quarta-feira, 12 de novembro de 2014

A troika interna e seus consensos (1)


por Daniel Vaz de Carvalho

 
Assim Deus me ajude, não vislumbro senão uma certa conspiração de ricos procurando suas próprias vantagens em nome e sob a tutela da comunidade. Inventam todos os meios e possibilidades (…) para usar e abusar do trabalho e labor dos pobres pelo mínimo possível de dinheiro. Esses planos quando o rico os decretou são tornados leis.
Thomas More, Utopia

(Numa sociedade dividida em classes) nada se pode dar a uma que não se tire a outra.
Marx, O 18 do Brumário de Luís Bonaparte 
 
1 – Existe uma troika interna?

A troika interna, PS, PSD, CDS, existe. A aparente veemência dos debates pode levar a pensar que não. Contudo as controvérsias entre estes partidos processam-se à volta dos mesmos conceitos de base neoliberal e do mesmo pensamento sobre a UE, sua burocracia e dogmatismo.

Tudo isto está refletido nas suas políticas quando no governo, nas suas votações na AR e no Parlamento Europeu. J. Seguro queria estabelecer consensos com o PSD; A. Costa quer que o PSD faça consensos com o PS. Francisco Assis, defendeu uma coligação governativa com o PSD. Ana Gomes afirmava que "o bloco central (governo PS-PSD) pode ser necessário. Não o descarto".

A troika interna constitui-se como garantia da democracia oligárquica. [1] As diferenças entre o PS e o governo não são maiores do que determinados elementos do PSD ou do CDS publicamente expressam. A UGT é o alter-ego sindical da troika interna e os consensos tornam-se claros nesse âmbito. A sua direção convidou para comemorações do 36º aniversário o primeiro-ministro, recebido com aplausos, tal como os discursos de membros do governo tão descredibilizados como Nuno Crato, Mota Soares e secretários de Estado convidados. Passos Coelho elogiou o papel da UGT nos acordos da "concertação social", em que foram retirados direitos e salários aos trabalhadores e atacada a contratação coletiva, considerando os seus elementos "aliados estratégicos" das políticas do governo.

O PS é um partido com raízes democráticas, algo que escapa a boa parte do PSD e do CDS, porém, servindo-se do anticomunismo liderou o processo de fusão ideológica com a direita e aprofundou a ligação ao grande capital monopolista e financeiro. A compensação foi um acumular de lugares de destaque, altamente remunerados, numa partilha de poder ao serviço do grande capital, como no falido Grupo Espírito Santo, em empresas monopolistas e onde o Estado tinha participações.

O PR, descredibilizado ao nível de um Américo Tomás antes do 25 de Abril, simples marioneta do governo nas suas políticas pró oligarquia, insiste no abafamento da democracia procurando formalizar a troika interna numa espécie de partido único neoliberal, um "consenso" que permita nova revisão da Constituição, concretizando os objetivos da atual maioria: para que cada parágrafo de defesa da democracia contenha a sua própria antítese, que direitos e garantias possam ser efetivamente condicionados pela maioria parlamentar.

A direita/extrema-direita no poder pretende uma democracia que funcione como ditadura do grande capital, é uma direita saudosista do antes do 25 de Abril, mas que aspira a não ser mais que um protetorado da potência europeia hegemónica. Eis para onde os apologistas da "economia de mercado" conduziram o país.

Ferro Rodrigues disse, e bem, que este governo põe em causa o regime democrático, mas como pensa impedi-lo? O PS tem uma visão minimalista da Constituição, as suas tergiversações no passado, o ter promovido e assinado na UE tratados que se sobrepõem à Constituição, a sua posição favorável ao catastrófico TTCI, [2] constituem perigos acrescidos para a democracia e soberania do país. A luta contra o espírito do 25 de Abril, a destruição dos seus avanços progressistas, implicou a aliança do PS com a direita e com a contra-revolução interna e externa, recusando qualquer convergência política à sua esquerda.

A troika interna tem seduzido o eleitorado, aclamando a "economia de mercado", a "estabilidade" e outros mitos como o da prosperidade pelo federalismo europeu e pela moeda única, máscaras para o domínio do grande capital. Em consequência, o país empobreceu drasticamente, dezenas de milhares de MPME foram levadas à falência, as camadas médias viram hipotecas a serem acionadas sobre o que pensavam ser seu. E tudo isto em nome da defesa da propriedade e do mercado.

Afinal, nem casas, nem empresas, nem outros bens ou rendimentos eram sua propriedade, eram crédito e o crédito tinha deixado de estar sob controlo ou mesmo regulação democrática: com apoio dos seus votos, tinha sido entregue à gula financeira. Foi esta a vitória que a oligarquia obteve graças alienação das camadas médias, em nome da "livre iniciativa" e contra o "Estado a mais". "Estado a mais" que seria a real garantia de proteção dos seus interesses.

Politicamente, o engenho de Passos Coelho é mentir compulsivamente, tal como a generalidade dos seus ministros. Queixou-se da comunicação social num descabelado ataque aos jornalistas. Não entende nada da vida – ou finge. Não percebe que os políticos da troika interna não passam de atores a quem os oligarcas entregam um guião. Pretendiam com o governo PSD-CDS a epopeia das "reformas estruturais", o drama épico dos "sacrifícios para todos". Afinal o elenco escolhido transformou-o numa farsada, desempenhada por "canastrões" de palco, perante um público que lhes voltou as costas, e já nem a claque se atreve a aplaudir incondicionalmente.

Os mesmos que elogiavam o Sócrates dos PEC transformaram-no depois em vilão. Quiseram fazer de Passos Coelho um herói shakespeariano, um Coriolano, (estou-me lixando para as eleições…), saiu-lhes um Tartufo mal talhado. A comunicação social controlada não defende políticos, defende políticas. Nos palcos da democracia oligárquica os seus políticos são meros atores prontos a serem substituídos. A mesma claque que tinha incensado como heróis da direita Cavaco Silva e Passos Coelho, assiste à pateada geral e vai preparando o público para outra encenação da mesma peça – o europeísmo neoliberal – com novo elenco, tendo como cabeça de cartaz o sr. António Costa.

2 – O CONSENSO NEOLIBERAL

O neoliberalismo é uma das componentes da troika interna. O PS clama contra o radicalismo ideológico do governo PSD-CDS, mas apenas contra esse radicalismo, pois os critérios ideológicos que segue, para além da cosmética pré-eleitoral, estão na mesma linha de pensamento, ligada à conformidade vigente na UE quanto à dívida, ao euro, à finança.

"O neoliberalismo representa hoje o principal perigo que ameaça a República, o extremismo mais subtil e mais incompreendido, portanto o mais subestimado, na sua capacidade destrutiva. Serve antes de mais os interesses da política estrangeira dos EUA e suas multinacionais. Mas é igualmente vantajosa para uma nova aristocracia apátrida, (…) que dirige os mercados e que domina os círculos mediáticos, económicos e políticos." [3]

O neoliberalismo serviu de máscara à vitória dos monopólios e da especulação à custa da austeridade para as camadas não monopolistas. Perante a ascensão do liberalismo, afirmou no seu tempo Abraham Lincoln: "Abandonámos o poder às grandes empresas e vamos conhecer uma onda de corrupção sem precedentes que vai infiltrar-se até os mais altos níveis do Estado. As forças do dinheiro vão tentar permanecer no poder excitando as classes sociais umas contra as outras, até que a riqueza fique concentrada em poucas mãos e a nossa República se afunde". [4]

O neoliberalismo representa uma espécie de feudalismo financeiro. Então os reis distribuíam o território da nação pela nobreza. Agora o poder político distribui o património público pela oligarquia. É este o significado das privatizações e das PPP, levadas a cabo por PS e PSD-CDS.

No feudalismo os camponeses tornavam-se servos, totalmente dependentes dos senhores e seus administradores. Hoje o proletariado torna-se totalmente dependente das novas formas de servidão impostas pela flexibilidade laboral. Num filme "made in Hollywood" expressa-se esta situação no seguinte diálogo: "A empresa é minha e eu despeço quem eu quiser". Ao que o advogado da empresa responde: "Não, é o patrão e tem o dever de ser imparcial". Ou seja, não deixa de poder despedir…segundo a sua "imparcialidade".

A política de direita proclama a "eficiência privada" e as teses antikeynesianas da "economia do lado da oferta", como argumento para favorecer os monopólios e a finança. As consequências desta política são a austeridade, forma perifrástica de espoliar a classe trabalhadora e as MPME, a favor do grande capital. O recurso á "austeridade" mostra como "só o roubo pode salvar a sociedade burguesa". (Marx) [5]

A política de direita resume-se, como se tem visto, a este roubo. A austeridade tem sido amplamente contestada demonstrando-se o seu não fundamento, a sua perversidade. Autores marxistas, keynesianos e outros nem uma coisa nem outra, têm-se pronunciado consistentemente no mesmo sentido. Mas a ortodoxia neoliberal não tolera a confrontação de ideias e aquilo que devia ser previamente justificado e demonstrado é assumido como uma verdade absoluta e um facto inevitável.

Os PEC representavam a linha neoliberal da UE e do FMI de privatizações, austeridade, apoio à finança, redução de impostos ao grande capital (isenções e benefícios às SPGS e à banca, livre transferência de rendimentos, etc.). Os PEC foram a antecâmara da troika. O falhanço destas medidas para resolver a crise capitalista levou a sucessivas revisões do "memorando" sempre com mais exigências, que prosseguem nos relatórios da OCDE, FMI, CE.

A direita/extrema-direita alcançou o governo, mentindo despudoradamente. Tinha então, ao abrigo da tão desejada e elogiada troika externa, a sua oportunidade para não deixar pedra sobre pedra do 25 de Abril, procurando até destruir o que de mais elementar a Constituição possui e a revisão das leis eleitorais. Conduziu o país ao descalabro e à perda de soberania, no caminho preparado pelo outro parceiro da troika interna.

Por cada euro retirado ao défice entre 2011 e 2014, a dívida pública aumentou 56 euros, os juros pagos atingiram 29 mil M€; 33,8 mil M€ desde 2010. Era este o "bom caminho" que os comentadores de serviço ao sistema aplaudiam dizendo que "estava a ser feito a que tinha de ser feito" e a maioria considera ser a "consolidação das contas públicas"!

Balança, défice, dívida não têm que ver com "falta de rigor", ou "peso do Estado". Mas sim com o euro, com a política do BCE a favor da especulação financeira. A Alemanha sabe-o bem, mas a sua intenção é tornar dependentes os países mais frágeis, apropriando-se da sua riqueza, nomeadamente através do endividamento, ser a potência europeia dominante, liderando os outros Estados através de governos submetidos aos seus critérios e ser o interlocutor privilegiado perante o imperialismo dos EUA.

O crescimento da pobreza e simultaneamente dos multimilionários mostra a ânsia de riqueza dos oligarcas e seus agentes políticos, indiferentes à miséria que originam, apoiados numa delirante propaganda e esquizofrénicos relatórios de instituições como a OCDE, FMI, CE. A ideologia ao serviço dos oligarcas perdeu toda a capacidade de entender a realidade.

Criam-se neologismos como a "flexisegurança", usam-se eufemismos como a "requalificação" para mascarar despedimentos, a estatística retira do rol do desemprego quem trabalhou uma hora remunerada no período. A social-democracia da troika interna fantasia um "capitalismo de rosto humano", quando este "rosto humano" só existiu como máscara por curtos períodos históricos, logo deixada cair assim que a relação de forças se lhe tornou favorável, graças ao anticomunismo da social-democracia/socialismo reformista e a sua rendição ao neoliberalismo.

A recessão, o desemprego mascarado com artifícios estatísticos, o rasgar do contrato social com as classes trabalhadoras, mostram as contradições e as consequências do sistema. Com a crescente decadência das camadas médias, das MPME, dos pequenos agricultores, as sociedades que assentam no grande capital monopolista e financeiro estão a desmoronar-se. O PS não mostra entender isto, donde a necessidade não das alternâncias da troika interna, mas de uma real alternativa política, económica e social, patriótica e de esquerda.
 

[1] Cretinismo parlamentar e democracia oligárquica
[2] Tratado Transatlântico de Comércio e Investimento. Ver: O tratado de comércio livre EUA-UE: a grande golpada e Le Monde Diplomatique, ed. portuguesa, junho 2014,
[3] Le fascisme réel , Maxime Chaix,
[4] Abraham Lincoln, citado por Chems E. Chitour, www.legrandsoir.info/...
[5] Marx, O 18 do Brumário de Luís Bonaparte, Obras Escogidas de Marx e Engels, Ed. Progreso, Moscovo, 1973, p. 495


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/


aqui:http://resistir.info/v_carvalho/troika_interna_1.html 

terça-feira, 11 de novembro de 2014

B-a-bá dos juros de uma dívida «nossa»



Disseram-nos que devíamos 220 mil milhões a alguém por andarmos a viver acima das nossas possibilidades. Não sabemos bem a quem devemos esse dinheiro, mas sabemos que nos vieram ajudar a pagar a dívida para podermos ter trabalho e salário. Bancos acorreram a salvar-nos, através do FMI, e emprestaram-nos 82 mil milhões de euros.

No entanto, a bondade, paga-se. Chama-se juro. E de juros, pelo dinheiro que nos emprestaram para nos ajudar temos que pagar 8,2 mil milhões. Por ano.

É verdade que nem eu, nem tu, nem todos os leitores deste blog juntos podemos imaginar o que são 8,2 mil milhões. Na verdade, estamos a falar de cerca de 10% do valor total do Orçamento do Estado. Vamos escrever por extenso, oito mil e duzentos milhões de euros, ou em algarismos à unidade do euro, 8 200 000 000 €.

Mas este número vai crescer. Porquê? Porque se pagam juros sobre os juros. Ou seja, pagamos os juros mas eles continuam a aumentar. Mas a tal dívida já está paga. Mas os juros não. Pois.

Mas então, em que é que se traduz um ano de juros que são pagos aos grandes bancos internacionais? O que é que significam estes números? Um ano de juros significa:

701 anos de apoio directo às artes em Portugal.

8 anos de medicamentos gratuitos em todos os hospitais para todos os portugueses.

25 anos de propinas gratuitas para todos, até ao doutoramento.

Reposição de 3 anos de cortes salariais  nos funcionários públicos.

60 vezes o valor da Empresa Geral de Fomento.

45 casas para cada sem-abrigo que existe em Portugal.

O abono de família tirado às crianças este ano e os próximos 389 anos de reposição.

Tudo isto com o dinheiro que se gasta num ano em juros da dívida. Este valor vai continuar a crescer. E a cada ano que passa, perdemos décadas ou séculos de investimento público em direitos constitucionais.

Cada português que trabalha paga 1640 euros por ano para os banqueiros e agiotas internacionais e nacionais, como os do BES, por exemplo.

Cada português, se dividirmos pelas crianças e jovens que ainda não trabalham, paga 820 euros por mês para esses banqueiros. Só em juros e comissões da dívida, sem contar as amortizações de capital.

De facto, vivemos acima das nossas possibilidades porque somos forçados a trocar um curso superior pelo que temos que pagar pelo BES.

Somos forçados a trocar tratamentos clínicos e medicamentosos pelo que o Governo nos obriga a pagar a bancos que financiam hospitais privados.

Somos forçados a viver pior para que poucos vivam bem.

Ainda acreditas que não há dinheiro para pagar salários? Ou agora percebes que há, está é no bolso dos ricos, e que foi tirado dos teus bolsos e posto nos deles pelo Governo? 
 
aqui:http://manifesto74.blogspot.pt/2014/11/sobre-o-orcamento-do-estado-para-2015.html

Queda do Muro virou mito de vencedores

09/11/2014 muro-berlim-queda

O noticiário internacional está marcado, nos últimos dias, pelas festividades comemorativas dos 25 anos da queda do Muro de Berlim. A maioria da imprensa celebra o evento com galhardia.

Trata-se, afinal, do símbolo mais emblemático da derrocada do socialismo e da possibilidade histórica de qualquer sistema distinto do capitalismo triunfante.

A conjugação de uma incrível máquina de propaganda com o complexo de vira-lata comum aos perdedores foi capaz de atrair para essa comemoração amplos setores progressistas e de esquerda, que simplesmente mandaram às favas qualquer espírito crítico.

Alguns porque honestamente concordam com a retórica sobre o muro maligno. Outros porque temem ser apontados como antidemocráticos e fora de moda.

A submissão intelectual chega ao ponto de não se questionar sequer a legitimidade dos grandes agitadores contra a obra do mal.

Onde está, afinal, a autoridade dos Estados Unidos e seus meios de comunicação?

No muro da morte que separa seu território dos aliados mexicanos, matando por ano os oitenta caídos durante três décadas na Berlim dividida?

Na base de Guantánamo, onde centenas de muçulmanos estão presos sem o devido processo legal e são sistematicamente torturados?

Ou teria a Europa ocidental mais credibilidade, com sua política discriminatória contra os imigrantes?

Ou ainda Israel, pródigo em adotar práticas de pogrom contra os palestinos e expeditivos em construir sua própria muralha de isolamento dos territórios ocupados?

A lista de participantes desse festim é bastante longa, vários com muitas contas a acertar, e de cada qual deveria ser solicitado o devido atestado de idoneidade.

Não é o caso, obviamente, de se justificar um pecado com outro, mas evitar comportamentos cuja índole é hipócrita.

Vamos aos fatos, portanto.

O Muro de Berlim costuma ser apresentado, pelos campeões da liberdade, como produto de um sistema político tirânico, cuja natureza seria a divisão dos povos e sua subordinação ao tacape de uma ideologia totalitária.

Quando terminou a 2ª Guerra Mundial, a Alemanha foi dividida em quatro zonas de influência, entre norte-americanos, ingleses, franceses e soviéticos.

A capital histórica, Berlim, pertencente ao território controlado pelo Exército Vermelho, acabou igualmente repartida em áreas controladas pelos países vitoriosos.

Quem se der ao trabalho de ler as atas das conferências de Ialta, Potsdam e Teerã, se dará conta que Moscou era contrário a essa divisão.

Sua proposta era dotar a Alemanha de um governo provisório, sem divisão do território, que organizasse em dois anos um processo eleitoral nacional.

Os demais aliados, temerosos que o país caísse nas mãos dos comunistas, exigiram o modelo adotado.

A União Soviética acatou, depois que viu garantido seu direito de hegemonia sobre os demais países fronteiriços, além de preservado seu controle militar sobre a antiga Prússia Oriental.

Em nome de sua política de segurança e da manutenção da aliança que derrotou o nazismo, abdicou de parte da sua influência na porção ocidental da Alemanha e do antigo Império Austro-Húngaro, apesar de os comunistas já serem maioria na Áustria.

Outro compromisso que constava da agenda pós-guerra era a constituição de um fundo mundial para a reconstrução europeia.

O papel principal, nesse trâmite, cabia aos Estados Unidos, a potência que menos havia sofrido com o esforço de combate, cuja economia havia sido vitaminada pelo conflito e dispunha de imensos recursos financeiros.

Mas a vitória eleitoral dos comunistas na então Tchecoslováquia, seguida de resultados espetaculares na Itália e França, em 1946, provocou uma reviravolta.

A Casa Branca decidiu-se por quebrar o pacto da reconstrução e inundar de financiamento apenas sua área de influência, dando origem ao Plano Marshall, em 1947. Cerca de 140 bilhões de dólares, em valores atualizados, foram injetados no ocidente europeu.

Tinha início a chamada Guerra Fria, antecipada, em março de 1946, pelo famoso discurso de Winston Churchill em Fulton.

A União Soviética, que havia arcado com um incalculável custo humano e material ao ser o grande vetor da vitória contra Hitler, passou a enfrentar uma outra guerra, financeira e de sabotagem, contra suas posições.
 Especialmente na Alemanha Oriental, constituída em 1949 como República Democrática da Alemanha.

A estratégia norte-americana era roubar os melhores profissionais alemães, atrai-los a peso de ouro a partir de sua cabeça-de-ponte em Berlim Ocidental, que recebia aportes formidáveis para ser exibida como vitrine esplendorosa da pujança capitalista.

A fuga de cérebros e braços asfixiava a jovem RDA, que pouco podia contar com a ajuda material soviética, pois estava o Kremlin às voltas com o dificílimo reerguimento do próprio país.

Foram mais de 12 anos em uma batalha árdua e desigual.

A URSS tinha quebrado a máquina de guerra do nazismo, retesando cada músculo e cada nervo da nação, e se via diante de uma situação que poderia levar à desestabilização de suas fronteiras, exatamente a aposta maior da Casa Branca.

Essa escalada teve seu desfecho no dia 13 de agosto de 1961, data inaugural do Muro de Berlim.

O fluxo entre os dois países e as duas áreas da antiga capital foi militarmente interrompido, obstaculizado por uma construção que chegou a ter 66,5 km de redeamento metálico e murado.

Famílias e amigos foram separados por quase 30 anos.

Aprofundou-se a fratura entre ocidente e oriente na Europa.

Uma nação histórica foi dividida. Oitenta pessoas morreram e 142 ficaram feridas ao tentar ultrapassar o muro, finalmente derrubado em 1989.

Sua construção foi um ato de guerra, mas de caráter defensivo. As hostilidades e operações de sabotagem, que impediram a permanência de uma Alemanha unida e a coexistência pacífica de dois sistemas, foram iniciadas pelas potências que romperam o acordo de paz, impondo ao leste europeu e socialista, com sua economia ferida pela guerra, um longo estado de exceção.

Claro, havia outras alternativas.

A URSS e seus aliados poderiam, por exemplo, ter capitulado de antemão à ideia de desenvolver outro sistema de produção e poder, pois era essa tentativa dissidente o motivo da Guerra Fria. Afinal, não foi assim que tudo terminou, lá se vão 25 anos?

Mas com seus erros e seus acertos, suas glórias e seus desastres, seus feitos e até seus crimes, o socialismo foi, durante gerações, a bandeira e o sonho de povos que aceitaram pagar com sacrifício, dor e sangue por um outro mundo possível.

Teria sido impensável, se assim não fosse, a extraordinária vitória na guerra de trinta anos que vai da Revolução Russa à caída de Berlim nas mãos do Exército Vermelho, em 1945.

O muro de Berlim talvez tenha sido a criatura disforme de um processo no qual seus protagonistas tiveram que enfrentar circunstâncias e teatros de batalha escolhidos, no fundamental, por inimigos poderosos.

De certo modo foi, durante décadas, marco de resistência e de equilíbrio entre dois sistemas. Caiu quando a força propulsora de um dos lados já tinha se esgotado.

O resto é a mitologia dos vencedores.

Observação: este texto é uma adaptação, com poucas alterações, de artigo que escrevi há cinco anos. Também foram poucas as mudanças na narrativa tendenciosa e falsificada dos fenômenos históricos que precederam a queda do Muro de Berlim.

aqui:http://operamundi.uol.com.br/brenoaltman/2014/11/09/queda-muro-virou-mito-de-vencedores/

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

O principal Estado terrorista


por Noam Chomsky [*]
 
. "É oficial: Os EUA são o principal Estado terrorista do mundo, e orgulhosos disso".

Esta deveria ter sido a manchete da notícia principal no New York Times de 15 de Outubro, a qual foi polidamente intitulada: "Estudo da CIA da ajuda encoberta alimenta cepticismo acerca do apoio a rebeldes sírios".

O artigo informa sobre uma revisão da CIA das recentes operações encobertas dos EUA a fim de determinar a sua eficácia. A Casa Branca concluiu que infelizmente os êxitos foram tão raros que alguma reconsideração desta política era pertinente.

O artigo citava o presidente Barack Obama a dizer que pedira à CIA para efectuar a revisão a fim de descobrir casos de "financiamento e fornecimento de armas a insurgências num país que realmente tivesse funcionado bem. E eles não puderam sugerir muito". Assim, Obama tem alguma relutância quanto à continuação de tais esforços.

O primeiro parágrafo do artigo do Times menciona três grandes exemplos de "ajuda encoberta": Angola, Nicarágua e Cuba. Cada caso foi de facto uma grande operação terrorista dirigida pelos EUA.

Angola foi invadida pela África do Sul, a qual, segundo Washington, estava a defender-se de um dos "mais notórios grupos terroristas" do mundo – o African National Congress, de Nelson Mandela. Isso foi em 1988.

Nessa altura a administração Reagan estava virtualmente isolada no seu apoio ao regime do apartheid, violando mesmo sanções do Congresso quanto ao aumento do comércio com o seu aliado sul-africano.

Enquanto isso Washington somava-se à África do Sul ao proporcionar apoio crucial ao exército terrorista de Jonas Savimbi, em Angola. Washington continuou a fazer isso mesmo depois de Savimbi ter sido completamente derrotado numa eleição livre cuidadosamente monitorada e de a África do Sul ter retirado seu apoio. Savimbi foi um "monstro cuja sede de poder trouxe miséria espantosa ao seu povo", nas palavras de Marrack Goulding, embaixador britânico em Angola.

As consequências foram horrendas. Em 1989 uma investigação da ONU estimava que as depredações sul-africanas levaram a 1,5 milhão de mortes em países vizinhos, sem falar no que estava a acontecer dentro da própria África do Sul. Forças cubanas finalmente repeliram os agressores sul-africanos e obrigaram-nos a retirarem-se da Namíbia ocupada ilegalmente. Os EUA sozinhos continuaram a apoiar o monstro Savimbi.

Em Cuba, após a fracassa invasão da Baia dos Porcos, em 1961, o presidente John F. Kennedy lançou uma campanha assassina e destrutiva para levar "os terroristas da terra" para Cuba – palavras de um colaborador próximo de Kennedy, o historiador Arthur Schlesinger, na sua biografia semi-oficial de Robert Kennedy, ao qual foi atribuída responsabilidade pela guerra terrorista.

As atrocidades contra Cuba foram graves. Os planos eram para que o terrorismo culminasse num levantamento em Outubro de 1962, o qual levaria a uma invasão dos EUA. Nesta altura, meios académicos reconhecem que isto foi uma das razões porque o primeiro-ministro russo Nikita Khruschev instalou mísseis em Cuba, iniciando uma crise que esteve perigosamente próxima da guerra nuclear. O secretário da Defesa dos EUA Robert McNamara posteriormente reconheceu que se tivesse estado no lugar de um líder cubano "podia ter esperado uma invasão estado-unidense".

Ataques americanos contra Cuba continuaram durante mais de 30 anos. O custo para os cubanos foi naturalmente rude. Os relatos das vítimas, que dificilmente alguma vez são ouvidos nos EUA, foram relatados em pormenor pela primeira vez num estudo de 2010 do académico canadiano Keith Bolender, "Voices From the Other Side: an Oral History of Terrorism Against Cuba".

O custo da longa guerra terrorista foi ampliado por um embargo esmagador, o qual continua ainda hoje em desafio ao mundo. Em 28 de Outubro, a ONU, pela 23ª vez, endossou "a necessidade de acabar o bloqueio económico, comercial e financeiro imposto pelos Estados Unidos contra Cuba". A votação foi de 188 contra 2 (EUA, Israel), com abstenção de três ilhas do Pacífico dependentes dos EUA.

Há agora alguma oposição ao embargo em altos postos nos EUA, informa a ABC News, porque "já não é mais útil" (citando o novo livro de Hillary Clinton, "Hard Choices"). O académico francês Salim Lamrani analisou os custos amargos para os cubanos no seu livro de 2013, "The Economic War Against Cuba".

A Nicarágua nem precisaria ser mencionada. A guerra terrorista do presidente Ronald Reagan foi condenada pelo Tribunal Mundial, o qual ordenou aos EUA que terminassem o seu "uso ilegal da força" e pagassem reparações substanciais.

Washington respondeu escalando a guerra e vetando uma resolução de 1986 do Conselho de Segurança da ONU conclamando todos os estados – o que significava os EUA – a cumprirem o direito internacional.

Outro exemplo de terrorismo será assinalado em 16 de Novembro, o 25º aniversário do assassinato de seis padres jesuítas em San Salvador por uma unidade terrorista do exército salvadorenho, armada e treinada pelos EUA. Por ordens do alto comando militar, os soldados invadiram a universidade jesuíta para assassinar os padres e quaisquer testemunhas – incluindo o caseiro do prédio e sua filha.

Este evento culminou nas guerras terroristas dos EUA na América Central na década de 1980, embora os efeitos ainda estejam nas primeiras páginas de hoje em reportagens sobre "imigrantes ilegais", a fugirem em não pequena medida das consequências daquela carnificina e a serem deportados dos EUA para sobreviverem, se puderem, nas ruínas dos seus países de origem.

Washington também emergiu como o campeão mundial na geração de terror. O antigos analista da CIA Paul Pillar adverte do "impacto da geração de ressentimentos devido aos ataques estado-unidenses" na Síria, os quais mais uma vez induzem as organizações jihadistas Jabhat al-Nusra e Islamic State a "emendar suas violações do ano passado e fazerem campanha em conjunto contra a intervenção dos EUA retratando-a como uma guerra contra o Islão!

Isto agora é uma consequência habitual das operações dos EUA que ajudaram a alastrar o jihadismo de um canto do Afeganistão para grande parte do mundo.

A actual manifestação mais temível de jihadismo é o Estado Islâmico, ou ISIS, o qual estabeleceu seu califado assassino em grandes áreas do Iraque e da Síria.

"Penso que os Estados Unidos são um dos criadores chave desta organização", relata o antigo analista da CIA Graham Fuller, um eminente comentador acerca da região. "Os Estados Unidos não planearam a formação do ISIS", acrescenta, "mas suas intervenções destrutivas no Médio Oriente e a Guerra do Iraque foram as causas básicas do nascimento do ISIS".

A isto podemos acrescentar a maior campanha terrorista do mundo: o projecto global de Obama de assassínio de "terroristas". Os "impactos da geração de ressentimentos" com os ataques de drones e forças especiais são demasiado bem conhecidos para exigirem comentários adicionais.

Isto é um recorde a ser contemplado com algum pavor.
03/Novembro/2014 
 
[*] Professor emérito de linguística e filosofia no Massachusetts Institute of Technology, in Cambridge. Seu livro mais recente é Power Systems: Conversations on Global Democratic Uprisings and the New Challenges to U.S. Empire. Interviews with David Barsamian .

O original encontra-se em www.truth-out.org/opinion/item/27201-the-leading-terrorist-state


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/


aqui:http://resistir.info/eua/chomsky_03nov14.html 

terça-feira, 4 de novembro de 2014

A agenda real da Fundação Gates


por Jacob Levich [*]

 
"Agências do governo dos EUA têm um longo historial na investigação de armas biológicas alegadamente defensivas em laboratórios sitos na Libéria e Serra Leoa. Isto inclui o Center for Disease Control and Prevention (CDC), o qual é agora a agência de ponta para administrar o alastramento do ébola dentro dos EUA.
Por que a administração Obama despachou tropas para a Libéria quando elas não têm qualquer treino para tratamentos médicos nos africanos que estão a morrer? Como é que o ébola do Zaire, onde foi identificado pela primeira vez em 1976, foi para a África Ocidental a cerca de 3.500 km de distância?"

Prof. Francis Boyle, da Universidade de Illinois.

"Está a tentar encontrar lugares onde o dinheiro terá a máxima alavancagem, como se pode salvar o máximo de vida por dólar, por assim dizer", observou Pelley. "Certo. E transformar as sociedades", respondeu Gates. [1]

Em 2009 o auto-designado "Good Club" – uma reunião das pessoas mais ricas do mundo cujo valor líquido colectivo totalizava então uns US$125 mil milhões – encontrou-se a portas fechadas em Nova York para discutir uma resposta coordenada a ameaças apresentadas pela crise financeira global. Liderado por Bill Gates, Warren Buffett e David Rockfeller, o grupo resolveu descobrir novos meios de tratar as fontes de descontentamento no mundo em desenvolvimento, em particular a "superpopulação" e as doenças infeccionas. [2] Os bilionários presentes comprometeram-se a despesas maciças em áreas do seu próprio interesse, sem levar em consideração as prioridades de governos nacionais e de organizações de ajuda existentes. [3]

Pormenores da cimeira secreta escaparam para a imprensa e foram saudados como um ponto de viragem para a Grande Filantropia. Foi dito que fundações burocráticas tradicionais como a Ford, Rockefeller e Carnegie render-se-iam ao "filantrocapitalismo", uma nova abordagem muscular para a caridade na qual as presumidas qualificações empresariais de bilionários seriam aplicadas directamente aos mais prementes desafios do mundo.

Os filantrocapitalistas de hoje vêem um mundo cheio de problemas que eles, e talvez apenas eles, podem e devem endireitar. ... A sua filantropia é "estratégica", "consciente do mercado", "orientada pelo impacto", "baseada no conhecimento", muitas vezes de "alto compromisso" e sempre conduzida pelo objectivo de maximizar a "alavancagem" do doador do dinheiro. ... Os filantrocapitalistas tentam cada vez mais encontrar meios de aproveitar a motivação do lucro para alcançar o bem social. [4]

Exercendo "enorme poder que podia remodelar nações de acordo com a sua vontade", [5] os doadores bilionários agora abraçariam abertamente não só a teoria baseada no mercado como também as práticas e normas organizacionais do capitalismo corporativo. Contudo, o impulso geral das suas caridosas intervenções permaneceria coerente com as antigas tradições da Grande Filantropia, como discutido abaixo:

I. The World's Largest Private Foundation (A maior fundação privada do mundo)
II. Fundações e imperialismo
III. Gates and Big Pharma (Gates e a grande indústria farmacêutica)
IV. A Broader Agenda (Uma agenda mais vasta)



(...)
II. Fundações e imperialismo

Quando aqueles que têm agressivamente estabelecido e mantido monopólios a fim de acumular vastos capitais viram-se para actividades caritativas, não precisamos assumir que os seus motivos são humanitários. [21] Na verdade, em certas ocasiões estes "filantropos" definem seus objectivos mais directamente como fazer o mundo mais seguro para a sua espécie. Numa carta publicada no sítio web da sua Fundação, Bill Gates invoca "o auto-interesse esclarecido dos ricos do mundo" e adverte que "se as sociedades não puderem proporcionar saúde básica para as pessoas, se não puderem alimentá-las e educá-las, então suas populações e problemas crescerão e o mundo será um lugar menos estável". [22]

O padrão de tais actividades "filantrópicas" foi estabelecido nos EUA cerca de um século atrás, quando barões industriais tais como Rockefeller e Carnegie estabeleceram as fundações que portam os seus nomes, seguidas em 1936 pela Ford. Como argumentou Joan Roelofs, [23] durante o século passado a filantropia privada em grande escala desempenhou um papel crítico a níivel mundial a fim de assegurar a hegemonia das instituições neoliberais enquanto reforçava a ideologia da classe dominante ocidental. Redes entrelaçadas de fundações, ONG patrocinadas por fundações e instituições do governo dos EUA como a National Endowment for Democracy (NED) – notória como um "passador" para fundos da CIA – trabalham de mãos dadas com o imperialismo, subvertendo estados e movimentos sociais populares através da cooptação de instituições consideradas úteis à estratégia global dos EUA. Em casos extremos mas não pouco frequentes, fundações colaboraram activamente em operações de mudança de regime administradas pela inteligência dos EUA. [24]

O papel da Grande Filantropia, entretanto, é mais vasto. Mesmo esforços aparentemente benignos de fundações, tais como o combate contra doenças infecciosas, podem ser melhor entendidos quando colocados nos seus contextos históricos e sociais específicos. Recordar que escolas de medicina tropical foram estabelecidas nos EUA no fim do século XIX com o objectivo explícito de aumentar a produtividade de trabalhadores colonizados e ao mesmo tempo garantir a segurança dos seus supervisores brancos. Como escreveu um jornalista em 1907:

A doença ainda dizima populações nativas e remete para casa homens dos trópicos prematuramente velhos e desgastados. Até que o homem branco tenha a chave para o problema, esta mancha deve permanecer. Colocar grandes porções do globo debaixo do domínio do homem branco tem um toque grandiloquente; mas a menos que tenhamos os meios de melhorar as condições dos habitantes, isto é pouco mais do que uma jactância vazia. [25]

Precisamente este raciocínio fundamentou a formação da Fundação Rockfeller, a qual foi incorporada em 1913 com o objectivo inicial de erradicar a ténia (hookworm), a malária e a febre amarela. [26] No mundo colonizado as medidas de saúde pública encorajadas pela Comissão Internacional de Saúde da Rockfeller proporcionavam aumentos na extracção do lucro, pois a cada trabalhador agora podia ser pago menos por unidade de trabalho, "mas com força acrescida era capaz de trabalhar mais arduamente e mais tempo e recebia mais dinheiro no seu envelope de pagamento". [27] Além da eficiência aumentada do trabalhador – a qual não era necessariamente um desafio crítico para o capital em regiões onde vastas reservas de trabalhadores sub-empregados estavam disponíveis para exploração – os programas de investigação de Rockfeller prometiam maior alcance para futuras aventuras militares dos EUA no Sul Global, onde exércitos de ocupação muitas vezes ficaram incapacitados devido a doenças tropicais. [28]

Como Rockfeller expandiu seus programas internacionais de saúde em coordenação com agências dos EUA e outras organizações, foram obtidas vantagens adicionais para o núcleo imperial. A medicina moderna publicitava os benefícios do capitalismo para povos "retrógrados", minando sua resistência à dominação por potências imperialistas e criando ao mesmo tempo uma classe profissional nativa cada vez mais receptiva ao neocolonialismo e dependente da generosidade estrangeira. O presidente da Rockfeller observou em 1916: "Para os objectivos de apaziguar povos primitivos e suspeitosos, as medicinas têm algumas vantagens sobre metralhadoras". [29]

Após a II Guerra Mundial, a filantropia da saúde pública tornou-se estreitamente alinhada à política externa dos EUA pois o neocolonialismo abraçou a retórica, se não o conteúdo, do "desenvolvimento". Fundações colaboraram com a Agency for International Development (USAID) no apoio a intervenções destinadas a aumentar a produção de matérias-primas ao mesmo tempo que criavam novos mercados para bens manufacturados ocidentais. Uma secção da classe dominante dos EUA, representada mais destacadamente pelo secretário de Estado George Marshall, argumentou que "aumentos na produtividade do trabalho tropical exigiriam investimentos em infraestrutura social e económica incluindo maiores investimentos em saúde pública". [30]

Enquanto isso, o seminal Relatório Gaither, encomendado em 1949 pela Fundação Ford, encarregou a Grande Filantropia de avançar com o "bem estar humano" a fim de resistir à "maré do comunismo ... na Ásia e na Europa". [31] Em 1956, um relatório do International Development Administration Board para o presidente dos EUA enquadrou abertamente a assistência à saúde pública como uma táctica de ajuda à agressão militar ocidental na Indochina:

Áreas que à noite eram inacessíveis devido à actividade do Viet Minh, durante o dia recebiam bem as equipes de pulverização de DDT que combatiam a malária. ... Nas Filipinas, programas semelhantes tornam possível a colonização de muitas áreas anteriormente não habitadas e contribuem grandemente para a conversão de terroristas Huk em pacíficos proprietários de terra. [32]

Durante algum tempo, portanto, a filantropia ocidental actuou para modelar sistemas de saúde pública em países pobres, por vezes condescendendo em ceder o controle da infraestrutura e do pessoal treinado a ministérios da saúde nacionais. [33] Embora o investimento real em cuidados de saúde do Terceiro Mundo fosse escasso em comparação com as promessas extravagantes da retórica da Guerra Fria, alguma resposta a crises de saúde em países pobres foi considerada necessária no contexto da luta do pós-guerra por "corações e mentes".

A queda da União Soviética abriu a presente fase da filantropia em saúde pública, caracterizada pela exigência ocidental de "governação da saúde pública" – alegadamente como uma resposta à difusão de doenças comunicáveis acelerada pela globalização. A saúde foi redefinida como uma preocupação de segurança; o desenvolvimento do mundo é retratado como uma fervilhante placa de Petri de SARS (Síndrome Respiratória Aguda Grave), SIDA e infecções tropicais, alastrando "doença e morte" por todo o globo [34] e exigindo que potências ocidentais estabeleçam sistemas de saúde centralizados destinados a "ultrapassar os constrangimentos da soberania estatal". [35] Intervenções imperiais no campo da saúde são justificadas nos mesmos termos das recentes intervenções militares "humanitárias": "Interesses nacionais agora obrigam a que países se empenhem internacionalmente na responsabilidade de proteger contra ameaças à saúde importadas ou de ajudar a estabilizar conflitos externos de modo a que não possam perturbar a segurança global ou o comércio ". [36]

Proporcionar apoio a operações para cuidados de saúde nacionais já não está na agenda; ao contrário – em conformidade com programas de ajustamento estrutural que exigiram ruinosos desinvestimentos em saúde pública por todo o mundo em desenvolvimento [37] – ministérios da saúde são rotineiramente ultrapassados ou comprometidos através de "parcerias público-privadas" e esquemas semelhantes. Quando sistemas nacionais de saúde são esvaziados, as despesas de saúdo de países doadores e fundações privadas ascenderam dramaticamente. [38] Na verdade, o Council on Foreign Relations, com sede nos EUA, prevê um definhamento do serviços de saúde patrocinados pelo estado, a serem substituídos por um regime supranacional de "novas estruturas legais, parcerias público-privadas, programas nacionais, mecanismos de financiamento inovadores e maior empenhamento por parte de organizações não governamentais, fundações filantrópicas e corporações multinacionais". [39]

O caso exemplar de filantropia na era da governação global da saúde é a Fundação Gates. Amplamente dotada, basicamente livre de responsabilidades, não tolhida pelo respeito para com a democracia ou a soberania nacional, a flutuar livremente entre as esferas pública e privada, está posicionada do modo ideal para intervir com ligeireza e decisivamente em prol dos interesses que ela representa. Como observou Bill Gates: "Não vou ser posto fora do governo em eleições". [40] Relacionamentos de trabalho estreitos com a ONU, os EUA e instituições da UE, bem como poderosas corporações multinacionais, dão à BMGF (Bill & Melinda Gates Foundation) uma capacidade extraordinárias para harmonizar complexas agendas que se sobrepõem, assegurando que as ambições de corporações e dos EUA sejam avançadas em simultâneo. Para melhor entendimento de como opera a BMGF e no interesse de quem, vale a pena examinar os programas de vacinas global da Fundação, onde até recentemente o grosso do seu dinheiro e do seu músculo foi exercido.
 

Notas:
1. "The Gates Foundation: Giving Away a Fortune," CBS 60 Minutes , Sept. 30, 2010, www.cbsnews.com/news/the-gates-foundation-giving-away-a-fortune/3/ .
2. Paul Harris, "They're Called The Good Club – And They Want to Save the World," Guardian , May 30, 2009, /www.theguardian.com/world/2009/may/31/new-york-billionaire-philanthropists .
3. Andrew Clark, "US Billionaires Club Together," Guardian , Aug. 4, 2010, www.theguardian.com/technology/2010/aug/04/us-billionaires-half-fortune-gates .
4. Matthew Bishop and Michael Green, Philanthrocapitalism: How Giving Can Save the World (2008), pp. 3, 6.
5. Harris, op cit.
21. As pretensões ocasionais a Fundação gates à caridade desinteressada são desmentidas pelas políticas do seu consórcio (trust), o qual investe fortemente em "companhias que contribuem para o sofrimento em saúde, habitação e bem-estar social que a fundação esta a tentar aliviar". Andy Beckett, "Inside the Bill and Melinda Gates Foundation," Guardian , July 12, 2010, www.theguardian.com/world/2010/jul/12/bill-and-melinda-gates-foundation .
22. Bill Gates, Annual Letter 2011, www.gatesfoundation.org/... .
23. Foundations and Public Policy: The Mask of Pluralism (SUNY Series in Radical Social and Political Theory 2003); ver também "New Study on the Role of US Foundations," Aspects of India's Economy No. 38, Dec., 2004, rupe-india.org/38/foundations.html .
24. Ex.: "Na Indonésia as redes de conhecimento patrocinadas pela Fundação Ford trabalharam para minar o governo neutralista de Sukarno que desafiou a hegemonia dos EUA. Ao mesmo tempo, a Ford treinava economistas (tanto na Universidade da Indonésia como em universidades estado-unidenses) para um futuro regime apoiante do imperialismo capitalista". Roelofs, "Foundations and American Power ," Counterpunch , April 20-22, 2012, www.counterpunch.org/2012/04/20/foundations-and-american-power/ .
25. Citado em E. Richard Brown, "Public Health in Imperialism: Early Rockefeller Programs at Home and Abroad", Am J Public Health , 1976 September; 66(9): 897–903, 897.
26. Desde os seus dias mais primitivos a filantropia de Rockfeller ocultava também uma agenda interna. A Fundação foi forçada a retratar-se do patrocínio de investigação no campo das relações trabalhistas depois de o Relatório da Walsh Commission de 1916 descobriu que estava "a corromer fontes de informação pública" num esforço para encobrir práticas de negócios predatórias e violência industrial. Jeffrey Brison, Rockefeller, Carnegie, and Canada , Montreal: McGill-Queen's University Press, 2005, p. 35.
27. E. Richard Brown, op. cit. , p. 900.
28. David Killingray, "Colonial Warfare in West Africa 1870-1914," reprinted in J. A. de Moor & H.L. Wesseling, eds., Imperialism and War , Leiden : E.J. Brill : Universitaire pers Leiden, 1989, pp. 150-151.
29. E. Richard Brown, op. cit. , p. 900.
30. Randall Packard, "Visions of Postwar Health and Development and Their Impact on Public Health Interventions in the Developing World," reprinted in Frederick Cooper & Randall Packard, International Development and the Social Sciences , Berkeley: Univ. of California Press, 1997, p. 97. Num discurso em 1948 ao Quarto Congresso Internacional de Doenças Tropicais e Malária, Marshal, um dos principais arquitectos da política dos EUA durante os primeiros anos da Guerra Fria, esboçou uma visão grandiosa de cuidados de saúde sob o capitalismo "esclarecido": "É preciso pouca imaginação para visualizar o grande aumento na produção de alimentos e matérias-primas, o estímulo ao comércio mundial e, acima de tudo, a melhoria nas condições de vida, com as consequente vantagens culturais e sociais, que resultaria da conquista das doenças tropicais". Ibid ., p. 97.
31. Report of the Study for the Ford Foundation on Policy and Program , Detroit: Ford Foundation, November, 1949, p. 26, www.fordfoundation.org/pdfs/about/Gaither-Report.pdf .
32. Citado em Packard, op. cit ., p. 99.
33. Wilbur G. Downs, M.D., "The Rockefeller Foundation Virus Program 1951-1971 with Update to 1981", Ann. Rev. Med. 1982 33:1-29, 8.
34. Andrew F. Cooper and John J. Kirton, eds., Innovation in Global Health Governance: Critical Cases , Aldershot: Ashgate Publishing, 2009, ch. 1.
35. Michael A. Stevenson & Andrew F. Cooper, "Overcoming Constraints of State Sovereignty: Global Health Governance in Asia", Third World Quarterly , vol. 30, no. 7, 3009, pp. 1379-1394.
36. Thomas E Novotny et al., "Global health diplomacy– a bridge to innovative collaborative action," Global Forum Update on Research for Health, vol. 5, 2008, p. 41. (Emphasis added.)
37. Ver Ann-Louise Colgan, Hazardous to Health: The World Bank and IMF in Africa , Africa Action position paper, April 18, 2002, h www.africafocus.org/docs02/sap0204b.php .
38. Global Health Watch, pp. 210-11.
39. David P. Fidler, The Challenges of Global Health Governance , CFR Working Paper, May, 2010, http://www.cfr.org/global-governance/challenges-global-health-governance/p22202 .
40. Entrevista com Bill Gates, NOW with Bill Moyers , May 9, 2003, transcript of television interview, http://www.pbs.org/now/transcript/transcript_gates.html .


Ver também:

  • Ebola, Cuba and capitalism

  • U.S. is Responsible for the Ebola Outbreak in West Africa

    [*] O autor vive em Nova York e tem escrito sobre a estratégia militar imperialista , jlevich@earthlink.net

    O original encontra-se em http://www.rupe-india.org/57/gates.html


    Este artigo encontra-se em http://resistir.info/
  •  
  • aqui:http://resistir.info/eua/gates_out14.html 
  • segunda-feira, 3 de novembro de 2014

    Amar em tempos de guerra

    por 

    «Vós, que surgireis do marasmo em que perecemos, lembrai-vos também, quando falardes das nossas fraquezas, lembrai-vos dos tempos sombrios de que pudestes escapar. Íamos, com efeito, mudando mais frequentemente de país do que de sapatos, através das lutas de classes, desesperados, quando havia só injustiça e nenhuma indignação. E, contudo, sabemos que também o ódio contra a baixeza endurece a voz. Ah, os que quisemos preparar terreno para a bondade não pudemos ser bons. Vós, porém, quando chegar o momento em que o homem seja bom para o homem, lembrai-vos de nós com indulgência.»

    O ódio que nos impõem

    Não sei quanta dor terá suportado Bertolt Brecht para arrancar da sementeira poética este apelo à compreensão das gerações futuras. Entre a engenharia memorialista, a cultura burguesa entretém-se a ocultar mensagens ou objectos para que num tempo que eles querem que não seja muito diferente deste sejam exaltados os valores do capitalismo. Se, entretanto, o céu for tomado de assalto, quando destaparem a miséria em que nos mergulharam durante séculos, toda a quinquilharia desenterrada ajudará a compreender o desabafo do poeta.

    Toda a violência foi-nos imposta pelos que desde sempre nos esmagaram. A que usaram para nos oprimir e a que usámos para nos libertar. A desigualdade é a parteira da violência. É tão simples que, em 1965, um padre colombiano dirigiu-se ao povo através dos ecrãs e simplificou a questão: «Devemos perguntar à oligarquia como é que vai ceder o poder. Se o vai ceder de forma pacífica, tomamo-lo de forma pacífica. Mas se ela o fizer de forma violenta então vamos tomá-lo de forma violenta». E se há país onde se aprende rapidamente que os direitos não se mendigam é na Colômbia.

    Ao contrário da Europa Ocidental onde a burguesia cedeu avanços sociais para enfraquecer o prestígio do movimento operário alicerçado na vitória da URSS sobre o nazi-fascismo, a América Latina viveu a segunda metade do século XX afogada em sangue. O desaparecimento de dezenas de estudantes mexicanos, provavelmente assassinados pelo narcotráfico, é a importação para aquele país de práticas que na Colômbia há muito são comuns. O tráfico de droga pelas máfias organizadas tem vínculos directos com o Estado. Desde a polícia, passando por autarcas e deputados, as instituições são a arma da burguesia para esmagar os protestos da classe trabalhadora e dos povos.

    Às vezes, nas circunstâncias mais difíceis, não há escolha. Em 1936, as centenas de operários que chegaram a Barcelona vindos de vários países para participar em provas desportivas foram surpreendidos pelo levantamento fascista. Uma boa parte deles não teve qualquer dúvida em pegar em armas para defender as conquistas dos povos de Espanha. A experiência das Brigadas Internacionais foi fundamental já depois da Guerra Civil para forjar em diferentes países as resistências armadas ao nazi-fascismo.

    Há dias, conversava com dois amigos recém-chegados do Leste da Ucrânia que me contavam que sob o ar irrespirável de Lugansk a população não tinha opção. Ou fugiam para a Rússia ou pegavam em armas para se defenderem do regime imposto pela União Europeia e Estados Unidos. Sem água, electricidade, aquecimento e comida, pelas ruas o cheiro a morte tem o patrocínio dos banqueiros e dos grandes empresários que manobram impunemente os que nos governam. E sabemos que nenhuma das balas disparadas vai acabar na cabeça da oligarquia. Os ricos metem o dinheiro, os pobres metem os mortos.

    Imagino que as burguesias alemã e russa tenham ficado aterradas quando souberam que os soldados de ambos países confraternizavam entre si durante a I Guerra Mundial instigados pela agitação bolchevique. Essa violência absurda que leva militares ucranianos a lutar contra os seus irmãos de classe é a mesma que levou milhares de jovens portugueses a participar na matança dos povos africanos em luta. E se hoje há ucranianos do Ocidente que se batem em Donetsk e Lugansk contra o fascismo, cá mostrou-se através da Acção Revolucionária Armada que a solidariedade internacional se constrói também a partir da raiz do conflito. Um povo que oprime outro povo não pode ser livre como dizia Lénine e foi também essa dialética que derrotou o fascismo em Portugal. Um exemplo singular de que o nosso povo se deve orgulhar.

    O amor também é dinamite

    Mas a violência a que nos submetem tem os seus custos. Endurece-nos a voz como dizia Bertolt Brecht. Invariavelmente, jantar com um grupo de republicanos irlandeses vai significar ouvi-los cantar as velhas canções de resistência ao império britânico. E todas elas falam de violência. Mas há uma que se assemelha ao grito de Brecht para explicar às gerações futuras por que somos assim. Quando o norte-americano Jack Warshaw a escreveu chamava-se If they come in the morning, quando o irlandês Christy Moore a adaptou, e o povo fez dela um hino, passou a chamar-se No time for love.

    «No time for love if they come in the morning,
    No time to show tears or for fears in the morning,
    No time for goodbye, no time to ask why,
    And the sound of the siren’s the cry of the morning.»

    Depois, o grupo basco Hertzainak traduziu para euskara e o povo que luta há séculos para libertar-se de Espanha e França abraçou a canção como sua. Como explicar às mulheres e homens do futuro que não nos deixaram sequer tempo para sorrir? Como explicar-lhes que na Síria, Iraque e Curdistão o imperialismo financia a barbárie que deixa cabeças despedaçadas pelas ruas? Seria ingénuo negar que tentámos vezes sem conta mudar o mundo sem recorrer à força e em todas elas o capitalismo ensinou-nos que é uma impossibilidade. Mas mais do que isso, o mesmo capitalismo alicia a que se recorra uma e outra vez à intervenção e participação política que não admita essa possibilidade. É por isso que não tem qualquer pudor em desarticular o serviço militar obrigatório para deixar de apetrechar as classes trabalhadoras com conhecimentos que se possam voltar contra aqueles que sempre as deixaram na miséria.

    Mas seria injusto dizer que os comunistas não amam. Que não sabem o que é sorrir. É o amor à liberdade, à dignidade e à justiça que nos faz odiar o capitalismo. Os comunistas amam a vida e mais do que ninguém amam a paz. É por isso que são capazes de dar tudo para a conquistar. Incluindo a própria vida. Sobre isso, o poeta comunista turco Nazim Hikmet descreveu-o de uma das formas mais belas:

    «Hás-de saber morrer pelos homens.
    E além disso por homens que se calhar nunca viste,
    E além disso sem que ninguém te obrigue a fazê-lo,
    E além disso sabendo que a coisa mais real e bela é
    Viver.»

    Quando se escolhe viver de cabeça levantada também se é feliz ainda que isso possa comportar graves sofrimentos. Há 75 anos, Álvaro Cunhal publicava um artigo n'O Diabo em que reforçava que «quando não nos sentimos meros joguetes da evolução mas, pelo contrário, sentimos que, mesmo ao de leve, as nossas energias modificam o seu ritmo. Quando sabemos ser leais, rectos e solidários. Quando amamos profunda e extensamente e nos sentimos capazes de sacrificadas demonstrações do nosso amor. Somos felizes porque não desejamos outra vida, porque sentimos preenchida a própria função humana». É, pois, aqui que as gerações futuras terão de saber ler que o nosso amor estava barricado. Mas que era amor o que nos fazia lutar.

    aqui:http://manifesto74.blogspot.pt/2014/11/amar-em-tempos-de-guerra.html#more

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