terça-feira, 6 de novembro de 2012

Lições de manipulação

A supressão do visto de saída tornará evidente que o problema das viagens não estava no Governo cubano

por José Manzaneda [*]
A recente medida do Governo cubano de suprimir a autorização de saída para viajar para o exterior da ilha é, sem dúvida, algo que era desejado pela maioria da população cubana [1] e um passo positivo que eliminará obstáculos administrativos e agilizará o tempo de tramitação para viajar para fora de Cuba.

Mas era a citada autorização do Governo cubano o que impedia a população cubana de viajar, tal como fazem crer os grandes meios de comunicação internacionais? E, portanto, poderá esta agora viajar rapidamente e sem problemas, podendo ainda suportar os custos do seu bilhete e estadia? De todo.

A correspondente em Havana do canal público Televisión Española, Sagrario García Mascaraque, , dizia-nos o seguinte: "(Esta) é a reforma mais desejada pelos cubanos desde há muito, angustiados pelos lentos e custosos trâmites para conseguir uma autorização de saída do país, que nem sempre chegava" [2] .

A sua mensagem é clara: era o Governo quem impedia a saída do país ao seu povo, mediante obstáculos burocráticos e rejeições arbitrárias. Para sustentar esta ideia falsa, a jornalista teve de ocultar o verdadeiramente essencial: que a população cubana não tem podido viajar para o exterior apesar de ter obtido, na imensa maioria dos casos, a autorização de saída, dado que os países de chegada recusaram o correspondente visto de entrada [3] . E esta situação não vai alterar-se com a reforma migratória cubana. E mais, prevê-se que – para travar as expectativas de viajar ou emigrar que sejam criadas por esta reforma – as quotas de entrada em Espanha e outros estados do Norte serão ainda mais restringidos.

" A partir de 14 de janeiro apenas será necessário um passaporte em vigor e o visto do país de destino": a jornalista da Televisión Española relembra-nos que, agora, para sair do país, "apenas" será necessário o visto no destino, como se a sua obtenção fora um mero trâmite e não existisse uma política de negação sistemática e massiva de vistos por parte, por exemplo, do Governo de Espanha. Enquanto a correspondente sublinha os "lentos e custosos trâmites" cubanos, silencia a via crucificadora e burocrática de centenas de cubanos e cubanas no Consulado espanhol em Havana: filas intermináveis, meses de trâmites, taxas elevadas por cada ato e silêncios administrativos que, na maioria dos casos, acabam numa rejeição com a frase " possível migrante" .

Mas este aspeto essencial para que a audiência entenda o problema é silenciado pela Televisión Española e pelo resto dos grandes média, interessados em culpabilizar o Governo cubano.

Acresce que, a correspondente da Televisión Española, fazia uma afirmação incrível para alguém que já vive há quatro anos em Cuba: " (Até agora), havia muitas limitações e os que queriam abandonar a Ilha eram apelidados de traidores ". Uma mensagem que é um cliché obsoleto, quiçá real até aos anos 80, mas que nada tem a ver com o presente. O Governo cubano reconheceu publicamente, em ocasiões várias, o papel da emigração cubana na construção do país, e o seu caráter económico e não político, semelhante ao de outros países da região [4] . As palavras do presidente Raúl Castro sobre a população emigrada estão bem longe do conceito de "traidores " mencionado pela Televisión Española: "Hoje os emigrantes cubanos, na sua grande maioria, são-no por razões económicas. Este assunto sensível tem sido objeto de manipulação política e mediática durante muitos anos, com o propósito de denegrir a Revolução e torná-la inimiga dos cubanos que vivem no estrangeiro. O certo é que quase todos preservam o seu amor pela família e pela pátria que os viu nascer e manifestam, de diferentes formas, solidariedade com os seus compatriotas" [5] .

O Governo cubano tem relações normalizadas com dezenas de coletivos de emigrantes. E contra todos os clichés mediáticos que associam a emigração cubana com exílio político existe um crescente número de associações de migrantes que apoiam explicitamente a Revolução cubana [6] . Neste 20 de outubro celebra-se em Madrid, por exemplo, o Encontro de Cubanos e Cubanas residentes na Europa [7] . Irá a Televisión Española cobrir este evento? Irá informar da existência de milhares de migrantes cubanos com posições diametralmente opostas à chamada " dissidência " aliada dos EUA? Ou vai silenciá-lo da mesma forma que silencia a responsabilidade do Governo espanhol na proibição de viajar aos cidadãos de Cuba e de tantos outros países do Sul?
28/Outubro/2012
Notas
[1] www.cubainformacion.tv/...
[2] www.rtve.es/alacarta/videos/telediario/telediario-15-horas-16-10-12/1553583/
[3] www.cubainformacion.tv/...
[4] www.cubainformacion.tv/...
[5] www.youtube.com/watch?v=-mYAzECaRJg
[6] www.cubainformacion.tv/...
[7] www.cubainformacion.tv/...


Ver também:
  • A reforma da política migratória em Cuba , de Salim Lamrani.

    [*] Coordenador da Cubainformación

    O original encontra-se em www.cubainformacion.tv/... e a tradução em http://www.pelosocialismo .


    Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
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