Intervenção política e regimes alinhados: Ucrânia

A transformação da Ucrânia num estado vassalo EUA-UE tem
sido um longo processo que envolveu, em grande escala e a longo prazo, o
financiamento, a doutrinação e o recrutamento de quadros, a
organização e formação de políticos e de
arruaceiros e, sobretudo, a capacidade de aliar a acção directa
com a política eleitoral.
Conquistar o poder é um jogo de apostas altas para o império: (1)
a Ucrânia, na mão de clientes, fornece à NATO um trampolim
militar no coração da Federação Russa; (2) os
recursos industriais e agrícolas da Ucrânia fornecem uma fonte de
enorme riqueza para os investidores ocidentais e (3) a Ucrânia é
uma região estratégica para a penetração no
Cáucaso e para além dele.
Washington investiu mais de 5 mil milhões de dólares para
arranjar clientes, na sua maior parte na 'Ucrânia ocidental', em especial
em Kiev e arredores, concentrando-se em 'grupos da sociedade civil' e em
partidos políticos maleáveis e seus líderes. Em 2004, o
'investimento' político inicial dos EUA na mudança de regime
culminou na chamada 'Revolução laranja' que instalou um regime de
curta duração pró-EUA-UE. Este, porém, rapidamente
degenerou no meio de grandes escândalos de corrupção,
gestão danosa e pilhagem oligárquica do erário nacional e
dos recursos públicos que levaram à condenação do
antigo vice-presidente e à queda do regime. Novas eleições
resultaram num novo regime, que tentou manter ligações com os EUA
e com a Rússia através de acordos económicos, embora
continuasse com muitas das características odiosas (grande
corrupção endémica) do regime anterior. Os EUA e a UE,
depois de terem perdido em eleições democráticas,
relançaram as suas 'organizações de acção
directa' com um novo programa radical. Os neofascistas tomaram o poder e
instituíram uma junta ditatorial através de
manifestações violentas, vandalismo, assaltos armados e
acção da populaça. A composição da nova
junta pós-golpe reflectiu dois aspectos das organizações
políticas apadrinhadas pelos EUA; (1) políticos neoliberais para
gerir a política económica e para forjar laços mais
estreitos com a NATO, (2) e nacionalistas neofascistas/violentos para impor a
ordem pela força e com mão-de-ferro, e esmagar os 'autonomistas'
pró-russos da Crimeia, os russos étnicos e outras minorias, em
especial no sul e no leste industrializados.
Seja o que for que vier a acontecer, o golpe e a resultante junta estão
totalmente subordinados e dependentes da vontade de Washington: não
obstante a reivindicação da 'independência' ucraniana. A
junta procedeu à purga dos funcionários governamentais eleitos e
nomeados, filiados em partidos políticos do anterior regime
democrático e à perseguição dos seus apoiantes. O
seu objectivo é garantir que as subsequentes eleições
manipuladas proporcionem uma suposta legitimidade, e as eleições
sejam limitadas a dois conjuntos de clientes imperiais: os neoliberais
(auto-intitulados 'moderados') e os neofascistas, rotulados de 'nacionalistas'.
A via da Ucrânia para o poder imperialista através de um regime
colaboracionista ilustra os diversos instrumentos da construção
do império: (1) o uso de fundos estatais imperialistas, canalizados
através das ONG, para grupos políticos de fachada e a montagem
duma 'base de massas' na sociedade civil; (2) o financiamento da
acção directa de massas que leva a um golpe ('mudança de
regime'); (3) a imposição de políticas neoliberais pelo
regime cliente; (4) o financiamento imperialista da reorganização
e reagrupamento de grupos de acção directa de massas depois da
queda do primeiro regime cliente; (5) a transição dos protestos
para uma acção directa violenta como o principal pano de fundo
para os sectores extremistas (neofascistas) organizarem a tomada do poder e a
purga da oposição; (6) a organização de uma
'campanha internacional nos meios de comunicação' para apoiar a
nova junta enquanto demoniza a oposição interna e internacional
(Rússia); e (7) um poder político centralizado nas mãos da
junta, convocando 'eleições manipuladas' limitadas à
vitória de um dos dois candidatos pró-junta e
pró-imperialistas.
Em resumo, os construtores do império funcionam em vários
níveis: violento e eleitoral; social e político; e com operadores
seleccionados e rivais empenhados num único objectivo
estratégico: a tomada do poder estatal e a transformação
da elite dominante em vassalos obedientes do império.
Democracia dos Esquadrões de Morte da Colômbia: Peça
central do avanço imperialista na América Latina

Perante o declínio da influência dos EUA em todo a América
Latina, a Colômbia destaca-se como um bastião permanente dos
interesses imperialistas dos EUA: (1) a Colômbia assinou um acordo de
comércio livre com os EUA; (2) ofereceu sete bases militares e convidou
milhares de operacionais americanos da contra-insurreição; e (3)
colaborou na criação em grande escala de esquadrões de
morte paramilitares preparados para ataques transfronteiriços contra a
Venezuela, arqui-inimiga de Washington.
A oligarquia dirigente da Colômbia e as suas forças armadas
conseguiram resistir à vaga de levantamentos maciços
democráticos, nacionais e populares e de vitórias eleitorais que
deram origem aos estados pós-neoliberais no Brasil, na Argentina, na
Venezuela, no Equador, na Bolívia, no Paraguai e no Uruguai.
Enquanto a América latina avançou para
'organizações regionais' excluindo os EUA, a Colômbia
reforçou os laços com os EUA através de acordos
bilaterais. Enquanto a América latina reduziu a sua dependência
nos mercados dos EUA, a Colômbia alargou os seus elos comerciais.
Enquanto a América latina reduziu os seus laços militares com o
Pentágono, a Colômbia reforçou-os. Enquanto a
América latina avançou para uma maior inclusão social
aumentando os impostos sobre as multinacionais estrangeiras, a Colômbia
baixou os impostos a essas empresas. Enquanto a América latina expandiu
a colonização de terras para as suas populações
rurais sem terra, a Colômbia deslocou mais de 4 milhões de
camponeses, no âmbito da política contra-insurreição
de 'terra queimada', traçada pelos EUA.
A 'excepcional' submissão inabalável da Colômbia aos
interesses imperialistas dos EUA tem raízes em vários programas
de grande escala e a longo prazo traçados em Washington. Em 2000, o
presidente Bill Clinton comprometeu os EUA num programa
contra-insurreição de 6 mil milhões de dólares
(Plano Colômbia) que aumentou enormemente a brutal capacidade repressiva
da elite colombiana para confrontar os movimentos populares de base de
camponeses e trabalhadores. Juntamente com armamento e treino, as Forças
Especiais e as ideologias americanas entraram na Colômbia para
desenvolver operações terroristas militares e paramilitares
– destinadas principalmente para penetrar e dizimar a
oposição política e os movimentos sociais da sociedade
civil e assassinar activistas e líderes. Alvaro Uribe, apadrinhado pelos
EUA, um conhecido narcotraficante e a própria
personificação de um vassalo imperialista desumano, tornou-se o
presidente duma 'Democracia de Esquadrões de Morte'.
O presidente Uribe militarizou ainda mais a sociedade colombiana, trucidou os
movimentos da sociedade civil e esmagou qualquer possibilidade de um
renascimento democrático popular, como os que estavam a ocorrer em todo
o resto da América latina. Foram assassinados, torturados e encarcerados
milhares de activistas, sindicalistas, defensores dos direitos humanos e
camponeses.
O 'Sistema Colombiano' aliou o uso sistemático de paramilitares
(esquadrões da morte) para esmagar os sindicatos locais e regionais e a
oposição camponesa com a 'tecnificação' e a
massificação das forças armadas (mais de 300
mil soldados) na luta contra a insurreição popular e para 'limpar
o terreno' de simpatizantes rebeldes. Muitos milhares de milhões de
dólares do tráfico da drogas e da lavagem de dinheiro formaram a
'cola financeira' para cimentar uma forte relação entre
oligarcas, políticos, banqueiros e conselheiros americanos da
contra-insurreição – criando um terrível estado
policial com alta tecnologia nas fronteiras da Venezuela, do Equador e do
Brasil – países com substanciais movimentos de massas populares.
A mesma máquina de estado terrorista, que dizimou os movimentos sociais
pró-democracia, protegeu, promoveu e participou em
'eleições encenadas', a marca da Colômbia enquanto
'democracia de esquadrões de morte'.
As eleições realizam-se ao abrigo de uma vasta rede sobreposta de
bases militares, em que os esquadrões da morte e os traficantes de droga
ocuparam cidades e aldeias intimidando, aterrorizando e 'corrompendo' o
eleitorado. O único protesto 'seguro' nesta atmosfera repressiva tem
sido a abstenção. Os resultados eleitorais são
pré-estabelecidos: os oligarcas nunca perdem nas democracias de
esquadrões de morte, são eles os vassalos de maior
confiança do império.
Os efeitos cumulativos da purga sangrenta, que durou década e meia, da
sociedade civil colombiana pelo presidente Uribe e pelo seu sucessor, Santos,
foram eliminar qualquer oposição eleitoral consequente.
Washington conseguiu o seu ideal: um estado vassalo estável; umas
forças armadas de grande escala e obedientes; uma oligarquia ligada
às elites empresariais dos EUA; e um sistema 'eleitoral' controlado
apertadamente que nunca permite a eleição de um opositor
genuíno.
As eleições colombianas de Março de 2014 ilustram
brilhantemente o êxito da intervenção estratégica
dos EUA em colaboração com a oligarquia: a grande maioria do
eleitorado, mais de dois terços, absteve-se, demonstrando a
ausência de qualquer real legitimidade entre os votantes
elegíveis. Entre os que 'votaram', dez por cento apresentaram boletins
nulos ou em branco. A abstenção dos votantes e os votos
inutilizados foram especialmente elevados nas áreas da classe
trabalhadora que tinham sido sujeitas ao terrorismo do estado.
Dada a intensa repressão do estado, a massa dos votantes decidiu que
nenhum partido autêntico pró-democracia teria qualquer
hipótese e por isso recusaram-se a legitimar o processo. Os 30% que
votaram foram principalmente colombianos da classe urbana média e alta e
os residentes nalgumas áreas rurais totalmente controladas por
narcotraficantes e militares onde a 'votação' pode ter sido
'compulsiva'. De um total de 32 milhões de votantes elegíveis na
Colômbia, 18 milhões abstiveram-se e mais 2,3 milhões
apresentaram boletins inutilizados. As duas coligações
oligárquicas dominantes chefiadas pelo presidente Santos e pelo
ex-presidente Uribe obtiveram apenas 2,2 milhões e 2,05 milhões
de votos, respectivamente, uma fracção do número dos que
se abstiveram. Nesta farsa eleitoral, amplamente criticada, os partidos
centro-esquerda e esquerda deram um espectáculo miserável. O
sistema eleitoral da Colômbia põe um revestimento de propaganda
num estado vassalo perigoso, altamente militarizado e preparado para
desempenhar um papel estratégico nos planos dos EU para 'reconquistar' a
América latina.
Duas décadas de terror sistemático, financiado por um programa de
militarização de seis mil milhões de dólares,
garantiram que Washington não encontrará qualquer
oposição substancial na assembleia legislativa ou no
palácio presidencial em Bogotá. Isto é o 'aroma acre do
êxito, com laivos de pólvora' para os políticos dos EUA: a
violência é a parteira do estado vassalo. A Colômbia foi
transformada num trampolim para o desenvolvimento de um bloco comercial
centrado nos EUA e uma aliança militar para sabotar as alianças
regionais bolivarianas da Venezuela, como a ALBA e a Petro Caribe, assim como a
segurança nacional da Venezuela. Bogotá vai tentar influenciar os
regimes vizinhos de direita e centro-esquerda, pressionando-os para aderirem ao
império dos EUA contra a Venezuela.
Conclusão
A organização da subversão em grande escala e a longo
prazo na Ucrânia e na Colômbia, assim como o
financiamento de organizações paramilitares e da sociedade civil
(ONG), têm possibilitado a Washington: (1) construir
alianças
estratégicas; (2) montar ligações a oligarcas,
políticos maleáveis e assassinos paramilitares e (3)
aplicar o
terrorismo político para a sua tomada de poder estatal. Os planeadores
imperialistas criaram assim 'estados modelo' – desprovidos de opositores
consequentes e 'abertos' a eleições de farsa entre
políticos vassalos rivais.
Golpes e juntas, orquestrados por políticos mandatados de longa data, e
estados fortemente militarizados dirigidos por 'Executivos de
Esquadrões da Morte' são legitimados por sistemas eleitorais
destinados a expandir e reforçar o poder imperialista.
Ao tornar impossíveis os processos democráticos e as reformas
populares pacíficas e ao derrubar governos independentes,
democraticamente eleitos, Washington está a tornar inevitáveis
guerras e levantamentos violentos.