo", mas ao capital rentista das PPP e concessões, aos monopolistas das privatizações, aos especuladores dos SWAP, à agiotagem internacional que recebe do BCE a 0,5 ou 0,25% e empresta sem risco a 3%, 4% ou mais.
A questão da não sustentabilidade da Segurança Social é uma falácia como bem demonstrado nos livros coordenados por Raquel Varela [2] ou nos textos de Eugénio Rosa, entre outros. Só o ambiente de não contraditório em que as opiniões são difundidas permitem ignorar estes trabalhos.
Quanto às prestações do Sistema de Proteção Social de Cidadania (não contributivo) (por ex. complemento para idosos, antigos combatentes, etc) representa solidariedade cidadã – e não caridade. Mas mesmo assim é uma solidariedade interessada (não interesseira…) pois é também um contributo a dinamização económica, que em 2011 correspondia a 3 620 M€. Contra isto se voltam os defensores do "rigor", dizendo que não há dinheiro, ao mesmo tempo que de repente aparecem 4 900 M€ para fingir que se "salva" o BES. Formas diferentes de fazer contas e ser "rigoroso".
Sem prestações sociais quase 50% da população estaria na pobreza, mesmo assim Portugal foi o país da UE onde em 2013 mais aumentou a "severa privação material". Apesar disto, o valor das prestações sociais é apresentado como uma causa da estagnação e endividamento, quando é uma consequência de políticas erradas que a isso conduziram: o modelo de integração na UE e no euro, a ruir nos seus pés de barro.
Sem se temer a grosseria, as prestações sociais são qualificadas de "eleitoralismo" para satisfazer "interesses limitados", "para agradar a funcionários, reformados, doentes" (!?). É a moral do navio negreiro, moram os que não podem pagar saúde, incluindo a alimentação adequada. Fazer comparações elogiosas com o salazarismo ofende o simples bom senso, mesmo que não se disponha de conceitos humanistas. Acaba por ser a sedução por uma sociedade oprimida, analfabeta, com fome, vegetando no obscurantismo e na repressão, com a inteligência perseguida, mortalidade infantil e materna ao nível de países do "terceiro mundo". [3]
3 – ACERCA DA DESPESA SOCIAL
Em 2011, a despesa com prestações sociais em Portugal correspondia a 26,5% do PIB quando a média na UE-28 era de 29% do PIB; em euros por habitante, era na UE-28 de 6.666 €, em Portugal, apenas de 3.890€, ou seja, 58% da média da UE. Note-se que a produtividade (PIB por trabalhador) era 62% da média da UE (dados AMECO).
Despesas sociais são consumo e investimento. Educação e saúde são também investimentos, fundamentais para o futuro do país e seu desenvolvimento. Pelo seu efeito multiplicador na economia estas despesas transformar-se-iam em novo investimento, assim houvesse como determina a Constituição um Plano Económico voltado para o desenvolvimento da produção nacional.
Há despesas reprodutivas e não reprodutivas. O investimento e as prestações sociais são (podem ser) reprodutivos, mas os "contratos leoninos" das PPP (prof. Carlos Moreno), a especulação dos SWAP, os juros de dívida ilegítima, ilegal ou odiosa [4] , os lucros das SPGS colocados em paraísos fiscais, as rendas monopolistas, não são reprodutivos.
Não há uma compreensão do que representam as despesas sociais como fatores de equilíbrio económico e social. Na realidade os cortes destinam-se a permitir satisfazer a gula dos "mercados", máscara que a oligarquia nacional e estrangeira assume para oprimir e explorar os povos da UE, respaldada em tratados iníquos e num conjunto de dogmas totalmente desacreditados.
Por ação da crise em 2008 o crescimento real foi nulo, em 2009 caiu 2,9%. Há um enorme aumento da despesa e uma diminuição da receita, em 2009 de 3 970 M€. Assim, de 2006 para 2010 o défice público passou de 7 400 para 17 000 M€, a dívida de 102 000 para 162 000 M€.
Embora a despesa em salários da função pública em 2010 fosse apenas 0,7% superior à de 2006. As despesas sociais tiveram significativo aumento devido ao número de trabalhadores empurrados para reformas antecipadas na função pública e nas empresas privadas, pois a palavra de ordem era reduzir pessoal, com o argumento da "eficiência"! Bem alertava a CGTP para o que se estava a criar. O crescente desemprego e os apoios à pobreza foram fontes adicionais de encargos. Além disto, de 2005 para 2010, as despesas com juros, consumos intermédios, subsídios e outras despesas correntes aumentaram 26,8%.
Com a troika, em quatro anos, de 2011 a 2014, a austeridade somou 28 247 M€, os juros 28 528,8 M€, os défices orçamentais 34.646,2 M€; a dívida pública passou de 94% em 2010 para 133% do PIB no 1º trimestre de 2014. Estes números configuram uma economia totalmente fora de controlo. Perante este descalabro, não se descortina mais do que prosseguir na via caótica da "austeridade".
4 – PARA ONDE VAI O DINHEIRO
Dizer-se que não podemos influenciar a economia, aumentar mais o nível de impostos, fazer moeda, pedir mais dinheiro emprestado, só há para cortar salários e prestações sociais, não passa de tautologia, um raciocínio redundante e falacioso, cuja lógica interna é à partida definida sem saídas. Tudo está perfeito na UE, imutável como leis divinas, este assim é o melhor dos mundos possíveis, temos é que nos adaptar a ele e… cortar nos salários e prestações sociais. Pelos vistos há quem nunca tenha ouvido falar em renegociação da dívida…
A responsabilidade da situação cabe então ao TC que se baseia em "ideias vagas e nebulosas" como o princípio da "igualdade e da confiança e não deixa baixar a despesa" (?!). É espantoso considerar "ideias vagas e nebulosas", "coisas esquisitas", princípios validados desde o século XVIII…
Nenhuma análise é válida se não tiver em conta os contextos quer internos quer externos. Conhecer apenas um lado da questão é, como disse Espinosa, não a conhecer de todo. Com base nos relatórios do Banco de Portugal o saldo do que sai do país em juros de privados, dividendos, lucros e transferências com a UE atingiu de 2000 a 2013 um valor negativo de cerca de 11 mil milhões de euros, uma média anual de 766 M€, que de 2007 a 2013, atingiu 1 430 M€.
A estes valores devemos somar os juros pagos pelo Estado: entre 2000 e 2013, 69 500 M€, uma média anual de 4 964 M€ ano, que se agravou nos anos da troika para 7 130 M€. O "ajustamento" é tão só um processo de garantir transferência de riqueza para a oligarquia usurária e monopolista.
Segundo a CMVM, entre 2010 e 2013, o valor das ações das empresas cotadas na bolsa subiu de 193 224 milhões de euros para 229 285 milhões de euros, os seus proprietários aumentaram 36 061 M€ as suas fortunas (21,7% do PIB). O Governo recusa-se a lançar impostos sobre estas gigantescas mais-valias que, excluindo as pequenas poupanças, são transferidas para paraísos fiscais.
As dívidas à Segurança Social, muitas delas referentes a descontos feitos nos salários dos trabalhadores, faz perder todos os anos mais de 3.000 M€ de receitas. [6] A renegociação da dívida permitiria libertar até 5 600 M€; em 2013 foram entregues por conta das SWAP 1 008 M€ existindo 1 200 M€ de perdas potenciais que o Supremo Tribunal de Justiça confirmou ser uma dívida ilegítima. Em 2012 os benefícios fiscais às SPGS, escondidos pelo governo, mas revelado pelo Tribunal de Contas, ascenderam a 1 045 M€.
Relativamente ao orçamento de 2014, a CGTP elaborou um estudo em que sem austeridade poderia haver um aumento de receita do Estado de 10 313,5 M€. Tratava-se de tributar o grande capital, grandes lucros, transferências financeiras, progressividade do IRC. O documento previa também um desagravamento fiscal no IRS e no IVA permitindo aumentar o rendimento disponível das famílias em 3.482,4 M€, ou seja, um saldo de 6.831,1 M€. [7]
Mesmo que apenas 80% daquele montante se concretizasse, não seria necessária mais austeridade, seria possível repor o que foi anteriormente cortado e concretizar investimento público produtivo. Em abril de 2013 a CGTP calculava uma redução da despesa, no valor de 10.373 M€, nomeadamente com poupança nos juros da dívida, eliminação da sobretaxa da "ajuda" da troika (1.744,9 M€), eliminação de potenciais perdas do Estado com o BPN, eliminação dos benefícios fiscais e da dedução de prejuízos no sector financeiro, redução da TIR das PPP rodoviárias. [8]
A economia de um país deve ser avaliada pela forma como procede para a maioria da população. O seu nível civilizacional pela forma como trata os seus velhos, as suas crianças, os seus jovens. São estes, e os "doentes", que são considerados "interesses limitados".
Depois de uma década de estagnação, brutal agravamento dos défices da Balança Comercial, acumular de dívida, perda de potencial produtivo, a situação tornava-se insustentável como foi desde logo clarificado, sendo ridicularizado como "a cassete". A "solução" dos partidos da troika interna, perdidos no naufrágio neoliberal, foi aprovarem sucessivos PEC até ao pedido de intervenção da troika externa que só agravou o que então se propunha sanear.
Como no caso do navio negreiro, mantendo tudo igual era necessário atirar ao mar gente viva. O caminho seria evidentemente outro, mas quem põe de parte a análise marxista dificilmente entende que as conjunturas resultam das estruturas produtivas e modos de produção existentes.
Notas
[1] TVI-24, Olhos nos Olhos , 28/07/2014
[2] A segurança social é sustentável , Quem paga o Estado Social em Portugal? , Ed. Bertrand.
[3] De Carmona a Cavaco e à "salvação nacional
[4] Alternativas à dívida e sua renegociação ,
[5] O que o governo quer comemorar em 17/Maio/2014 , Eugénio Rosa
[6] A ignorância e a mentira na campanha de manipulação da opinião pública contra a Segurança Social , Eugénio Rosa
[7] Propostas da CGTP-IN para a política fiscal, Por uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza, Contra a Exploração e o Empobrecimento , Lisboa, 25/Outubro/2013
[8] Propostas da CGTP. In Contra a Exploração e o Empobrecimento, Uma vida melhor , Abril/2013
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aqui:http://resistir.info/v_carvalho/contas_m_carreira.html