segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Uma parte menos falada da crise de competividade.

Os problemas de competitividade que a economia portuguesa enfrenta reflectem-se no peso que as exportações têm no PIB. A intensidade das exportações tende a estar inversamente relacionada com a dimensão de um país. Tipicamente, nos países de maior dimensão - por terem um mercado interno mais alargado - o peso das exportações no PIB é mais diminuto. Pelo contrário, quanto mais pequenos forem os países, maior tende a ser a intensidade das exportações. Se tal não acontece, as notícias não podem ser boas: normalmente, isso significa que o crescimento da economia está fortemente limitado pela escassa dimensão do mercado interno.


O gráfico abaixo torna clara a situação portuguesa: sendo um país de dimensão média no contexto da UE, Portugal tem uma intensidade exportadora típica de um país de grandes dimensões (situação que só tem paralelo no caso grego).





No início da década 1960, o peso das exportações no PIB português era pouco superior a 10%. A adesão à EFTA – a primeira etapa de integração europeia de um país até então fortemente autárcico – elevou as exportações para cerca de 20% do PIB. Com a adesão à CEE, o peso das passou para perto de 30% do PIB, mantendo esse valor basicamente inalterado desde 1990. Esta estagnação contrasta com outros países europeus de dimensões semelhantes (como a Suécia, a Áustria, a República Checa e ou Hungria) que se encontravam então em patamares semelhantes, mas onde o peso das exportações no PIB cresceu de forma contínua.

Encontramos explicações para este fenómeno em factores internos e em factores externos. Em toda a década de 1990 foram criadas as condições para incentivar o desenvolvimento dos sectores não exportadores em Portugal:

- a obsessão com as auto-estradas (iniciada no período cavaquista) assegurou a lucratividade do sector da construção e obras públicas;

- a queda abrupta das taxas de juro (no período de preparação da adesão ao euro) acentuou o impulso aos sectores da construção e do imobiliário, contando com a passividade – ou o gáudio – dos governantes;

- na mesma linha, o crédito ao consumo, associado a um aumento dos rendimentos médios e a uma política favorável à expansão das grandes superfícies, conduziu ao forte crescimento da grande distribuição;

- as privatizações, centradas em empresas quase-monopolísticas em sectores relativamente protegidos, atraíram os capitais da burguesia nacional para empresas que viviam essencialmente do mercado interno (EDP, GALP, PT, BRISA, etc.);

- as estratégia de política industrial do PSD e do PS, assente na promoção das empresas (recentemente privatizadas) que se alimentam do mercado interno (e que pouco exportam), visando criar grupos económicos de dimensão internacional, traduziu-se frequentemente em condições desfavoráveis para os sectores transaccionáveis (e.g., preços de energia e telecomunicações demasiado elevados);

- aproveitando a liberalização financeira, as privatizações e a explosão imobiliária, o sistema financeiro canalizou uma parte crescente dos seus recursos para o financiamento de sectores não transaccionáveis (onde os níveis de risco são reduzidos) e para as aplicações financeiras (onde os retornos potenciais em períodos especulativos são elevados), desviando o crédito dos sectores transaccionáveis;

- finalmente, a convergência nominal para a moeda única significou uma sobrevalorização cambial, que desincentivou o investimento em sectores exportadores.

Neste contexto, não admira que em Portugal os principais grupos económicos se encontrem sistematicamente nos sectores da banca (BES, BPI, BCP, etc.), da grande distribuição (Jerónimo Martins, SONAE), da Construção (Mota-Engil, Teixeira Duarte, etc.), das telecomunicações (PT), da energia (EDP, GALP) ou das concessões (BRISA e muitas das empresas atrás referidas) – ou seja, em sectores que se alimentam do escasso mercado nacional – e raramente em sectores fortemente expostos à concorrência internacional. Isto, claro está, diz-nos muito não apenas sobre as opções políticas dominantes, mas também sobre o espírito empreendedor do capitalismo nacional.

Já no novo século, a abertura comercial da UE à China, o alargamento a Leste, a apreciação do euro face ao dólar e o aumento dos preços do petróleo, deterioraram ainda mais a capacidade competitiva de economias como a nossa.

Assim, a crise de competitividade da economia portuguesa não encontra as suas raízes estruturais no funcionamento do mercado de trabalho ou na 'burocracia', como de alguma forma sugere a recentemente anunciada Iniciativa para a Competitividade e o Emprego. Dito isto (e ficando atento às alterações à lei laboral que vêm à boleia da 'necessidade de reformas'), a prioridade que é atribuída aos sectores transaccionáveis é uma boa intenção - que só peca por vir com 20 anos de atraso. Mas ela valerá de pouco (i) se ao nível da UE não forem tomadas medidas que favoreçam a recuperação da competitividade de economias mais expostas à concorrência dos países emergentes (nomeadamente, apoios à transformação estrutural e permissão de auxílios de Estado aos sectores exportadores), (ii) se o sistema financeiro não fôr colocado ao serviço do sector exportador e (iii) se não se puser um fim à captura do Estado português pelos interesses dos grupos económicos actualmente dominantes.

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