Para que a gente escreve, se não é para juntar nossos
pedacinhos? Desde que entramos na escola ou na igreja, a educação nos
esquarteja: nos ensina a divorciar a alma do corpo e a razão do coração. Sábios
doutores de Ética e Moral serão os pescadores das costas colombianas, que
inventaram a palavra sentipensador para definir a linguagem que diz a verdade. Um
sistema de desvínculos: para que os calados não se façam perguntões, para que
os opinados não se transformem em opinadores. Para que não se juntem os solitários,
nem a alma junte seus pedaços. O sistema divorcia a emoção do pensamento como
divorcia o sexo do amor, a vida íntima da vida pública, o passado do presente.
Se o passado não tem nada para dizer ao presente, a história pode permanecer
adormecida, sem incomodar, nos guarda-roupas onde o sistema guarda seus velhos
disfarces. O sistema esvazia nossa memória, ou enche a nossa memória de lixo, e
assim nos ensina a repetir a história em vez de fazê-la. As tragédias se
repetem como farsas, anunciava a célebre profecia. Mas entre nós, é pior: as
tragédias se repetem como tragédias.
Eduardo galeano – livro dos abraços